JUSTINIANO

Número de mortos: zilhões

Posição na lista: 59

Tipo: déspota

Linha divisória ampla: romanos versus bárbaros (novos conflitos)

Época: governou de 527 a 565

Localização: Mediterrâneo

Principais Estados participantes: Império Romano (Bizantino) do

Oriente, reino dos godos, reino dos vândalos

Quem geralmente leva a maior culpa: Justiniano e Teodora

Vida na corte

Procópio, o historiador oficial da corte do imperador Justiniano, em Constantinopla, mantinha dois conjuntos de livros. Durante o dia ele escrevia histórias públicas, que derramavam elogios sobre o imperador, mas à noite puxava seu livro de histórias secretas, e descrevia o que realmente aconteceu. Grande parte do que achamos que sabemos sobre essa época depende de você considerar Procópio um mentiroso.1

Justiniano nasceu em 483 de uma família de camponeses, em algum lugar nos Bálcãs, e sempre falou o grego do Império do Oriente com sotaque bárbaro. Ele teria passado desconhecido na história se seu tio, Justino, não tivesse se integrado à guarda palaciana em Constantinopla, e ascendido de posição até se tornar comandante daquele grupo. Dali o tio Justino proclamou-se facilmente imperador em 518, quando o velho imperador morreu sem ter tido filhos.

Não tendo filhos ele próprio, Justino adotou seu sobrinho Justiniano como principal assistente e herdeiro. Quando Justino começou a ficar senil, Justiniano tornou-se o verdadeiro governante do império, bem antes de herdar oficialmente o trono com a idade de 44 anos.

A esposa de Justiniano, a imperatriz Teodora, tem sido vilipendiada na história por sua sexualidade. De acordo com Procópio, ela foi subindo na vida desde sua infância como prostituta, até realizar atos sexuais ao vivo no palco, vindo finalmente a se tornar uma cortesã de alto gabarito, onde atraiu os olhares e outras partes anatômicas do herdeiro presuntivo. Procópio não nos poupa de nenhum detalhe das escapadas sexuais de Teodora. Quando escreveu seu capítulo tratando da imperatriz, Edward Gibbon ficou muito constrangido em descrever as atividades dela em inglês comum. Em vez disso, ele esconde suas peripécias de olhos inocentes com citações em grego cru e comentários em latim.2

Entretanto, de acordo com historiadores menos interessantes (e provavelmente mais precisos), ela era uma atriz comum, com talento para comédia e papéis sexuais desinibidos. Filha do tratador do urso no circo, Teodora tinha vinte e poucos anos, com pelo menos um filho fora do casamento, quando se envolveu com Justiniano, já de meia-idade. Quando este subiu ao trono, ela foi junto com ele. O imperador a considerava uma parceira valiosa, e todos os decretos imperiais eram emitidos em nome dos dois.3

A vida entre os nobres e poderosos em Constantinopla envolvia a costumeira coleção de conspirações, planos sinistros e assassinatos. Teodora estabeleceu um padrão de sexualidade fácil na classe governante, e foi a única pessoa da corte a mostrar tutano quando os distúrbios de Nika varreram a capital, deixando dezenas de milhares de mortos. Graças a Procópio, nós temos um vívido registro de tudo isso, e o tema daria um grande seriado de televisão; entretanto, a maioria dos livros de história sérios e sensíveis concentram-se nos aspectos menos sórdidos do reinado de Justiniano:

Mas, como este livro trata de mortes e destruições causadas pelo homem, vamos pular isso tudo e seguir os exércitos para o oeste. Justiniano manteve uma agressiva política externa, visando voltar o relógio aos dias gloriosos do Império Romano, e foi aí que ele conseguiu sua maior colocação na contagem de pessoas mortas.

Guerras ocidentais (535-554)

Entre os historiadores, Justiniano tinha a reputação de escolher auxiliares extremamente talentosos, aparentemente tirando-os do nada. Logo no início de seu reinado, ele começou a cobrir de favores um oficial pouco graduado, que servia na frente persa, Belisário, promovendo-o na frente de oficiais mais experientes. Belisário nunca o deixou na mão. Lançou uma armada contra o reino vândalo no norte da África, com 15 mil soldados, 32 mil marinheiros, sua esposa, Antonina, como braço direito na administração, e o historiador Procópio como espião-mestre.

Os romanos desembarcaram no litoral desértico, longe do centro de poder dos vândalos, mas Belisário logo esmagou toda resistência e tomou Cartago. Eliminou o primeiro reino inimigo de sua lista, e voltou para Constantinopla a fim de receber os elogios do soberano.4 Na parada triunfal que se seguiu, ele transportava o candelabro de ouro maciço que Tito levara para Roma e os vândalos haviam carregado para Cartago. Temeroso da maldição que parecia acompanhar o tesouro do templo por toda parte, Justiniano mandou o troféu de volta a Jerusalém, e foi a última vez que se ouviu falar desse candelabro.

A guerra contra os godos

Dentro de um ano Belisário estava de volta ao Ocidente para sufocar um motim das tropas que ele deixara encarregadas da África. Depois se voltou contra o reino dos godos na Itália e sistematicamente foi abrindo caminho para o norte. Palermo foi tomada com um ataque por mar. Nápoles caiu logo depois, quando os romanos enganaram as defesas dos godos e entraram na cidade por um aqueduto abandonado.5

O papa abriu completamente os portões de Roma para Belisário, mas em dezembro de 536 os godos chegaram e sitiaram a cidade, com romanos lá dentro. Nenhum dos dois lados tinha tropas bastantes para cobrir os 32 quilômetros de muralhas que cercavam a cidade, de modo que o sítio consistiu, à semelhança de Troia, em escaramuças e sortidas em campo aberto, fora dos portões guarnecidos, enquanto espiões e agentes se esgueiravam facilmente para dentro e para fora da cidadela, visando obter informações e planejar traições.

