6. O processo de usucapião imobiliário extrajudicial registral

6.1 Procedimento comum

6.1.1 Introdução

O art. 216-A da Lei n. 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos (LRP), inserido pelo novo CPC, estabeleceu o procedimento comum de usucapião extrajudicial registral.

A aquisição da propriedade pela usucapião dá-se pelo implemento dos seus requisitos materiais, de acordo com a espécie de usucapião em questão. Este é o entendimento que se tem tido a respeito da questão conforme viu-se acima.

A decisão que a reconhece, judicial ou extrajudicial, é meramente declaratória; o registro da usucapião no Registro Imobiliário é também declaratório, isto é, faz com que a aquisição seja publicizada, tendo o efeito de tornar o direito adquirido oponível erga omnes e disponível como um direito real. Antes do registro, o direito, embora adquirido, não goza de eficácia erga omnes, nem de disponibilidade enquanto um direito real.

Pela sistemática do Código de Processo Civil de 1973, o reconhecimento do implemento dos requisitos materiais da usucapião, isto é, o reconhecimento da aquisição da propriedade imóvel pela usucapião, somente poderia dar-se na via jurisdicional, pelo Juízo competente, devendo este expedir mandado (art. 945 do CPC/73) ao Oficial do Registro de Imóveis com atribuição territorial para o ato, contendo os requisitos previstos nos arts. 226, 225, e 176 da Lei n. 6.015/73, para que este procedesse ao registro.

A publicidade registral da sentença de procedência da usucapião, mediante mandado de registro, é que conferia publicidade contra terceiros acerca de tal aquisição, e disponibilidade do direito real adquirido.

O procedimento do processo de usucapião encontrava-se regido, no Código Processual Civil de 1973, nos arts. 941 a 945, exigindo-se petição na qual o autor identificasse o imóvel usucapiendo explicitando claramente a causa de pedir e os elementos autorizadores da usucapião, instruída com a planta e memorial descritivo do imóvel, devendo ser citados o proprietário tabular do imóvel – aquele em cujo nome encontra-se o registro imobiliário, bem como os proprietários dos imóveis confrontantes. Os cônjuges do proprietário e dos confrontantes também deveriam ser incluídos no polo passivo processual, e, portanto, citados. Deveriam ser citados por edital os réus (proprietário tabular e confrontantes) em lugar incerto e não sabido, caso em que lhes deveria ser nomeado curador122, bem como os eventuais interessados.

Havia a necessidade de instauração de um litisconsórcio – necessário, portanto – entre os réus, o qual não era todavia unitário, podendo os réus não receberem, na sentença, tratamento idêntico. Os prazos, assim, eram contados em dobro.

A União, o Estado ou Distrito Federal, e o Município deveriam ser intimados para que se manifestassem acerca de eventual interesse na causa, na medida em que os imóveis públicos são insuscetíveis de usucapião.

Da mesma forma, deveria ser intimado o Ministério Público.

Embora a lei processual civil determinasse a intimação em todos os casos, havia entendimento administrativo do próprio Ministério Público asseverando que somente nos casos em que houvesse justificativa para que se atuasse como fiscal da lei é que deveria o Ministério Público atuar, como, por exemplo, por haver interesse de menor envolvido123.

Após tais citações e intimações, o procedimento seguiria pelo rito ordinário, e, excepcionalmente, pelo rito sumário, no caso de usucapião coletiva (art. 14 da Lei n. 10.257/2001), podendo haver julgamento antecipado da lide caso não houvesse impugnação ao pedido por parte dos entes públicos ou do Ministério Público, e entendesse o Juiz não haver necessidade de produção de outras provas.

O art. 1.071 do novo Código de Processo Civil, que inseriu o art. 216-A na Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), alterou profundamente este panorama.

Deu tal artigo uma guinada jurídica de 180 graus no procedimento da aquisição da propriedade imóvel pela usucapião.

O procedimento, que deveria ser sempre jurisdicional, passou a poder ser extrajudicial, parecendo, inclusive, que pretendeu o legislador tornar a forma extrajudicial a regra em matéria de usucapião amigável, fomentando-a, na medida em que a disciplinou pormenorizadamente, com mais fôlego até do que a disciplina que existia no Código de 1973, ao passo que deixou de tratar de maneira específica do procedimento de usucapião judicial, o qual, embora ainda sendo possível, e necessário em alguns casos, passou a estar englobado pelo procedimento processual comum.

A aquisição da propriedade pela usucapião, que sempre foi matéria afeta ao processo jurisdicional civil, passou agora a ser afeta também e preferencialmente ao processo registral imobiliário, cabendo à parte a escolha da via a adotar.

Optando as partes pelo procedimento extrajudicial de usucapião, submeterão seu pedido ao Oficial de Registro de Imóveis que tenha atribuição territorial para tanto, que é o Oficial da circunscrição imobiliária na qual situa-se o imóvel, o qual presidirá e conduzirá o processo124, deferindo ou indeferindo o pedido de usucapião, de acordo com o procedimento estabelecido em lei.

É do Oficial de Registro a atribuição de presidir e decidir o processo administrativo comum de usucapião, não havendo necessidade de homologação judicial. Trata-se de processo administrativo, que versa sobre direitos patrimoniais disponíveis, e que dispensa, assim, a intervenção judicial bem como a do Ministério Público, as quais não são exigidas pela norma jurídica que estabelece o procedimento.

É de se questionar se no caso de a pessoa que adquire o direito real pela usucapião, ou da que o perde, for incapaz, haverá necessidade de alvará judicial para que possa manifestar sua vontade. Vale dizer, uma vez que a usucapião implementa-se, segundo entendimento unânime, no direito brasileiro, ipso iure com o implemento dos requisitos materiais, sendo o seu reconhecimento posterior apenas declaratório, haverá ato que ultrapassa a mera administração no requerimento ou na concordância de um processo de usucapião?

Se a resposta for positiva, então o representante ou assistente do incapaz deverá ter alvará judicial para tanto (arts. 1.691, 1.748 e 1.774 do Código Civil). Em caso contrário, não.

Importante gizar, por fim, que não se confundem os processos judicial e extrajudicial de usucapião, nem no que diz respeito ao procedimento, nem aos efeitos.

No que toca aos efeitos, o procedimento judicial produz litispendência e coisa julgada, ao passo que o extrajudicial registral, por conta de sua natureza administrativa, não, embora ambos reconheçam uma aquisição originária de algum direito real imobiliário.

É de se questionar se a usucapião especial urbana coletiva poderia ser reconhecida pela via registral, uma vez que o art. 10, § 2º, da Lei n. 10.257/2001, assevera que tal usucapião será declarada pelo Juiz, por sentença, bem como, em seu art. 11, que tal ação de usucapião sobrestará, durante seu curso, qualquer outra ação, petitória ou possessória, a respeito do imóvel usucapiendo.

Tal questão não comporta uma resposta inatacável, e certamente discussões serão travadas a respeito, todavia, parece-nos, à primeira vista, que também a usucapião especial urbana coletiva poderá ser levada a cabo por processo administrativo registral.

O fato de o art. 10 do aludido diploma legal referir-se ao reconhecimento judicial simplesmente denota, em nosso entender, não uma determinação a esse respeito, mas um reconhecimento da única forma de declarar-se a usucapião existente até então. Somente poderia ser declarada pelo Juiz em sentença.

Com o advento do art. 216-A da LRP e a alteração paradigmática por ele trazida, reclama-se uma releitura do art. 10 da Lei n. 10.257/2001, agora de acordo com a nova sistemática da usucapião, e tal hermenêutica leva à conclusão de que, havendo o reconhecimento da possibilidade da usucapião extrajudicial, ela somente será declarada pelo Juiz, por sentença, quando for judicialmente provocada, o que não impede a provocação administrativa, agora permitida.

Este é o entendimento que se deve ter, em nosso sentir, do aludido art. 10.

No que diz respeito ao art. 11, somente aplica-se ao processo de usucapião judicial, uma vez que o processo administrativo não poderia ter tal efeito, salvo disposição legal expressa, pois, não é de sua natureza produzir litispendência ou coisa julgada, de maneira que, salvo se a lei dissesse expressamente o contrário – coisa que não ocorre –, não poderia ele obstar o curso de ações judiciais petitórias ou possessórias.

6.1.2 Requisitos

O processo extrajudicial de usucapião é processado perante o Registro de Imóveis em cuja circunscrição territorial situe-se o imóvel usucapiendo, e será presidido e decidido pelo Oficial de Registro de Imóveis, por si ou seus prepostos autorizados.

Apesar de o caput do art. 216-A da LRP rezar que tal processo de usucapião será processado “diretamente perante o cartório de registro de imóveis da comarca (grifo nosso) em que estiver situado o imóvel usucapiendo”, há um pecadilho técnico-redacional, uma vez que a circunscrição imobiliária de certo Registro Imobiliário poderá abranger toda a Comarca, ou poderá abranger parte de uma Comarca, nos casos em que esta esteja desdobrada em mais de uma circunscrição imobiliária.

Para que possa instaurar-se, perante o Oficial de Registro de Imóveis, o processo de usucapião extrajudicial comum, é necessário primeiramente que a parte que tenha legitimidade ativa para tanto requeira tal instauração ao Oficial, uma vez que reza o princípio da instância registral que o Registrador, salvo raras exceções previstas em lei, não poderá atuar de ofício, mas somente diante e dentro do solicitado pela parte legitimada a requerer.

O requerimento no Registro de Imóveis, por vezes, pode ser tácito, porém, no caso do processo extrajudicial de usucapião, deverá ser expresso e especial, consubstanciado em um instrumento público, ou particular com firma reconhecida (art. 221, II, da LRP).

No requerimento, peça inicial do processo de usucapião extrajudicial, deverá a parte legitimada requerer a instauração do procedimento administrativo bem como o registro da usucapião ao final, justificando pormenorizadamente o seu direito à usucapião, detalhando qual a espécie de usucapião aplicável ao caso, no seu entender, bem como relatando minuciosamente acerca do preenchimento dos requisitos materiais para a aquisição pela usucapião no caso concreto alegado, o que deverá, por certo, ser provado subsequentemente ao Oficial de Registro pelos meios de prova admitidos.

Deverá o requerente asseverar, detalhadamente, acerca de qual o suporte fático de norma jurídica que foi concretizado, e sobre como se deu tal concretização.

Deverá detalhar se há, ou não, por exemplo, accessio possessionis, justo título, posse mansa, pacífica e ininterrupta pelo prazo necessário etc., de acordo com a modalidade de usucapião invocada.

Tal detalhamento dos fundamentos de fato e de direito que autorizam o deferimento do pedido feito é importante para que possa o Registrador entender exatamente o que se pede, e sob qual fundamento, a fim de que possa melhor analisar tal pedido.

É de se notar, entretanto, que não há na lei tal exigência, de modo que, parece-nos, apesar de importante, se não for ela cumprida, havendo apenas requerimento expresso e especial para que se reconheça e registre a usucapião, sem indicação de qual seja a espécie nem os fundamentos que a autoriza, poderá o Oficial de Registro deferir o pedido se tiver condições de depreender tais elementos da documentação apresentada juntamente com o requerimento, bem como das demais provas eventualmente produzidas.

A parte legitimada a requerer a usucapião extrajudicialmente deverá fazer-se representar por advogado, nos termos do caput do art. 216-A da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos – LRP). Não poderá requerer diretamente ao Registrador, salvo se advogando em causa própria.

Assim, deverá ser juntada necessariamente ao requerimento a prova da representação do advogado, isto é, a procuração com poderes suficientes para requerer a usucapião extrajudicial, ou a prova de tratar-se o requerente de advogado, em caso de advogar em causa própria.

