A CRUZADA ALBIGENSE
Número de mortos: 1 milhão1
Posição na lista: 46
Tipo: guerra religiosa
Linha divisória ampla: católicos versus cátaros
Época: 1208-29
Localização: sul da França
Quem geralmente leva a culpa: o papa Inocêncio III, Simon de Montfort
Uma tempestade perfeita
O catarismo foi uma heresia persistente que sobreviveu diversos séculos de tentativas de erradicação por toda a cristandade. Os cátaros acreditavam que Jesus não era deste mundo corrupto, mas sim uma entidade puramente divina, um fantasma. Ele viera para substituir o cruel e vingativo Deus do Velho Testamento, que criara esse Universo defeituoso. A palavra cátaro vem da palavra grega para “pureza”, e os cátaros acreditavam que todas as pessoas deviam se esforçar para se separar da corrupção do mundo material, a fim de alcançar uma condição chamada “perfeita”. Também acreditavam que os humanos não precisam de intermediários para receber a salvação de Jesus, o que, obviamente, não era condizente com a Igreja Católica Romana. Depois de muitos séculos de perseguição, os cátaros foram finalmente exterminados no seu último bastião, no sul da França, no século XIII.
A Cruzada
A soberania era algo complicado na região do Languedoc, no sul da França. Embora o rei francês exercesse o domínio final sobre a área, nobres estrangeiros, como os reis da Inglaterra e da Espanha, tinham também alguns feudos valiosos, dispersos por aquela área. Os senhores feudais tinham até mesmo mais autonomia ali do que a maior parte de seus pares em outras regiões.
A ausência de autoridade central atraiu heréticos. Os cátaros, também chamados de albigenses, não eram a maioria no Languedoc, mas constituíam uma minoria tolerada. Um número bem grande dos senhores locais, tais como o poderoso conde Raymond VI de Toulouse, os consideravam cidadãos úteis, pacíficos e lhes davam proteção. Isso aborrecia a Igreja Católica, que acusava os cátaros das usuais atrocidades: sodomia, adoração ao diabo, rapto de bebês e profanação de objetos sagrados. Em maio de 1207, Raymond foi excomungado pela Igreja por não cooperar nos esforços para erradicar os cátaros.
Em janeiro de 1208, Roma enviou um exército para a região, tentando convencer Raymond a eliminar a heresia. Depois de negociações malsucedidas e acaloradas, assassinos desconhecidos mataram o representante papal, quando este voltava para Roma. A Igreja acusou Raymond pelo assassinato.
Então o papa Inocêncio III pregou uma Cruzada em larga escala contra os heréticos. Esse movimento ficou extremamente popular no norte da França, porque qualquer um que tomasse a cruz contra os cátaros ganharia os mesmos bônus espirituais junto a Deus que eram concedidos aos que iam lutar na Terra Santa. Isso sem terem de empreender a longa e desagradável viagem ou comer as “nojentas” comidas estrangeiras. Dez mil desses novos cruzados se reuniram em Lyon.
Beziers
A primeira cidade a ser atacada foi Beziers. Ela era bem fortificada e estava bem suprida, e todo mundo esperava que ela fosse resistir ao sítio, mas no primeiro dia, quando os cruzados montavam acampamento, diversos elementos indolentes, tais como cozinheiros e condutores de veículos, desceram até um riacho sombreado, abaixo das muralhas da cidade, para descansar e se refrescar.
Defensores postados na muralha começaram a trocar insultos com a gentalha do norte, e os ânimos esquentaram. Os citadinos decidiram sair e dar uma lição àqueles nortistas desgarrados. Infelizmente, durante essa sortida, eles deixaram aberto o portão da cidade, cheio de civis, que os ovacionavam. Outros, no acampamento cruzado, perceberam a briga. Pegaram maças e correram para a confusão, escorraçando os inimigos de volta para dentro e perseguindo-os a curta distância. Quando os nortistas passaram pelo portão, os soldados desceram das muralhas para expulsar os invasores. Distraídos pela briga, ninguém percebeu que alguns dos mais espertos cruzados haviam se infiltrado dentro do bastião e levantavam escadas de mão contra as muralhas subitamente sem defensores.
