A CONQUISTA DAS AMÉRICAS
Número de mortos: 15 milhões
Posição na lista: 11
Tipo: conquista colonial
Linha divisória ampla: europeus versus nativos americanos
Época: começando em 1492
Localização: hemisfério ocidental
Principais participantes: astecas, caribenhos, incas, espanhóis, tainos
Participantes secundários: americanos, black-foots, cherokees, cheyennes, creeks, ingleses, iroqueses, pequotes, pawhatans, shashones, sioux
Quem geralmente leva a maior culpa: Colombo, conquistadores, Custera
Fatores econômicos: ouro, prata
Ninguém espera a Inquisição espanhola
Você teria dificuldade em encontrar uma nação que fosse menos adequada para um primeiro contato pacífico com uma cultura estrangeira do que a Espanha renascentista. Por mais de cem anos, a península se digladiara entre as culturas cristã e muçulmana, exércitos europeus e africanos. Um caleidoscópio de reinos, ducados e emirados beligerantes, a Espanha nem mesmo existia como nação até que dois reinos menores se juntassem por meio do casamento de seus monarcas em 1469.
Na Espanha, a mentalidade dos cruzados estava viva, e com pouca probabilidade de fazer prisioneiros. Granada, o último bastião muçulmano na península, não caiu ante os conquistadores cristãos senão em 1492, o mesmo ano em que os espanhóis expulsaram os judeus. Por essa época, a Inquisição espanhola já fora estabelecida, com a finalidade de se certificar de que não havia infiéis escondidos, caçoando de gente decente por detrás da máscara de devoção. Foram espancados e queimados milhares de heréticos.
O mar Mediterrâneo era um campo de batalha entre as frotas cristã e muçulmana, de modo que os marujos europeus começaram a explorar o Atlântico, esperando desbordar os odiados sarracenos e atingir as riquezas do Oriente. Os portugueses se lançaram na rota óbvia, descendo pela costa da África, enquanto os espanhóis apostaram no caminho direto, pelo oceano aberto, visando chegar ao outro lado do mundo. Cristóvão Colombo imaginou, planejou e liderou a expedição de 1492, que provavelmente teria desaparecido no oceano largo, interminável, se ele estivesse certo, achando que a próxima parada era a Ásia. Mas a sorte o protegeu, e ilhas ao largo do litoral de dois continentes totalmente inesperados lhe proporcionaram um desembarque seguro, antes que seus suprimentos terminassem. Ele pensou ter chegado à Ásia, mas dentro de uma década, mais ou menos, exploradores subsequentes provaram que aquele era um mundo completamente novo.
Esperando Colombo
Num dos grandes contrastes da história, o povo que saudou Colombo, os tainos, ou aruaques, das Bahamas, estava entre as populações mais pacíficas de que se tem notícia. Ao descrevê-los, Colombo diz: “Eles nem carregam nem sabem nada sobre armas, pois eu mostrei a eles espadas, e eles as seguraram pela lâmina, e se cortaram, por pura ignorância.”1 “São um povo adorável, sem cobiça, e preparados para qualquer coisa… não há melhor terra nem povo. Amam seus vizinhos como a si mesmos, e sua fala é a mais doce e agradável do mundo, e sempre estão sorrindo.”2
Bem, é claro que a primeira coisa que Colombo fez foi sondá-los para ver como podia explorá-los. “Eles dariam ótimos criados”,3 observou ele. “Com cinquenta homens, podemos subjugá-los todos e fazer com eles o que for preciso.”4
Ele então prosseguiu explorando para o sul, entrando mais fundo nas Índias Ocidentais, à procura de qualquer ouro sobrando que pudesse haver por ali. Explorou as ilhas maiores, como Cuba e Hispaniola, e encontrou pouca coisa que valesse a pena roubar, a não ser mais nativos. Sempre à procura de oportunidades, observou: “Desses lugares, no nome da Santíssima Trindade, nós podemos enviar todos os escravos que puderem ser vendidos.”5 Para provar isso, Colombo sequestrou alguns nativos para levá-los com ele de volta à Espanha, como amostras. Depois estabeleceu um pequeno núcleo colonizador em Hispaniola e viajou de volta à Espanha com as maravilhosas novidades.