A procuração poderá ser por instrumento público ou particular, e deverá ter poderes especiais e expressos, uma vez que implica em ato que extrapola a mera administração (art. 661 do Código Civil). Sendo por instrumento particular, haverá necessidade de que a firma esteja reconhecida por Tabelião, nos termos do art. 221, II, da LRP.

Ordinariamente, na esfera registral imobiliária, não há a necessidade de a parte interessada fazer-se representar por advogado; não é somente o advogado que tem jus postulandi na esfera registral, ao contrário do que ocorre, no Direito brasileiro, na esfera judicial.

Todavia, excepcionalmente, em matéria de processo extrajudicial de usucapião, pelo procedimento comum previsto no art. 216-A da LRP, haverá a necessidade de a parte postulante ser representada por advogado, por expressa disposição legal, como reminiscência do processo jurisdicional, cuja necessidade, na esfera registral, é, no mínimo, discutível tecnicamente, uma vez que não há litígio instaurado.

O requerimento da parte interessada deverá estar instruído com os documentos constantes dos incisos I a IV do aludido dispositivo legal.

I – Primeiramente, nos termos do inciso I, deve a peça inicial fazer-se acompanhar por ata notarial atestando o tempo de posse, do usucapiente ou de seus antecessores (caso haja accessio ou successio possessionis), aplicável ao caso invocado de usucapião.

A ata notarial é o instrumento público mediante o qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento. É a apreensão de um ato ou fato, pelo notário, e a transcrição dessa percepção em documento próprio.

A ata notarial decorre do poder geral de autenticação de que é dotado o notário, pelo qual lhe é atribuído o poder de narrar fatos com autenticidade, atribuição essa que se encontra insculpida no art. 6º, III, da Lei n. 8.935/94. Tal atribuição é ínsita ao Tabelião e decorre da natureza jurídica da atividade notarial aliada à fé pública de que é dotado o Tabelião.

Do conceito de ata notarial, podemos depreender o seu objeto, qual seja, a mera apreensão de um fato jurídico e a sua transladação, sem alteração, para o livro notarial, ou para outro documento, conforme seja a ata protocolar ou extraprotocolar125.

O objeto da ata notarial é, portanto, um fato jurídico captado pelo Notário, por intermédio de seus sentidos, e transcrito no documento apropriado; é mera narração de fato verificado, não podendo haver por parte do Notário qualquer alteração, interpretação ou adaptação do fato, ou juízo de valor.

Se o conteúdo da ata resume-se a fatos captados pelo notário, cumpre perquirir acerca da possibilidade, ou não, de o Tabelião narrar, em ata, um ato jurídico presenciado e, para nós, a resposta deve ser positiva.

O objeto da ata notarial é obtido por exclusão, isto é, para ser objeto de ata notarial não pode ser objeto de escritura pública, uma vez que esta subsume aquela, e a diferença básica entre ambas é a existência, ou não, de declaração de vontade, que está presente na escritura e ausente na ata. Assim, não pode o Tabelião recepcionar uma declaração de vontade destinada a compor um suporte fáctico abstrato126, mediante ata notarial; a recepção de tal manifestação de vontade, que caracteriza o ato jurídico lato sensu – seja ato jurídico stricto sensu, seja negócio jurídico –, dar-se-á mediante escritura pública, pela qual o Notário não somente recepcionará tal vontade, como a moldará juridicamente. Na ata há a narração de um fato que se caracteriza pela ausência de manifestação de vontade.

A ausência de manifestação de vontade é justamente o que caracteriza o fato jurídico, que é o objeto da ata notarial. Nesse diapasão, leciona Marcos Bernardes de Mello, que fato jurídico (stricto sensu) é aquele no qual, “na composição do seu suporte fáctico, entram apenas fatos da natureza, independentes de ato humano como dado essencial”127, como, por exemplo, a morte, o implemento da idade, e a avulsão.

Dizer que o conteúdo da ata notarial é um fato jurídico não exclui entretanto a possibilidade de que alguns atos humanos venham a sê-lo. Há atos humanos que, desde logo, fazem saltar aos olhos a possibilidade de ser objeto de ata, como, por exemplo, a narração da entrega de um objeto de uma pessoa a outra. Seria isso a quebra da regra acima estipulada? Efetivamente não. Trata-se sim de um ato-fato jurídico, isto é, de uma atividade volitiva humana, no mundo dos fatos, que ingressa no mundo jurídico como fato, visto que para o Direito, nesta situação, a vontade humana é irrelevante por não integrar o suporte fáctico abstrato. Consoante esclarece o jurista maior Pontes de Miranda, neste caso “o ato é recebido pelo direito como fato do homem”128, desimportando assim a vontade eventualmente presente, como ocorre, verbi gratia, nos atos reais, dentre os quais se encontra a tradição de coisa móvel. No ato-fato jurídico, “o ato humano é da substância do fato jurídico, mas não importa para a norma se houve, ou não, vontade em praticá-lo”129.

Dizer que o conteúdo da ata notarial é um fato jurídico quer significar em síntese que não pode haver na ata notarial a narração de vontade humana ou, em havendo, não pode a declaração de vontade estar endereçada ao Tabelião e destinada a concretizar o suporte fáctico abstrato descrito na norma jurídica, isto é, não pode tal declaração de vontade destinar-se a celebrar, pelo instrumento público notarial, um ato jurídico130; o Notário pode, entretanto, ser mero observador daquelas vontades, não as recepcionando. Daí que é possível lavrar uma ata notarial de uma assembleia de uma pessoa jurídica, ou da celebração de um contrato verbal, pois, embora se trate de um ato jurídico, a vontade não está endereçada ao notário que, tão somente, narra o acontecido, caso em que o narrado na ata notarial, por si só, constitui-se num ato-fato jurídico. Nesse mesmo sentido, não seria possível a lavratura de ata notarial que presenciasse a celebração de um contrato de compra e venda de bem imóvel, para o qual a lei exige a escritura pública, uma vez que neste caso, por exigência legal, deve a manifestação de vontade das partes ser endereçada ao Notário, que a receberá e a moldará juridicamente, lavrando o instrumento adequado.

Vê-se, assim, a importância da teoria do fato jurídico a fim de definir e delimitar o objeto da ata notarial, e poder diferenciá-lo corretamente do objeto da escritura pública, ambas espécies do gênero ato notarial.

Note-se que na ata notarial deve o Tabelião limitar-se a narrar o fato por ele verificado, abstendo-se de emitir qualquer juízo de valor131.

O Notário, desta forma, para instruir o pedido de usucapião extrajudicial, lavrará ata notarial, a pedido da parte interessada, na qual deverá narrar, com presunção relativa derivada de sua fé pública, os elementos que puder coletar a respeito da titularidade, do tempo e da qualidade da posse existente sobre o imóvel usucapiendo.

Para tanto, poderá o Notário, por exemplo, descrever a situação possessória que captou por seus sentidos visualizando o imóvel, colher declarações de pessoas132 que possam algo dizer sobre o tema, como vizinhos, enfim, narrar todos os elementos que puder coletar por seus sentidos a respeito de todas as situações que possam esclarecer sobre quem exerce a posse do imóvel usucapiendo, o tempo e a qualidade da posse do usucapiente, e que não tenham origem documental, pois neste último caso desnecessária será a ata notarial, incidindo o inciso IV, adiante analisado.

Será importante coletar elementos que possam dizer algo a respeito da qualidade da posse, em primeiro lugar. A posse é ad usucapionem ou ad interdicta? Se o Notário tiver condições de perceber algo a este respeito, deverá narrar na ata, da mesma forma que deverá narrar alguma percepção que possa ajudar a esclarecer se se trata de posse de boa ou de má-fé, quando este elemento tiver relevância em razão da espécie de usucapião invocada.

Quem está na posse do imóvel que se pretende usucapir e há quanto tempo são questões para as quais deve o Notário tentar captar respostas.

O imóvel em que recai a posse é outro elemento importante sobre o qual deve perquerir o Tabelião. Não há necessidade de precisão na descrição do imóvel dado que o Tabelião poderá não ter elementos técnicos para tanto, embora nada obste que seja ele acompanhado por profissional técnico indicado pela parte requerente da ata, o qual indique as descrições levantadas, sendo isto narrado na ata notarial. O que importa é que a ata não conflite com o projeto e memorial, que terão a descrição do imóvel que será levada em conta em caso de deferimento do pedido.

Nada obsta que sejam apresentadas tantas atas quantas forem necessárias, não havendo obrigação de que apenas uma ata notarial exista.

Assim, por exemplo, se for lavrada certa ata notarial a respeito de certos elementos, e, um mês depois, lembrarem as partes requerentes que há outro elemento importante que deva ser perpetuado em atal notarial, poderá ser lavrada nova ata, sendo ambas apresentadas ao Registrador Imobiliário, podendo esta segunda ata ser apresentada juntamente com o requerimento, se ele ainda não foi protolado, ou podendo ser juntada no processo posteriormente.

Havendo necessidade de haver mais de uma ata notarial, não necessitam elas ser produzidas pelo mesmo Notário, podendo, ainda, ser feitas por Notários de localidades diferentes.

Imagine-se, por exemplo, a situação de alguém que foi vizinho do imóvel usucapiendo durante trinta anos, e, há um mês, mudou-se para outra Comarca. Poderá, sem problema algum, Notário dessa outra Comarca, diversa da do imóvel usucapiendo, lavrar ata notarial das declarações deste vizinho.

Obviamente que as atas notariais que sejam lavradas na localização do imóvel somente poderão ser feitas pelo Notário que tenha atribuição territorial para a localidade, por força do disposto no art. 9º da Lei n. 8.935/94.

Na ata notarial, o Notário não faz juízo de valor, mas apenas transcreve o que percebe por seus sentidos, de modo que deve ele narrar o que verificar e que possa colaborar para esclarecer sobre a qualidade e o tempo da posse existente por aquele que pretende usucapir certo bem imóvel.

Em outras palavras, o notário, na ata notarial, limitar-se-á a narrar com fé pública o que puder verificar sobre a posse daquele que pretende usucapir. Não lhe cabe decidir a respeito.

A decisão a respeito da procedência do pedido de usucapião, a análise do conjunto probatório, o juízo de valor, enfim, caberá ao Oficial de Registro. É o Oficial de Registro de Imóveis quem fará o juízo de valor a respeito do conjunto probatório erigido, o qual a ata notarial integra juntamente com outros elementos de prova, não sendo, pois, o único elemento.

II – Deverão também instruir o pedido inicial de usucapião planta e memorial descritivo contendo a descrição do imóvel usucapiendo, assinados por profissional legalmente habilitado pelo CREA ou pelo CAU, acompanhados da prova de anotação de responsabilidade técnica no conselho profissional devidamente quitada.

É o que dispõe o inciso II do ora comentado artigo.

A planta e o memorial descritivo deverão indicar o imóvel usucapiendo e seus confrontantes mediante seus números de matrícula ou transcrição, indicando ainda os titulares de direitos sobre tais imóveis, com seu nome e qualificação mínima que permita sua identificação, tal como número de CPF ou carteira de identidade, a fim de que possa o Registrador identificar em tais documentos os imóveis e os titulares de direito envolvidos no processo.

A descrição do imóvel usucapiendo deverá obedecer aos requisitos de especialidade objetiva insculpidos nos arts. 176 e 225 da LRP.

