GÊNGIS KHAN
Número de mortes: 40 milhões1
Posição na lista: 2
Tipo: conquistador do mundo
Linha divisória ampla: mongóis versus civilização
Época: viveu em cerca de 1162-1227, mas não avançou contra o mundo senão em 1206
Localização: interior da Ásia (o maior império terrestre contínuo já criado)
Quem geralmente leva a culpa: Gêngis Khan
Outra praga: a invasão mongol
A pergunta irrespondível que todo mundo faz: Ele podia ter sido menos destrutivo, não é?
Escondida no fim do mundo, a Mongólia é uma região selvagem, hostil e poeirenta, que é sinônimo de remota. É onde encontramos ossos de dinossauros e nômades rudes, e nenhuma das grandes redes de fast-food. A Mongólia moderna é um pequeno país do formato de uma bola de futebol americano, que foi jogado para lá e para cá por países maiores durante centenas de anos, mas os mongóis se consolam com o conhecimento de que, em certa época, produziram o mais bandido de todos os bandidos da história da humanidade, Gêngis Khan.
Na realidade, é claro que os mongóis não podem se vangloriar da indiscriminada mortandade por ele praticada. De fato, eles negam isso enfaticamente, realçando sua coragem, audácia, esplendor, esperteza, ocasionais atos de caridade, juntamente com a façanha, reconhecidamente útil, de ter unido o Oriente e o Ocidente em uma única entidade política. Eles mostram todas as úteis invenções, tais como a massa de farinha de trigo e, talvez, a pólvora, que circulavam para cima e para baixo do vasto império sem precedentes. Orgulhosos, eles usam a imagem de Gêngis Khan para decorar suas cédulas de dinheiro, garrafas de vodca e de cerveja, lojas, hotéis, letreiros nas ruas e barras de chocolate.2
Alguns ocidentais acreditam nisso. Quando um estudo genético recente mostrou que Gêngis Khan pode ter 16 milhões de descendentes vivos, muitos relatos o descreveram como um “amante prolífico”, não um estuprador compulsivo.a3 Em toda a sua obra Gengis Khan and the Making of the Modern World [Gêngis Khan e a construção do mundo moderno], Jack Weatherford escreve frequentemente como se fosse um advogado de defesa tentando derrubar a tese do promotor: “Embora o exército de Gêngis Khan tenha matado um número de pessoas sem precedentes… seus soldados evitavam a prática usual na época de modo importante e surpreendente. Os mongóis não torturavam, mutilavam ou aleijavam.”4 Depois que uma flecha disparada das muralhas da cidade sitiada de Nishapur matou seu genro, Gêngis Khan deixou que sua própria filha, viúva, decidisse a sorte da cidade. “Dizem que ela decretou a morte de todos… De acordo com histórias amplamente divulgadas, mas sem confirmação, ela ordenou que os soldados empilhassem as cabeças… em três pirâmides separadas: uma para os homens, outra para as mulheres e a terceira para as crianças. Depois ela supostamente ordenou que os cachorros e gatos… fossem mortos, de modo que nenhuma criatura viva sobrevivesse ao assassinato [sic] de seu marido.” (Acrescentei as ênfases, em itálico.)5
Pessoalmente, eu acho perturbador ver as vítimas de Gêngis Khan serem ignoradas, tão facilmente quanto os que negam o Holocausto ignoram os judeus, e depois perceber que daqui a centenas de anos alguns historiadores estarão reabilitando a reputação de Hitler.
Mas essa não é uma questão, realmente, de preto ou branco. Nenhum líder mundial pode ir tão longe quanto Gêngis Khan sem certa dose de carisma, adaptabilidade e competência. Se gastamos diversas gerações estereotipando um governante como um selvagem de mentalidade curta, sedento de sangue, depois, mais cedo ou mais tarde, pesquisadores iconoclastas perceberão que há mais coisas na história do que estereótipos simplistas.
Um órfão faminto
Quem foi esse homem chamado Gêngis Khan? Bem, para começar, esse não é o nome dele, é um título significando “Líder Universal”. Essa não é nem mesmo uma boa tradução para o português, porque tendemos a pronunciar ambos os “g’s” da mesma forma. Ao longo dos séculos, o “Universal” já foi traduzido para o inglês como Zingis (século XVIII), Jenghiz (século XIX), Genghis (século XX) e Chinggis (século XXI), mas a grafia preferível em português é Gêngis, e é a que usaremos.
