ERA DE ESTADOS EM GUERRA
Número de mortos: 1,5 milhão1
Posição na lista: 40
Tipo: colapso do Estado
Linha divisória ampla: Qin versus Chu
Época: 475-221 a.C.
Localização: China
Quem geralmente leva a maior culpa: uma fieira de reis cada vez mais cruéis, culminando com Zheng, de Qin
Prólogo: Período da Primavera
e do Outono (C. 770-475 a.C.)
A fim de compreender para onde a China foi, você deve examinar onde ela começou. Durante a dinastia Zhou (C. 1050-256 a.C.), um imperador nominal governava toda a China, mas ele mais parecia um papa hereditário: um vestígio de uma era antiga quase esquecida, uma presença espiritual, mais do que um verdadeiro monarca. O verdadeiro poder repousava nos Estados feudais, que incorporavam pedaços do velho império. Abaixo desse nível havia a organização feudal normal de senhores com menor poder e camponeses.
Durante o Período da Primavera e do Outono, os chineses eram um povo muito bem-educado, mas sua solução para todo dilema moral parecia ser o suicídio ritual. Vamos examinar alguns dos cenários reais encontrados nos livros de história.2
Você é um nobre menor, que recebeu ordem de seu senhor, o príncipe de Jin, para assassinar o ministro de Estado dele devido a uma séria transgressão. Quando descobre que o seu alvo foi falsamente acusado, você:
Você é um nobre do Estado de Chu, e acredita firmemente que o seu príncipe está adotando uma política perigosa, que trará más consequências para ele. Você:
Se respondeu (c) a essas perguntas, você teria gostado do Período da Primavera e do Outono. A resposta (c) era a solução preferida entre os indivíduos reais nos livros de história.
Durante o Período da Primavera e do Outono, os Estados lutavam por prestígio, e não por conquista. Geralmente um rei chinês derrotado tinha permissão de manter seu título e suas terras, desde que reconhecesse a magnificência do homem que o derrotara.
Um episódio resume isso tudo. Depois de uma vitória decisiva, um carro de guerra do exército de Jin estava perseguindo outro, do derrotado exército Chu, que ficou preso num valão. O carro perseguidor parou ao lado, para que o condutor pudesse aconselhar seu inimigo a tirar o veículo do valão. Quando o carro preso se livrou e disparou de novo, a perseguição foi retomada. O carro fugitivo alcançou facilmente a segurança do exército Chu.3
A era de Estados em guerra (C. 475-221 a.C.)
As guerras chinesas se tornaram mais sangrentas depois de 473 a.C. Os Estados de Wu e Yueh vinham lutando um contra o outro havia anos, sempre que tinham um momento de folga. O rei de Wu vencera a refrega anterior e seguira a tradição de ser um vencedor condescendente, deixando intacto o Estado de Yueh, desde que seu povo reconhecesse a magnificência de Wu. Então, em 473 a.C., enquanto Wu estava guerreando em outra região, o rei de Yueh avançou furtivamente e tomou a capital de Wu. Contas acertadas; Yueh ganhara a nova rodada. Wu admitiu a derrota e concordou que Yueh fosse o novo mandachuva; entretanto, em vez de deixar as coisas assim, Yueh arrebatou as terras do alquebrado inimigo e enfurnou-o num humilhante novo reino, que consistia em uma ilha fluvial com trezentos habitantes. O rei de Wu se recusou a aceitar essa vergonha e cometeu suicídio.
O Período da Primavera e do Outono terminara com a supremacia do reino de Jin sobre os demais, mas uma guerra civil o despedaçou. Três reinos independentes (Han, Zhao e Wei) emergiram do caos em 403 a.C.
Com o correr do tempo, “a guerra transformou-se numa carnificina em massa, sem ser abrandada por atos ou gestos de cavalheirismo, que eram considerados uma tolice inútil e ultrapassada pelas pessoas da época. No campo de batalha a matança pura e simples era encorajada. Um soldado era recompensado segundo o número de cabeças humanas ou, quando estas se tornavam um estorvo muito pesado, segundo o número de orelhas humanas que conseguia apresentar depois da batalha. Dez mil era considerado um número de mortes modesto para uma única campanha; 20 ou 30 mil era bem comum. O assassinato aleatório de prisioneiros de guerra, impensável na era anterior, tornou-se uma prática bastante comum, sendo considerado o melhor, mais seguro e o mais barato meio de enfraquecer o Estado rival”.4
Os Estados belicosos se viram fortalecidos com a invenção das balistas. Por volta dessa época, a tática de combate passou de carros de guerra para a cavalaria. Cada vez mais os chineses fabricavam armas e couraças de ferro, em vez de bronze. Todas essas inovações tornaram a guerra mais barata, significando que qualquer um podia se engajar, e não apenas a nobreza.
