SACRIFÍCIOS HUMANOS ASTECAS

Número de mortes: 1,2 milhão

Posição na lista: 45

Tipo: sacrifícios humanos

Linha divisória ampla: sacerdotes versus prisioneiros

Época: C. 1440-1521

Localização: México

Quem geralmente leva a maior culpa: os astecas

A pergunta irrespondível que todo mundo faz: Eles não percebiam que o sol nascia toda manhã, mesmo que não lhe oferecessem sacrifícios?

Em 1521, derrotados por uma rebelião dos astecas, e retirando-se, em pânico, de Tenochtitlán, hoje Cidade do México, os espanhóis, sob o comando de Cortês, ficaram observando a distância os nativos matarem seus companheiros capturados:

Ouvia-se o sinistro bater dos tambores [Huitzilopochtli], e de muitas outras conchas, cornetas de chifre e coisas como trombetas, e o som delas todas era aterrorizante, e nós todos olhávamos na direção da alta pirâmide… e vimos que nossos companheiros… estavam sendo carregados à força pelos degraus acima…

Nós os vimos colocar plumas na cabeça de muitos deles, e com coisas como leques nas mãos eles os forçaram a dançar diante deles [Huitzilopochtli], e depois que haviam dançado, eles imediatamente os colocaram deitados de costas em pedras bem estreitas… e com algumas facas abriram seus peitos e tiraram seus corações palpitantes e os ofereceram a seus ídolos.

Jogaram os corpos degraus abaixo, aos pontapés, e os carniceiros indígenas que esperavam embaixo cortaram seus braços e pernas, e arrancaram a pele dos rostos e a prepararam depois como couro de luvas, ainda com a barba… e a carne eles a comeram em chilmole.1

O sacrifício humano é um fenômeno mundial, mas em nenhuma outra parte ele foi registrado numa escala tão grande como a encontrada entre os astecas do México central. Segundo o mito asteca, o sol, Huitzilopochtli, nasceu quando um dos deuses pulou numa fogueira; depois os outros deuses deram seu próprio sangue para curar e alimentar o deus queimado. Os sacrifícios astecas reencenavam o sacrifício original dos deuses, e, sem sangue novo, o sol morreria. De fato, a maioria dos deuses do panteão asteca vivia à custa de sangue humano. Apenas Quetzalcoatl, a Serpente Emplumada, se opôs ao sacrifício humano, mas os outros deuses o forçaram ao exílio.

Acima de tudo, os astecas eram um povo belicoso. Surgiram como uma pequena tribo cercada por vizinhos hostis, mas foram abrindo caminho e construíram um império que se estendia de mar a mar no México central. Para agradecer aos deuses sua boa fortuna, e para cooptá-los a continuar nas suas boas graças, os astecas ofereciam o sangue de prisioneiros capturados em batalha.

Na verdade, a captura de vítimas para serem sacrificadas era tão importante que suas batalhas logo começaram a visar esse objetivo. Nessas Guerras das Flores, eles seguiam regras rígidas ao atacar seus vizinhos, começando por negociar amistosamente com o inimigo a hora e o lugar do confronto. O combate seguia antigos rituais: uma fogueira, música, danças e finalmente uma carga maciça. A luta dava-se cara a cara, corpo a corpo, com o uso, na maior parte, de armas não letais, porque eles preferiam não infligir danos à “mercadoria”. Os adversários eram arrancados das fileiras, amarrados e levados de volta a Tenochtitlán. Os guerreiros ascendiam numa hierarquia social capturando prisioneiros vivos para serem sacrificados.2

O maior número de sacrifícios ocorreu no Grande Templo de Tenochtitlán, uma cidade construída sobre as ilhas de um lago. O templo era dedicado a Huitzilopochtli, o deus do sol e da guerra. Prisioneiros dopados, às dezenas e centenas, eram levados para o topo da pirâmide. Ali, à vista dos deuses e da cidade, uma equipe de sacerdotes agarrava um membro ou a cabeça da vítima e a faziam deitar-se. O sacerdote sacrificial arrancava o coração pulsante do prisioneiro com uma faca de obsidiana e depois queimava-o no altar.3

Em seguida, o cadáver era jogado degraus abaixo, onde era despido, esquartejado, cozinhado e comido. O proprietário do prisioneiro sacrificial ficava com as melhores porções da carne, que eram servidas num banquete da família, enquanto um guisado feito do rebutalho alimentava as massas. Pumas, lobos e jaguares do jardim zoológico roíam os ossos.