Mas vamos começar com Temujin, pois esse era seu nome real. Nasceu de maneira insignificante, em um lugar remoto da Mongólia, por volta de 1162, em uma das diversas tribos rivais da estepe. Quando tinha 9 anos, a tribo rival dos tártaros assassinou seu pai, e então a família precisou fugir para o exílio. Temujin teve de lutar pela supremacia dentro da própria família; matou seu meioirmão mais velho por ele ter ostensivamente roubado um animal que ele próprio abatera numa caçada. Temujin casou-se com a idade de 16 anos, mas uma tribo rival sequestrou sua esposa. Embora ele rapidamente a tivesse trazido de volta, ela apareceu grávida, de modo que a paternidade daquele filho, seu primogênito, sempre foi posta em dúvida. Por fim, Temujin se ligou a um líder de tribo que era muito conhecido por, ocasionalmente, ferver a carne de prisioneiros vivos em um caldeirão.
Pessoalmente carismático, Temujin reunia seguidores entre outros indivíduos desvalidos, o que significava que seus acólitos deviam tudo que tinham a ele, e não a um acidente de nascimento.6 Ele valorizava tanto a lealdade que, mesmo quando a deslealdade entre seus inimigos lhe era vantajosa, o culpado era punido. Numa determinada cidade, os soldados da guarnição se esgueiraram e abriram os portões para que seu exército entrasse. Gêngis Khan mandou-os executar por sua traição.
Temujin ouviu falar da lendária beleza de uma princesa tártara, de modo que mandou seus seguidores sequestrá-la. Seus soldados avançaram e raptaram a noiva. Eles a levaram até Temujin, que a tomou como uma de suas muitas esposas. Algum tempo mais tarde, numa reunião da corte, ele viu sua noiva ficar branca de terror. Olhando em torno, Temujin viu apenas um rosto desconhecido no grupo, de modo que mandou prender e interrogar o homem. Era o ex-noivo da mulher, que só queria olhá-la mais uma vez. Temujin mandou decapitá-lo.
Quando Gêngis Khan finalmente derrotou os tártaros, dizem que ordenou a seus seguidores que alinhassem todos os homens e meninos junto a uma carroça, e que matassem todo homem tártaro que fosse mais alto do que a cavilha da roda do veículo; no entanto, sua tentativa de exterminar a tribo que matara seu pai é ou puro mito ou então não foi tão bem-sucedida. Os tártaros por fim vieram a formar uma parte tão importante de seus exércitos que as palavras tártaro e mongol adquiriram quase o mesmo significado para os europeus.7
A maior parte da carreira de Temujin foi passada consolidando as tribos das pastagens da Mongólia numa única nação guerreira. Ele incorporou e conquistou tribos para seu exército, espalhando-as por sua organização. Os mongóis vieram a constituir mais um exército do que uma etnia, uma fusão de diferentes clãs que abandonaram seus pequenos feudos e uniram-se e se subordinaram a Temujin. Depois de muitos anos de matança, uma reunião de tribos recentemente unidas, em 1206, proclamou Temujin seu Gêngis Khan, senhor do universo. O título era, contudo, um pouco prematuro.
Os lobos das estepes
Escolas de guerra e polemófilos,b isto é, estudiosos da arte da guerra, reservam um lugar especial para os mongóis. Aqueles cavaleiros combinavam a liberdade da vida ao ar livre dos caubóis com o choque e temor de uma blitzkrieg.c Como um exército moderno, os arqueiros mongóis a cavalo confiavam na sua mobilidade e em projéteis para aniquilar os inimigos, de modo que inspiravam mais admiração profissional do que as lentas linhas de camponeses lanceiros.
Entre os pastores nômades das estepes eurasianas, meninos já com idade bastante para andar tinham também idade para cavalgar, de modo que se tornavam hábeis cavaleiros na mais tenra idade. Como o pastoreio de gado era muito parecido com uma batalha, todos os homens ficavam treinados nas artes da guerra desde o início. Os pastores controlavam os bandos de carneiros, vacas e cabras montados em velozes pôneis, conduzindo o gado numa direção escolhida, dividindo-o em grupos menores e selecionando umas poucas cabeças para a refeição diária. As técnicas de abater os bois e carneiros funcionavam da mesma maneira que para matar pessoas. Os arqueiros chegavam com seus cavalos perto o bastante para enviar uma rajada de flechas no inimigo compacto, e depois fugiam antes que o inimigo pudesse retaliar. Mantinham essa tática o dia todo, enfraquecendo as fileiras adversárias e criando brechas que podiam ser lentamente alargadas, separando a maior parte dos soldados em grupos menores, que eram eliminados com maior facilidade.8
Além das habilidades táticas dos nômades, havia sua extraordinária mobilidade para cobrirem longas distâncias. Os exércitos de camponeses eram presos à terra, tanto defendendo-a quanto cultivando-a, e só podiam dispor de um punhado de homens do total de adultos para campanhas a grandes distâncias.