A cobra no Paraíso
Vamos tirar um momento para apreciar o magnífico butim que se apresentava diante dos espanhóis, pronto para ser arrebanhado, a começar pelo mais importante item para um marinheiro ao término de uma viagem de alguns meses em mar aberto. As mulheres, relatou Colombo, estavam “nuas como no dia em que nasceram”, sem “mais vergonha do que animais”.6 Uma vez sabendo disso, vamos observar que os nativos quase não tinham metais, como latão, estanho, aço, ferro ou bronze, nenhum metal em absoluto, a não ser ouro e prata, que são macios, brilhantes e fáceis de trabalhar. Isso significa que os nativos americanos haviam gasto diversos séculos escavando e garimpando todos os metais preciosos que podiam encontrar, acumulando tesouros convenientemente a seu alcance, mas não conseguiram inventar um meio de defendê-los.
Seria errado caracterizar os espanhóis como leões entre carneiros, mas eles eram, definitivamente, leões entre coiotes, ambos animais predadores, mas em categorias bem diferentes. Os nativos americanos podiam ser tão cruéis e ferozes quanto qualquer outro povo do mundo. Os astecas estavam sacrificando 15 mil outros seres humanos no alto de suas pirâmides todo ano (ver “Sacrifícios humanos astecas”). Até mesmo antes da chegada de Colombo, os pacíficos tainos vinham sendo gradualmente expulsos de suas ilhas pelos caribenhos, que deram seu nome não apenas ao mar, mas também à sua dieta característica: o canibalismo. Os incas sacrificavam crianças atirando-as de penhascos. Os iroqueses se deliciavam em retalhar e queimar prisioneiros.
Seja como for, a maioria dos nativos não tinha muito do que é necessário para se tornarem incontroláveis máquinas de matar. A guerra dos astecas era uma atividade ritualística, com o propósito de capturar prisioneiros vivos para serem sacrificados. Os índios das planícies americanas tornaram-se conhecidos pelo “golpe da etiqueta”, o ritual de bravura, no qual eles atacavam o inimigo apenas para marcá-lo, não para matá-lo. Os espanhóis levavam a guerra muito mais a sério.
Os conquistadores espanhóis entravam na batalha com espadas de aço, que podiam facilmente matar um homem decepando-lhe um braço ou a cabeça, diferentemente das maças e machados de pedra dos nativos, que necessitavam de repetidos golpes para incapacitar um inimigo. A armadura dos espanhóis, especialmente o capacete, tornava ainda mais difícil para os nativos atingir mortalmente o inimigo. Os espanhóis usavam cavalos e cães de caça, monstros aterrorizantes, que podiam facilmente alcançar, derrubar ou despedaçar guerreiros em fuga. As balistas europeias eram mais fáceis de mirar e disparar do que os arcos e flechas nativos. Os canhões faziam estremecer a terra e estraçalhar multidões inimigas. Os arcabuzes, ou mosquetes primitivos, dos conquistadores eram lentos e imprecisos demais para serem armas eficientes sob o ponto de vista militar, a menos que fossem em grande quantidade, mas não se deve subestimar o impacto psicológico de um estrondo, seguido da queda do homem a seu lado, misteriosamente morto.7
As Índias Ocidentais
Sabemos muito pouco sobre Cristóvão Colombo. Não sabemos quando nem onde nasceu, qual foi o primeiro lugar onde desembarcou nas Américas, qual era sua aparência ou onde foi enterrado. Obviamente que isso não evitou que procurássemos preencher as lacunas com palpites, imaginação e especulações, mesmo que contradigam o pouco que sabemos. Não importa o que os historiadores nos contem, continuamos a acreditar no Cristóvão Colombo que queremos, não naquele que existiu. Isso é igualmente verdadeiro, quer queiramos um Colombo herói ou um vilão.
A cada curto período é publicado um livro que promete desmitificar Colombo, e mostrá-lo como o filho da puta que era, e a coisa mais estranha é que isso vem acontecendo há centenas de anos, desde o princípio mesmo. A fonte primária mais importante do pouco que conhecemos da vida de Colombo são os escritos de Bartolomeu de las Casas, padre dominicano e zeloso defensor dos índios. A única razão por que temos, por exemplo, o diário de bordo da primeira viagem de Colombo foi porque Las Casas conservou uma cópia dele entre seus documentos pessoais. Originalmente ele admirava Colombo, e estava entre as multidões alucinadas que saudaram seu retorno à Espanha, mas, depois que foi para a América, Las Casas fez do objetivo de sua vida tornar público e denunciar as crueldades que seus patrícios infligiam aos índios. Colombo e seus pares são frequentemente defendidos com o argumento de que você não pode julgar o passado por padrões modernos, mas é importante lembrar que “padrões modernos” já existiam no tempo de Colombo na pessoa de Las Casas e de outros como ele.