Além do profissional habilitado, que deverá assinar tanto a planta quanto o memorial por ele elaborados, sob sua responsabilidade, deverão assinar concordando com o trabalho técnico, e com o pedido, o requerente da usucapião e o possuidor ad usucapionem, se diferirem, bem como todos os titulares de direitos, reais ou não, registrados ou averbados nas matrículas ou transcrições do imóvel usucapiendo e de seus confrontantes.

É que a usucapião, por ser aquisição originária de direito real, tem potencial extintivo de direitos publicizados no Registro Imobiliário133, sejam reais ou pessoais, de modo que se deve oportunizar a todos os seus titulares, potencialmente afetados, a possibilidade de impugnar o pedido.

A usucapião extrajudicial registral somente é permitida quando for amigável, isto é, quando não houver litígio a respeito do pedido. Em havendo litígio, deverá o processo ser judicial, uma vez que, pelo estado atual do ordenamento jurídico, não é dado ao Oficial de Registro decidir sobre litígios.

O fato de ser a usucapião extrajudicial registral amigável, embora mantendo seu caráter de aquisição originária do direito real, tem implicações importantes e que consistem em pontos de divergência em relação à usucapião judicial.

Em relação à planta e memorial descritivo refletem também tais especificidades.

Em regra, as aquisições originárias, para seu registro no Registro de Imóveis, independem da localização do registro anterior, o que só é insuperável sendo a transmissão derivada. A mesma regra vale para o caso de não se localizarem as matrículas ou transcrições dos imóveis confinantes.

Assim, em caso de usucapião judicial, por exemplo, o registro do mandado é possível ainda que não se tenha logrado descobrir qual a matrícula ou transcrição de onde sai o imóvel usucapido. A descoberta de tal informação é adequada a fim de possibilitar uma averbação na matrícula ou transcrição de onde sai o imóvel usucapido, com o intuito de manter a higidez da cadeia proprietária e evitar duplicidade matricial. Porém, se não houver possibilidade de tal localização, isso não impedirá o registro do mandado de usucapião, uma vez que se trata de aquisição originária, e que o MM. Juiz do processo há de ter tratado judicialmente da questão, mediante citação por edital por exemplo.

A sorte, no entanto, é outra quando se trata de usucapião extrajudicial.

Apesar de continuar sendo, certamente, aquisição originária, a necessidade de que seja amigável, isto é, de que haja a anuência dos titulares de direitos do imóvel usucapiendo bem como dos confrontantes, faz com que haja a necessidade de se localizar a matrícula ou transcrição do imóvel objeto da usucapião bem como de seus confinantes, sem o que inviabilizado estará o processo de usucapião extrajudicial registral.

Pela dicção do inciso II (“planta e memorial descritivo assinado…”), parece que, salvo o profissional habilitado, que inegavelmente deve assinar ambos, os demais titulares de direitos, usucapiente ou requerente, deveriam assinar somente o memorial, o que não parece ser a melhor compreensão. A planta é geralmente mais compreensível ao leigo, porque permite visualizar a área usucapida e as confrontantes, de modo a compreender melhor a situação, coisa que o memorial descritivo, salvo em casos de descrições muito singelas, não permite.

Desta forma, parece que a anuência deva ser dada na planta, a fim de garantir a melhor compreensão do que se está anuindo, e não no memorial, em nada obstando – e até sendo preferível – que se anua em ambos.

III – Deverão ser apresentadas com o requerimento, ainda, nos termos do inciso III, “certidões negativas da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente”.

Tal exigência suscita algumas questões, e parece ser por vezes inócua, por vezes imprecisa, embora possa ter, e há que se encontrar, algum conteúdo técnico.

Imagina-se que tais certidões refiram-se a todos os distribuidores judiciais, da Justiça Estadual comum, bem como da Justiça Federal, comum e especial. Assim, deveriam ser buscadas certidões na Justiça Estadual comum, civil e criminal, na Justiça Federal comum, civil e criminal, e na Justiça do Trabalho, que são as costumeiras certidões buscadas quando se pretende explicitar a situação judicial de certa pessoa. Não se costuma incluir neste rol a Justiça Militar, Estadual e Federal.

Assim, tais certidões devem ser juntadas à inicial no processo de usucapião extrajudicial, em sua forma negativa, segundo teor do artigo.

Certamente, as certidões estaduais e as federais da Justiça Federal comum poderão ser úteis para detectar alguma situação que impeça o deferimento, como, por exemplo, a informação de que há uma ação possessória do proprietário tabular contra o possuidor requerente, cuja citação teve o escopo de interromper o prazo prescricional aquisitivo (art. 202, I, do Código Civil), ou uma ação reivindicatória da União contra o requerente da usucapião, por ser o imóvel público.

Todavia, parece parar por aí o interesse em tais certidões, de modo que o melhor seria não exigi-las, e deixar que fossem matéria de defesa, cujo ônus seria do impugnante.

Parece, mais, parar antes o interesse por tais certidões, na medida em que a Lei n. 13.097/2015, em seus arts. 54, 55, e 56, determina que as ações que possam afetar algum direito constante do registro imobiliário devam estar publicizadas na matrícula do imóvel para que possam produzir efeito contra todos.

Despiciendas, assim, parece-nos, tais certidões, mas o fato é que a lei posterior e especial as exige, de modo que deverá o Registrador exigi-las.

Apesar de o texto legal asseverar que as certidões devem ser negativas, somente nos casos em que a positividade da certidão representar um empecilho ao reconhecimento da usucapião, porque afeta algum de seus requisitos obrigatórios, como, por exemplo, a posse mansa, pacífica e duradoura, é que terá ela que ser negativa. Caso seja positiva, mas as ocorrências nenhuma relação tiverem com o reconhecimento da usucapião, a positividade da certidão em nada afetará a possibilidade de reconhecimento extrajudicial do pedido, apesar de o teor do comentado inciso fazer parecer o contrário.

Assim, verbi gratia, se as certidões apontarem algumas ações pessoais de cobrança em que o requerente da usucapião seja o réu, em nada afetará o andamento da usucapião; pelo contrário, a aquisição pela usucapião até interessará aos possíveis credores e à efetivação de uma possível sentença de procedência. Por esta razão, a certidão trabalhista nada pode acrescentar à análise do pedido de usucapião, razão pela qual deve-se entender como excluída da exigência legal.

Caso alguma certidão dê notícia de haver já uma ação judicial de usucapião, do mesmo imóvel, pelo mesmo autor, contra os mesmos réus, haverá litispendência?

Caso a ação, idêntica, com os mesmos elementos, já tenha sido decidida, seja procedente ou improcedente, e tenha feito coisa julgada, não poderá a questão voltar a ser discutida registralmente, de modo que deve o Oficial de Registro qualificar negativamente o pedido.

Todavia, se houver ação, mas ainda não houver decisão transitada em julgado, parece não haver litispendência entre a jurisdição judicial e a jurisdição registral, de modo que não haverá qualquer impedimento para que o Oficial de Registro receba e analise o pedido.

Certamente, a decisão do Juiz prevalecerá sobre a do Registrador, de modo que parece que este deverá comunicar àquele sobre o pedido administrativo feito, para que aquele determine a este o que entender cabível, de acordo com a convicção que formar ao analisar os autos judiciais da usucapião.

Mas inúmeras são as possibilidades. Pode, por exemplo, o Registrador decidir antes do Juiz, de modo que a decisão jurisdicional, posterior, poderá modificar ou não a do Registrador. O Registrador pode negar o pedido e o Juiz deferir, e mandar registrar a usucapião; o Registrador pode deferir o pedido, e o Juiz pode indeferi-lo, e mandar cancelar o registro de usucapião feito; o Registrador pode deferir o pedido, e o autor desistir do processo judicial nas situações em que for possível (art. 485, VIII, §§ 4º e 5º, do NCPC); o Registrador pode deferir o pedido, e registrar a usucapião, e o Juiz pode também deferir o pedido, o que possibilitaria, em nosso ver, um novo registro da mesma usucapião, agora judicial e dotada de coisa julgada material, cujos efeitos são mais severos do que a usucapião extrajudicial.

Pode, ainda, o Juiz decidir antes, o que terá o condão de definir a questão após o trânsito em julgado, devendo ser então encerrado o processo de usucapião extrajudicial, ainda que não decidido, pois nada mais poderá ser decidido pelo Registrador, dada a coisa julgada da decisão judicial.

IV – Por fim, o pedido do requerente deverá ser instruído com o justo título, se for o caso, e qualquer outro documento que faça prova dos requisitos cabíveis à espécie de usucapião invocada, nos termos do inciso IV do aludido artigo.

A primeira questão a ser analisada é a de se o justo título sempre seria necessário na usucapião extrajudicial registral, uma vez que a dicção do aludido inciso IV pode fazer isto parecer.

Efetivamente não é esta a melhor interpretação do inciso.

O procedimento extrajudicial de usucapião serve para reconhecer a aquisição material de um direito real pela usucapião, e o justo título somente será necessário quando a espécie de usucapião invocada reclamá-lo.

Assim, se a usucapião invocada for, por exemplo, a extraordinária, não há que se falar em apresentação de justo título.

Em segundo lugar, cumpre entender adequadamente a expressão “justo título ou (grifo nosso) quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse”.

Este “ou” há que ser entendido apenas como opção porque pode não haver prova documental a respeito da posse, e não no sentido de que possa o justo título, quando exigível, ser substituído por outros documentos que provem a posse.

Desta forma, havendo, ademais do justo título quando exigível, documentos que façam prova a respeito da origem, continuidade, natureza e tempo da posse, deverão eles ser juntados com o requerimento.

São exemplos de tais documentos comprovantes de pagamento de tributos sobre o imóvel, um compromisso de compra e venda, um recibo de pagamento de compra do imóvel etc.

6.1.3 Legitimidade ativa

A legitimidade ativa no processo de usucapião extrajudicial registral parece ser ampliada em relação ao processo judicial de usucapião.

Pela regra insculpida no art. 941 do CPC/1973, e que parece permanecer sendo o entendimento doutrinário no NCPC134, apesar de este não ter repetido tal regra, somente pode intentar ação judicial de usucapião o possuidor que afirma ter adquirido os requisitos materiais para tanto, ainda que já não mais tenha posse no momento da propositura da ação.

O texto do art. 941 rezava que “compete a ação de usucapião ao possuidor para que se lhe declare, nos termos da lei, o domínio ou a servidão predial”.

Nesse senso, há entendimento no sentido de que, se houver composse, todos os compossuidores deverão ser autores da ação135.

O cônjuge ou companheiro é litisconsorte necessário na ação, salvo o disposto no art. 1.647 do Código Civil.

Desta forma, é ao possuidor que se tem entendido caber a ação de usucapião, não havendo necessidade de que tenha a posse do bem no momento da sua propositura, haja vista que, entende-se, a sentença é meramente declaratória de uma aquisição que já implementou-se136.

Todavia, cabe indagar se, diante do NCPC, que extirpou o regramento especial da ação de usucapião, deixando-a dentro do procedimento comum onde não há mais disposição processual que diga que ao possuidor é que cabe a ação de usucapião, seria possível que tal ação fosse intentada por algum terceiro, que não o possuidor, mas que tem interesse jurídico no reconhecimento da aquisição da propriedade pela usucapião por parte do possuidor, sendo este terceiro autor, e o possuidor, o proprietário, os confrontantes, e eventuais interessados citados por edital, os réus, em litisconsórcio. Ou ainda, se seria possível apenas um dos compossuidores propor a ação, sem que houvesse necessidade de um litisconsórcio ativo. Parece haver legitimidade processual ativa para a ação de usucapião nestes casos, diante do regramento do NCPC137.