Os nômades, entretanto, viviam em carroças e tendas, e se alimentavam do gado vacum, cabras e carneiros. Podiam simplesmente levantar sua nação inteira e levá-la para onde fossem. Nos tempos de calmaria, entre as batalhas, ele podiam também pastorear seus animais e cuidar das famílias, vivendo bem onde quer que houvesse pastagem bastante para sustentá-los.
Essa habilidade de correr de lugar para lugar fazia com que os exércitos mongóis parecessem muito maiores do que realmente eram, motivo pelo qual a palavra ordu, originalmente designando uma unidade militar mongol, passou para o português como horda, um enorme bando.
Muitos historiadores admiram abertamente Gêngis Khan por seu domínio da guerra psicológica. Varrendo do mapa populações inteiras que se opunham a ele, Gêngis Khan esperava aterrorizar futuros inimigos, obtendo sua imediata submissão, e dessa forma salvando inúmeras vidas; bem, exceto pelos milhares originalmente massacrados para firmar seu ponto de vista, é óbvio.9 E excluindo as cidades que, corajosamente, tentavam lhe resistir; é claro que eram massacradas também. Às vezes, uma cidade se rendia sem qualquer luta, mas então Gêngis Khan decidia que deixar para trás uma guarnição militar era um grande problema, de modo que matava todo mundo. E, obviamente, muitos, muitos refugiados, aterrorizados com as histórias propagadas, morriam de fome, doenças e exaustão ao fugirem do rolo compressor mongol. Assim, quando somamos tudo isso, sua propaganda provavelmente não salvou tantas pessoas quanto alguns historiadores alegam.
As armas mongóis eram as melhores de seu tipo em todo o mundo, e o arco composto foi a mais letal arma conhecida pelo homem por muitos séculos. Ele se originou numa antiguidade distante, mas os mongóis se tornaram mestres em usá-lo.
Dobre uma vara sobre o joelho até que ela quebre. Esse é o tipo de pressão que um arco sofre cada vez que dispara uma flecha. A melhor solução é fabricar um arco com materiais que aumentem o desempenho e contrabalancem os problemas específicos que surgem ao longo da curva. Por dentro a curva precisa ser feita de um material que se comprima e descomprima muito sem quebrar. Chifre é o material ideal para isso. A parte de fora da curva precisa de um material elástico que se estique sem perder a tensão. Este seria o tendão, o forte tecido conectivo que une músculos aos ossos. Depois, junte todas as partes firmemente com cola de cascos fervidos que possa sofrer repetidas tensões e você tem um arco composto, feito inteiramente de materiais que os mongóis podiam obter de seus rebanhos.10
Por que os exércitos de todo o mundo não se armaram e treinaram com arcos do modelo mongol? Como dominar o uso de um arco e cavalgar bem é algo que exige anos de treinamento, cada substituição de um soldado mongol abatido levava vários anos. Além disso, as campanhas exauriam e matavam cavalos mais depressa do que a maioria das sociedades era capaz de fazer essa substituição.d Além disso, o fornecimento de suprimentos por parte de sociedades agrícolas era útil para produzir grandes contingentes de infantaria descartáveis, munidos de armas de fácil manejo, como lanças, machados e arcos comuns. A essas sólidas linhas de infantes, uma sociedade sedentária, civilizada podia acrescentar uma força móvel de impacto, formada por cavaleiros encouraçados, montados em pesados corcéis de batalha, que podiam não ser tão rápidos nem tão numerosos como a horda nômade, mas que podiam vencê-los e persegui-los antes que causassem muito estrago.
China
Nesse tempo, a China estava dividida ao meio. A parte sul ainda estava sob o domínio da dinastia Song, uma manifestação puramente chinesa, famosa por sua arte, poesia e justiça. Só foi conquistada depois do avanço avassalador do neto de Gêngis Khan, Kublai Khan, de modo que não vamos tratar disso agora.e Já a China setentrional estava sob o mando relativamente benigno de conquistadores estrangeiros, vindos do norte, os chefes guerreiros jurchen, que governavam de Pequim como a dinastia Jin.
Em 1211, cerca de 100 mil mongóis com 300 mil cavalos cruzaram o deserto de Gobi e venceram a cavalaria Jin no desfiladeiro conhecido como Boca do Texugo, na borda norte do território chinês. Uma coluna mongol avançou com grande rapidez para tomar a capital secundária de Mukden, atualmente Shenyang, mas a capital principal, Pequim, aguentou seu primeiro ataque e o sítio subsequente. Enquanto esperavam que a cidade se rendesse, os mongóis devastaram as cercanias. Embora não tivesse máquinas de sítio, Gêngis Khan descobriu outro meio de conquistar algumas das outras cidades amuralhadas em todo o norte do país. Ele reunia todos os civis que podia encontrar e os levava à frente de seus grupos de assalto, como escudos humanos, enquanto os mongóis avançavam em segurança à retaguarda deles. Ou os defensores gastavam todas as suas flechas matando não combatentes, ou se recusavam a atirar e rendiam-se, um jogo de ganha-ganha para Gêngis Khan.
