A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE
Número de mortes: 7 milhões1
Posição na lista: 19
Tipo: colapso do Estado
Linha divisória ampla: Roma versus bárbaros
Época: 395-455 d.C.
Localização: Europa Ocidental
Principais Estados participantes: Império Romano do Oriente, Império Romano do Ocidente
Principais povos participantes: alanos, anglos, burgúndios, francos, hérulos, hunos, ostrogodos, saxões, vândalos, visigodos
Quem geralmente leva a maior culpa: romanos decadentes, germânicos bárbaros, Átila, o Huno
O declínio e a queda do Império Romano é o arquétipo de todos os colapsos na história da humanidade. É o espelho metafórico gigantesco que erguemos em qualquer era em que vivamos. Se podemos encontrar algum paralelo, não importa quão superficial ele seja, entre Roma e os dias de hoje, então podemos predizer e dar opinião sobre qualquer caminho perigoso que estejamos trilhando. Se apontamos apenas as similaridades, digamos, da guerra do Iraque com a Guerra Hispano-Americana, então uns poucos amantes da história talvez concordem e virem a página, mas se encontramos similaridades entre a guerra no Iraque e a queda de Roma, então podemos facilmente espalhar o pânico e o alarme em toda a população, dessa forma fazendo jus a nossos gordos salários de eruditos.
Uma história curta, realmente curta,
do Império Romano antes da queda
A República Romana virou o Império Romano com a ascensão de Augusto, em 14 a.C. Durante os poucos anos seguintes o aparato imperial avançou atabalhoadamente, sobrevivendo a cada ameaça. Os imperadores preenchem toda uma escala, indo dos criminalmente insanos aos honestos e sensíveis, num padrão quase previsível. Algumas décadas de imperadores decentes eram interrompidas quando a sucessão caía num psicótico perigoso. Depois de um breve reinado de terror, ele seria assassinado, e uma guerra civil intensa, curta selecionaria outro imperador dentre todos os pretendentes. Então uma nova série de governantes razoavelmente competentes restaurariam a calma. Certamente, o processo era mais confuso do que os anúncios de ataques na televisão e os interessantes escândalos sexuais que determinam quem vai governar na democracia moderna típica, mas a coisa funcionou bem por gerações.
Depois de diversos séculos disso, o Império Romano era muito diferente da Roma da imaginação popular, onde Júlio César conduzia uma biga contra Pôncio Pilatos, e Calígula era calcinado em Pompeia, enquanto Espártaco seduzia Cleópatra.a O novo império era cristão, e não tinha muito mais a ver com a cidade de Roma. Os imperadores vinham de populações romanizadas das províncias, e não da cidade-mãe propriamente dita. De fato, a etnicidade do império estava começando a se mesclar e homogenizar. O latim substituíra as línguas nativas em grande parte da Europa, e cada homem livre do império era legalmente um cidadão, sujeito a um conjunto uniforme de leis. Esses novos romanos até mesmo usavam calças de vez em quando, em vez de togas. Estavam se transformando em entes medievais.
Por conveniência administrativa, o império geralmente era dividido em metades autônomas: o Império Romano do Ocidente, com sua sede em Milão, e o Império Romano do Oriente, com sua sede em Constantinopla. Perto do fim, o sistema fazia sentido no papel, mas nunca funcionou. O imperador de cada metade (intitulado César) selecionava e preparava o sucessor de sua preferência (intitulado Augusto), e a sucessão deveria se realizar pacificamente de um a outro, sem interrupção. Na prática, entretanto, a morte de um imperador geralmente criava um vácuo de poder, uma guerra civil e um usurpador, com o trono por fim passando para o mais audacioso. Muitas vezes o César da outra metade tinha a aprovação prática de sua escolha, desde que fosse aquele com exércitos sob seu comando quando o trono ficava disponível. Isso mantinha as metades ligadas, em vez de se afastarem. Era comum que parentes próximos governassem as metades ao mesmo tempo, tais como os irmãos Valente e Valentiano, que se tornaram os Césares do Oriente e do Ocidente em 364.
Chegam os godos
Quando uma perigosa nova linhagem de bárbaros, os hunos, apareceu no horizonte nordeste do mundo civilizado, no final do século IV, todas as tribos germânicas no seu caminho fugiram ou se renderam. Os visigodos escaparam atravessando o rio Danúbio, a fronteira norte do Império Romano, e pediram ao imperador Valente que os salvasse. Ele permitiu que os bárbaros se estabelecessem ao longo da margem sul, como federados, um tipo de vassalos subordinados vivendo em um enclave autônomo. Os visigodos enfatizavam sua condição de autônomos, enquanto os funcionários romanos locais preferiam acentuar a parte subordinada da equação. Dentro em pouco, os desentendimentos se transformaram em revolta aberta.
Em 378, Valente marchou com o exército romano contra os visigodos, que se aproximavam da cidade romana de Adrianópolis, visando saqueá-la. Valente chegou com 40 mil soldados, acampou durante a noite, e depois avançou contra a infantaria dos bárbaros, que haviam se agrupado num círculo de carroças. O imperador atacou usando a ordem dos legionários apropriada, mas o círculo aguentou, até que chegou a cavalaria dos visigodos e envolveu o exército romano. Estes se viram apertados, esmagados e aniquilados, resultando na pior derrota romana de memória recente. O corpo do imperador nunca foi encontrado. Estava em algum lugar na pilha, apenas um dos cadáveres anônimos entre dezenas de milhares.