Ascensão de Qin
Por volta da década de 360 a.C., apenas oito Estados feudais ainda existiam, e o principal era Wei, na região central do norte da China. Wei reduzira à vassalagem os reinos de Han, Lu e Sung, e isso provocou uma contra-aliança de dois outros reinos, Zhao e Qin, visando manter Wei sob controle. Logo se criou um equilíbrio, no qual nenhum Estado era forte o bastante para se expandir, de modo que a paz foi assegurada.
A maior parte dos Estados estava comprimida no centro da China ao longo do rio Amarelo, que era uma região pequena em tamanho, mas densamente habitada; entretanto, nas fronteiras, uns poucos Estados periféricos tinham territórios vastos, com grandes exércitos calejados pelas batalhas com os bárbaros em terras desabitadas. No oeste, espremido contra a estepe aberta, havia Qin (pronuncia-se “tchin”). Era uma terra boa para criar cavalos, e o reino era habitado por gente rude, extremamente prática, considerada tosca pelo restante da China. Um crítico antigo descreve a música dessa gente como nada mais do que vasos de barro golpeados por ossos de coxas, com um cântico: “Woo! Woo! Woo!”
O duque Hsiao governou Qin de 361 a 338 a.C., orientado por seu ministro lorde Shang. Juntos eles organizaram um regime totalitário visando maximizar a produção agrícola do Estado e as habilidades guerreiras do povo. Aboliram a nobreza e a substituíram por um exército profissional, no qual os soldados eram promovidos por bravura, e não por suas ligações pessoais. Esmagaram a dissidência. Restringiram as viagens. Essas reformas deram ao duque Hsiao o mais poderoso exército da China, usado num ataque de surpresa para quebrar a hegemonia de Wei em 351 a.C.
As reformas de lorde Shang fomentaram muito ódio em Qin, de modo que, quando o duque Hsiao morreu, ele passou a ser perseguido por seus inimigos. Tentou fugir anonimamente, mas suas próprias leis tornavam impossível viajar sem autorização, e não conseguiu ir muito longe. Logo um estalajadeiro o entregou às autoridades, quando ele não conseguiu apresentar os documentos exigidos. Shang foi arrastado e despedaçado por carros de guerra. Entretanto, suas reformas permaneceram.5
Em 316 a.C. o reino de Qin anexou as terras bárbaras de Shu e Pa, incorporando milhares de guerreiros tribais a seu exército.6 Naquele momento a maior parte da iniciativa nas relações internacionais partia de Qin, e os outros reinos podiam apenas reagir. O único outro Estado bastante forte para ter sua própria política externa era Chu, um grande reino que estava se expandindo pelas florestas da fronteira meridional.
A fim de evitar que Qin avançasse para o leste até a zona central da China, os Estados localizados do norte ao sul na fronteira leste de Qin juntaram-se a Chu numa aliança “vertical”, hezong em chinês. Qin pulou por cima dessa barreira para avançar ao longo do rio Amarelo e se unir aos Estados do outro lado numa aliança “horizontal”, chamada lianheng.
Logo irromperam guerras em todas as direções, e tomaria dezenas de páginas apresentá-las de maneira inteligível. Pode-se ter uma amostra do tom geral com um incidente ocorrido em 260 a.C., em que a astúcia impiedosa derrotou a honra. Em Changping, no noroeste da China, um exército de Zhao em boa posição defensiva enfrentou o exército de Qin, que só podia acampar e esperar. Quando a espera passou a se prolongar sem uma solução à vista, agentes de Qin começaram a sussurrar que os covardes de Zhao estavam evitando a batalha. Por fim o rei de Zhao, incomodado com os boatos de covardia, substituiu seu cauteloso general por outro, que julgava menos honrado. Esse novo general partiu para o ataque, mas logo que seus soldados deixaram as fortificações, foram facilmente cercados pelo avanço do exército de Qin. O novo general baixou as armas e se rendeu, mas mesmo assim os soldados de Qin mataram todos os integrantes do exército inimigo, até o último.