Decorrido um ano, os jins pagaram um resgate e Gêngis Khan abandonou o sítio de Pequim. Sentindo-se perigosamente exposto na fronteira, o imperador Jin deslocou a corte para o sul, de Pequim para Kaifeng, na outra margem do rio Amarelo. Algumas unidades chinesas, entretanto, tomaram essa atitude como sinal de fraqueza e traição, e desertaram para o campo mongol, levando muitas artes militares úteis para o inimigo, tais como a fabricação de máquinas de sítio, para conquistar fortificações. Agora que tinham a capacidade de tomar a capital, os mongóis tornaram a sitiar a cidade. Ela foi conquistada, saqueada e incendiada em maio de 1215, mas Gêngis Khan era tão indiferente ao valor das cidades que nem mesmo assistiu à captura, deixando essa tarefa para um general chinês vira-casaca.
Dizem que 60 mil mulheres lançaram-se das muralhas de Pequim para evitar o estupro. Provavelmente esse número é um exagero, mas a enorme extensão da devastação é óbvia. Um ano mais tarde, um batedor vindo de Khwarezm, a cidade que vinha a seguir na lista de Gêngis Khan, investigou o local para confirmar o terrível destino dessa grande cidade. “Segundo seu relato, os ossos das pessoas mortas formavam montanhas, o solo estava pegajoso com gordura humana, e algumas pessoas que o acompanhavam morreram de doenças propagadas pelos corpos em decomposição.”11
As tentativas dos mongóis de conquistar o remanescente do império Jin, além do rio Amarelo, falharam, quando suas linhas de suprimento ficaram muito longas, enquanto os recursos do império eram facilmente concentrados, mas isso não causou muita preocupação a Gêngis Khan, em absoluto. Durante os próximos anos ele considerou o norte da China mais como uma terra de ninguém, para ser desapiedadamente saqueada, e não uma província conquistada, a ser administrada e que pagasse impostos. Não aprendera bem a apreciar o valor da economia urbana.12
Morte de Khwarezm
Outrora a região desértica e sem vegetação, atualmente coberta por todos os istãos da Ásia central, abrigava uma fieira de cidades-oásis, ao longo das rotas das caravanas entre a Pérsia e a China. Com pomares e jardins irrigados, aquele era o próspero centro cultural do Islã, conhecido como Khwarezm. Dizem que a cidade de Bukhara tinha uma população de 300 mil habitantes e uma biblioteca de 45 mil volumes, entre eles os duzentos escritos por um filho nativo da cidade, Ib Sina, o maior cientista do Islã medieval.13 Merv, a cidade natal do poeta Omar Khayyam, tinha dez bibliotecas contendo um total de 150 mil volumes escritos à mão.14 Hoje, se olhar para um mapa, você não encontrará Khwarezm em local nenhum. Aqui está por quê.
Durante alguns poucos anos, depois da queda do norte da China, Gêngis Khan e o sultão Muhammad, de Khwarezm, entretinham-se em jogos diplomáticos, trocando presentes, emissários, embaixadas e cartas agradáveis, a fim de envergonhar um ao outro com sua própria insuperável magnificência. Certos presentes ou formas de cortesia implicavam superioridade, o que significava que o outro tinha de responder com esplendor ou então admitir derrota. Finalmente, em 1219, o sultão cansou-se desse joguinho de ver-quem-é-mais-rico. Quando uma esplêndida caravana de enviados e mercadores mongóis chegou à cidade khwarezmi de Utrar, o governador local, com a conivência do sultão, acusou-os de serem espiões e mandou matá-los todos. Quando Gêngis Khan mandou embaixadores para a corte do sultão de Khwarezm, na cidade de Bukhara, exigindo compensação e punição, o sultão matou um embaixador e arrancou a barba dos outros dois, o que era ainda mais insultuoso do que a morte, na cultura da Ásia central.15 Gêngis Khan avançou então para o oeste com um exército de efetivo entre 100 mil e 150 mil. As unidades de vanguarda viajavam quase 100 quilômetros por dia.
No primeiro embate dos exércitos, os khwarezmianos foram massacrados, deixando um número de 160 mil mortos no campo. Utrar, local do primeiro insulto, foi sitiada por cinco meses. Finalmente, um dos comandantes sitiados tentou fugir por um dos portões laterais. Os mongóis o surpreenderam e o executaram por traição, mas isso abriu o portão para que o exército mongol invadisse impetuosamente a cidade. O governador montou uma barricada na fortaleza interna, que aguentou por mais um mês. Quando ele foi capturado, Gêngis Khan mandou derramar prata derretida nos seus olhos e ouvidos.16 A cidade foi saqueada e incendiada. A erradicação da cidade foi tão completa que, até recentemente, os arqueólogos não haviam descoberto sua localização exata.