A posição romana dentro da cidade se deteriorou quando os suprimentos diminuíram, mas essa condição também atingiu os sitiantes. O vencedor poderia ter sido qualquer um dos dois lados, até que Antonina e Procópio recrutaram tropas frescas em Nápoles, e correram para o norte, em socorro de Belisário. Em fevereiro, o rei godo, Witigis, pediu uma trégua para negociar um acordo, mas Belisário fez pé firme e usou os três meses de armistício para movimentar suas tropas a uma distância perigosa de Ravena, capital goda.

A essa altura Justiniano já estava inquieto com o fato de seu general estar ficando muito poderoso, de modo que mandou outro exército, de Constantinopla, sob o comando do eunuco Narses, para coordenar esforços com Belisário. Embora não tivesse experiência militar, Narses se mostrou surpreendentemente apto para a função. Foi abrindo caminho para o norte, pela planície da Lombar-dia, e tomou a cidade de Milão, que foi então deixada nas mãos de um subordinado.

Infelizmente, ter dois generais voluntariosos no comando conjunto do mesmo exército confundiu os subordinados. Quando um contra-ataque godo sitiou Milão e levou a cidade à beira da inanição, a força de socorro romana, próxima dali, não se mexeu até que chegassem ordens de Belisário e Narses.

Mas aí já era tarde demais. O rei godo, Witigis, oferecera livre-conduto para o general romano que defendia Milão se este se rendesse, mas essa oferta não se estendia aos civis milaneses, que Witigis planejava punir por o terem traído. O general romano tentou rejeitar a oferta, mas seus soldados estavam famintos e o forçaram a aceitá-la. Quando a guarnição romana abandonou a cidade, os godos entraram e a destruíram, matando todos os homens, 300 mil, de acordo com relatos contemporâneos, e levando com eles as mulheres.

Outra guerra contra os godos

A essa altura a Itália já estava tão devastada que levou tempo para se recuperar, antes que alguém pensasse que valia a pena lutar de novo por ela. Todas as pessoas com armas chegaram a um acordo de quem ficaria no controle do que, e retornaram a suas regiões para recuperar o fôlego.

Em 541, Totila, rei godo da Itália, retomou a guerra e conseguiu três anos de sucessos contínuos, de modo que Justiniano enviou Belisário de volta à Itália para uma segunda rodada. Enquanto os exércitos atacavam de cá para lá, a cidade de Roma mudou de mãos várias vezes, até que finalmente, em 548, Belisário caiu na rede de intrigas palacianas de Constantinopla, e foi obrigado a aposentar-se.

O eunuco Narses chegou para assumir a guerra em 552. Matou Totila na batalha e retomou Roma. O próximo rei dos godos também foi derrotado e morto no ano seguinte. Aproveitando-se do caos, os francos e álamos invadiram a Itália a partir do norte, em agosto de 553. Narses também os derrotou e assentou o restante da horda invasora na Itália. Finalmente, com os romanos no controle da situação, a guerra chegou ao fim.

Número de mortes

Procópio relatou que Justiniano matou uma miríade de miríades de miríades no total, em todo o seu reinado, o que, quando traduzido literalmente do grego, significa 10.0003, ou 1 trilhão de pessoas.6 Como uma miríade (10.000) elevada ao cubo é cem vezes a população do planeta hoje em dia, Procópio provavelmente se enganou. Em seu Declínio e queda do Império Romano, Edward Gibbon sugere que uma dessas miríades foi introduzida aí acidentalmente e que deveria ser ignorada, reduzindo o total de mortos pela guerra, doenças e fome, sob Justiniano, a uns meros 100 milhões.

Gerações de historiadores têm aceitado o meio-termo de Gibbon como verdadeiro, e encontrei autores do século XIX que põem Justiniano na lista padronizada de monstros da história.7 Entretanto, a população original do Império Romano do Oriente não era grande o bastante para perder 100 milhões de pessoas. Os historiadores modernos acreditam que a coisa começa em torno de 26 milhões (sem contar Itália e Tunísia), e grande parte do declínio autenticado da população no governo de Justiniano foi motivada pela peste bubônica.8

Procópio também alega que incursões dos eslavos e ávaros nos Bálcãs subtraíam 200 mil habitantes do Império Romano do Oriente todo ano, ou por morte ou pela escravidão, o que perfaz um total de 6,4 milhões de pessoas durante todo o reinado de 32 anos de Justiniano. Gibbon, por sua vez, duvida desse número, desde que a área onde se davam os ataques não poderia conter tantos habitantes.9

De acordo com Procópio, 5 milhões de pessoas morreram na guerra na África, e 15 milhões na guerra na Itália. Todo historiador, mesmo aqueles que são cautelosos quando lidam com números, concorda que a Itália foi devastada pela reconquista. Para fins de posição na lista, estou culpando as guerras no Ocidente empreendidas por Justiniano por três quartos de 1 milhão de mortes. Isso chega a 15% dos 5 milhões de habitantes que provavelmente viviam na Itália e na Tunísia.10 É só um palpite.