A REBELIÃO FANG LA
Número de mortos: 2 milhões1
Posição na lista: 37
Tipo: revolta de camponeses
Linha divisória ampla: dinastia Song versus rebeldes
Época: 1120-22
Localização: China
Quem geralmente leva a maior culpa: Chu Mien
Outra praga: a revolta camponesa chinesa
À semelhança de Nero e Hitler, o imperador Huizong da China era um artista, exceto pelo fato de que era um artista bastante bom. Suas obras de arte ainda são expostas em museus de todo o mundo. Ele apreciava as coisas boas da vida, como poesia, cantos de pássaros, palácios perfumados com mobílias laqueadas, jardins ornados de lindas pedras, flores raras e chafarizes. Para agradá-lo, os ministros percorriam o país sequestrando os mais esplêndidos objetos para deleite do imperador. Violavam túmulos e invadiam residências ricas à procura de tesouros escondidos. Um desses funcionários, extremamente cúpido, era especialmente mesquinho em oprimir a população, e seus agentes se apoderaram de um bosque de árvores de laca que pertencia a Fang La.
Fang La vivia na cidade de Muzhou, na província litorânea de Zhejiang. Notável por sua generosidade, ele era o líder comunitário dos Adoradores Vegetarianos do Demônio, que era como os chineses chamavam os maniqueus.
Fundada pelo profeta Mani, na Pérsia, no século III d.C., o maniqueísmo é uma religião extinta que acreditava num eterno conflito entre as forças do bem e do mal. O cristianismo provavelmente extraiu a ideia completa de céu e inferno dessa seita, conceito esse que não era nem judaico nem greco-romano, mas bem maniqueísta. Devido ao fato de os maniqueus acreditarem que tanto o bem como o mal eram igualmente fortes e mantidos em equilíbrio, seus inimigos os acusaram de jogarem dos dois lados e adorarem o diabo. As autoridades persas jogaram Mani numa prisão pelo resto da vida depois que ele surgiu com sua nova religião. A despeito da perseguição, os ensinamentos de Mani se espalharam por toda a Ásia e a China, pelas rotas das caravanas.
As religiões originárias da China tendem a cair em duas tradições. O confucionismo, baseado nos ensinamentos de Confúcio, é um código de comportamento social, enquanto o taoismo, baseado nos ensinamentos de Lao-tsé, é uma cosmologia mística que tenta explicar o universo. Ambas se originaram no passado semimítico da China, no século V a.C. Nenhuma das duas religiões espera que seus seguidores sigam uma única fé com exclusão de todas as outras, e dizem que os chineses tradicionais, pré-comunistas, eram confucionistas em público e taoistas na vida privada.2 O budismo, outra religião comum na China, originou-se na Índia, também no século V a.C., mas se adaptou facilmente e se entranhou na cultura chinesa sem muito alarde.
O imperador Huizong não era apenas um mecena das artes, mas também um devoto do taoismo, e um dos poucos governantes do país a declarar fora da lei o budismo, que ele considerava uma influência estrangeira deletéria. Também pelo mesmo motivo vinha tentando erradicar o maniqueísmo. Os funcionários do governo desencorajavam diversas práticas associadas com essa religião persa, tais como o vegetarianismo e o uso de roupas brancas. Quando Fang La se viu ultrajado por Chu Mien, cavou um profundo poço de ressentimento maniqueísta e uma rede religiosa que poderiam ser usados para organizar e planejar uma revolta.
A princípio, os rebeldes tiveram êxito contra as milícias locais, com táticas de atacar e fugir, mas depois vieram tropas veteranas da fronteira, sob o comando do general eunuco Tong Guan. Esses soldados profissionais derrotaram facilmente as forças de Fang La em batalhas em campo aberto, de modo que os rebeldes se refugiaram em cavernas, onde resistiram aos assaltos. Para esvaziar o apoio popular aos revoltosos, Tong Guan não fez valer a autoridade imperial para se apoderar de propriedades a seu bel-prazer. Finalmente, em maio de 1121, uma mulher do local conduziu as tropas imperiais até dentro das cavernas; Fang e sua família foram capturados. A rebelião continuou por alguns poucos anos, mas as forças do governo por fim varreram do mapa a resistência remanescente.
Infelizmente, tirar as tropas da fronteira enfraquecera fatalmente o império, e bárbaros jurchens, da Manchúria, irromperam pela Grande Muralha e conquistaram o norte de China. A dinastia Song recuou e se reagrupou ao sul, com apenas metade do território com que começara seu ciclo de poder.3