A cidade de Balkh se rendeu sem luta, mas, mesmo assim, Gêngis Khan chacinou seu habitantes, de modo que suas tropas não teriam de ficar preocupadas com sua retaguarda quando avançassem para a cidade seguinte.17
Depois foi a vez de Bukhara cair. O historiador muçulmano Ibn al-Athir descreveu a cena como “um dia de horror. Não se ouvia nada, a não ser o soluçar dos homens, mulheres e crianças, separados para sempre, enquanto os mongóis faziam a partilha da população. Os bárbaros violentavam o recato das mulheres sob os olhares de todos os seus desafortunados maridos, que, na sua impotência, só conseguiam chorar”.18
Gurganj resistiu a um sítio de cinco meses, começando em 1220. Finalmente, prisioneiros feitos em conquistas anteriores foram forçados a encher os fossos com terra e detritos, e a cavar buracos por baixo das muralhas. Depois que elas desabaram, a cidade foi tomada quarteirão por quarteirão, rua por rua, num combate lento, desesperado. Dos prédios os defensores lançaram baldes de óleo fervente no caminho dos invasores. Três mil mongóis tentaram cruzar o rio, mas soldados muçulmanos na ponte resistiram ao assédio, e os mongóis foram trucidados até o último homem. Quando a cidadela finalmente caiu, em abril de 1221, os mongóis quebraram os diques e desviaram o rio, para apagar todo vestígio da cidade.19 As mulheres e crianças foram vendidas para mercadores de escravos e 100 mil cativos com habilidades que poderiam ser úteis aos mongóis foram enviados de volta para a China. Todos os outros foram conduzidos como gado para a planície e lá, trucidados. De acordo com o historiador Juvaini, 50 mil soldados mataram 24 pessoas cada um, num total de 1,2 milhão de mortos.
Em cidade após cidade, em vez de atacar os defensores das muralhas diretamente, Gêngis Khan arrebanhava cativos, homens, mulheres e crianças do interior próximo e dos subúrbios, fazendo-os avançar na frente dos exércitos, onde sofriam o impacto direto das flechas dos defensores.
Ao ser atacada, uma mulher ficou com a esperança de se salvar gritando que ela engolira uma pérola para escondê-la dos saqueadores. O truque não funcionou. Ela teve as entranhas rapidamente cortadas, à procura da pérola. A partir desse dia, todos os outros cadáveres tinham a barriga cortada e suas entranhas inspecionadas.20 Em outra cidade, o general mongol ouviu dizer que os vivos se escondiam entre os mortos, de modo que ele mandou que todos os cadáveres fossem decapitados e as cabeças fincadas em estacas, só para ter certeza de que não sobrara ninguém vivo.
Nishapur caiu ante outra coluna de mongóis em abril. A população foi chacinada e a cidade, demolida, passando-se o arado por cima depois. De acordo com o historiador medieval Sayfi, 1.747 mil foram mortos naquela cidade. Provavelmente isso é muito mais do que o número de habitantes, mas o número sugere a extensão do massacre. Se 1 milhão é o modo medieval de dizer “o maior número que se possa imaginar”, então o número de pessoas mortas em Nishapur foi claramente muito maior do que se possa imaginar.
Quando os mongóis enviaram um mensageiro para exigir a rendição de Herat, os líderes da cidade o mataram, o que é geralmente considerado uma medida pouco acertada quando se lidava com mongóis. Felizmente o governador da cidade foi morto logo no início do subsequente sítio, e os habitantes imediatamente se renderam e puseram nele a culpa do mal-entendido. A população foi poupada, mas os mongóis executaram a guarnição turca de 12 mil soldados. Infelizmente, os habitantes levaram sua boa sorte longe demais. Depois que Gêngis Khan partiu para novas conquistas, os heratis se revoltaram contra a guarnição mongol, de modo que ele voltou e massacrou a todos.
