TAMERLÃO

Número de mortos: 17 milhões1

Posição na lista: 9

Tipo: conquistador do mundo

Linha divisória ampla: Tamerlão versus qualquer um que ele pudesse alcançar

Época: reinou de 1370 a 1405

Localização: Ásia central, o olho do furacão sendo a cidade de Samarcanda

Quem geralmente leva a maior culpa: Timur, também chamado Tamburlão (versão antiga), ou Tamerlão (versão mais recente), a partir de seu apelido insultuoso, Timur Lenk (“o Manco”)

Outra praga: a invasão mongol

O homem que você adora odiar

Por toda a Europa medieval, atores itinerantes viviam à margem da sociedade. Precisavam se conformar com as regras de comportamento, e agradar seus poderosos patrocinadores, membros da nobreza, de modo que eles nunca ousavam desafiar as autoridades. De acordo com as rígidas linhas de conduta do teatro dramático daquela época, o bandido sempre morria no final, geralmente de forma terrível, geralmente se arrependendo. Esperava-se que o teatro reforçasse as normas da sociedade.

Então veio o Renascimento, e no centro comercial que era Londres, dramaturgos bem-sucedidos perceberam que podiam se dar ao luxo de desafiar as regras. Christopher Marlowe escreveu uma peça, Tamburlaine, the Great [Tamerlão, o Grande], sobre um imperador do Oriente, um monstro glorioso, destruidor de cidades e sequestrador de mulheres. Tamerlão pavoneia-se no palco, maior do que sua vida realmente foi, e festeja sua riqueza, seus ardilosos planos e seu magnífico poder. Quando a peça termina, o vilão não se arrependeu e triunfa sobre todos os seus inimigos, rodeado por seguidores que o adoram. Ninguém jamais vira algo semelhante. As plateias adoraram a peça, e tornou-se o primeiro grande sucesso teatral da história registrada.

Em algum lugar da plateia, um jovem ator chamado Shakespeare, começando sua carreira de dramaturgo e amigo de Marlowe, percebeu que ele também talvez pudesse ganhar a vida escrevendo grandes peças dramáticas, cheias de cenas de sangue. Essa, entretanto, é outra história.2 A questão que nos diz respeito aqui é: quem foi esse magnífico vilão, para Marlowe conhecido como Tamerlão?

Primeiro, e de maior importância, ele era o tipo de chefe guerreiro bárbaro sobre o qual as pessoas tecem histórias. Para seus admiradores, ele era um tipo de guerreiro astucioso. Como um jovem bandido no interior selvagem da Ásia central, ele fazia seus soldados erguerem fogueiras desnecessárias em um círculo em torno do inimigo para convencê-lo de que estavam inferiorizados em efetivo. Fazia com que seus cavaleiros arrastassem ramos de árvores para levantar uma nuvem de poeira maior. Na invasão da Índia, ele amarrou pequenos montes de galhos secos nas costas de camelos. Quando os elefantes do inimigo avançavam, seus homens ateavam fogo às cargas dos camelos e os açulavam de encontro aos elefantes, que entravam em pânico e debandavam de volta atropelando o espantado exército indiano.

Criou-se também uma lendária crueldade em torno de sua pessoa. Quando a guarnição cristã de Sivas, na Armênia, perguntou quais seriam os termos para uma rendição, Tamerlão jurou que não derramaria uma gota de sangue. Depois que o inimigo se rendeu, ele cumpriu o prometido e, em vez disso, enterrou-os vivos.

Um contemporâneo árabe lembrou-se principalmente de animais predadores ao descrever os seguidores de Tamerlão: “leopardos do Turquestão, tigres de Balkhshan, falcões de Dasht e Khata, abutres mongóis, águias de Jata, víboras de Khajend”, e as pessoas em muitas outras nações perigosas apelidadas de mastins, leões, hienas e crocodilos. Era um exército cosmopolita, que ficava cada vez mais formidável a cada conquista.3