Nesse tocante, lembra Benedito Silvério Ribeiro que o “Código Civil permite a alegação da prescrição pela parte a quem aproveita” (art. 193), em lição também aplicável à prescrição aquisitiva138.

Importa-nos, para o presente trabalho, o tratamento da ação de usucapião extrajudicial, e nesta, parece, não há dúvidas de que a legitimidade ativa é ampla, não apenas tendo-a o possuidor que quer ver reconhecida a aquisição pela usucapião, mas também qualquer outra pessoa – terceiro – capaz, que tenha jurídico e legítimo interesse em tal reconhecimento.

O art 216-A da LRP não se refere ao possuidor, mas sim ao “interessado”.

O possuidor, se for o requerente, não precisa ter posse no momento da propositura do procedimento de usucapião extrajudicial, bastando que tenha tido posse suficiente para implementar, juntamente com os outros requisitos exigidos, a aquisição do direito real pela usucapião, a qual se pretende ver declarada extrajudicialmente.

No caso de o requerente ser um terceiro juridicamente interessado, que não o usucapiente, não há que sequer questionar-se, logicamente, eventual necessidade de que tivesse posse.

Dessa forma, qualquer pessoa que tenha interesse jurídico, devidamente demonstrado, poderá requerer a ação extrajudicial de usucapião, como, por exemplo, algum credor do possuidor, que tenha interesse em ver a propriedade adquirida pela usucapião reconhecida e registrada, portanto oponível a todos e disponível, para ver facilitada a realização da sua pretensão creditícia. Da mesma forma, verbi gratia, eventual terceiro que tenha celebrado, pela forma adequada, contrato de compra e venda do bem usucapiendo, no qual conste como vendedor o possuidor, e como comprador o terceiro requerente.

6.1.4 Legitimidade passiva

A legitimidade passiva no processo extrajudicial de usucapião não tem a mesma conotação que tem na ação judicial.

A legitimidade passiva processual implica uma relação de sujeição do réu diante da pretensão do autor, isto é, trata-se da pessoa, ou pessoas, contra quem a pretensão do autor é dirigida, e em quem encontra oposição, devendo o Juiz julgar a lide em favor de um, total ou parcialmente139.

A legitimidade passiva processual civil não tem necessária coincidência com a legitimidade passiva material, eis que a ação pode ser julgada improcedente justamente por conta dessa não coincidência.

A legitimidade passiva processual é definida pelo pedido; decorre da contraposição ao pedido do autor, embora mediatamente esteja calcada em informações de direito material, de uma pretensão não atendida, e que gerou o processo, o que pode, posteriormente, ser confirmado ou não140.

No processo extrajudicial de usucapião, na medida em que o Oficial de Registro somente lida com pretensões não afrontadas, não há que se falar em autor e réu.

Aqui legitimidade passiva não significa o contraponto ao pedido do autor; a exceção à ação de direito material; a oposição à pretensão do requerente.

Legitimidade passiva, aqui, significa somente a qualidade das pessoas que devem participar, necessariamente, do processo, dando seu assentimento, por terem direito potencial ou efetivamente afetados pelo pedido do requerente, os quais não podem perder senão por sua vontade ou por disposição legal.

Legitimados passivos no processo registral de usucapião são as pessoas que devem participar do processo extrajudicial, voluntariamente ou intimadas pelo Oficial de Registro, porque têm sua esfera jurídica efetiva ou potencialmente afetada pelo pedido de reconhecimento de usucapião feito pelo requerente, e devem, desta forma, necessariamente manifestar positivamente sua vontade para que possa o Registrador reconhecer o pedido, se entender preenchidos os requisitos processuais e materiais necessários.

Se algum dos legitimados passivos não for chamado ao processo extrajudicial, ou, sendo chamado, contrapuser-se ao pedido, não poderá haver o deferimento.

Há legitimados passivos certos e incertos.

Certos são os titulares de direitos registrados na matrícula do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes, o possuidor ad usucapionem – se não for ele o requerente –, bem como a União, o Estado ou Distrito Federal, e o Município.

Incertos são os terceiros eventualmente interessados a que se refere o § 4º do art. 216-A da LRP, os quais serão cientificados mediante edital. É qualquer pessoa que não o usucapiente e os titulares de direitos inscritos sobre o imóvel usucapiendo ou sobre os imóveis a ele confrontantes, nem tampouco os entes federados, e que possam ter algum interesse jurídico afetado pelo pedido de usucapião.

Os cônjuges e companheiros são também legitimados passivos, que devem participar necessariamente do processo de usucapião, exceto na hipótese do art. 1.647, caput, do Código Civil.

Os legitimados passivos certos e incertos da usucapião extrajudicial comum devem necessariamente participar do processo, manifestando sua vontade a favor do pedido, seja expressamente, seja tacitamente, quando permitido, sob pena de nulidade.

Em relação aos legitimados passivos certos, ou haverá participação voluntária, ou deverão eles ser notificados pessoalmente, não cabendo notificação por edital. Caso estejam em local incerto e não sabido, não poderá haver usucapião extrajudicial registral.

Parece-nos equivocada esta opção, que por vezes inviabilizará a adoção da usucapião extrajudicial. Melhor teria sido permitir a notificação por edital dos legitimados passivos certos que estejam em local incerto e não sabido.

6.1.5 Procedimento

O procedimento do processo extrajudicial comum de usucapião deve seguir o rito que encontra explicitado no art. 216-A da LRP, seja de maneira expressa, seja de maneira tácita, como decorrência de labor hermenêutico.

Importante notar que, por se tratar de processo administrativo, não há regras procedimentais estanques, insuperáveis, da mesma forma que há no procedimento jurisdicional, de modo que pode o Oficial de Registro aceitar alguma alteração procedimental justificável juridicamente, de acordo com sua prudente análise.

Nos termos do art. 15 do NCPC, na constatação de alguma lacuna normativa na condução do processo administrativo de usucapião, as disposições do NCPC deverão ser aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Trata-se de processo que não é estranho aos Oficiais de Registro de Imóveis, que já lidam em seu labor jurídico com a condução de processos administrativos, tais como os processos de retificação de registro e de regularização fundiária extrajudiciais, além de o ordenamento jurídico já prever forma especial de usucapião extrajudicial, a qual será adiante examinada.

Trata-se, também, como se verá, de processo que implica um trabalho complexo de análise jurídica, que requer profissionais – Oficiais e prepostos – preparados tecnicamente, de maneira que deverá haver, mediante instituição em leis estaduais de emolumentos, a previsão de uma adequada remuneração para a condução do processo, seja o pedido deferido ou indeferido.

6.1.5.1 Prenotação

O pedido de usucapião feito extrajudicialmente deve ser prenotado – inscrito no protocolo – no Registro Imobiliário em cuja circunscrição territorial situa-se o imóvel.

A prenotação, ordinariamente, tem prazo de validade de 30 dias, nos termos do art. 188 da LRP, findo o qual é automaticamente cancelada, devendo o título ser novamente prenotado.

Entretanto, no caso do processo de usucapião, como o procedimento tende a demorar mais do que os 30 dias de validade ordinária da prenotação, por conta da necessidade de complexa análise probatória, notificações e editais, institui o § 1º do art. 216-A da LRP que o prazo da prenotação ficará prorrogado até que haja, por parte do Oficial, a análise do pedido, acolhendo-o ou rejeitando-o; até que haja a qualificação jurídica do pedido, registrando-se a usucapião, em caso de qualificação positiva, devolvendo-se a documentação com nota de exigência fundamentada, em caso de qualificação negativa, ou encaminhando-se o processo ao Juízo competente, em caso de impugnação do pedido.

O requerimento feito por quem tenha legitimidade ativa para tanto, representado por advogado, acompanhado da procuração com firma reconhecida, ou da prova de advogado em caso de atuação em causa própria, bem como dos documentos previstos nos incisos I a IV do art. 216-A da LRP, acima analisados (ata notarial, planta e memorial, certidões dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente, e justo título e demais documentos comprobatórios dos requisitos da espécie de usucapião invocada), deverá ser protocolado no Registro Imobiliário, recebendo um número de prenotação.

No momento do protocolo não há análise jurídica do pedido ou da documentação que o instrui, o que é feito em momento posterior, o da qualificação registral, que é o momento onde há a cognição jurídica do pedido e dos documentos do processo.

Pode-se verificar, no momento do protocolo, numa análise perfunctória, que há algum vício na documentação que instrui o pedido, o que levará à qualificação negativa.

Tal verificação, se houver, trata-se de mera cortesia, não sendo obrigatória uma vez que o momento do protocolo não é o momento da análise jurídica, e eventual percepção de algum vício documental não obsta o protocolo. A decisão de protocolar, ou não, tendo sido constatado algum vício documental, é da parte, e não do Oficial, de modo que eventual mácula documental, reitere-se, não obsta o direito ao protocolo (art. 12 da LRP).

É de se questionar se o protocolo do processo de usucapião gera direito de prioridade.

Em regra, o protocolo registral de um título gera, durante o prazo de validade da prenotação, direito de prioridade em relação à aquisição de direitos contraditórios protocolados subsequentemente (art. 185 da LRP).

Assim, por exemplo, uma escritura pública de compra e venda protocolada tem direito de prioridade no registro em relação a outra escritura pública de compra e venda, do mesmo imóvel, protocolada subsequentemente. Somente uma poderá ser adimplida mediante o seu registro, sendo, assim, transmitida a propriedade do bem.

Os direitos contraditórios podem ser excludentes, quando somente um dos direitos concorrentes poderá subsistir, como, por exemplo, no caso do direito de propriedade transmitido pelo mesmo proprietário a dois compradores diferentes, caso em que somente um poderá adquirir o direito. Podem ser não excludentes, na hipótese de ambos direitos concorrentes poderem existir juridicamente, havendo, entretanto, uma graduação entre eles, definida pelo registro, como, verbi gratia, no caso de duas hipotecas.

Assim, os títulos protocolados cujo registro implicará a criação ou transmissão de um direito real ou obrigacional com eficácia real têm preferência em relação aos títulos protocolados posteriormente que pretendam transmitir ou criar direitos que lhes sejam contraditórios.

Excepcionalmente não decorre da prenotação direito de prioridade, quando não houver no título a instituição de algum direito que possa ser contraditório a outro que tenha, porventura, sido protocolado posteriormente. Assim, por exemplo, ocorre com a prenotação de uma retificação de registro141.

A prenotação do pedido de usucapião gera direito de prioridade, isto é, prenotado o pedido de usucapião, estará obstada a análise de qualquer título subsequentemente protocolado até a decisão, positiva ou negativa, do pedido de usucapião?

A resposta parece ser positiva.

Ao contrário do que ocorre com a retificação de registro, por exemplo, onde não há a criação ou transmissão ou extinção de algum direito registrado, mas apenas a alteração de elementos objetivos ou subjetivos do registro, na usucapião extrajudicial, se deferida, haverá a criação e a extinção de direitos registrados, o que impactará na qualificação de eventuais títulos subsequentes que versem sobre direitos contraditórios.

Vale dizer, na usucapião extrajudicial está presente a potencialidade da existência de direitos contraditórios, excludentes ou não, o que não ocorre na retificação de registro, de modo que parece-nos haver a incidência da prioridade registral, de modo que, até a decisão da usucapião, os títulos posteriormente protocolados não serão qualificados. Somente o serão após o encerramento da análise do pedido de usucapião.

6.1.5.2 Autuação

Protocolado o pedido acompanhado dos documentos exigidos, fará o Registrador a autuação do processo, tornando-os uma única peça documental, com termo de abertura, numeração e rubrica das folhas.