O primeiro destacamento de vanguarda a chegar a Merv foi derrotado fragorosamente, e os prisioneiros feitos na escaramuça desfilaram pelas ruas e foram executados em público. Então chegou o grosso das tropas mongóis e acamparam fora das muralhas da cidade. A cidade estava superpovoada, com os refugiados vindos dos campos em torno, multiplicando muitas vezes o número de habitantes, que era de 70 mil. Depois de seis dias, a cidade se rendeu, e o comandante mongol ordenou que os cidadãos se reunissem fora das muralhas. Os mais ricos foram torturados para revelar o destino de seus tesouros escondidos. Quatrocentos artesãos e algumas crianças foram poupados para uso futuro. O restante da população foi massacrada. Mais tarde, um clérico examinou as ruínas e contou os cadáveres, calculando o número total em 1,3 milhão. Os mongóis destruíram a represa que fornecia água para a região. Naquele local nunca mais foi construída uma cidade.21
Mais conquistas
Gêngis Khan voltou à China para eliminar os incômodos enclaves que haviam sobrevivido à sua conquista anterior. Passou um breve período tentando resolver a guerra que empreendia contra o Império Jin, mas não conseguiu nada, de modo que ele se voltou, em vez disso, contra os tangutes-tibetanos, que haviam descido do Himalaia e fundado cidades de apoio a caravanas nos oásis entre a China e Khwarezm. Cidade após cidade caíram ante suas hordas, não se registrando atos de misericórdia para com os prisioneiros. Os tangutes tentaram fugir para as montanhas e se esconder em cavernas, mas poucos tiveram êxito. Por muitos anos depois, o deserto continuava coalhado de ossos.
Quando o rei dos tangutes tentou negociar uma rendição segura para sua capital sitiada, Ningxia, em 1227, Gêngis Khan, já velho, sentia sua própria morte se aproximar. Suas últimas ordens foram para que nenhum tangute vivesse depois dele. Ningxia foi conquistada e a população, exterminada.
Nesse ínterim, dois dos mais confiáveis generais de Gêngis Khan, Subotai e Jebe, perseguiam o sultão Muhammad, de Khwarezm, que se refugiara bem no interior da Pérsia, mas o fugitivo morreu antes de ser capturado. Entretanto a expedição com aquela finalidade não foi um desperdício total, pois os mongóis tomaram a cidade persa de Qazwin enquanto passavam pela vizinhança. Os habitantes lutaram nas ruas, facas nas mãos, matando muitos invasores, mas sua resistência desesperada não conseguiu evitar o massacre geral, no qual pereceram mais de 40 mil pessoas.22 Em seguida, os mongóis seguiram para o norte, entrando no Azerbaijão e na Geórgia, destruindo inúmeras cidades, e cruzaram o Cáucaso, invadindo as estepes da Rússia e da Ucrânia. As colunas avançadas estavam entrando na Polônia quando chegou a notícia de que Gêngis Khan morrera, de modo que o ataque foi suspenso, enquanto os líderes retornavam para decidir a sucessão de seu líder.
Gêngis Khan foi sepultado num tumba secreta, em algum lugar bem no interior de sua Mongólia natal. Todas as testemunhas que por acaso viram a procissão funerária foram aprisionadas e mortas, para evitar que indicassem o local do sepultamento. Depois o corpo foi queimado com sua fortuna acumulada, os escravos que o carregaram sofreram uma emboscada e foram assassinados para esconder a localização para sempre. Sua sepultura nunca foi achada, mas localizá-la se transformou num dos maiores objetivos dos arqueólogos, capaz de tornar famoso quem o fizer.
Foi mesmo possível?
Por ora vamos esquecer a enormidade da contagem de mortos relatada como atrocidades individuais, e vamos focalizar, em vez disso, as estimativas gerais dos modernos demógrafos. Segundo todas as contagens, a população da Ásia desabou durante as guerras de conquista de Gêngis Khan. A China era o país que mais tinha a perder, e foi ela que perdeu mais, qualquer coisa entre 30 e 60 milhões. A dinastia Jin, governando o norte do país, registrou 7,6 milhões de residências no início do século XIII. Em 1234, o primeiro censo sob os mongóis registrou 1,7 milhão de residências na mesma área. Na sua biografia do guerreiro, John Man interpreta esses dois dados pontuais como um declínio da população de 60 milhões para 10 milhões. No seu The Atlas of World Population History [Atlas da história da população mundial], Colin McEvedy estima que a população da China diminuiu 35 milhões quando os mongóis subjugaram o país durante o século XIII. Em seu livro The Mongols [Os mongóis], o historiador David Morgan calcula a população chinesa, somando o Norte e o Sul, como sendo de 100 milhões antes da conquista e 70 milhões depois.23
John Man acha que, grosso modo, 1.250 mil pessoas foram mortas em Khwarezm, em dois anos, um quarto dos 5 milhões de habitantes originais. McEvedy afirma que a população do Irã diminuiu em 1,5 milhão; a população do Afeganistão, em 750 mil, enquanto a Rússia europeia perdeu 500 mil pessoas com a invasão mongol.24