A paz volta a Constantinopla
Embora seja comum tratar a Batalha de Adrianópolis como o começo do fim de Roma, nada mais aconteceu por uma geração. O imperador do Ocidente (Graciano, filho de Valenciano) deu o Império do Oriente e sua irmã, em casamento, a um dos poucos generais de alta patente oriundo de uma boa família romana, Teodósio, que governou com competência por vinte anos.
Teodósio era muito cruel. Certa vez massacrou 7 mil habitantes de Tessalônica porque uma multidão naquela província linchou um de seus generais, por ele ter aprisionado um popular condutor de biga, mas deve-se notar que, a essa altura, o império não estava ainda irrevogavelmente em decadência. Os romanos ainda eram capazes de produzir um imperador forte, que seria lembrado pelo que fizera, em vez de o ser pelo que fizeram a ele.
Teodósio conteve os visigodos e estabeleceu-os de volta no seu pequeno enclave. A Batalha de Adrianópolis mostrara a superioridade tática do método godo de combate (cavalaria encouraçada lutando com lanças) sobre a tradicional legião romana, de modo que Teodósio começou um recrutamento maciço de bárbaros para servir no exército romano.
Seu reinado é mais notável por acontecimentos religiosos do que por acontecimentos políticos. Cristão fervoroso, ele colocou o paganismo fora da lei e transferiu o título de sumo pontífice (alto sacerdote) do imperador para o bispo de Roma. Pôs um termo aos rituais pagãos, como as Olimpíadas, e permitiu que multidões cristãs destruíssem os antigos santuários, tais como o Serapeu, que fazia parte do complexo da Biblioteca de Alexandria. A chama sagrada das Virgens Vestais em Roma foi extinta depois de mil anos de cuidadosa vigília. Os pagãos avisaram que isso enraiveceria os deuses e só traria problemas. Aparentemente eles estavam com a razão.
A despeito dos sinistros presságios, a civilização romana, a essa altura, ainda era pujante intelectualmente. Santo Agostinho, o teólogo que só perde para São Paulo em importância na criação do cristianismo como o conhecemos hoje em dia, ficou sendo um nome proeminente nessa época. Agostinho passara sua juventude gozando os prazeres da carne; quando cresceu, tornou-se religioso em 386 d.C., e superou a todos com essa nova paixão. Discorreu sobre o problema do livre-arbítrio, desenvolveu o conceito de pecado original, de bebês não batizados condenados ao fogo eterno, considerou ilegal o sexo e transformou o cristianismo de um movimento popular em um curso de filosofia de pós-graduação. Sempre que seus olhos brilharem ao estudar religião, ou sempre que você se vir pensando onde Jesus disse determinada coisa, isso é trabalho de Santo Agostinho.
Nessa época, o cristianismo já estava bem estabelecido por toda a esfera de influência romana. Todas as tribos germânicas que viviam ao longo das fronteiras tinham se convertido havia muito tempo, mas, infelizmente, o império declarara a versão cristã deles, o arianismo, uma heresia, pois discordava da versão oficial no que dizia respeito à Santíssima Trindade. Os arianos acreditavam que o Filho não existira até que fosse criado pelo Pai, diferentemente dos cristãos do Império Romano, que acreditavam que o Pai e o Filho coexistiam eternamente. Isso não é uma coisa que tenha importância, realmente, a não ser pelo fato de que as pessoas se engalfinham por qualquer motivo.
Política em Milão
Nesse ínterim, o Império Romano do Ocidente estava dilacerado por disputas internas. Duas vezes, recentemente, generais ambiciosos haviam assassinado o imperador do Ocidente, e Teodósio teve de intervir para remover o usurpador do trono. A primeira vez, quando Graciano foi morto em 383, Teodósio restaurou a linhagem da família legítima (Valenciano II), mas da segunda vez, em 394, ele manteve o Império do Ocidente sob seu domínio. Durante um ano, e pela última vez, um único imperador reinava sobre um império unificado, da Britânia até a Arábia.
Quando Teodósio morreu, em 395, o império foi dividido entre seus dois filhos. Seu filho de 11 anos, Honório, ficou com o Império do Ocidente, enquanto que o outro, ligeiramente mais velho, Arcádio, ficou com o Império do Oriente. Honório reinaria pelas próximas três décadas, até 423, durante as quais começou o acentuado colapso, de modo que podemos pôr a culpa nele, mesmo que tivesse apenas 11 anos de idade na ocasião.
O homem que realmente governava o Império do Ocidente era o general e regente, Estílico. Geralmente ele é descrito como um general vândalo a serviço de Roma, mas nasceu e foi criado como romano. Embora seu pai fosse um chefe da tribo dos vândalos, comandando tropas auxiliares no exército romano, a mãe de Estílico era romana pura. De qualquer forma, o passado de Estílico não era inusitado. A maioria dos comandantes de alta patente nessa época eram apenas uma geração ou mais, provenientes de ancestrais bárbaros mercenários.