A biografia de Tamerlão é tão cheia dessas pitorescas passagens que os céticos questionam tudo que foi dito acerca dele, mas muitos de seus cronistas o conheceram pessoalmente, como diplomatas, aliados ou estudiosos caídos nas suas graças. A maioria das histórias chegam até nós, se não em primeira mão, então tão perto disso quanto o estudo de uma época de manuscritos permite. Por exemplo, se você está curioso sobre como sabemos coisas, como as estatísticas de mortes na Idade Média, aqui está uma história. Uma vez, quando o exército de Tamerlão partia em perseguição a um inimigo que fugia, cada soldado colocava uma pedra numa pilha. Quando voltavam da batalha, cada homem tirava uma pedra do monte. Contando as pedras restantes, Tamerlão sabia exata e imediatamente quantos homens perdera na luta.4

O aspecto mais confuso da biografia de Tamerlão é que ele simplesmente atacava de todo modo, sem um plano específico, de longo prazo, que não fosse o da conquista. Parte disso era a economia. O saque sustentava os exércitos naqueles dias, de modo que, obviamente, ele tinha de encontrar um suprimento constante de inimigos ricos para roubar. Outra parte era a geografia. Estar na Ásia central significava ter inimigos em todas as direções, e não havia fronteiras firmemente ancoradas num litoral.

Terra da confusão

Depois que Gêngis Khan morreu, em 1227, seu império unificado sobreviveu apenas por pouco tempo, antes que filhos, netos e generais o partilhassem em áreas mais facilmente governáveis: a dinastia Yuan, os Il-Khans, o khanato Chagatai e a Horda Dourada. Por mais uma ou duas gerações, esses quatro khanatos cooperaram, como uma espécie de sindicato do crime, com laços frouxos. Cada quarto do império tinha uma fronteira com territórios estrangeiros ricos, que podiam ser invadidos e saqueados, de modo que, teoricamente, eles não tinham razão para brigar uns com os outros. Dentro de algumas décadas, esse arranjo amistoso também desmoronou, e os herdeiros de Gêngis Khan se engalfinharam entre si. Tamerlão nasceu nesse caos, por volta de 1336. Encontraremos cada um desses khanatos, por sua vez, quando ele parte para conquistá-los e recriar o império de Gêngis Khan.

O clã mongol de Tamerlão se tornara nativo e adotara a língua turca e a religião muçulmana durante a geração anterior. Eles viviam no que fora antes a infeliz terra de Khwarezm, inteiramente devastada pelos mongóis, mas que posteriormente ficara sendo parte da herança do segundo filho de Gêngis Khan, Chagatai. Na época de Tamerlão, os khans rivais estavam guerreando uns com os outros, em busca do controle.

Tamerlão começou sua carreira como um bandido pouco importante. Quando jovem, foi ferido por flechas na mão direita e no joelho, enquanto participava de gloriosas batalhas, sua versão, ou roubando carneiros, a versão de seus inimigos, deixando-o manco e com um braço semiparalisado pelo resto da vida.5 A despeito dessas deficiências, ele conseguiu reunir um número bastante grande de seguidores para formar um impressionante exército de flibusteiros. Por fim, sua reputação como chefe guerreiro, uma estrela em ascensão, chamou a atenção do khan principal, Tughlak, que o fez governador de Transoxiana.

Nos anos que se seguiram à morte de Tughlak, em 1366, Tamerlão sobrepujou seus rivais e assumiu o trono em Samarcanda. A história aqui fica muito complicada, mas houve assassinatos, bem como batalhas ferozes e casamentos. Para reforçar sua linhagem, ele alegou ser descendente de Gêngis Khan e do genro de Maomé, Ali, mas hoje ninguém realmente acredita nisso, a menos que tenha sido uma coincidência. Tanto Gêngis Khan como Ali tiveram um monte de descendentes não registrados pela história. Você pode ser um deles.

Tamerlão tirou do nada um parente documentado de Gêngis Khan para assumir o trono de Samarcanda enquanto ele próprio ficava com o título mais modesto, de Amir, isto é, “Senhor”, e manejava as rédeas por trás da cortina. Ninguém se enganou com o expediente, e a maioria das histórias evita mencionar que Tamerlão não era, tecnicamente, o governante de seu império.