Outro ritual conhecido como Esfolamento dos Homens era realizado em honra ao deus Xipe Totec. A cerimônia começava com um dia comum, extraindo corações no alto da pirâmide, depois do qual o cadáver era retalhado para um festim de família. No dia seguinte, um prisioneiro ilustre era amarrado a uma pedra e a ele eram dadas armas rombudas, com as quais deveria lutar contra quatro Cavaleiros-Águia e Cavaleiros-Jaguar, munidos de armas afiadas, de modo que o resultado da luta nunca era posto em dúvida. Depois que o prisioneiro morria, os sacerdotes abriam seu corpo, e os celebrantes o comiam. Seu patrocinador levava uma tigela de sangue a todos os templos para pintar a boca dos ídolos. Então ele usava a pele do homem morto por vinte dias, enquanto ela apodrecia. Finalmente, a pele era descartada num ritual levado a efeito no templo, e o celebrante era lavado.

Crianças eram sacrificadas a Tlaloc, o deus da chuva. Bebês nascidos com certas características físicas em dias astrologicamente significativos tinham especial valor, mas qualquer criança também servia. Suas gargantas eram cortadas depois que o sacerdote as fazia chorar, recolhendo suas lágrimas. Diferentemente de outros sacrifícios, que eram considerados ocasiões festivas, os astecas acompanhavam a matança de crianças com altas lamentações, e os sacerdotes consideravam o ritual uma coisa triste, suja. Sempre que podiam, os astecas evitavam os lugares de sacrifício infantil.4

As mulheres eram sacrificadas para a deusa-mãe, Xilonen. A mulher principal do ritual transformava-se na deusa e era decapitada enquanto dançava. Sua pele era então retirada, e o coração, extraído e queimado. Um guerreiro ilustre usava a pele da mulher durante o ano seguinte, e ele se transformava na deusa.5

Vítimas dedicadas ao deus do fogo, Xuihtecuhutli, eram sedadas e jogadas numa fogueira. Os sacerdotes depois as retiravam dali com ganchos – queimadas, mas ainda vivas – e as levavam embora, de modo que seus corações pulsantes pudessem ser extraídos.

Se estamos procurando por uma única pessoa para culpar pelos sacrifícios astecas, um candidato seria Tlacaelel, principal assessor de três sucessivos governantes. Um cronista espanhol relatou que ele “inventava sacrifícios infernais, cruéis e medonhos”.6

Tlacaelel supervisionou a cerimônia para o rei Ahuitzotl, em 1487, em que o Grande Templo foi novamente consagrado, e durante a qual vítimas sacrificiais foram dispostas em quatro colunas que se estendiam pelas pontes que ligavam as ilhas de Tenochtitlán. Foram necessárias quatro equipes de sacerdotes, durante quatro dias, para matar todos os prisioneiros, enquanto o sangue se acumulava em poças e manchava a base da pirâmide. Historiadores mais recentes tentaram transformar esse relatos esparsos em números reais, chegando primeiro à soma de 80 mil vítimas, mas hoje calcula-se que tenham sido de 14 mil a 20 mil.7

Por que tantos?

Os sacrifícios humanos dos astecas são tão completamente insondáveis que a maioria do estudiosos nem mesmo tenta explicá-los. Eles sacrificavam as pessoas por motivos religiosos e pronto. Entre os poucos que tentam encontrar uma causa secular para aquilo, a maioria prefere algo semelhante às razões que levaram Roma a instituir os jogos de gladiadores: um povo guerreiro se enrijece, ao mesmo tempo que desumaniza e desmoraliza os inimigos.

De vez em quando, alguém vai tentar ligar os sacrifícios astecas à falta de animais domésticos que produzem carne na América Pré-Colombiana,a o que teria feito do canibalismo uma fonte alternativa de proteínas. Populações pequenas podem caçar animais selvagens e pescar, mas, numa região tão densamente habitada como o México central, os únicos animais grandes em abundância eram outras pessoas. Para obter essa quantidade de proteínas, os mexicanos precisavam da permissão dos deuses para matar e comer seus vizinhos, de modo que os astecas compartilhavam os corações e o sangue com seus deuses, e guardavam a carne para si mesmos.8

Essa é a mais sensata explicação para os sacrifícios astecas, e também a menos popular. De fato, você encontraria dificuldade em encontrar qualquer autoridade, em qualquer lugar, que acreditasse nessa teoria.9 Mas a chamada “hipótese do reino canibal” tem bastante coisas a seu favor. Para começar, por que a única cultura urbana da história sem grandes animais para comer seria a única cultura urbana que consumia regularmente carne humana? Por que a história nunca produziu o extravagante canibalismo em qualquer cultura urbana que tivesse cabras, carneiros, gado vacum ou porcos? Seria isso mera coincidência?