Colombo voltou a Hispaniola no início de 1494, equipado pela Coroa Espanhola com uma frota de 17 navios, para fundar um império. Descobriu que o pequeno núcleo colonizador que deixara estabelecido na primeira viagem fora eliminado depois de um confronto com os nativos, mas isso não interessava. A nova expedição tinha 1.500 novos europeus, junto com ferramentas, sementes e gado, prontos para subjugar o Novo Mundo. Colombo viajou com dois irmãos para compartilharem sua boa sorte.
Ele distribuiu entre os nativos cotas de ouro rígidas que lhe deveriam ser entregues, e, por diversos meses, exigiu que os tainos abandonassem suas culturas e fossem garimpar ouro nas colinas, o que desencadeou uma epidemia de fome que matou 50 mil pessoas. Também arrebanhou 1.500 nativos e prendeu-os para serem vendidos como escravos. Depois de apinhar quantos pôde nos navios que voltavam para a Espanha, ele usou os restantes no próprio local.8
Colombo passara tanto tempo de sua vida como capitão de navio que preferia governar por decreto e punição imediata. Por fim, suas execuções sumárias de espanhóis ocasionais aborreceram os colonos. Também dividiram a colônia desavenças sobre se tratar os nativos como escravos, que era o ponto de vista de Colombo, ou como súditos leais, ponto de vista da Coroa. Quando chegou um auditor da Espanha, entre as primeiras visões que teve foi a de cadáveres balançando das forcas. Os irmãos Colombo foram agrilhoados e enviados de volta para a Europa, para responder às acusações. A Coroa ainda manteve bastante fé em Colombo para perdoá-lo e continuar a usá-lo como explorador, mas ele nunca mais recebeu o comando de uma colônia em terra.
O Caribe
Logo os espanhóis começaram a subdividir o Novo Mundo de acordo com um sistema chamado de encomiendo, ou supervisão de territórios. Na teoria, os índios permaneciam com a posse da terra, sob a supervisão dos benevolentes curadores europeus. Você pode imaginar quão bem isso funcionou na prática.9
Em 1502, o irmão Nicolau de Ovando, de uma Ordem religiosa espanhola, chegou a Hispaniola com 2.500 colonos. Convidou todos os chefes nativos para um esplêndido banquete na sua própria casa e depois os matou. Escravizou facilmente os líderes nativos remanescentes, deixados sem liderança. No ano seguinte, Ponce de Leon esmagou uma rebelião na extremidade daquela ilha, com o massacre de 7 mil tainos.10 Os espanhóis se espalharam por toda aquela área, e a população registrada da ilha rapidamente declinou de 60 mil, em 1509, para 11 mil, em 1518.
Com os nativos morrendo de excesso de trabalho, doenças incomuns para eles e a disciplina férrea, os espanhóis começaram a fazer incursões nas ilhas vizinhas para angariar mão de obra nova. Quando essas ilhas também ficaram esgotadas de gente, eles foram para a ilha seguinte e depois outra, até que todos os indígenas das Índias Ocidentais estavam ou escravizados ou, em proporção cada vez maior, mortos.
A brutalidade não passou despercebida ou sem oposição. Já bem cedo, em 1511, o padre dominicano nas colônias espanholas, Antonio de Montesinos, clamava desesperadamente que os indígenas deveriam ser tratados com civilidade comum.11
A América Central
Durante diversos anos os navegadores haviam esbarrado numa grande massa de terra a sudoeste das Índias Ocidentais, uma delas com um rio tão grande que deveria drenar água de um continente inteiro. Uma tentativa inicial de colonizar a região foi abandonada logo que os espanhóis viram a selva e seus nativos ameaçadores. A bordo estava Vasco de Balboa, que, em vez de continuar a exploração, decidiu se estabelecer em Hispaniola, onde não teve muito sucesso como fazendeiro.
Em 1508, quando outra grande força espanhola partiu para conquistar o continente ocidental, Balboa se escondeu como clandestino entre os suprimentos da expedição, a fim de escapar de seus credores. Embora o primeiro impulso do comandante da frota fosse de abandonar o clandestino na ilha seguinte, Balboa convenceu-o de que sua experiência anterior no continente poderia lhe ser útil.