Tudo vira um inferno
No Império do Oriente, antes da morte de Teodósio, os visigodos, sob o comando de Alarico, decidiram ir em frente. Como a maioria dos selvagens, os godos eram bastante vagos na sua ideia das instituições, mas acreditavam em fortes laços pessoais. Com Teodósio morto, eles se consideraram livres de seu acordo, que era de ficarem estabelecidos pacificamente. Eles se aventuraram e começaram a saquear os Bálcãs para cima e para baixo, contra uma resistência romana fraca, ineficaz. Já em 402 os visigodos haviam invadido a Itália. Com um exército inimigo do lado civilizado dos Alpes pela primeira vez em seiscentos anos, Honório (agora com 18 anos) retirou a corte de Milão, que se via perigosamente exposta numa ampla planície, para Ravena, no litoral, atrás de intransponíveis pântanos. Estílico derrotou os visigodos, que recuaram para reconsiderar suas opções.
Com grande parte do exército romano na Itália caçando os visigodos, a fronteira norte enfraqueceu suas defesas, de modo que, em 406, uma grande horda bárbara, a maioria formada de vândalos germânicos e suevos, juntamente com alanos iranianos, cruzou o rio Reno congelado, em Mainz, sem encontrar oposição. Avançaram pela Gália, queimando, matando e estuprando, até que atravessaram os Pireneus, entrando na Espanha. O poeta Orientius, bispo de Auch, descreveu esses acontecimentos poucos anos mais tarde:
Alguns jaziam como alimento para cães, para muitos um telhado em fogo
Tanto tomavam suas almas, como cremavam seus corpos.
Pelas aldeias e villas, pelo campo e mercados
Por todas as regiões, em todas as estradas, aqui e ali, havia Morte,
Infelicidade, Destruição, Incêndio e Lamentação.
Toda a Gália queimava numa única pira funerária.2
Fazer parar a invasão não era a maior prioridade na corte. Honório estava mais preocupado com o fato de Estílico estar se tornando poderoso demais, de modo que mandou assassiná-lo em 408.
Vendo o caos se apossar do continente, Constantino, o comandante do exército romano na Britânia, declarou a si próprio imperador do Império do Ocidente. Cruzou o canal da Mancha para a Gália a fim de consolidar sua reivindicação, deixando os bretões para se defenderem sozinhos, com uma independência que não queriam.
Com as tropas leais tão escassas, Honório não estava em posição para se defrontar com Constantino. Assim, foi forçado a aceitá-lo como coimperador, mas, antes que o imperador Constantino III pudesse tomar posse e gozar das benesses do poder, um de seus próprios generais se revoltou e elevou ao trono um terceiro imperador. Depois disso, as coisas ficaram mais complicadas. Outras guarnições tomaram partido, e logo todos os romanos do noroeste da Europa estavam combatendo entre si. Por fim, entretanto, todos os usurpadores romanos e suas famílias foram assassinados. Diversas cabeças foram colocadas triunfalmente em lanças por toda a região, a de Constantino entre elas.
Em segurança no momento, Honório teve de promover a coimperador Constante, general leal que salvara sua pele no recente conflito. Nesse ínterim, duas outras tribos haviam se infiltrado em províncias romanas, na esteira dos vândalos. Os francos, que anteriormente se estabeleceram como federados no delta do Reno, agora se espalhavam mais para o interior da região, a qual, mais tarde, receberia seu nome (França). Os borgúndios fizeram o mesmo, terminando na Borgúndia. Os funcionários romanos locais foram forçados a pagar tributo a essas tribos até que alguém pudesse ir em socorro e expulsar os intrusos. Isso levou mais tempo do que qualquer um imaginava.
Embora o continente ainda continuasse sob o controle (nominal) de Roma, o imperador Honório enviou uma carta aos bretões declarando oficialmente que eles estavam entregues à própria sorte. Não havia nada que o Império pudesse fazer por eles. Durante as décadas que se seguiram, tribo após tribo de bárbaros – pictos, escoceses, anglos, saxões e jutos, vindos de diversas direções, Irlanda, Escócia e Dinamarca – aproveitaram-se da oportunidade e mergulharam a Bretanha em uma era de violência, sem registros históricos. Sem um defensor verdadeiro que pudesse ir em seu socorro, os inermes bretões tiveram de sonhar que isso acontecia, e então surgiu a lenda do rei Arthur.
O saque de Roma
Nesse ínterim, Alarico voltou com seus visigodos em 409, e extorquiu um enorme resgate da cidade de Roma. Quando ele apresentou suas exigências nos portões da cidade, os romanos ficaram chocados. O que lhe sobraria? “Suas vidas”, respondeu ele.
Isso manteve Alarico financiado por cerca de um ano, mas então ele retornou em 410, apoderou-se da cidade e a saqueou durante vários dias. Embora Roma não fosse mais a capital, e o saque fosse mais um roubo do que a destruição indiscriminada, a queda da cidade chocou o mundo civilizado. Era claro que o que estava acontecendo era mais do que apenas outra disputa dinástica.