A partir de então, todas as intercorrências deverão ser certificadas no processo.

Assim, eventual notificação, publicação de editais, alguma diligência feita pelo Oficial, alguma juntada de documento, eventual impugnação, enfim, todas as ocorrências deverão ser certificadas no processo, até final decisão.

A autuação, neste momento, de acordo com a lei federal, será física, isto é, trata-se de processo físico, embora haja tendência de que venha a haver autorização para que seja digital, o que demandará regramento administrativo.

6.1.5.3 Primeira qualificação registral

Protocolado o pedido e autuado, deverá o Oficial de Registro proceder à sua primeira análise jurídica.

O Registrador exerce a polícia jurídica dos atos que publiciza, somente podendo publicizar os que se encontrem de acordo com o ordenamento jurídico. É o que determina o chamado princípio da legalidade registral.

O Oficial de Registro de Imóveis é o gatekeeper dos direitos reais, ou obrigacionais com eficácia real, imobiliários.

A qualificação registral é o momento em que o Registrador analisa a conformidade do título com o ordenamento jurídico, a viabilidade jurídica do pedido.

É nesse primeiro momento de qualificação registral que o Oficial verificará se estão preenchidos os requisitos de admissibilidade da usucapião extrajudicial, se há legitimidade ativa de quem requer, se o requerimento está acompanhado dos documentos obrigatórios, se estão provados os requisitos da espécie de prescrição aquisitiva invocada, se os requisitos formais registrais gerais estão preenchidos etc.

Assim, ao qualificar nesse primeiro momento o processo de usucapião extrajudicial, deverá o Registrador verificar, em primeiro lugar, se estão presentes os requisitos formais para o pedido de usucapião.

Verificará, assim, se há requerimento, se ele contém a forma adequada e se explicita e fundamenta adequadamente o pedido e a causa de pedir, se há representação por advogado e se a representação está em ordem, bem como se o requerimento está acompanhado pela documentação inicial mínima e obrigatória – ata notarial, planta e memorial descritivo elaborada e assinada por profissional técnico habilitado, acompanhados de ART ou RRT quitadas, nas quais estejam especificadas as matrículas do imóvel usucapiendo e dos confrontantes, bem como identificação dos titulares de direitos inscritos, e conste a assinatura destes ou não constando se há requerimento para sua notificação, assinaturas reconhecidas por Tabelião, certidões dos distribuidores da comarca de situação do imóvel e do domicílio do requerente, justo título se for o caso, e demais documentos comprobatórios dos requisitos da espécie de usucapião invocada, se for o caso –, se há obediência à especialidade objetiva e subjetiva, e à continuidade subjetiva.

Em segundo lugar, analisará o Registrador se estão presentes os requisitos autorizadores da aquisição do direito real que se pretende adquirir pela espécie de usucapião invocada.

Fará o Oficial uma análise do conjunto probatório apresentado com o pedido inicial a fim de formar sua convicção a respeito de estarem presentes, ou não, os elementos concretizadores do suporte fático da norma jurídica da espécie de usucapião invocada.

Deverá haver aqui uma análise a fim de formar a convicção sobre existir, ou não, posse ad usucapionem, pelo prazo necessário, com posse qualificada quando for o caso, de existir justo título quando for o caso, de haver boa fé etc.

O Registrador será, aqui, o Juiz extrajudicial da usucapião, devendo formar sua convicção diante do conjunto probatório, com independência nos termos do art. 28 da Lei n. 8.935/94, de modo que, salvo em caso de dolo ou culpa grave, não poderá ser o Registrador responsabilizado por sua decisão, baseada em sua convicção fundamentada formada a partir do conjunto de provas apresentadas.

Entendendo o Registrador não estar em ordem formalmente o pedido, ou tendo formado convicção de que não houve aquisição pela usucapião, qualificará negativamente, negando o pedido e exarando nota devolutiva, contra a qual caberá suscitação de dúvida para o Juízo competente142.

Assim ocorrerá se, por exemplo, a planta e o memorial descritivo não contiverem os requisitos exigidos, como a assinatura do profissional habilitado, v.g., ou se faltar alguma das certidões exigidas, ou se não houver a ata notarial.

Estando o pedido formalmente em ordem, e estando também materialmente em ordem, isto é, tendo o Registrador formado sua convicção positivamente a respeito da existência de prova a respeito do preenchimento dos requisitos materiais da aquisição imobiliária por usucapião, seguirá com o procedimento, indo para a fase de análise da necessidade, ou não, de notificações de legitimados passivos certos (ver subitem 6.1.5.5).

Estando, entretanto, o pedido formalmente em ordem, de modo a permitir o seguimento do procedimento de usucapião extrajudicial registral, mas havendo convicção registral negativa a respeito dos requisitos materiais ensejadores da aquisição pela usucapião por entender que há necessidade de maior produção probatória, o Registrador realizará ou solicitará diligências que entender necessárias para a prova do alegado (ver item 6.1.5.4).

6.1.5.4 Realização ou solicitação de diligências

O Registrador Imobiliário deverá analisar as provas acostadas ao procedimento extrajudicial com o intuito de verificar a ocorrência, ou não, do preenchimento dos requisitos materiais da aquisição da propriedade imobiliária pela usucapião.

Tendo o Oficial de Registro de Imóveis, na primeira qualificação jurídica do pedido de usucapião levada a cabo, chegado a uma qualificação formal positiva, mas a uma qualificação material negativa – não porque entenda estar provado que não houve a aquisição pela usucapião, mas porque entenda não estar provado que houve, e que é possível que venha a ser provado que houve, ou que, ao menos, há necessidade de análise de mais meios de prova –, realizará ele diligências com o intuito de produzir as provas que entenda necessárias, ou solicitará ao requerente que as realize.

Caso o Oficial, na primeira etapa qualificadora, tenha provas conclusivas de que não houve o preenchimento dos requisitos materiais da usucapião, recusará o pedido motivadamente, cabendo suscitação de dúvida nos termos do art. 198 da LRP.

Caso tenha provas conclusivas de houve a aquisição do direito real imobiliário pela usucapião, não haverá a necessidade de realizar ou solicitar diligências complementares, pulando esta etapa do procedimento e indo diretamente para a etapa seguinte (item 6.1.5.5).

A realização ou a solicitação de diligências terá cabimento quando o Registrador Imobiliário não tem provas conclusivas a respeito da ocorrência material da aquisição pela usucapião, não podendo, portanto, excluir nem afirmar a sua ocorrência sem mais provas, caso em que poderá realizar diligências com o intuito de promover tais provas, ou poderá solicitar que o requerente as promova.

Havendo necessidade de aumentar o conjunto probatório, poderá o Registrador realizar as diligências necessárias para tanto, se possível for, ou solicitar ao requerente que as realize, sob pena de, se não as realizar, não provar o alegado e ver seu pedido negado.

Foi muito salutar a previsão legal desta possibilidade, na medida em que nas espécies mais complexas de usucapião, quando há mais requisitos do que a mera posse ad usucapionem por certo prazo, ou mesmo em espécies mais simples, quando apenas haja aqueles dois requisitos, haverá situações em que a prova documental pura não servirá para demonstrar implementação da usucapião, sendo necessário ao Oficial ter outras espécies de provas, ou ainda solicitar mais documentos, a fim de formar sua convicção.

Isso não poderia ser obtido por meio de ata notarial, porque se trata de sucessão de atos, de um processo, portanto, os quais não seriam implementáveis em toda sua plenitude por ata notarial. Haveria, nesse caso, atos “extra oficiais” porque não haveria autuação nem certificação, havendo apenas a narrativa dos fatos percebidos, sendo a ata um “resumo” do que foi feito, sem fundamentação do porque foi feito, muito menos juízo de valor a respeito da ocorrência, ou não, da concreção da aquisição do direito pela usucapião.

Não parece que seja a melhor solução em matéria que em si pode não ser na maior parte dos casos complexa, mas cuja comprovação não é simples de ser feita por mera prova documental, sem perícia, sem contraditório, sem oitiva de testemunhas, sem vistoria da coisa etc., isto é, sem uma sucessão de atos de colheita de provas e decisões com mínimo fundamento a respeito de sua necessidade.

Esta comprovação não poderia ser obtida por meio de ata notarial, por não comportar, como se viu, a captação de um processo administrativo, o que o reconhecimento da usucapião exige. Somente seria possível pensar em utilização de ata notarial, aqui, se fosse atribuída à declaração da parte – a qual seria captada pela ata – um poder quase autorizador do seu próprio direito, sem contraditório, no sentido de que a parte declararia ao Notário ter havido os requisitos da usucapião, apresentaria provas que corroborem tal situação, e adquirisse, assim, o direito.

Ou tal ata seguiria para o Registro de Imóveis, onde seria iniciado um processo administrativo, para, meramente, dar possibilidade a terceiros interessados de confrontar o pedido feito.

Efetivamente, tal solução, que não foi por nós adotada, não é a tecnicamente mais adequada.

Se se pretende extrajudicializar o reconhecimento da aquisição de direitos pela usucapião, há a necessidade de ser instaurado um processo administrativo onde sejam colhidas as provas necessárias – ata notarial e outras provas que se façam necessárias – para formar a convicção de quem decidirá o pedido, de maneira minimamente fundamentada.

Tal processo somente poderia ser conduzido pelo Oficial de Registro de Imóveis, que é o profissional do Direito que tem os caracteres funcionais que permitem tal condução, e, felizmente, andou bem o legislador brasileiro ao acolher tal entendimento, ao contrário do que, atecnicamente em nosso sentir, fez o legislador português ou peruano.

Sejam as diligências feitas pelo próprio Oficial, por si ou por seus prepostos, sejam elas feitas pelo requerente, as despesas decorrentes das diligências, se houver, serão suportadas pelo requerente, que é o interessado na produção probatória.

Sendo a prova necessária possível de ser produzida tanto por diligência do Oficial quanto do requerente, será opção do Oficial realizar a diligência ou solicitar ao requerente que a realize.

O termo diligência, aqui, deve ser interpretado em seu sentido lato, com a conotação de qualquer ação voltada para a produção de prova no processo administrativo registral de usucapião.

Qualquer meio de prova admitido em direito poderá ser solicitado pelo Oficial se entender importante para o deslinde da questão.

Assim, poderá, por exemplo, ser solicitada a oitiva de uma testemunha – que pode ser ouvida pelo Oficial ou pode prestar declarações a um Tabelião que lavrará ata notarial – ou do próprio usucapiente, a apresentação de algum documento, a apresentação de algum trabalho técnico, a vistoria da coisa etc.

Embora somente provas documentais acompanhem o pedido inicial (ata notarial e demais documentos), havendo necessidade, poderá o Registrador solicitar a produção de qualquer meio de prova admitida em Direito, ainda que não documental, pois, como no processo comum de usucapião extrajudicial registral há uma cognição ampla, na qual o Registrador precisa formar sua convicção a respeito de ter havido ou não o preenchimento dos requisitos da usucapião, poderá ele solicitar qualquer meio de prova a fim de chegar a essa convicção, sem o que não poderia decidir.

Obviamente, que atuando o Oficial de registro na esfera administrativa, apenas poderá solicitar a produção das provas que entender necessárias, ou produzi-las se possível for, mas não poderá produzi-las compulsoriamente, por não ter poder de polícia, a teor do que tem o Juiz.

Dessa forma, se, por exemplo, faz-se necessária a oitiva de alguma pessoa que tenha informações essenciais sobre a qualidade da posse exercida pelo requerente, não poderá o Registrador obrigar a pessoa a depor, conduzindo-a “debaixo de vara”. Somente o Juiz tem tal poder.