A maioria dos estudiosos diz sim e oferece numerosos contra-argumentos. Eles acusam os espanhóis de mentir a fim de justificar a conquista dos selvagens pagãos. Acusam os ocidentais de serem incapazes de compreender os mistérios da cultura popular nativa, e explicam que era considerada uma honra ser oferecido aos deuses. Tratam a alegação de que os astecas não tinham animais domésticos que lhes servissem de alimento como um insulto a uma cozinha perfeita sob o ponto de vista nutricional, que incluía insetos, lagartos e lesmas. Tanto os antropólogos quanto os vegetarianos acentuam que a carne é desnecessária para uma vida sadia. Então todo mundo nos lembra que a Inquisição Espanhola também matava pessoas, e então, quem somos nós para condenar os astecas?10

Por que tão poucos escritores olham para além das “razões religiosas” à procura de uma causa? Eu suspeito que tentar explicar os sacrifícios dos astecas significa que precisamos explicá-los, o que implica dizer que eram anormais, de certa forma, o que talvez perturbe muito certas opiniões bastante comuns sobre culturas nativas. Isso então pode nos levar a aceitar as ideias eurocêntricas ultrapassadas sobre selvagens pagãos e a superioridade da cristandade ocidental. É uma ladeira escorregadia, que muitos estudiosos querem evitar.

Entretanto, a escala dos sacrifícios humanos dos astecas ia tão além da maioria das matanças religiosas que provavelmente essa prática requer uma explicação especial. A Inquisição Espanhola, com 32 mil mortes,11 e as caçadas às bruxas, com 60 mil mortes,12 não podem, simplesmente, ser comparadas com os sacrifícios astecas. Aquelas duas atrocidades europeias mataram apenas certo número de inimigos para firmar seu ponto de vista. Os astecas se excederam. Até mesmo os combates de gladiadores entre os romanos mataram aproximadamente metade da taxa anual dos astecas, e isso espalhados por uma área muito mais ampla, entre uma população pelo menos quatro vezes maior. Embora o sacrifício de seres humanos fosse comum em tribos e aldeias por todo o mundo, a maioria das sociedades mantinha esse número pequeno, e o ultrapassaram logo que foram forçados a viver apinhados nas cidades. Os chineses da dinastia Shang, por exemplo, sacrificaram meros 13 mil homens em 250 anos, entre 1300 e 1050 a.C.13

O homicídio tende a perturbar o comportamento cooperativo e ordeiro de que a sociedade precisa para funcionar. Embora eu hesite em generalizar sobre todas as atrocidades constantes deste livro, tenho observado que a maioria das grandes matanças ocorreu ou depois que as sociedades se desintegraram, ou então foi dirigida contra inimigos específicos em prol de alguém no poder. A chacina desnecessária de centenas de milhares de vizinhos, aleatoriamente, segundo os caprichos de seres invisíveis, esgarçará o tecido social, a menos que alguém importante esteja obtendo algo muito tangível com essa prática. Acho que era carne.

Número de mortos

A extensão dos sacrifícios humanos entre os astecas é assunto de discussões acaloradas, e muitos estudiosos alegam que a coisa toda tem sido exagerada; não mais do que um punhado, dizem eles, e apenas nos grandes dias festivos.14 Mas as provas estão aí. Os astecas exibiam com orgulho, em público, as cabeças de suas vítimas em prateleiras de crânios arrumados com perfeição, e em fileiras que podiam ser facilmente contadas. A prateleira de crânios de Tenochtitlán tinha 136 mil crânios, de acordo com o testemunho ocular do espanhol Andres de Tapia. A de Xocotlán tinha mais de 100 mil crânios, de acordo com Bernal Díaz, outro espanhol que foi testemunha ocular. Só aqui temos quase um quarto de milhão.15

A contagem de mortos tem sido estimada em algo entre 15 mil, segundo Sherburne Cook, e 250 mil, de acordo com Woodrow Borah, por ano.16 O historiador do século XIX William Prescott insistiu que os astecas sacrificaram pelo menos 20 mil pessoas por ano, possivelmente 50 mil, no decurso de dois séculos.17 Na outra ponta estão os revisionistas, que insistem que os astecas dificilmente faziam sacrifícios humanos, não importa o que aqueles espanhóis mentirosos disseram. Bartolomeu de las Casas e Voltaire alegaram que apenas cerca de 150 mexicanos eram sacrificados por ano, e que os espanhóis exageraram a contagem para justificar a conquista.18 De qualquer modo, uma estimativa de 15 mil ou 20 mil por ano, num total de cerca de 1,2 a 1,6 milhão, parece ser a contagem mais repetida.19

a A maioria dos animais de grande porte, com carne saborosa, nas Américas, foi extinta assim que os primeiros humanos chegaram. Provavelmente há uma conexão aqui.