O Império Romano é como os dinossauros. Ambos são mais famosos por terem desaparecido do que por terem sobrevivido todos esse séculos; entretanto, a cidade de Roma permanecera sem ser saqueada por estrangeiros por oitocentos anos (390 a.C.-410 d.C.). Isso é algo extraordinário, mesmo pelos padrões modernos. Para termos uma perspectiva, consideremos outras capitais que tropas estrangeiras ocuparam numa ou outra época nos últimos quatrocentos anos, apenas metade do número de anos que Roma permaneceu intacta:
Adis Abeba (1936), Atenas (1826, 1941), Bagdá (1623, 1638, 1917, 2003), Pequim (1644, 1860, 1900, 1937, 1945), Berlim (1760, 1806, 1945), Bruxelas (1914, 1940), Buenos Aires (1806), Cairo (1799, 1882), Copenhague (1807, 1940), Nova Déli (1761, 1783, 1803, 1857), Havana (1762, 1898), Cabul (1738, 1839, 1879, 1979, 2001), Londres (1688), Madri (1706, 1710, 1808), Manila (1762, 1898, 1942), Cidade do México (1845, 1863), Moscou (1605, 1610, 1812), Nanquim (1937), Paris (1814, 1871, 1940), Filadélfia (1777), Pretória (1900), Roma (1798, 1808, 1849, 1943, 1944), Seul (1910, 1945, 1950, 1951), Teerã (1941), Tóquio (1945), Viena (1805, 1809, 1938, 1945), Washington (1814)
Desintegração
No momento, a situação era tão grave que os problemas individuais tiveram de esperar na fila até terem uma oportunidade de desabar sobre o império. Afinal de contas, comparados com outras alternativas que ameaçavam Roma, os visigodos não pareciam tão ruins. É certo que eles saquearam a cidade e mataram o imperador Valente, mas pelo menos não eram como os hunos ou os vândalos. Dessa época em diante, os visigodos desempenharam o papel de bárbaros amigos de Roma.
Dentre o butim que os visigodos levaram de Roma estava a irmã do imperador Honório, de 20 anos, Galla Placidia, e para solidificar a crescente aliança entre o império e aquela tribo de bárbaros, estes receberam permissão para ficar com ela. Galla se casou com Ataulfo, o novo rei, que sucedera a Alarico, e a tribo se estabeleceu na Gália meridional, recebendo generosos direitos para cobrar tributos dos cidadãos romanos locais.
Mais tarde, num golpe de Estado, Ataulfo foi assassinado por um criado, e a viúva, Galla Placidia, foi conduzida em procissão pela cidade, amarrada e humilhada.3 Quando o novo rei visigodo sufocou a rebelião, Placidia voltou para Ravena, onde Honório a casou com seu coimperador Constantino, que também não viveu muito tempo.
Depois que Honório morreu, em 423, um usurpador, Johannes, assumiu o poder até que chegasse o exército do imperador do Oriente para colocar no trono, em 425, Valenciano, sobrinho de Honório, com 6 anos de idade, e filho de Constantino. Valenciano III seria o último imperador romano a passar algum tempo no trono do Império do Ocidente, embora ele nunca tenha, na realidade, se tornado senhor do Estado. Sua mãe, Galla Placidia, governou como regente, sendo grandemente qualificada para o cargo. Afinal de contas, era filha, esposa, mãe, irmã, neta, tia e sobrinha de imperadores, de modo que, pelo menos, ela conhecia as artimanhas palacianas. Conforme os anos se passaram, entretanto, o general Flávio Aécio começou a exercer cada vez mais poder.
Na ocasião, os bárbaros haviam dividido a Espanha entre si, e destruído o exército romano local, de modo que o império pediu socorro aos visigodos, que invadiram a Espanha e varreram a tribo dos asdingues, dos vândalos, deixando apenas a tribo dos silingues para levar adiante o orgulhoso nome dos vândalos.
Nesse ínterim, o comandante romano no norte da África, Bonifácio, armava um plano. Galla Placidia não tinha certeza de que plano era esse, mas Bonifácio parecia estar consolidando mais poder do que era permitido a um comandante de província, de modo que ela o convocou para ir à Itália explicar-se. Quando Bonifácio se recusou, ela mandou um exército romano para insistir na convocação, então o comandante rebelde ofereceu metade do norte da África aos vândalos silingues em troca de ajuda. Ainda sob a pressão dos visigodos, os vândalos abandonaram prazerosamente a Espanha e cruzaram o estreito de Gibraltar em 429. Subitamente confrontada com dois inimigos na África, Placidia se reconciliou com Bonifácio, que prontamente se voltou contra os vândalos.
Entretanto os vândalos derrotaram facilmente todos os exércitos romanos enviados contra eles, e começaram a conquista sistemática do norte da África, cidade por cidade. Um sítio organizado pelos vândalos deixou Santo Agostinho preso na cidade de Hipona, onde ele morreu em 430, ainda sitiado. Em 439, os vândalos finalmente tomaram a capital provincial de Cartago. Isso lhes deu o controle do suprimento de cereais que alimentava Roma nessa época. Na ocasião eles haviam construído uma frota, com a qual faziam incursões para cima e para baixo do litoral do Mediterrâneo, atacando pacíficas comunidades costeiras que não viam uma frota pirata havia quinhentos anos.4
Átila
Por essa época os hunos haviam chegado às fronteiras fluviais do Império Romano e começavam a avançar pelos Bálcãs. Um cronista eclesiástico descreveu isso: “Houve tantos assassinatos e derramamento de sangue que os mortos não podiam ser contados. Sim, pois eles invadiram as igrejas e monastérios e mataram os monges e as donzelas em grande quantidade.”5 O imperador do Oriente, Teodósio II, cedeu a margem sul do Danúbio ao controle huno, e pagou uma enorme soma para que esses bárbaros não chegassem mais perto, mas o imperador do Ocidente tinha muitas outras prioridades, e não tinha dinheiro bastante para proteger sua metade do império. Os hunos atravessaram o Danúbio e assolaram a Panônia romana (Hungria ocidental), fazendo rápidas pilhagens, de vez em quando, para manter a prática.