Uma das discussões mais comuns sobre Gêngis Khan é que, simplesmente, ele não poderia ter sido tão destrutivo, não é? Ele tinha armas tão primitivas, e havia muito menos pessoas para matar naquela época, de modo que como ele poderia ter matado mais pessoas que Stálin e a Primeira Guerra Mundial, combinados? Recentemente tem surgido uma tendência a reabilitar a reputação do grande chefe mongol, descartando as histórias de horror como propaganda. É interessante observar o debate ir para lá e para cá, ao longo do tempo, conforme cada especialista apresenta os seguintes argumentos:
J. D. Durand, 1960: “Um considerável declínio da população poderia ter sido causado pela luta entre os chineses e o invasor mongol… Entretanto, a forte magnitude da diminuição no norte, não compensada com qualquer aumento no sul, cria a suspeita de que o censo no norte deixou muito a desejar.”25
Rene Grousset, 1972: “Embora tenham sido observados gestos de tolerância a respeito da estrita objetividade histórica, não vamos deixar de ficar horrorizados com a espantosa mortandade.”26
David Morgan, 1986: “O professor Bernard Lewis, um pouco revisionista sobre a questão dos horrores praticados pelos mongóis, tem sugerido que, no século XX, estamos mais bem equipados para julgar a capacidade destrutiva do homem do que nossos antepassados vitorianos, para quem as conquistas dos mongóis pareciam terríveis, além da experiência humana normal… Ele acha… que deveríamos resistir à tentação de acreditar que os mongóis, cujo equipamento de destruição era tão primitivo comparado com o que Hitler tinha a seu dispor, pudesse ter devastado o mundo islâmico tão completamente.”27
David Morgan, 1986 (pelas próprias palavras): “É verdade que o que nós mais ouvimos é sobre a chacina e demolição das grandes cidades da [Pérsia oriental]. Mas mais sério… foi o efeito das invasões mongóis sobre a agricultura… Alguns dos [sistemas de irrigação] foram destruídos durante as invasões, e sem uma irrigação eficiente grande parte da terra logo se transformaria num deserto. Entretanto, uma consideração mais a longo prazo é que [esses sistemas], mesmo que fossem realmente destruídos, logo parariam de funcionar, se não recebessem manutenção constante. Daí, se camponeses fossem mortos em grandes números, ou fugissem de suas propriedades e não voltassem, a terra sofreria danos irreparáveis simplesmente por terem sido abandonadas.”28
Jack Weatherford, 2004: “Os mongóis operavam uma virtual máquina de propaganda, que consistentemente inflava os números de pessoas mortas na batalha, e espalhavam o medo aonde quer que essas palavras chegassem.”29 “Embora aceitos como fatos e repetidos por gerações, os números não têm base na realidade. Seria fisicamente difícil trucidar aquela enormidade de vacas e porcos, que ficavam esperando passivamente sua vez. Ao todo, aqueles que foram supostamente mortos ultrapassavam em número os mongóis na proporção de até cinquenta para um. As pessoas podiam simplesmente fugir correndo, e os mongóis não teriam meios de fazê-las parar.”30
John Man, 2004: “Um milhão e trezentos mil?… Muitos historiadores têm dúvidas sobre isso porque soa simplesmente incrível. Mas sabemos, dos horrores do século passado, que o assassinato em massa é fácil… 800 mil foram mortos no genocídio em Ruanda, em 1994… em apenas três meses… Para um mongol, um prisioneiro inerme teria sido mais fácil de despachar do que um carneiro. Um carneiro é morto com cuidado, a fim de não estragar a carne… Não havia necessidade de tomar esse cuidado com os habitantes de Merv, que valiam menos do que um carneiro. Leva apenas segundos para cortar uma garganta, e partir para a seguinte.”31
O ponto importante a observar é que exatamente a mesma prova pode ser facilmente interpretada de direções diferentes. Uma queda registrada da população entre dois censos é ou um reflexo preciso de declínio maciço, ou uma indicação de que o censo não foi bem-feito. Ou o Holocausto mostra como é difícil matar grandes números de pessoas, ou prova como é fácil. Uma confissão completa de chacina de milhares ou é a verdade ou então mera jactância.
Há uma palavra para essa interpretação variável dos fatos subjacentes: paradigma. É a estrutura teórica em que as teorias, leis e generalizações são formuladas.32 Se o paradigma vigente declara que as populações humanas não declinam abruptamente, então o único modo de interpretar o censo é presumir que os dados estão errados. Se o seu paradigma declara que só a eficiência industrial das câmaras de gás tornou o Holocausto possível, é óbvio que bárbaros armados de lanças não podem matar milhões, independentemente do que as crônicas dizem. Em 1994, 1 milhão de pessoas foram massacradas em Ruanda em três meses, a maioria com facões, e o paradigma mudou, aceitando a ideia de que em um genocídio não era preciso ter câmaras de gás.