Às vezes é difícil separar Gêngis Khan de Tamerlão. Eles parecem ter se mesclado num molde de chefe guerreiro mongol genérico, mas há diferenças substanciais. Tamerlão era um muçulmano devoto, e avançou mais a fundo no Oriente Médio, contra lugares que é mais provável que você já tenha ouvido falar, como Damasco e Nova Déli, em vez de Nishapur e Bukhara.

Também diferentemente de Gêngis Khan, Tamerlão gostava de cidades; bem, de suas próprias cidades, pelo menos. Ele transformou sua capital, Samarcanda, numa das mais lindas cidades do mundo. Impressionado com o domo em forma de cebola que vira depois de capturar Damasco, ele mandou fazer uma réplica daquele detalhe arquitetônico em Samarcanda. Dali o estilo se espalhou para a Rússia, o Kremlin, e para a Índia, o Taj Mahal.6

Para outras cidades, entretanto, sua forma de arquitetura preferida era a torre de crânios. Depois de consolidar seu poder em Samarcanda, Tamerlão partiu para decorar o mundo com esses objetos sinistros.

Campanhas: sudoeste (1381-84)

Gerações após Gêngis Khan ter destruído Herat, em 1221, a cidade renascera, tornando-se uma parada rica e culta da Estrada da Seda. Durante os primeiros dias como mercenário itinerante, Tarmelão trabalhou para a dinastia que governava aquela cidade, e então tentou negociar uma aliança marital. O governante na época concordou a princípio, mas ficou argumentando sobre os detalhes. Então os espiões de Tamerlão descobriram que Herat estava reforçando suas defesas, um evidente ato provocativo. Tamerlão atravessou velozmente 480 quilômetros de um deserto e montanhas inóspitas, para pôr cerco à cidade. Sabendo o destino que esperava uma defesa malsucedida, Herat desistiu de lutar e conseguiu misericórdia.7

Com seu exército mobilizado e tendo viajado tanto para o oeste, Tamerlão continuou sua ofensiva. Na partilha por quatro, a parte persa do império de Gêngis Khan ficara sendo o domínio dos Il-Khans, mas o khanato desmoronou mais ou menos na mesma época do ocaso da dinastia Chagatai. Explorando o vácuo do poder, Tamerlão invadiu a Pérsia com o que viria a ser sua característica crueldade.

Na cidade de Isfizar, ele trancou 2 mil prisioneiros em uma torre, deixando-os morrer de fome. Zaranj, cidade próxima, suscitava más lembranças para Tamerlão, pois fora lá que ele recebera seus ferimentos debilitantes, de modo que, embora tenham se rendido sem qualquer luta, os habitantes foram massacrados e sua cidade, incendiada.8

Sudoeste (1386-88)

Durante algum tempo, Tamerlão voltou para casa a fim de descansar, antes de invadir a Pérsia de novo. Depois de conquistar a cidade de Isfahan, no Irã central, ele instalou uma guarnição lá e estava pronto para conceder misericórdia, mas a população se sublevou e matou a guarnição. Tamerlão avançou sobre a cidade de novo e liquidou com seus habitantes, plantando em estacas as cabeças, como um aviso para outros, que podiam querer resistir a sua força. A cidade próxima de Shiraz entendeu a mensagem e rendeu-se imediatamente. Um historiador muçulmano explorando Isfahan logo depois contou 28 torres de 1.500 cabeças cada, antes de interromper o circuito que fazia em torno das ruínas. O provável total estava perto de 70 mil.9

Embora pensemos no passado como uma época mais brutal do que a de hoje, vale a pena notar que, entretanto, muitos dos soldados de Tamerlão ficavam horrorizados com a ordem de massacrar civis e outros muçulmanos. Tamerlão exigia de cada unidade certo número de cabeças, ou então que sofressem as consequências. Os oficiais eram designados para conferir a contagem. Os soldados de ânimo mais fraco compravam sua quota dos companheiros com menos escrúpulos. A princípio, o preço de uma cabeça era 20 dinares, mas conforme o massacre prosseguia e o suprimento subia para cumprir a demanda, o preço caiu para meio dinar.10