Voltando à Itália, a atenção do imperador estava desviada por um dos mais destrutivos episódios de rivalidade entre parentes na história. A irmã de Valenciano, Honória, viu-se envolvida romanticamente com o administrador de suas terras, coisa politicamente perigosa, de modo que eles conspiraram para derrubar o irmão dela antes que ele descobrisse o romance. Infelizmente chegaram atrasados; o imperador já sabia. Ele mandou decapitar o amante da irmã e teria feito o mesmo com ela não fosse a intervenção de Placidia. A família imperial tentou, então, forçar Honória a casar com um senador idoso e seguro, mas ela foi inflexível na sua recusa. Finalmente todo mundo concordou que Honória deveria ser despachada para Constantinopla, onde ficaria confinada.
Tendo perdido o primeiro embate, Honória escreveu secretamente para Átila, o rei dos hunos, propondo uma aliança conjugal, confiando a seu eunuco a entrega da carta ao chefe bárbaro, juntamente com seu anel, para garantir a autenticidade da proposta. Quando a nova conspiração foi descoberta, o imperador do Oriente, Teodósio II, rapidamente devolveu o problema para Ravena, despachando Honória de volta para casa, com o conselho de que seu primo, Valenciano, deveria concordar com o casamento por motivos políticos. Placidia concordou, mas Valenciano ficou furioso. Foi necessária toda a influência de Placidia para dissuadi-lo de mandar matar sua irmã por toda a confusão que ela causara; entretanto, tanto Placidia quanto Teodósio II morreram por essa época, o que deixou a decisão final para Valenciano, que não tinha nada a ver com aquela união. Honória foi forçada a casar com um romano sem importância e foi exilada, desaparecendo da história depois disso.6
Infelizmente não foi tão fácil demover Átila da ideia. A ele fora prometida uma noiva imperial, e dane-se, era melhor que pagassem. Ele avançou contra o império para reivindicar Honória, além de um esperado dote de metade do império. Atacando pelo rio Reno, ele varreu o norte da Gália, deixando atrás de si uma reputação de destruição que perduraria por mil anos. Um cronista descreveu esse gambito de abertura: “Os hunos, partindo da Panônia, alcançaram a cidade de Metz na véspera da festa da Páscoa, devastando toda a região. Puseram fogo na cidade e passaram a população a fio de espada, matando os sacerdotes do Senhor diante dos altares sagrados.”7
Os hunos avançaram até Orleans, que resistiu ao cerco, de modo que eles foram em busca de um alvo mais fácil. Logo os exércitos combinados de romanos e visigodos, sob o comando de Aécio, alcançaram os bárbaros e os venceram na batalha das planícies de Catalaunum, em 451. Foi a última vitória alcançada pelo exército romano do Ocidente, e nós não sabemos quase nada sobre ela. Não apenas os arqueólogos fracassaram nas suas tentativas de achar o local da refrega, mas também eles nem mesmo sabem por onde começar a procurar. Nos relatos que chegaram até nós, os efetivos dos exércitos e as montanhas de mortos foram exagerados além de qualquer plausibilidade.8
Depois de recuar e se reagrupar, Átila cruzou os Alpes, invadindo a Itália, destruindo a cidade de Aquileia e expulsando os sobreviventes que se esconderam nos pântanos de uma lagoa próxima, onde construíram uma nova cidade, Veneza. Conforme os hunos penetravam cada vez mais fundo no país, outro saque de Roma parecia provável, mas Átila mudou de ideia depois de encontrar-se com algumas pessoas notáveis locais, tais como o papa Leão. Ninguém sabe por que Átila fez meia-volta e voltou para sua terra, mas possíveis explicações incluem tudo, desde a milagrosa aparição dos apóstolos São Pedro e São Paulo, passando por um surto de peste, a percepção por parte de Átila de que seus recursos estavam no limite e até um simples pagamento.
Voltando à terra dos bárbaros, Átila morreu em 453, bêbado, na cama, na noite de seu casamento, depois de um violento sangramento pelo nariz. Dentro de um ano, todos os vassalos germânicos já haviam se libertado do jugo dos hunos, que rapidamente retrocederam para as estepes ucranianas.9
Por essa época, o general Aécio se tornara extremamente poderoso, constituindo uma ameaça para Valenciano. Um dia, em 454, quando o general fazia um relato financeiro para o imperador, Valenciano saiu do trono, espada na mão, e retalhou o general em diversas partes do corpo. Aécio foi vingado seis meses depois, quando soldados leais ao general assassinaram Valenciano.