Fim de jogo
Em 256 a.C. os soldados de Qin invadiram Loyang e depuseram o último imperador Zhou.7 Não houve substituição, e depois disso a China nem mesmo fingia ser um só país.
Em 247 a.C., com a idade de 13 anos, o príncipe Zheng foi alçado ao trono de Qin, quando morreu o rei, seu pai. A maioria dos membros da corte esperavam manipular facilmente o jovem, de modo que as conspirações brotavam por toda parte em torno dele. Sua mãe, a rainha viúva Zhao Ji, renomada por ser uma grande beldade e excelente dançarina, recebeu o controle do governo até que Zheng chegasse à maioridade. Ela compartilhava a regência com o primeiro-ministro Lu Buwei, que, diziam os boatos, era o verdadeiro pai de Zheng.
Para livrar-se de suas ligações com a rainha viúva, o primeiro-ministro “encontrou um homem chamado Lao Ai, que tinha o pênis inusitadamente grande, e empregou-o como serviçal em sua casa. Depois, quando se apresentou a ocasião, ele fez tocar uma música sugestiva, e, instruindo Lao Ai para meter o pênis no centro de uma roda feita de uma madeira chamada paulownia, e o fez caminhar com aquilo, assegurando-se de que o feito chegaria aos ouvidos da rainha viúva, de modo a suscitar seu interesse”.8
A rainha viúva logo se apaixonou por Lao, o que expôs o feliz casal a grandes riscos, de modo que eles imaginaram um plano para manter o romance secreto. Lao conseguiu ser acusado de um crime cuja punição era a castração, mas ele e a rainha subornaram o castrador para deixar intacta a poderosa genitália de Lao e, em vez disso, raspar sua barba. Agora que todos pensavam que ele era um eunuco, Lao podia aberta e legalmente agregar-se à corte da rainha.9
No fim, eles geraram dois filhos, mantidos cuidadosamente escondidos do filho dela, o rei. Sabendo do perigo que corriam, eles planejaram um golpe contra Zheng e tomaram pessoalmente o comando das tropas aquarteladas ali perto, usando documentos forjados. Infelizmente Zheng estava muito à frente deles. Quando os soldados de Lao chegaram à câmara real, o rei Zheng tinha seus homens prontos para uma emboscada. Lao escapou por pouco da tocaia e fugiu. Com a cabeça posta a prêmio por 1 milhão de moedas de cobre, porém, ele foi logo capturado e condenado à morte. A rainha viúva foi forçada a assistir, enquanto seu amante era despedaçado por carros de guerra. Seus dois filhos secretos foram amarrados, metidos em sacos e espancados até a morte.
Havia mais a acontecer. Muitas histórias da juventude do rei Zheng o mostram sobrevivendo por pouco a complôs assassinos, ou então descobrindo espertamente essas conspirações. Um matador, o cortesão Jing Ke, foi pego quando uma adaga caiu de um mapa que ele desenrolava. Um alaudista cego, Gao Jianli, tentou golpear Zheng com o instrumento cheio de chumbo quando ele se aproximou o bastante, mas errou. Um homem inferior se tornaria recluso e amedrontado por causa disso; fosse esse o caso, porém, o rei Zheng nunca teria ganhado um lugar na história por ter feito a união dos Estados Belicosos.
Com a idade de 30 anos, Zheng tornara-se o incontestado senhor de seu reino. Sua mãe estava impotente no exílio. O primeiro-ministro Lu Buwei fora forçado a cometer suicídio. Todos os outros ministros quedavam acovardados. Numa agitada década final, o reino de Qin limpou a mesa. Han caiu em 230 a.C., e Wei em 225 a.C. Depois Qin conquistou Chu (223 a.C.), Yan e Zhao (ambos em 222 a.C.) e Qi (221 a.C.), completando a unificação da China. Zheng assumiu um novo título, primeiro imperador, e sua história continua num capítulo adiante (ver “Qin Shi Huang Di”).