Havendo necessidade da produção de alguma prova que o Registrador não possa produzir, e não a produzindo o requerente em prazo razoável fixado pelo Oficial, este indeferirá o pedido por não ter sido provada a ocorrência da aquisição pela usucapião.

Não há prazo assinalado na lei para a produção das provas solicitadas pelo Registrador, de modo que deve o Oficial fixar prazo razoável para tanto, podendo o requerente solicitar mais prazo justificadamente.

Da decisão do Registrador que solicita alguma diligência não cabe recurso administrativo. Todavia, não concordando a parte com a exigência de produção de prova e não a produzindo no prazo fixado pelo Oficial, e negando o Oficial o pedido de usucapião por falta de provas diante do ocorrido, caberá a suscitação de dúvida ao MM. Juízo competente.

O Registrador deverá solicitar ou realizar as provas necessárias para a formação da sua convicção. Tendo-a formado, deverá decidir, positiva ou negativamente.

Após a produção das provas complementares necessárias, o Oficial de Registro procederá a uma nova qualificação jurídica, onde analisará o mérito da usucapião a fim de formar sua convicção e decidir pela acolhida, ou não, do pedido.

Produzidas as provas que o Registrador entender necessárias, e tendo ele decidido negativamente, deverá recusar o pedido motivadamente. Tendo decidido positivamente, seguirá o processo o seu curso.

Não se tendo produzido as provas por desídia ou desconformidade da parte requerente, ou não havendo mais provas a produzir, mas não restando provada a aquisição pela usucapião, rejeitará o Oficial o pedido motivadamente.

6.1.5.5 Notificação de legitimados passivos certos

Tendo havido qualificação positiva, com ou sem necessidade de diligências complementares, fará o Oficial a notificação dos legitimados passivos certos que não tenham anuído espontaneamente na planta acostada ao requerimento inicial.

Como vimos, todos os titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo, bem como nas matrículas dos imóveis confrontantes com aquele, além do possuidor ad usucapionem, deverão concordar com o pedido de usucapião extrajudicial, sem o qual não poderá ser atendido o pedido.

Sejam os direitos inscritos reais ou obrigacionais com eficácia real, os seus titulares deverão anuir com o pedido de usucapião, pois, tratando-se de aquisição originária do direito real, põe em risco o direito daqueles, que não podem perder seus direitos sem sua anuência, ou sem um julgamento com direito ao contraditório, no qual se aplique alguma causa legal de extinção do seu direito.

Da mesma forma, o possuidor adquirente, se não for o requerente, deverá também concordar com pedido que lhe atribuirá de forma originária o direito real usucapido.

Não havendo na planta a anuência de algum dos legitimados passivos, deverá o requerente solicitar a sua notificação pelo Oficial de Registro de Imóveis, informando o endereço no qual será feita a notificação.

É ônus do requerente solicitar a notificação, por força do princípio registral da instância, bem como informar o endereço do notificando.

Havendo o requerimento, e estando formalmente em ordem, o Oficial notificará a pessoa para se manifestar acerca do pedido de usucapião no prazo de 15 dias a contar do recebimento da notificação.

Deverá acompanhar a notificação os documentos que permitam ao notificando conhecer o pedido feito e analisar o objeto do pedido, isto é, deve saber o que se pede e sob qual alegação, bem como verificar o trabalho técnico que descreve o imóvel e o direito objetado pelo pedido de usucapião.

Dessa forma, a notificação deverá ser acompanhada, no mínimo, de cópia do requerimento inicial, bem como da planta e memorial descritivo e demais documentos que instruíram a peça vestibular.

O notificando, tendo dúvidas, poderá dirigir-se ao Registro Imobiliário e verificar o processo administrativo, a fim de melhor analisar o pedido feito e as provas produzidas, tendo, assim, melhores elementos para manifestar-se.

A notificação será sempre pessoal, devendo ser entregue ao próprio notificando ou a procurador com poderes bastantes, ou, em caso de pessoa coletiva, ao seu presentante ou representante.

Sendo uma empresa a notificanda, não poderá a notificação ser entregue na recepção, por exemplo.

É ao Oficial de Registro de Imóveis a quem cabe fazer a notificação, por si ou por seus prepostos autorizados.

Para tanto, poderá o Oficial realizar sua estrutura de prepostos, fazê-la por si próprio, ou por meio de correio, por AR em mãos próprias.

Pode ainda, apesar de o art. 216-A não especificar, a notificação ser feita mediante Oficial de Registro de Títulos e Documentos, por provocação do Oficial de Registro de Imóveis, na medida em que há previsão de tal forma de notificação na LRP, sendo ela pessoal, e, portanto, passível de ser utilizada pelo Registrador Imobiliário.

A forma que o Oficial do Registro de Imóveis utilizará para efetuar a notificação é escolha sua, com vistas à organização do serviço e à efetividade das notificações. Deve escolher, não por capricho, mas em razão da efetividade no alcance do que se pretende, que é a notificação com êxito.

Não há possibilidade de notificação por edital em hipótese alguma no que diz respeito a legitimados passivos certos.

Assim, estando o notificando em local incerto e não sabido, por exemplo, ou ocultando-se para não receber a notificação, não poderá a notificação ser feita por edital, devendo ser, em tais hipóteses, denegado o pedido de usucapião extrajudicial, o qual somente poderá ser atingido na via judicial.

As despesas com a notificação correm a cargo da parte interessada. Assim, os custos de notificação pelo Registro Imobiliário, por Registro de Títulos e Documentos, ou por correio, serão suportados pelo requerente da usucapião.

Recebida a notificação, no prazo legal de 15 dias, poderá o notificado concordar com o pedido feito, impugnar o pedido, ou silenciar.

No primeiro caso, de concordância, seguirá o seu curso a usucapião extrajudicial, na medida em que continua ela sendo amigável, não havendo litígio.

No caso de haver impugnação, o Registrado deverá encaminhar o processo ao Juízo competente, o que será mais bem analisado no item 6.1.5.8 abaixo.

Silenciando o notificado, entender-se-á que impugnou ele o pedido, e não que concordou, por expressa disposição legal (art. 216-A, § 2º, da LRP), a qual é bastante criticável, e, parece-nos, será causa de grande falta de êxito da via extrajudicial registral de usucapião, com o que perdem todos – partes interessadas, Poder Judiciário, etc.

O mais adequado seria que o silêncio fizesse presumir a concordância, pois, se a pessoa não teve interesse em impugnar, não parece ser o melhor caminho presumir, justamente, que quis impugnar. Não parece ser esta a vontade manifestada através do silêncio, na presente espécie.

O silêncio do notificado deveria jogar a favor do requerente. Seria mais adequado e mais concorde com os parâmetros do ordenamento jurídico, em que a boa-fé objetiva e a confiança são, ou ao menos devem ser, pilares centrais de um Estado Democrático de Direito.

A manifestação expressa, favorável ou contrariamente ao pedido do requerente, poderá ser feita por escrito e entregue no Registro Imobiliário, hipótese em que será juntada no processo, ou poderá ser feita verbalmente no próprio Registro, caso em que será tomada a termo no próprio processo.

Apesar de o requerimento da usucapião somente poder ser feito mediante advogado, o mesmo não ocorre com a manifestação provocada pela notificação, seja ela positiva, no sentido de concordância, seja ela negativa, no sentido de impugnar-se o pedido.

Qualquer que seja a manifestação da parte notificada, poderá sê-la pessoalmente, sem a necessidade de fazer-se representar por advogado.

A lei não exige tal representação, e, em Registro Imobiliário, a regra é a de que o jus postulandi não é privativo de advogado, de modo que as exceções devem ser feitas expressamente pela lei, e a lei excepcionou a regra apenas no que toca ao requerimento que instaura o procedimento extrajudicial.

Não é sem razão que no caso de manifestação do notificado não se exigiu a representação por advogado, pois, ou haverá a concordância, e o processo seguirá seu curso amigavelmente, ou haverá impugnação, e o processo será remetido a Juízo, em que seguirá o rito comum, havendo então a necessidade de representação por advogado.

O Registrador não julgará eventual litígio que se formar. Enviará o processo ao Juízo competente para que julgue, de modo que não há razão para que a impugnação seja feita mediante representação de advogado. A batalha técnica, se houver, correrá em Juízo.

O Registrador não julga a impugnação. Havendo-a, remeterá os autos para o Juízo competente.

No atual estado da legislação, em que o silêncio faz presumir a impugnação, parece não haver espaço para alguma interpretação mais maleável, no sentido de permitir ao Oficial de Registro descartar as impugnações infundadas, que não apresentem elementos juridicamente relevantes para fundamentar a impugnação, a teor do que ocorreu no processo de retificação de registro143.

6.1.5.6 Cientificação do Município, do Estado ou Distrito Federal e da União

Tendo havido qualificação registral positiva, tanto formal quanto material, tenha havido, ou não, necessidade de produção complementar de diligências, além da notificação pessoal dos legitimados passivos que não deram expressa e voluntariamente o seu assentimento, deverá o Oficial de Registro de Imóveis proceder também à notificação dos entes federados.

O Registrador deverá dar ciência do pedido de usucapião ao Município, ao Estado ou Distrito Federal, conforme o caso, e à União.

Vale aqui tudo o que foi acima dito em relação à notificação dos legitimados passivos certos, com exceção no que toca à necessidade de pedido expresso e indicação de endereço, uma vez que deverá haver tal notificação em todos os casos, e deverá o Registrador ter ciência dos endereços de notificação dos entes federados, bem como no que diz respeito ao efeito jurídico produzido pelo silêncio durante o prazo de 15 dias após a notificação, que, neste caso, implicará anuência, e não impugnação.

Na medida em que há determinação legal para que haja, em todos os casos, a notificação dos entes federados, não há necessidade de que o requerente solicite tal notificação. O Registrador agirá de ofício, em cumprimento do ditame legal (art. 216-A, § 3º, da LRP).

O prazo para a impugnação da usucapião, nesse caso, é também de 15 dias a contar do recebimento da notificação.

A notificação aqui também poderá ser feita pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos, a pedido do Oficial de Registro de Imóveis, porém, neste caso, não há necessidade de uma construção hermenêutica mais apurada para se chegar a tal conclusão, considerando-se que há expressa disposição legal a respeito, insculpida no § 3º do art. 216-A da LRP.

Faz-se necessária tal ciência na medida em que os bens públicos não são usucapíveis, devendo os entes federados participarem do processo de usucapião, a fim de poderem verificar se há tentativa de usucapir bem público, tendo, desta forma, a oportunidade de impugnar o pedido.

Assim, o intuito nessa notificação é o de dar ciência aos entes federados, dando-lhes oportunidade de demonstrar interesse no processo, concordando com o pedido ou impugnando-o, diferentemente do que ocorre na notificação dos legitimados passivos certos, em que o intuito não é o de dar ciência, mas o de obter assentimento.

Por tal razão, embora nada esteja dito a respeito no art. 216-A da LRP, o silêncio do ente público no prazo para manifestação, após recebida a notificação, implicará desinteresse tácito, não obstando o seguimento do procedimento. Não implicará impugnação tácita, solução legal dada no caso de notificação dos legitimados passivos certos.

Mantendo-se silente o ente público pelo prazo de 15 dias, será presumido o desinteresse no processo, ou a concordância, mas jamais a discordância.

Cumpre lembrar que, por se tratar de procedimento administrativo, no qual o procedimento processual não é rígido da mesma forma que o é se judicial, não há preclusão da possibilidade de impugnar, ou de assentir, apesar do prazo legal estabelecido.