Noroeste (1390-91)

Uma dinastia mongol, que se intitulava a Horda Dourada, herdara o quarto europeu do império de Gêngis Khan, a oeste dos montes Urais, estendendo-se pelas estepes da Rússia e da Ucrânia. Tinha havido uma disputa dinástica na década de 1370, e durante algum tempo Tamerlão deixou que Toktamish, o pretendente marginal da liderança, dormisse em seu sofá, falando metaforicamente, até que pudesse arranjar um cargo para ele. Tamerlão ajudou-o a conquistar o trono da Horda Dourada, mas então os dois herdeiros de Gêngis Khan se desentenderam. Logo depois que Tamerlão se retirara da sua primeira incursão na Pérsia, Toktamish se esgueirou atrás dele e tomou Tabriz, uma cidade que Tamerlão reservara para conquistar mais tarde.

Era evidente que a Eurásia não era bastante grande para a ambição dos dois. Tamerlão partiu para o norte, entrando na imensidão desconhecida da Sibéria, e depois virou para a esquerda, e, atravessando as vastas florestas da Rússia, surpreendeu o inimigo. Em junho de 1391, o exército de Tamerlão – 100 mil homens e mulheresa – caiu avassaladoramente sobre a Horda Dourada, na Batalha de Kunduzcha. Depois de feroz luta, Toktamish fugiu, com as tropas de Tamerlão perseguindo-o de perto. De acordo com um cronista persa, Sharaf ad-Din Ali Yazdi: “Numa distância de quarenta léguas por onde eram perseguidos, nada se via a não ser rios de sangue e as planícies cobertas de cadáveres.”11

Embora Toktamish conseguisse fugir, suas principais cidades, Sarai e Astrakhan, foram conquistadas e saqueadas.

Sudoeste (1393)

Pérsia, novamente.

Noroeste (1395)

Toktamish, novamente.

Sudeste (1398-99)

No verão de 1398, Tamerlão partiu para punir seu companheiro muçulmano, o sultão de Déli, por tolerar todas as culturas e permitir a livre circulação dos hindus, o que Tamerlão considerava uma afronta ao Islã. Em dezembro, ele já cruzara todas as montanhas, desertos e rios que separavam a Índia do restante do mundo, e conduziu seu exército para o sul, pela planície do Punjab. Enquanto atravessava o país, ele foi acumulando milhares de prisioneiros hindus, que levaria de volta como escravos.

O exército de Tamerlão sobrepujou as forças do sultão à vista das muralhas de Déli, derrotando os elefantes de guerra com a tática dos camelos flamejantes, descrita anteriormente. Durante a batalha, Tamerlão ouviu seus prisioneiros ovacionarem os ataques indianos, de modo que mandou matá-los, 100 mil deles, de acordo com as crônicas. Originalmente ele planejava poupar a cidade, mas, quando seus soldados saqueavam e praticavam estupros ao atravessar a cidade, surgiram altercações e lutas com os habitantes. A coisa evoluiu para uma verdadeira rebelião contra os invasores, que Tamerlão sufocou com sua típica crueldade. Cerca de 50 mil pessoas foram massacradas, e suas cabeças fincadas em estacas fora dos quatro cantos da cidade. Depois ele confiscou todo o tesouro que a grande capital acumulara ao longo dos anos, juntamente com dezenas de milhares de novos escravos.

Oeste (1400-1404)

Em outubro de 1400, Tamerlão avançou para o oeste. Tendo reduzido a Pérsia de um grande império a um mero atalho, ele atravessou o país e atacou além dele. No caminho, conquistou todas as grandes cidades, e enterrou viva a guarnição de Sivas. Destruiu Alepo e empilhou 20 mil cabeças. Depois saqueou e incendiou Damasco e eliminou sua população, em março de 1401.