A expedição desembarcou no Panamá, fundou uma cidade, matou alguns nativos e começou a explorar os arredores, apoderando-se de ouro sempre que encontravam. Quando o comandante da empreitada começou a cobrar impostos sobre o ouro dos colonos, Balboa chefiou um motim que o levou ao comando. Logo chegou o novo governador, vindo de Hispaniola, para assumir o controle da colônia, mas Balboa o aprisionou e o empurrou para o mar numa canoa fazendo água, a qual nunca mais foi vista.
Enquanto explorava a fundo o interior da terra, trocando ou roubando quinquilharias e joias de ouro dos indígenas, Balboa ouviu histórias de outro oceano, além da terra firme, de modo que partiu para verificar se aquela poderia ser uma nova passagem para a Ásia. Abriu caminho a custo, lutando com tribo após tribo, e despojando-as de ouro e pérolas. Quando descobriu que os homens de uma tribo se vestiam como mulheres, ele fez com que seus cães de caça os despedaçassem. Finalmente, em 1513, chegou ao oceano Pacífico, o primeiro europeu a ver aquele mar a partir daquele lado.
Aquele foi o zênite de sua carreira. Um novo governador enviado pela Coroa, Pedrarias, logo substituiu e fez decapitar Balboa. Esse homem mostrou ser mais cruel do que Balboa, varrendo de cena quase todos os indígenas locais, à procura de ouro.12
O México
Diversas expedições ao México, tanto planejadas quanto acidentais, já haviam se dado mal ao se defrontarem com a hostilidade dos nativos, mas o governador de Cuba, Velásquez, quis tentar de novo. Em 1519, ele pediu a Fernando Cortês, um dos colonos mais ricos da ilha, para investigar histórias de uma misteriosa terra para oeste. Cortês deveria fazer contato, estabelecer comércio e relatar o que viu, mas conforme os preparativos progrediam, Velásquez notou que Cortês estava entusiasmado demais com a missão, equipando uma expedição muito maior e com armamento muito mais poderoso do que aquele que o governador tinha em mente.
Finalmente, Velásquez percebeu que o primeiro homem a alcançar o México teria uma terra virgem para saquear, e que ele havia justamente entregue essa oportunidade a um rival pouco confiável. No último minuto, ele tentou retirar a permissão para a expedição, mas o cunhado de Cortês fez com que o emissário do governador se perdesse e o matou, o que deu a Cortês a oportunidade de escapar. No momento, tecnicamente amotinado contra a autoridade legal, Cortês não tinha lugar para ir, a não ser seguir adiante.
Logo depois de desembarcar no México, na península do Yucatã, os espanhóis encontraram um compatriota extraviado, de uma fracassada expedição anterior, e que conhecia a região, bem como a língua maia local. Esse homem levou Cortês para o norte, na direção do Império Asteca. Conforme navegavam acompanhando o litoral, uma aldeia nativa recebeu Cortês de bom grado, e lhe deu diversas mulheres para que ele fizesse com elas o que quisesse, uma das quais, Malinche, mostrou-se extremamente útil. Ela falava tanto maia quanto nahuatl, a língua dos astecas, e depois aprendeu espanhol. O mais importante é que, depois de ter sido vendida para ser escrava por seu padrasto e passado por diversas mãos, ela não foi especialmente leal para com seu povo. Todos os relatos a descrevem como linda e inteligente, participando ao lado de Cortês, em todas as reuniões, sussurrando conselhos no ouvido do comandante. Por fim, ela teve um filho de Cortês e desapareceu da história.
Desembarcando finalmente em Vera Cruz, os espanhóis seguiram a pé. Durante a marcha para o interior, Cortês e seus quinhentos soldados derrotaram os exércitos reunidos dos tlaxcalas, inimigos mortais dos astecas. Aterrorizados pela demonstração de força dos espanhóis, aquela tribo rapidamente mudou-se para o lado vencedor, e aceitou Cortês como seu aliado. Em outubro de 1519, Cortês reencetou a marcha, agora reforçado com 3 mil nativos. Ele atacou a cidade sagrada asteca de Cholula, matando 3 mil habitantes e incendiando-a.