Tal prazo tem mais o significado de ser o prazo pelo qual deverá o Oficial de Registro esperar uma resposta sem seguir com o procedimento, do que o de ser um prazo rígido após o qual preclui a possibilidade de manifestação.

Até o momento da decisão do Registrador, seja ela positiva ou negativa, poderá ser dado o assentimento ou ser impugnado o pedido. E esta regra vale não apenas para a notificação dos entes federados mas para qualquer notificação ou manifestação voluntária.

6.1.5.7 Publicação de edital

Os legitimados passivos certos deverão dar seu assentimento ao pedido extrajudicial registral de usucapião voluntariamente ou após serem notificados pelo Oficial de Registro, devendo, neste último caso, haver notificação pessoal, já que são certas as pessoas.

Há, porém, como vimos, os legitimados passivos incertos, que são as pessoas que possam eventualmente ter algum direito afetado pelo acatamento do pedido de usucapião, mas que não são, inicialmente, conhecidas ou identificadas.

Por tal razão, haverá a necessidade de, em todo procedimento extrajudicial de usucapião, ser promovida pelo Registrador a publicação de edital em jornal de grande circulação, para que tais legitimados passivos incertos, isto é, para que eventuais terceiros interessados no processo possam dele tomar conhecimento e a respeito dele manifestarem-se no prazo de 15 dias após a publicação do edital.

A lei não estabelece a necessidade de mais de uma publicação, de modo que, parece-nos, uma publicação só basta.

O § 4º do art. 216-A da LRP estabelece que o edital deverá ser publicado “em jornal de grande circulação, onde houver”.

Tal dicção poderá levar ao equivocado entendimento de que somente haverá a necessidade de publicação de edital nas Comarcas onde houver jornal de grande circulação, o que não é correto.

Na medida em que o edital é uma necessidade jurídica presente em todos os processos de usucapião, com o fim de atingir a eventuais terceiros interessados, vale dizer, a eventuais legitimados passivos incertos, ele jamais poderá ser dispensado.

Nas Comarcas onde eventualmente não houver jornal de grande circulação, deverá haver a publicação em jornal de grande publicação de Comarca vizinha, que atinja os leitores da Comarca do imóvel usucapiendo, ou em jornal de alcance estadual.

Embora caiba ao Oficial providenciar a publicação do edital, é ao requerente que caberá o pagamento das despesas decorrentes de tal publicação.

Passado o prazo de 15 dias a contar da publicação sem que tenha havido impugnação, presumir-se-á a anuência, e seguirá o processo. Em tal caso, presumir-se-á que, ou não há legitimados passivos incertos, ou os há mas há também assentimento tácito para o reconhecimento extrajudicial da aquisição pela usucapião.

O edital, conforme já dito, somente será utilizado para alcançar os legitimados passivos incertos. Os legitimados passivos certos jamais poderão ser notificados por edital. Ou se os notifica pessoalmente, ou dão seu assentimento sem necessidade de notificação, ou o pedido deverá ser recusado na via administrativa, devendo ser feito na esfera judicial.

6.1.5.8 Qualificação registral final

Encerrado o procedimento, com as etapas acima, deverá o Registrador Imobiliário realizar a derradeira qualificação jurídica do pedido, verificando se é caso de acatamento do pedido e realização do registro de usucapião, de negativa do pedido e realização de nota devolutiva, ou se é caso de remessa dos autos ao MM. Juízo competente.

Estando o pedido formal e materialmente em ordem, isto é, tendo havido prova do preenchimento dos requisitos da aquisição do direito real imobiliário pela usucapião, e estando o processo formalmente em ordem, por terem sido apresentados os documentos mínimos exigidos por lei, pela forma exigida, tendo havido as notificações necessárias e sendo elas exitosas, com a publicação do edital, sem que haja impugnação do pedido por algum legitimado passivo certo ou incerto ou por algum ente público, deverá o Oficial aceitar o pedido, justificando de maneira sucinta, e procedendo ao ato de registro.

Não estando o pedido em ordem, seja por algum problema de cunho formal, seja de cunho material, deverá o Oficial rejeitar o pedido, justificando sucintamente sua recusa, e elaborando nota devolutiva, contra a qual caberá suscitação de dúvida nos termos dos arts. 216-A, § 7º, e 198 da LRP.

Apesar de ter qualificado o pedido após a produção das diligências feitas ou solicitadas, e ter entendido que estava provada a ocorrência material da usucapião, quando então decidiu seguir com o processo, nada obsta que o Registrador reveja sua decisão, se entender, com fundamento jurídico de que assim deva proceder, eis que o processo ainda não chegou ao fim, e não há preclusão ou coisa julgada das decisões administrativas tomadas no curso do processo, as quais podem ser revistas, se for o caso, até a decisão final, a qual, por sua vez, como também não transita em julgado, se negativa, poderá ser revista em nova reformulação do pedido.

Por outro lado, se perceber o Registrador Imobiliário que há algum vício formal não sanado, como, por exemplo, a falta de notificação de um legitimado passivo certo por desídia da parte, ou a falta de produção de alguma prova solicitada, pela mesma razão, rejeitará o Oficial o pedido, fundamentando sucintamente e elaborando nota devolutiva, da qual caberá, conforme dito, a suscitação de dúvida. Aqui também cabe revisão justificada de eventual decisão pretérita.

Por fim, tendo havido impugnação de algum dos notificados, seja legitimado passivo certo ou incerto, seja ente público, deverá o Oficial de Registro de Imóveis encerrar o processo administrativo e remeter os autos para o Juízo competente da Comarca da situação do imóvel, nos termos do art. 216-A, § 10, da LRP.

A competência será, ordinariamente, da Justiça Estadual comum do foro da situação do imóvel, nos termos do art. 47 do NCPC144.

Todavia, nos casos em que haja impugnação da União, de entidade autárquica sua, ou de empresa pública federal, por entender haver tentativa de usucapião de imóvel de sua propriedade, passará ela a integrar o polo passivo do processo, deslocando a competência da Justiça Estadual comum para a Justiça Federal comum da Comarca da situação do imóvel (art. 109, I, da Constituição Federal).

Para que haja o deslocamento da competência, não basta que haja vontade da União, de sua entidade autárquica ou da empresa pública federal, mediante uma impugnação que não demonstre haver realmente interesse no deslinde do feito145. Faz-se necessário que haja real interesse de tais pessoas, devidamente comprovado, conforme tem decidido o STJ146.

A questão está pacificada na Súmula n. 150 do STJ: “Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.

Todavia, não cabe ao Registrador fazer tal análise, devendo encaminhar o processo para a Justiça Federal comum se houver impugnação da União, autarquia sua, ou empresa pública federal, do que se presume haver jurídico interesse seu147. Caberá ao MM. Juízo Federal, caso entenda não haver de fato interesse da União, remeter os autos para a Justiça Estadual comum.

No caso de usucapião que verse sobre antigo aldeamento indígena, entendeu o STJ haver competência da Justiça Estadual, por faltar à União interesse jurídico na ação148.

Nesse caso, o processo deverá seguir judicialmente pelo procedimento comum, que é o procedimento a ser seguido nos processos de usucapião de acordo com o NCPC, devendo o requerente, agora autor, emendar a inicial para adequá-la aos requisitos processuais da petição inicial.

6.1.6 Análise probatória

O procedimento comum extrajudicial registral é presidido e decidido pelo Oficial de Registro de Imóveis.

O Oficial deve receber as provas apresentadas a respeito da alegada ocorrência da aquisição do direito real imobiliário pela usucapião e analisar se há provas suficientes para formar sua convicção ou se necessita de mais provas, as quais deverá produzir ou solicitar que se produza.

A final, havendo provas suficientes, ou não as havendo porque não são possíveis de produzir, ou porque a parte interessada não as produziu apesar de solicitadas e possíveis, deverá decidir, positiva ou negativamente, o pedido feito.

Trata-se de cognição profunda, apesar de extrajudicial, na qual o Oficial deve entrar no mérito da questão, além dos aspectos formais, isto é, além de verificar se há o preenchimento dos requisitos formais do processo administrativo, bem como das normas registrais, deverá o Oficial verificar se houve a ocorrência dos requisitos materiais para a aquisição do direito real imobiliário pela usucapião.

Há, como se disse, uma cognição ampla e profunda, apesar de extrajudicial.

Trata-se de situação diversa da que ocorre em outros processos administrativos registrais, como o de retificação de registro ou mesmo da usucapião registral decorrente da Lei n. 11.977/2009, por exemplo, em que a cognição é rasa e limitada a aspectos formais, ou, quando muito, a aspectos materiais verificáveis objetivamente.

Na usucapião extrajudicial registral comum, a cognição é profunda, indo além dos elementos formais, e ingressando nos aspectos materiais, os quais não são, muitas vezes, verificáveis objetivamente, e requerem uma análise atenta e casuística do Registrador.

Há um verdadeiro juízo registral.

No processo administrativo de retificação de registro, previsto no art. 213 da LRP, há meramente uma análise formal a respeito da possibilidade da retificação solicitada, bem como uma análise material superficial e objetiva, no sentido de verificar se, pelos elementos documentais apresentados, não há demonstração de que se trata de retificação extra muros, isto é, se não se trata de hipóteses de aquisição da propriedade em lugar de retificação de registro, caso em que deverá haver a implementação pela via adequada, a depender de qual a espécie de aquisição.

Assim, sendo, limitará o Oficial sua atuação, primeiro, a aspectos formais, como, por exemplo, se há localização da matrícula ou transcrição do imóvel retificando, se a planta e o memorial preenchem os requisitos necessários para proporcionar a retificação, se há adequação do pedido às normas registrais, v.g., da especialidade etc., e, segundo, se há na documentação apresentada, ou nos documentos arquivados no Registro Imobiliário, elementos objetivos que indiquem não se tratar de hipótese de retificação de registro, mas sim de aquisição de direito, isto é, de hipótese da chamada retificação extra muros, a qual, em verdade, não é retificação, mas sim aquisição de propriedade, sendo pois hipótese materialmente diversa, e a qual deverá seguir o rito adequado, a depender da forma aquisitiva.

O mesmo ocorre no reconhecimento da aquisição pela usucapião prevista na Lei n. 11.977/2009, a qual será abaixo mais bem examinada.

Trata-se daqueles casos de regularização de parcelamento clandestino ou irregular em que o Município, após o registro da regularização, fornece aos possuidores dos lotes um título de concessão de posse, o qual pode ser levado ao Registro Imobiliário.

Uma vez inscrito tal título de concessão de posse na matrícula do lote em questão, passado prazo suficiente para o reconhecimento da aquisição pela usucapião, poderá a parte interessada requerer a conversão da posse em propriedade.

Ao receber o pedido, o Registrador deverá analisar se estão presentes os requisitos formais autorizadores do pedido, em especial os constantes do art. 60 da Lei n. 11.977/2009, bem como se estão presentes os requisitos materiais, porém, no que toca a estes últimos, novamente há uma cognição superficial, decorrente de elementos objetivos constantes do ato registral.

A posse anterior ao registro é desprezada neste caso, de modo que a ocorrência dos elementos autorizadores da aquisição pela propriedade pela usucapião, exceto o prazo, decorrem do próprio registro. Dele decorrem, sem que haja necessidade de que o Oficial faça alguma análise a respeito, a posse ad usucapionem, eventual justo título e boa-fé necessários etc.

O Registrador somente deverá verificar se houve, ou não, a decorrência necessária de tempo após o registro: 5 anos, caso o imóvel tenha até 250 metros quadrados de área, ou, em caso de ultrapassar esta área, o prazo que determinar a espécie aplicável de usucapião.