Logo depois, o rei dos vândalos, Genserico, desembarcou com um exército em Óstia e atacou ao longo do rio Tibre, capturando Roma. Os vândalos deram à cidade um tratamento muito mais brutal do que os visigodos haviam feito, ligando seu nome ao conceito total de destruição sem objetivo. Quando embarcaram de volta para Cartago, depois de 14 dias de saque, levaram consigo séculos de tesouros acumulados, tais como o candelabro de ouro saqueado de Jerusalém, e milhares de prisioneiros, inclusive a viúva e as filhas de Valenciano. Os prisioneiros de menor categoria foram direto para o mercado de escravos, enquanto a família imperial permanecia como refém.10
Últimos dias
Para todos os fins práticos, esse foi o fim do Império Romano do Ocidente. O nome ainda perdurará por mais uma geração, mas a nação cessou de ser uma entidade viável em 455, com a extinção da dinastia de Teodósio e o saque de Roma pelos vândalos. Não havia um núcleo de território seguro, produtivo, de onde recrutar e financiar um novo exército. Durante as próximas décadas, os conquistadores germânicos se uniram em pequenos reinos, aproveitando os pedaços do império. Haveria ainda muito mais batalhas, assassinatos, traições, sítios e massacres, antes que o processo se completasse, mas você não precisa conhecê-los. Tudo o que importa é que Roma desaparecera, e os exércitos estavam saqueando lugares que não haviam sofrido esse destino por centenas de anos.
Com a morte de Átila, umas poucas tribos germânicas que haviam sido vassalas dos hunos, os ostrogodos e os hérulos, tiveram agora a oportunidade de agir como entes políticos independentes nas ruínas do império. Tendo estado subjugadas por tanto tempo, elas quase que perderam a oportunidade de pegar para si um pedaço da carcaça, mas com todas as outras tribos avançando para o oeste, para dentro da Gália e a Espanha, premidos pelos romanos e hunos, os ostrogodos e os hérulos se sentiram livres para invadir a própria Itália.
O Império Romano fora tão importante durante tanto tempo que ninguém podia imaginar um mundo sem ele. Nos próximos 21 anos, os conquistadores mantiveram o simulacro de um Império Romano, quando, de fato, generais em briga comandavam o espetáculo atrás de uma fieira de títeres, figuras de fachada, conhecidas como os imperadores fantasmas. Por fim, um homem forte germânico, em ascensão, na Itália, um heruli chamado Odovacer, consolidou seu poder sobre a península. Em 476, ele removeu o imperador que ocupava o trono no momento, uma personalidade nula, de 13 anos de idade, chamado Rômulo Augusto,b mandando-o para suas terras no interior, deixando vazio o cargo de César.
E assim tudo terminou.
Por que Roma caiu?
O melhor meio de se compreender a queda de Roma é saltar a primeira metade de qualquer livro sobre o assunto. Sim, o passado e as tendências de longo prazo são importantes: alguns historiadores vão tão longe no passado à procura da causa, porém, que parecem afirmar que Roma estava caminhando para uma queda inevitável desde que foi fundada. Quando comecei a pesquisar o assunto para este capítulo, li a literatura existente e, zelosamente, anotei observações sobre Valeriano, Marco Aurélio e Diocleciano antes de perceber que essas figuras antecediam a queda de pelo menos dois séculos. Isso é como encontrar a causa do colapso da União Soviética em algo feito por Catarina, a Grande.
Vamos começar estabelecendo regras de bom senso:
Uma explicação apropriada deve se aplicar ao século V, em vez de o fazer ao século I, de modo que paganismo, gladiadores e Nero tocando harpa estão claramente fora de cogitação. Como o império deixara há muito tempo de ser governado pela cidade epônima, qualquer causa que esteja ligada demais a Roma, tal como o envenenamento por chumbo do suprimento de água da cidade ou a malária nos pântanos da Itália meridional, também teria valor duvidoso. Da mesma forma, dizer que o império era grande demais não é um argumento muito convincente, porque ele não era maior no século V do que era no começo.
Há cem anos, estavam muito em voga as teorias raciais sobre o colapso de Roma, de que a mestiçagem enfraqueceu a raça e assim por diante, mas isso é simplesmente projetar as preocupações de uma época de volta para outra, no passado. Hoje em dia você pode ouvir explicações baseadas em mudanças climáticas, doenças tropicais ou asteroides assassinos, porque essas são as coisas que nos preocupam.
Qualquer coisa tendo a ver com redução da fertilidade ou degradação geral da classe governante é duvidosa, porque o Império Romano não era uma monarquia no sentido estrito, que passava de pai para filho e deste para o neto. Era mais uma ditadura militar, na qual o poder era transmitido de um imperador morto para um parente com experiência ou um colega respeitado. E Roma também não era especialmente elitista. Quando houve escassez de patrícios romanos para levar adiante o espetáculo, gente comum das províncias assumiu o poder.
Como aconteceu com os dinossauros, que se transformaram em pássaros, alguns alegam que Roma nunca realmente “caiu”; ela simplesmente se transformou em outra coisa. A metade oriental sobreviveu mais mil anos, como o Império Bizantino, e governantes que se intitulavam “Césares” existiram até o século XX, embora com o nome de “kaisers” e “tzares”. E não devemos esquecer que o mais poderoso líder espiritual do mundo ainda supervisiona de Roma suas centenas de milhões de seguidores.
Falando sério: por que Roma caiu?
Talvez você fique desapontado ao saber que a maioria dos historiadores evita explicações grandiosas, cósmicas, para a queda de Roma, oferecendo, em vez disso, causas específicas, quase insignificantes, ou uma de cada vez ou em diversas combinações.