E isso decretou o fim de Beziers.
Quando os cruzados erradicaram esse bastião da heresia, perguntaram ao líder das forças católicas, Simon de Montfort, como ele separaria os heréticos dos ortodoxos. Sua solução foi simples: “Matem todos; Deus saberá quem são os Seus.”a Milhares de civis conseguiram santuário na igreja da cidade, mas os cruzados os seguiram lá dentro e chacinaram todo eles, apesar de tudo. Embora a maioria dos habitantes da cidade fosse católica, todos eles, 20 mil pessoas, foram massacrados, independentemente de sua religião.2
Raiz e galho
Cidade após cidade caiu em poder dos cruzados. Depois de ver seu fornecimento de água cortado, os habitantes de Carcassonne se renderam e foram exilados apenas com a roupa que usavam. A fortaleza de Minerve, numa montanha perto de Beziers, teve seu fornecimento de água interrompido quando as catapultas cruzadas destruíram o túnel fortificado que levava ao poço da cidade. Depois da rendição de Minerve, os cátaros foram convertidos ao catolicismo à força, exceto 140, que se recusaram e foram queimados vivos.
Depois da captura de Bram, todos os membros da guarnição cátara tiveram os olhos arrancados e o nariz e o lábio superior seccionados. Apenas um soldado foi deixado com um único olho intacto, a fim de guiar os homens sem rosto de volta, para espalhar o pânico no território cátaro.3
Raymond de Toulouse vinha se mantendo quieto, dando apoio aos cruzados, mas, depois de um ano vendo seus domínios serem devastados, ele mudou de lado. Depois de Toulouse resistir a um cerco empreendido por Simon de Montfort, Raymond contra-atacou, retomando grande parte do território perdido, e colocando Montfort sob cerco. No ano seguinte, os católicos voltaram a vencer e novamente sitiaram Toulouse. Como era vassalo e cunhado do rei Pedro II, de Aragão, no norte da Espanha, Raymond ganhou um novo aliado na luta contra os cruzados.
O Languedoc se transformou num pandemônio de batalhas, e Toulouse mudou diversas vezes de mãos antes de tudo terminar, mas a guerra continuou, ano após ano, sem um golpe fatal, final. Como o papa exigia apenas quarenta dias de participação na Cruzada para ganhar as graças de Deus, as multidões santas que iam para o sul todo verão, durante a temporada de lutas, faziam suas malas e partiam de volta para casa depois de seis semanas, deixando Simon de Montfort sozinho no Languedoc, para enfrentar o contra-ataque dos cátaros.4
A guerra perdurou mais do que seus principais participantes. O rei Pedro II de Aragão foi morto em combate em Muret, em 1213. Em 1218, Simon de Montfort foi morto fora das muralhas de Toulouse por uma pedra lançada de uma catapulta, manejada por mulheres, de dentro da cidade. Raymond refugiou-se na Inglaterra durante algum tempo, depois foi a Roma defender sua causa; retornou à França para lutar e finalmente morreu em 1222.
Durante a década de 1220, a guerra continuou sob uma nova geração de líderes, filhos de Simon e Raymond, mas um por um os últimos bastiões cátaros caíram e não mais se ergueram. Em 1226, o rei Luís VIII da França empenhou-se com vigor na Cruzada, e então a maior parte do exército francês sobrepujou os heréticos num único ano de dura campanha. O rei então negociou termos aceitáveis com os principais nobres do sul, e o Tratado de Paris deu fim às hostilidades em 1229.5
Nesse mesmo ano, Roma instituiu a Inquisição em Toulouse para ter certeza de que nenhum dos supostos convertidos estava, secretamente, realizando as antigas práticas heréticas. Rebeliões e levantes esporádicos continuaram a acontecer no interior da região por diversas décadas. Os apóstatas foram caçados. Os cátaros reincidentes e teimosos foram queimados, o último deles em 1321.6
a Como ocorre com muitas citações históricas, não temos essa frase gravada ou escrita pelo próprio punho de Simon, de modo que metade dos historiadores que você consultar jurará que ele nunca disse tal coisa.