Mostrando inusitada misericórdia, ele reassentou na Síria alguns soldados turcos derrotados. Com saudades de casa, esses soldados tentaram fugir sorrateiramente para sua terra natal, sustentando-se com roubos praticados no caminho. Tamerlão alcançou-os perto da cidade de Damghan e empilhou no campo suas cabeças sanguinolentas. Um diplomata espanhol junto à corte de Tamerlão, passando pelo local, descreveu a cena: “Fora de Damghanat, a distância de um disparo de flecha, nós observamos duas torres, erigidas até uma altura à qual poderíamos atirar uma pedra, compostas inteiramente de crânios humanos unidos com argila. Além dessas havia outras duas torres semelhantes, mas essas pareciam já ter desabado no chão, podres.” Diziam que essas torres ficaram emitindo chamas sobrenaturais durante a noite, por anos, depois de erigidas.12

Uma pequena força enviada para se apoderar de Bagdá não tivera êxito, de modo que Tamerlão voltou com todo o seu exército e sitiou a cidade por seis semanas. Num dia insuportavelmente quente, quando os defensores se refugiaram na sombra, Tamerlão atacou. Depois que a cidade foi conquistada, ele ordenou que cada um de seus guerreiros lhe trouxesse uma cabeça cortada; algumas fontes dizem duas. Apenas os clérigos e os estudiosos foram poupados do massacre. Quando ficou patente que havia menos habitantes em Bagdá do que a cota estabelecida por Tamerlão, foram trazidas cabeças do próprio acampamento mongol: seguidores, prostitutas e escravos pessoais, porque ninguém ousava desafiar um comando de Tamerlão. Os mongóis demoliram todas as construções seculares e cercaram as ruínas com 120 torres, erigidas com 90 mil cabeças ao todo, enquanto Tamerlão fazia uma peregrinação a um santuário próximo, para rezar.13

A invasão para oeste colocou Tamerlão em conflito com os turcos otomanos, que estavam ocupados, eliminando os últimos vestígios do Império Bizantino. O sultão turco, Bayezid, o Trovão, esmagara uma fieira de inimigos, tanto na Europa quanto na Ásia, e tudo que precisava para coroar sua carreira e ser aclamado como o maior guerreiro da história do Islã era conquistar Constantinopla, sede do império, saída para o mar Negro, e o portão para a Europa, e que resistira por séculos aos invasores muçulmanos.

Então, em 1402, as hordas de Tamerlão surgiram avassaladoramente do leste, e Bayezid precisou abandonar seu sítio de Constantinopla para barrar o avanço dos mongóis. Bayezid partiu com um grande exército calejado nas batalhas e enfrentou Tamerlão em Ancara. Foi uma luta dura, e diversas unidades turcas, constituídas de conscritos descontentes, passaram para o lado inimigo, trazendo o caos à posição otomana. Bayezid foi derrotado e capturado, juntamente com seu séquito. Tamerlão tinha, sem querer, salvado a Europa dos turcos por meio século mais.

Contam-se muitas histórias da humilhação sofrida pelo ex-sultão nas mãos do comandante mongol. Dizem que Bayezid foi mantido numa gaiola, em público, que sua esposa foi forçada, nua, a servir refeições a membros da corte, que Tamerlão o usava como banquinho para descansar os pés.b Provavelmente essas histórias não são verdadeiras, porque não apareceram nos registros históricos senão muito mais tarde. Os primeiros historiadores disponíveis alegaram que Bayezid foi bem tratado.

Chegando ao litoral mais a oeste da Anatólia, na península da Turquia, Tamerlão montou cerco à Ordem dos Cavaleiros de Rodes, na cidade cristã de Esmirna, que aguentou o sítio por umas poucas semanas, e depois suportou o costumeiro massacre e pilhagem. Mais tarde, quando a frota cristã chegou para ajudar os cavaleiros a romper o cerco, Tamerlão escarneceu deles e mostrou que haviam chegado tarde demais catapultando as cabeças dos ex-defensores para cima dos navios.

Amir Tamerlão

Tamerlão tinha grande respeito pelos estudiosos e atraiu muitos deles para sua corte. Encomendou magníficas edições do Corão aos melhores calígrafos. Era também um mestre no xadrez, e a versão mais complicada do jogo ainda leva seu nome. No xadrez de Tamerlão, o tabuleiro tem duas vezes mais casas do que o xadrez regular e mais peças, tais como elefantes, que pulam duas casas, em diagonal, e girafas, que se movem uma em diagonal e três em linha reta.