A mais popular das explicações culpa o fracasso da liderança. Roma nunca desenvolveu um sistema suave de passar o império de um imperador para o seguinte, o que desencadeava uma pequena guerra civil quase toda vez que morria o governante. Os imperadores não tinham qualquer legitimidade, a não ser terem comandado o maior exército, e generais ambiciosos tinham pouca lealdade pessoal para com seu soberano. Assim, quando surgia a crise, Roma via sentada no trono uma série desafortunada de usurpadores, crianças e pesos leves, que tinham mais medo de seus próprios exércitos do que dos bárbaros.11
Segundo, a cavalaria tornou-se o principal meio de combater, mas Roma fora construída e mantida pela infantaria.c Como Roma reagiu a essas novas táticas de cavalaria alistando mercenários, em vez de treinar os romanos nativos para lutar dessa maneira, o exército foi ficando cada vez menos comprometido com a sobrevivência do império. O exército romano sempre tivera certo oportunismo egoísta que levou a incontáveis golpes e motins, mas como o exército era essencialmente romano, os soldados hesitavam em deixar a porta aberta para uma invasão bárbara sem resistência. Os mercenários hunos e godos não tinham esses escrúpulos.12
Terceiro, a transferência da capital principal para Constantinopla aumentou o controle romano no Oriente, mas também marginalizou o do Ocidente. Os exércitos colocados convenientemente para proteger a nova capital não eram de muita utilidade para proteger o Ocidente. Durante o pico do poder romano, os exércitos guarnecendo as extensas fronteiras fluviais ao longo dos rios da Europa central eram mantidos por impostos cobrados da sofisticada economia urbana do Mediterrâneo oriental. Quando o império foi dividido em duas partes, oriental e ocidental, o Oriente herdou a galinha dos ovos de ouro, e uma fronteira mais curta, enquanto o Ocidente ficou com as despesas de guarnecer uma extensa fronteira, com recursos provenientes de uma economia mais primitiva.13 No final, o Ocidente viu-se simplesmente sem meios de se defender.
Quarto, a conversão ao cristianismo (depois de 313) criou divisões internas e alienou os tradicionalistas pagãos. Quando o cargo de sumo sacerdote foi separado do cargo de imperador, isso diluiu o apoio popular ao governo. O imperador perdeu metade de sua legitimidade. As pessoas ficaram menos inclinadas a cultuar César, uma vez que ele não era mais um deus vivo. Isso também ajuda a explicar por que a China, onde o imperador manteve seu status divino, foi por fim reconstituída como uma nação unificada.14
O quadro geral
Se um homem fosse chamado a fixar um período da história do mundo no qual a condição da raça humana foi mais feliz e próspera, ele indicaria, sem hesitação, o tempo decorrido da morte de Domiciano até a ascensão de Cômodo (96-180 d.C.). A vasta extensão do Império Romano era governada por um poder absoluto, sob a orientação da virtude e da sabedoria. Os exércitos foram contidos pela firme, mas suave mão de quatro imperadores sucessivos, cujo caráter e autoridade impunham respeito involuntário. As formas da administração civil foram cuidadosamente preservadas por Nerva, Trajano, Adriano e pelos Antoninos, que apreciavam a imagem da liberdade, e ficavam contentes em se considerarem como pessoas responsáveis pela administração das leis. Esses príncipes mereceram a honra de restaurar a república, tendo os romanos de seus dias sido capazes de gozar de uma liberdade racional.
– Edward Gibbon, Declínio e queda do Império Romano
Declínio e queda do Império Romano, de Edward Gibbon, é amplamente considerado o maior livro de história já escrito na língua inglesa. Isso aborrece os modernos historiadores porque (1) hoje em dia eles sabem muito mais história do que Gibbon sabia, e (2) eles têm inveja. Alguns têm criticado Gibbon por elogiar tanto Roma, pois os romanos tinham guerras, analfabetismo, fome, doenças, escravidão e reprimiam as mulheres. Bem, isso também acontecia na época em que Gibbon escreveu (1776-88), de modo que “calem a boca”; ele tem razão. Muitos campos da atividade humana não voltaram aos níveis da era romana senão no século XIX.
O império criou uma paz real por toda uma enorme área, durante centenas de anos. Meus cem mais sangrentos acontecimentos incluem sete conflitos ocorridos na região do Mediterrâneo nos quatro séculos antes de Augusto, mas apenas um durante os quatro séculos que se seguiram a seu governo.
Os historiadores costumavam considerar a queda de Roma uma profunda falha geológica que dividia os mundos antigo e medieval, mas desde a década de 1970 os acadêmicos vêm experimentando um novo ponto de vista. Hoje em dia, todo o período que vai de 200 a 800 d.C. é considerado um único período de transição, chamado Antiguidade Tardia. Como parte disso, há também uma tendência a diminuir a intensidade da violência associada às invasões bárbaras, bem como a chamar esses povos de bárbaros. De fato, alguns estudiosos argumentam que a queda do Império Romano do Ocidente, como um todo, é enfatizada demais como um marco da história, e que as mudanças que varreram a Europa foram mais decorrentes de imigrações pacíficas de tribos errantes, que impuseram uma nova classe governante, mas que foram culturalmente assimiladas em duas gerações.15
Essa opinião é especialmente popular entre os ingleses, americanos e alemães, pois eles são descendentes dos já mencionados bárbaros, que agora pareceriam menos “bárbaros”. Num sentido mais geral, essa é apenas uma das mudanças de direção que a historiografia, na qual antigos selvagens (vândalos, mongóis, zulus, viquingues) são reabilitados, enquanto antigos exemplos de civilização (romanos, britânicos) são denegridos. De vez em quando os estudiosos ficam cansados de superestimar as épocas de ouro, e desenvolvem um renovado interesse pelas antigas épocas das trevas. Isso acontece todo o tempo. Nunca é permanente, e não devemos levar essa coisa muito a sério.