Por fim, Cortês entrou com seu exército por uma larga avenida na capital asteca de Tenochtitlán, uma magnificente cidade de pirâmides, lagos com peixes e jardins, ao longo de canais interligados. A cidade se erguia em ilhas no centro de um lago. Viam-se por toda parte braceletes, quinquilharias e ornamentos de ouro. Embora ninguém realmente saiba quantas pessoas viviam ali, todos os historiadores concordam que Tenochtitlán era maior que qualquer cidade europeia da época, exceto Constantinopla.13
Na primeira reunião, o imperador asteca, Montezuma, convidou Cortês para ficar hospedado no seu palácio, como convidado de honra, mas no decorrer das semanas seguintes Cortês começou a restringir e controlar os movimentos do imperador, transformando-o num títere aprisionado. Depois chegaram notícias de que outra força espanhola desembarcara no litoral, com ordem de Velásquez para colocar Cortês sob seu comando. Cortês voltou rapidamente e derrotou os recém-chegados numa batalha, mas suas histórias de uma grande cidade de ouro convenceram os sobreviventes a se juntarem a ele.
Nesse ínterim, a guarnição que Cortês deixara em Tenochtitlán interrompera um festival religioso, ou para assassinar, ou para roubar os ricos astecas, conforme a história contada pelos nativos, ou para evitar sacrifícios humanos, conforme a história contada pelos espanhóis. Quando voltou, Cortês encontrou os astecas em estado de rebelião e seus compatriotas sitiados e morrendo de inanição no palácio. Cortês colocou Montezuma num balcão e apelou para a calma, mas o imperador foi alvejado com pedras e morto. Então Cortês se viu escorraçado da cidade, batalhando para fugir. A maior parte dos espanhóis foi capturada e sacrificada durante a retirada. Seus gritos, ao terem o corpo aberto pelos sacerdotes, podiam ser ouvidos à noite por seus companheiros que fugiam.14
Enquanto os remanescentes espanhóis se recuperavam entre os tlaxcalas, um aliado invisível destruiu os astecas para eles. A varíola é uma das doenças do Velho Mundo que deixa os sobreviventes com cicatrizes, mas que os torna imunes a infecções posteriores. Por gerações, os europeus vinham herdando desses sobreviventes a resistência contra a doença, e por volta do século XVI a varíola era uma doença infantil na Europa. Adultos raramente morriam por sua causa, a menos que pertencessem a uma população que nunca fora exposta a ela anteriormente. Bem, a varíola e outras doenças infecciosas, como o sarampo, a gripe, a tuberculose, por exemplo, estavam varrendo do mapa populações suscetíveis do hemisfério ocidental. A epidemia que atingiu os astecas matou o novo rei e milhares de pessoas.
Os espanhóis construíram uma frota de barcos portáteis e voltaram a Tenochtitlán com 80 mil tlaxcalanos aliados. A força de Cortês atacou, então, através dos lagos e canais de Tenochtitlán contra uma defesa determinada, casa a casa. Cortês foi abrindo caminho, derrotando todas as resistências, desmantelando a cidade conforme progredia. Cerca de 200 mil astecas morreram na luta para salvar sua cidade. Quando terminou a batalha, os canais estavam entupidos de cadáveres, e Cortês extinguira uma importante civilização mundial, mas estava mais rico do que jamais poderia imaginar.
O Peru
O Império Inca, que se estendia ao longo da espinha dorsal montanhosa da América do Sul, era a entidade política nativa mais adiantada das Américas. Tendo mais quilômetros de comprimento do que os Estados Unidos em largura, o Peru incaico era uma terra de lhamas e alpacas, fortalezas de pedra e fazendas em terraços construídos gradualmente nas encostas das montanhas. Durante suas primeiras décadas no Novo Mundo, os espanhóis nem mesmo sabiam de sua existência, até que Francisco Pizarro, um ex-auxiliar de Balboa, analfabeto, partiu de navio do Panamá para o sul, a fim de explorar o litoral do oceano Pacífico, na América do Sul. Encontrando um barco de comércio nativo, ele arregimentou uns poucos indígenas para servir como guias e tradutores. Logo depois entrou no porto peruano de Tumbes e foi recebido amistosamente. Soube então do vasto Império Inca, que se estendia para cima e para baixo, ao longo da costa, mas, o que é mais importante, Pizarro percebeu como esses povos eram ricos e vulneráveis.
