Em “Os anjos”, Renato Russo canta: “Hoje não dá/ Vou consertar a minha asa quebrada/ E descansar”. Os textos reunidos neste livro foram escritos justamente durante um período de recolhimento, quando — enfraquecido psíquica e emocionalmente, com uma história afetiva saturada de relacionamentos destrutivos, a dependência química levando-o ao que chamou de “meu fundo do poço” — o compositor se internou na clínica de reabilitação Vila Serena, no Rio de Janeiro. Foi consertar a sua asa quebrada e descansar por uns dias.
Como parte do tratamento, Renato escrevia; contava como tinha sido seu dia na instituição, lembrava episódios que o ajudavam a entender por que havia chegado àquela situação. Só por hoje e para sempre traz organizado esse conjunto de folhas soltas que documentam a mente do artista e do homem. Muitas vezes as bordas, cabeçalhos e rodapés dessas folhas eram ilustrados com desenhos dele, que procuramos reproduzir aqui. Da exposição de sua intimidade e de seus pensamentos — entremeados com memórias que remontam ao Aborto Elétrico e passam pelos bastidores da Legião Urbana, listam amigos e amores, desilusões e sucessos — o que emerge não é uma figura derrotada, mas a figura de alguém com sede de reaver a saúde e o equilíbrio.
O plano de tratamento que se encontra nas primeiras páginas do livro foi usado como espinha dorsal na organização do material. Ali estavam as tarefas propostas a Renato seguindo o Programa dos Doze Passos, criado pelos fundadores dos Alcoólicos Anônimos como base de sua terapia.1
O diário constitui-se, portanto, das respostas às tarefas do plano de tratamento e das Folhas de Eventos Significativos (FES), nas quais os internos relatavam seu dia a dia. Muitas das folhas de perguntas não foram localizadas nem nos arquivos de Renato nem nos arquivos da Vila Serena, mas optamos por manter as respostas na íntegra a fim de proporcionar o acesso a um material mais amplo, mesmo que, sem as perguntas, por vezes se perca parte do sentido das respostas.
Preservamos ainda as abreviações usadas pelo autor, os trechos que ele rasurou e seus grifos, para permitir que o leitor se aproxime ao máximo de sua forma de pensamento e criação. Importante ressaltar, por fim, que os padrões para caixa-alta e palavras estrangeiras adotadas pelo autor foram mantidos.
“Os anjos”, a canção mencionada no início desta nota, está em O descobrimento do Brasil, álbum da Legião Urbana lançado naquele mesmo ano, 1993, poucos meses depois de Renato deixar a clínica. Disco que em grande medida é um reflexo do olhar captado no período documentado nas páginas deste livro. Esse olhar mostra a aspereza cruel do mundo e da vida, mas acredita na possibilidade de se rabiscar com giz, no chão, “o sol que a chuva apagou” (como diz a letra de “Giz”). E afirma, como o artista faz na canção “Só por hoje”, que “posso até ficar triste se eu quiser”, mas com a consciência de que “só por hoje vou me lembrar que sou feliz”.
As notas chamadas por número são desta edição e estão no fim do volume. As notas de rodapé, chamadas por asterisco ou números romanos, são do autor.