Sob esse novo paradigma, há também uma tendência a não fazer diferença entre cada frente de tempestade que varreu uma civilização mediterrânea. Sejam eles hunos, godos, ávaros, viquingues, magiares ou árabes, todos fazem parte de uma mesma megatendência. Embora ajude a manter toda a matéria dentro do contexto, isso obscurece o fato de que a queda de Roma no século V foi um furacão.
A queda de Roma é, indiscutivelmente, o acontecimento geopolítico mais importante da história ocidental. Sem o esfacelamento do império, as populações romanizadas da Europa ocidental não teriam evoluído como identidades separadas. Em vez de franceses, espanhóis, italianos e portugueses, haveria apenas romanos nessas terras (falando algo muito semelhante ao italiano). Essa pátria neorromana poderia também ter incluído a Inglaterra, o norte da África e a margem sul do Danúbio, cujas populações romanizadas foram mais tarde absorvidas, assimiladas e substituídas por invasores anglo-saxões, árabes e eslavos. Imagine um único grupo étnico preenchendo todas as terras, desde Liverpool até a Líbia, com 2 mil anos de história de unidade. Rivalizaria com a China como o país mais antigo e mais populoso da Terra.
Quantas pessoas morreram?
Os números são pura especulação, mas quase todo sítio arqueológico da Europa mostra um forte declínio no número de artefatos descobertos nas camadas do século V. Moedas de cobre, azulejos quebrados, ferramentas enferrujadas, pregos, pedaços de vidro, pedras de calçamento, inscrições tipo grafite, tijolos rachados, túmulos e lascas de cerâmica foram encontrados em inúmeras ruínas, alicerces, colinas artificiais, montes de lixo e despejos da era romana, por toda a Europa ocidental. Depois, em camadas datando de épocas posteriores à chegada dos saxões, francos e godos, os arqueólogos descobrem menos novos depósitos. Em alguns casos, os sítios romanos desaparecem inteiramente e regiões que anteriormente tinham muitas pequenas cidades, vilas e aldeias ficam reduzidas a um punhado de bastiões fortificados.
Quando os arqueólogos encontram menos material, isso geralmente significa uma de quatro coisas:
Dessas quatro possibilidades, a mais simples é a primeira, e essa é geralmente considerada a posição básica, a menos que evidências especiais apontem para uma das outras três possibilidades. Por outro lado, essas quatro explicações não são mutuamente exclusivas. O número reduzido de pessoas poderia ter significado que elas tinham ficado muito mais pobres, deixando para trás até mesmo menos artefatos por pessoa. Conforme esses sítios apresentam menos detritos, fica mais difícil encontrá-los para estudo.16
A maioria dos demógrafos acredita que a população das províncias romanas na Europa atingiu o pico de 30 a 40 milhões em 200 d.C., e depois diminuiu em um terço ou mesmo pela metade, durante todo o período de declínio, chegando ao mínimo de 20 milhões, mais ou menos, em 600 d.C. A perda máxima desse período, durante o século V, é às vezes estimada em um quarto ou um quinto da população. A maior parte desse declínio não é resultado direto da violência, mas sim da fome e de doenças propagadas pela desintegração da sociedade.17
a Nunca declarei que a imaginação popular era muito precisa.
b Nenhum relato da queda de Roma pode ser completo sem notar essa ironia: o último imperador recebeu o nome do fundador de Roma e do primeiro imperador.
c Por que essa mudança aconteceu? Não existe resposta fácil. Seria ótimo que a cavalaria houvesse se tornado superior à infantaria devido a uma nova invenção, como talvez estribos, que davam aos cavaleiros uma plataforma mais sólida na luta, permitindo que atirassem flechas com mais estabilidade e se firmassem ao atacar com lanças. A cavalaria antiga não tinha estribos, mas os cavaleiros medievais já os tinham. Na realidade, os cavaleiros andantes não podiam competir nos torneios sem estribos. Isso significa que o estribo surgiu em algum momento do início da Idade das Trevas. Se conseguíssemos alguma prova de que os hunos trouxeram o estribo para a Europa, isso explicaria facilmente sua superioridade militar e a queda de Roma em uma única lição (estribos!), e poderíamos terminar a aula mais cedo. Tal linha de raciocínio deixou alguns historiadores tentados a identificar estribos em todo e qualquer fragmento metálico encontrado em túmulos hunos; infelizmente, indícios adequados de estribos só aparecem na Europa com alguns séculos de atraso em relação aos hunos (Otto Maenchen-Helfen, World of the Huns: Studies in Their History and Culture [Berkeley: University of California Press, 1973], pp. 206-207; Hildinger, Warriors of the Steppe, p. 19).