Bastante diversa é a situação no processo extrajudicial registral comum de usucapião, no qual a cognição, como se disse, é materialmente profunda.

Como deverá haver a análise do preenchimento dos requisitos materiais autorizadores da usucapião, os quais tiveram, ou não, sua ocorrência em momento pré-registral, a situação é muito diversa daquela prevista na Lei n. 11.977/2009, em que os requisitos materiais – exceto o tempo de posse – decorrem do próprio ato registral, porque se despreza a posse anterior a ele.

No procedimento comum, deverá haver, primeiramente, a análise formal, como em qualquer procedimento registral.

Neste ponto deverá ser verificada a ocorrência dos requisitos de forma previstos no art. 216-A e demais artigos da LRP, e, estando o pedido formalmente em ordem, deverá o Registrador efetuar uma profunda análise a respeito dos requisitos materiais ensejadores da aquisição pela usucapião.

Trata-se de tarefa complexa, por vezes, de ser realizada, mesmo na esfera judicial, e esta complexidade aumenta quando efetivada na esfera administrativa, na qual não há o contraditório processual com a mesma extensão que há no âmbito judicial, não há proteção da coisa julgada, e a responsabilidade profissional é sensivelmente mais grave.

Terá o Registrador que analisar a qualidade da posse: trata-se de posse ad usucapionem ou ad interdicta?

Nesse último caso, como é cediço, embora haja direito à tutela possessória, não conduz ela à aquisição originária de algum direito real, de modo que deve o Registrador rechaçar o pedido.

Trata-se de análise delicada, que requer verificação atenta das provas apresentadas e, eventualmente, a produção de alguma prova mais para esclarecer algum ponto de dúvida.

Sendo a posse ad usucapionem, deverá o Oficial de Registro analisar se estão presentes os requisitos materiais autorizadores da espécie de usucapião invocada pela parte, isto é, se há o preenchimento do suporte fático da norma jurídica da prescrição aquisitiva invocada, os quais analisamos em momento oportuno, acima.

Nem sempre é fácil verificar se a posse foi mansa e pacífica, na medida em que há situações controversas, como, por exemplo, se a oposição há de ser judicial. Parece-nos que não, que a oposição extrajudicial é suficiente para afastar a posse mansa e pacífica149, porém há autores que entendem que somente a oposição judicial é que tem essa força150.

A continuidade da posse pode ser também elemento que nem sempre é fácil de constatar, como ocorre, por exemplo, naqueles casos em que a pessoa não mais vive no imóvel usucapiendo, mas continua tendo sua posse porque continua dando-lhe destinação econômica adequada.

Verificar qual direito foi adquirido pela usucapião é por vezes também tarefa extremamente complexa, porque implicará verificar qual imagem de direito foi refletida pela posse, qual direito é externado pela posse tida, o que nem sempre é fácil de perceber, devendo o Registrador estar atento para eventual prova que confirme ou contrarie o alegado pela parte. Trata-se de questão bastante sutil, que requer exame acurado e difícil.

Assim, por exemplo, se a parte alega que adquiriu a propriedade, mas o conjunto probatório indica que, em verdade, aquela posse refletia um direito de servidão de passagem, deve o pedido ser negado.

A posse qualificada requer no mais das vezes também uma atenção especial, porque precisa restar provada, uma vez que dela decorrem certos benefícios, como, por exemplo, no caso da posse-trabalho do art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil.

Mesmo o prazo, requisito mais elementar da usucapião, pode apresentar complexidade na medida em que pode não ter começado a correr na data indicada, ou pode ter sido interrompido, por exemplo, o que exige um conjunto probatório robusto a fim de que possa ser avaliado.

Pelo fato de se ter estabelecido um procedimento especial que permite a análise dos elementos essenciais formadores do suporte fático de qualquer espécie de usucapião, em qualquer situação possessória, para aquisição de qualquer direito real usucapível, há a necessidade de que haja por parte do Oficial de Registro uma cognição profunda que permita analisar se ocorreu, ou não, a aquisição do direito apontado pela espécie de usucapião invocada, a fim de atender, ou não, ao pedido de registro, ao mesmo tempo que pode não haver limitação quanto à espécie de usucapião que o Registrador é capaz de reconhecer no procedimento comum do novo CPC, porque há um procedimento de cognição profunda, que assim permite.

A análise probatória no procedimento de usucapião extrajudicial registral comum é ampla e profunda, porque não há limitação da espécie de usucapião invocável nesta via, e tem o Registrador o dever de formar sua convicção acerca da ocorrência, ou não, dos elementos autorizadores da espécie de usucapião invocada, os quais tiveram sua existência fora e anteriormente ao ingresso no Registro Imobiliário.

Tal análise constitui atividade jurídica complexa que deve ser realizada com a prudência que o exercício da função registral exige151.

6.1.7 Atos de registro

Restando provada a aquisição do direito real imobiliário pela usucapião, e sendo, assim, acolhido pelo Oficial de Registro o pedido da parte, deverá ser praticado um registro stricto sensu de usucapião, nos termos dos arts. 167, I, e 28, da LRP.

Embora o aludido dispositivo legal não trate da decisão em processo extrajudicial registral de usucapião, eis que anterior ao art. 216-A que ora é inserido na LRP, deixa claro que se trata a declaração de usucapião de ato objeto de registro stricto sensu, seguindo a regra do art 216-A o mesmo desfecho registral que o mandado de registro exarado na usucapião judicial.

Trata-se de ato de registro stricto sensu, porquanto de reconhecer e publicizar a aquisição originária de um direito real imobiliário.

Na medida em que, como se viu, o caráter originário da aquisição pela usucapião se mantém intacto quando o seu reconhecimento se dá na esfera extrajudicial registral, há efeitos jurídicos que decorrem do fato de o processo ter seguido esta via.

O trato sucessivo é um dos pilares mestres do sistema registral, o que significa dizer que a matrícula de um imóvel no Registro Imobiliário deve refletir perfeitamente a sua cadeia dominial. A matrícula de um imóvel deve externar um perfeito encadeamento dos direitos incidentes sobre o imóvel, sem que haja lacunas.

Como decorrência disso, tem-se que aquele que consta no título submetido a registro como dispondo de certo direito deve ser o titular registral do direito, com idêntica qualificação (continuidade subjetiva). Se não o for, deverá, previamente ao registro requerido, haver outro, no qual a pessoa que agora dispõe do direito o adquira.

É o que dispõe o art. 195 da LRP.

Também significa o trato sucessivo, conhecido como princípio da continuidade, que deve o Registro refletir uma perfeita cadeia no que diz respeito à descrição do imóvel (continuidade objetiva).

Assim, por exemplo, se certo título de disposição de direito real registrado é apresentado a registro, e a descrição do imóvel que consta no título difere da descrição registral, não será possível a prática do ato registral pretendido. Deverá ser retificado, previamente, o título ou o registro, a depender de onde localiza-se o equívoco.

O mesmo ocorre se houver divergência entre a qualificação do titular do direito inscrito constante do título e do Registro.

Todavia, o trato sucessivo, uma vez que é norma registral que tem nascedouro em norma de direitos reais – que são o objeto principal da publicidade registral – que reza que ninguém pode dispor de direito real que não tem –, não se aplica a todas as aquisições de direitos reais.

As aquisições originárias de direito reais, nesse sentido, estão isentas da obrigação de obediência à continuidade registral.

A usucapião reconhecida judicialmente não precisa obedecer nem à continuidade objetiva, nem à subjetiva, vale dizer, nem há necessidade de que a descrição do imóvel no mandado de usucapião coincida com a descrição constante na matrícula registral – bastando que haja requisitos suficientes de especialidade e os demais requisitos para abertura de matrícula (art. 226 da LRP) –, nem há necessidade que o titular do direito e sua qualificação no Registro Imobiliário coincidam com o réu no processo de usucapião e sua qualificação.

Por se tratar de aquisição originária, será aberta matrícula com os dados constantes no mandado judicial e efetuado o registro stricto sensu, ignorando-se a cadeia dominial existente até então, fazendo-se, tão somente, uma averbação na matrícula do imóvel do qual sai a área usucapida, se for possível localizá-la, com o intuito de publicizar a informação e evitar duplicidade matricial.

Na usucapião extrajudicial registral, a regra é um pouco diversa da judicial, apesar de ambas serem formas de reconhecimento de aquisição originária de um direito real imobiliário.

No que diz respeito à continuidade objetiva, da mesma forma que no processo judicial, o reconhecimento pela via extrajudicial, para ser procedente, não necessita obedecê-la.

Trata-se de aquisição originária, e, apesar de haver a necessidade de localizar as matrículas ou transcrições de onde saem a área usucapida, em razão da necessidade de se localizar os titulares de direitos inscritos – o que não é exigido na usucapião judicial, na qual há a possibilidade de contornar tal desconhecimento mediante citação editalícia –, não há necessidade de que as descrições coincidam. Basta que a nova descrição, caso não coincida, tenha os requisitos mínimos de especialidade a possibilitar a abertura de matrícula.

Releva notar que, caso não haja obediência à continuidade objetiva, deverá haver abertura de matrícula para o imóvel usucapido, previamente ao ato de registro da ususcapião. Neste caso, deve haver no processo os requisitos necessários à tal abertura, insculpidos nos arts. 176 e 225 da LRP.

Em havendo respeito à continuidade objetiva, bastará o ato de registro stricto sensu.

No que toca à necessidade de respeito à continuidade subjetiva, a sorte é outra.

Em que pese a usucapião reconhecida judicialmente não necessite a ela atender, a usucapião extrajudicial necessita.

É que, no procedimento extrajudicial, dada a necessidade de que seja ele amigável, e que os titulares de direitos inscritos, tanto do imóvel usucapiendo quanto dos imóveis a ele confrontantes, estejam de acordo com o pedido, há não somente a necessidade de se identificar tais titulares, como, para tanto, obviamente, que haja coincidência entre tais titulares e os legitimados passivos certos que participam do processo.

Assim, no que cumpre aos atos de registro a serem praticados em caso de ser acolhido o pedido extrajudicial de usucapião, é de se concluir que se trata de um ato de registro stricto sensu, havendo continuidade objetiva, e de uma abertura de matrícula seguida de um registro stricto sensu, se não houver tal continuidade.

Ademais, ao contrário do que ocorre com a usucapião judicial, na extrajudicial haverá sempre a necessidade de identificação das matrículas ou transcrições de onde saem o imóvel usucapiendo, bem como de respeito à continuidade subjetiva.

Tratando-se de imóvel rural, o registro da usucapião exige a prévia delimitação da reserva legal ambiental, nos termos do art. 16, § 8º, do Código Florestal, a qual deverá ser inscrita no Cadastro Ambiental Rural (CAR), e cujo número de inscrição deverá ser averbado na matrícula do imóvel. Assim decidiu o STJ, no Recurso Especial 2012/0251709-5, tendo por Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Ainda, no que diz respeito à usucapião de imóvel rural, pela via administrativa, pode haver a necessidade de descrição georreferenciada certificada pelo INCRA, nos termos do art. 225 da LRP e da Lei n. 10.267/2001 e seu Decreto regulamentador, a depender do enquadramento, ou não, do imóvel nos prazos lá estabelecidos, diversamente do que ocorre com a usucapião judicial, quando sempre será exigido tal requisito, com fundamento nos mesmos textos legais, e conforme já reconheceu o STJ ao julgar o REsp 1123850/RS, Recurso Especial 2009/0126557-5, Relator(a): Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 27-5-2013.