Comprovadamente, a história é influenciada pelas fontes disponíveis, e muitas das histórias que chegaram até nós são provavelmente exageradas. Infelizmente, quando você descarta muitas histórias como propaganda, se vê preso num ciclo paranoico, onde você não confia no que qualquer um diz, e só acredita no que quer acreditar. Talvez a incansável má fama que cerca Gêngis Khan significa apenas que a história foi escrita por suas vítimas. Por outro lado, isso se espera quando todo mundo que interagiu com ele terminou como vítima.
Todo mundo fazia isso?
Sempre que você começa a denegrir uma pessoa notável do passado, ouve dizer que eram outros tempos, diferentes. Todo mundo fazia isso. Você não pode julgar o passado por padrões modernos, dirão os defensores de Gêngis Khan. Todos os outros também foram maus, da mesma forma.
Será que isso é verdade? Será que todas as pessoas da Idade Média eram tão bárbaras quanto Gêngis Khan? Bem, infelizmente para os defensores daquele guerreiro, a refutação é quase tão fácil quanto acusá-lo. A carreira do Líder Universal cobriu quase os mesmos anos de um homem que foi quase tão famoso, quase tão influente e completamente o seu oposto. Vamos examinar a biografia de um contemporâneo que não matou tanta gente quanto Gêngis Khan.
Em 1206, o mesmo ano em que as tribos mongóis proclamaram seu general Temujin o “Gêngis Khan”, um asceta de 23 anos chegou a Roma. Como Temujin, Giovanni di Bernardone é mais comumente conhecido por seu outro nome, nesse caso, Francisco, o Francês, embora ele houvesse nascido na cidade italiana de Assis.f Diferentemente de Temujin, as primeiras tentativas de Francisco como militar foram simplesmente uma questão de dever para com sua cidade natal, e mostraram ser menos que uma lenda. Ele foi capturado pela tropas de Perugia com a idade de 20 anos e passou um ano como prisioneiro de guerra, antes que uma trégua lhe trouxesse a liberdade. Tentou de novo na guerra seguinte, mas foi mandado de volta para casa por ter contraído uma febre séria. Cativante, espirituoso e amante dos prazeres da juventude, Francisco voltou-se para a religião e para a filosofia, depois da experiência da guerra e de quase ter morrido.
Depois de dedicar os poucos anos seguintes ao estudo, Francisco de Assis concluiu que toda a natureza manifestava a benevolência de Deus. Considerava todas as criaturas vivas como irmãs da humanidade. Doando seus bens materiais e cuidando dos doentes e pobres, ele se empenhou em viver a vida que Jesus levara. Fundou uma Ordem monástica, os franciscanos, dedicada à pobreza e às boas obras, embora sua contribuição tenha sido principalmente como um exemplo carismático, mais do que um organizador metódico. Diferentemente dos severos homens santos, verdadeiros flagelos e escorpiões que toda religião produz, Francisco era sempre bem-humorado e amável.
Ele foi a primeira pessoa a ter registrados estigmas espontâneos, as cinco chagas de Cristo. Ter inventado essa nova maneira estranha de ser místico é algo que pesa contra ele, mas São Francisco de Assis exemplifica o que a cristandade tem de melhor. Morreu em 1226, um ano antes de Gêngis Khan. Nenhum coveiro foi assassinado para esconder a localização de sua sepultura. Ela é hoje um grande centro de peregrinação e uma das maiores atrações para turistas.
a É bom ter em mente que, mesmo tendo 16 milhões de descendentes, Gêngis Khan não conseguiu substituir todas as pessoas que matou.
b Não procure o significado dessa palavra no dicionário. Ela é inventada. Vem do grego polemos, guerra, e philos, amado, e significa um amador, que frequentemente lê, observa e discute sobre livros, filmes e artigos sobre a guerra, ou, mais sucintamente: um cara.
c Guerra-relâmpago. (N. E.)
d Por exemplo, mesmo sendo um habitat relativamente hospitaleiro para cavalos, dois terços do meio milhão de cavalos que o exército britânico usou para combater os bôeres em 1899-1902 morreram no confronto, a maioria de exaustão, doenças e desnutrição (Keegan, History of Warfare [História da guerra] (1993, pp. 187-188). Durante a Guerra Civil Americana, a proporção de cavalos que morria para cada homem também morto era de aproximadamente três para dois, mesmo que aquela tenha sido uma guerra de infantaria, na qual poucos cavalos ficavam expostos diretamente aos riscos da batalha (Margaret Elsinor Derry, Horses in Society: A Story of Animal Breeding and Marketing, 1800-1920 [Cavalos na sociedade: Uma história da criação e comércio, 1800-1920] Toronto: University of Toronto Press, 2006, p. 121).
e Como Kublai Khan queria capturar intacta essa rica região, foi menos destrutivo que seu avô.
f O pai dele admirava os franceses e por isso deu-lhe essa alcunha.