Como muitos tiranos, Tamerlão impunha uma justiça severa e rápida nos seus domínios, e não era muito dado a considerar sutilezas. Quando voltou de sua guerra contra o oeste, e ouviu dizer que o governador de Samarcanda se mostrara opressor e ganancioso na sua ausência, Tamerlão mandou enforcar o homem. Todos os bens mal adquiridos do ex-governador foram recolhidos a seu tesouro. Não houve grande surpresa nesses atos, mas depois Tamerlão enforcou um amigo influente do ambicioso governante, que tentara comprar a liberdade deste. Depois Tamerlão enforcou outro funcionário que intercedera em prol do governador. Então, todo mundo entendeu o recado.14

Sua abordagem simplista à resolução dos problemas é mostrada repetidas vezes. “Tamerlão então deu ordens para que uma rua fosse construída passando diretamente através de Samarcanda, a qual deveria ter lojas de cada lado, e nas quais se venderia todo tipo de mercadoria, e essa nova rua deveria atravessar toda a cidade, de um lado a outro, bem no coração da cidade… Não deu atenção às queixas de pessoas a quem as casas poderiam pertencer, e elas, com seus imóveis demolidos, tiveram de sair subitamente, sem aviso, levando consigo os bens e móveis como podiam.”15

Fim de jogo

Já então com 71 anos, Tamerlão esmagara os dois impérios mais poderosos da Ásia: Déli e os otomanos. Realizara conquistas em todas as direções, com exceção do leste, penetrando na China. Recentemente a dinastia Ming, liderada por Zhu Yuanzhang, expulsara os mongóis de seu país, e Tamerlão decidiu que isso não podia continuar. Com um novo exército, ele partiu para restaurar o império de Gêngis Khan, mas a velhice o alquebrou e ele morreu em 1405, antes de seu exército cruzar a fronteira.

O significado das conquistas de Tamerlão, embora tenham sido enormes, sangrentas e pitorescas, é pequeno e cheio de ironias. Ele era um muçulmano devoto, que destruiu quase exclusivamente inimigos muçulmanos, e foram os derrotados nas suas guerras que deixaram legados verdadeiros, enquanto Samarcanda se tornou uma cidade estagnada, deserta, sob o governo de khans cujos nomes foram esquecidos.16 Os otomanos se reagruparam e dominaram o Oriente Médio durante meio milênio. A Horda Dourada e seus sucessores tártaros bloquearam a expansão russa na estepe durante diversos séculos. O impacto mais duradouro de Tamerlão é que um ramo de seus descendentes forjou seu próprio destino como os mughales, da Índia (ver “Aurangzeb” para detalhes).

Conta-se uma história final sobre Tamerlão, que envolve sua própria cabeça decapitada. Em 1941, esperando fazer um retrato definitivo de Tamerlão, o cientista russo Mikhail Gerasimov abriu a tumba do guerreiro e tirou o crânio para fazer uma reconstrução facial. Os habitantes locais o haviam prevenido de que uma maldição cairia sobre qualquer senhor que perturbasse o repouso eterno do Senhor Tamerlão. Gerasimov zombou do aviso e continuou violando o túmulo. Dentro de poucos dias a maldição se cumpriu, e a Alemanha invadiu a União Soviética.

A nova nação da Ásia central, o Uzbequistão, está reabilitando Tamerlão como um herói nacional. Uma magnífica estátua equestre domina agora a principal praça da capital do país, Tashkent, substituindo o busto de Karl Marx, que estivera no local durante a era soviética, o qual já substituíra a estátua anterior de Stálin, que substituíra a estátua original do czarista Konstantin Kaufman, conquistador russo da Ásia central. Aparentemente, aquela praça nunca honrou uma pessoa viável.17

a Tamerlão foi inovador ao permitir que mulheres lutassem no seu exército, mas provavelmente elas não eram em grande número (Marozzi, Tamerlane [Tamerlão], p. 102).

b Entretanto, não é por esse motivo que chamamos um divã de “otomana”.