Depois de uma agradável visita, os europeus se despediram de seus anfitriões nativos, e a corrida começou. O governador da cidade enviou mensageiros ao rei inca levando notícias dos estrangeiros, enquanto Pizarro voltava à Espanha com seu relato.
O rei da Espanha deu a Pizarro permissão para conquistar os incas, e, em 1531, ele refez o itinerário anterior. Dessa vez, entretanto, Pizarro descobriu que os tumbes haviam sido saqueados e massacrados. Ao marcharem na direção do interior, sem oposição, os espanhóis perceberam que nas aldeias no seu caminho não havia homens.
A varíola chegara antes dos espanhóis. Mais ou menos na época da primeira visita de Pizarro, a varíola estava se espalhando pelo interior, matando o rei inca e seu herdeiro presuntivo. Os dois filhos sobreviventes haviam passado grande parte daqueles anos de ausência dos espanhóis lutando pelo controle do império e recrutando todo homem fisicamente capaz que podiam capturar. O vencedor, Atahualpa, esperava que os espanhóis chegassem a qualquer momento, mas ele os considerava menos perigosos do que os membros de sua própria família.
Francisco Pizarro e duzentos espanhóis conquistaram a cidade deserta de Cajamarca. Combinaram um encontro com Atahualpa, que chegou à praça principal com 80 mil soldados, num enorme esplendor, marchando com tambores, penachos, lanças e machados de pedra.
Entretanto os nativos encontraram a praça misteriosamente vazia. Um frade dominicano se aproximou para negociar, oferecendo a Atahualpa uma escolha: converter-se ao cristianismo ou ser atacado. Essa era a oferta legal padrão que precedia todas as guerras contra os pagãos. Os cristãos eram proibidos de lutar contra outros cristãos sem uma boa razão ou, pelo menos, uma desculpa plausível, mas os pagãos, a qualquer tempo, eram uma presa fácil, de modo que a regra era simples: confirmar o paganismo deles e depois atacar.
Quando Atahualpa não levou a sério essa ameaça, partida de duzentos estrangeiros sujos, os espanhóis, escondidos, varreram a praça com o fogo de suas armas, e atacaram os incas amontoados com cavalos e sabres, matando 8 mil nativos sem praticamente sofrer nenhuma baixa. Pizarro aprisionou Atahualpa pessoalmente e arrancou-o de sua liteira, levando-o para o cativeiro. Forçado a comprar sua liberdade, Atahualpa concordou em encher uma sala com ouro e prata, como resgate. Preciosas peças artísticas, reunidas pelo império durante séculos, foram entregues aos espanhóis, que as derreteram e as quebraram a golpes de martelo para ficarem mais fáceis de transportar.
Mesmo depois de pago o resgate, os espanhóis mantiveram o imperador preso. Este percebeu que era descartável, desde que outros governantes em potencial continuassem livres e vivos, de modo que enviou ordens para eliminar a família imperial, por todo o império. Seu irmão e rival, Huascar, estava entre os que foram mortos. Esse ato não apenas de nada adiantou, mas também deu a Pizarro uma desculpa para se livrar de Atahualpa. O rei inca foi sentenciado a ser queimado vivo, mas disseram-lhe que, se se convertesse ao cristianismo, receberia uma pena mais leve. Atahualpa concordou, de modo que, em vez de levá-lo à fogueira, os espanhóis o estrangularam.15
Cidades de ouro e montanhas de prata
Foram necessários muitos anos de dura luta para os espanhóis assumirem o controle de todo o Peru. Um príncipe rebelde dos incas se refugiou na fortaleza montanhosa de Machu Picchu e os espanhóis tiveram de conquistar seu território passo a passo. Nesse ínterim, um fluxo constante de novos conquistadores chegou para participar da ação. Antes mesmo do Peru ser pacificado, os conquistadores começaram a brigar entre si, mas, com o tempo, a Espanha passou a controlar toda a região.
Depois, em 1549, os espanhóis descobriram uma montanha de minério de prata em Potosi, hoje no sul da Bolívia. Ao longo das gerações que se seguiram, os trabalhadores indígenas foram sistematicamente recrutados nas áreas vizinhas para cavar a montanha, até que caíssem exaustos. Os acidentes nas minas matavam dezenas de cada vez, enquanto os vapores de mercúrio destruíam o sistema nervoso de outros mineiros. Os trabalhadores morreram às dezenas de milhares, mas a prata de Potosi financiou as ambições da Espanha por todo o século seguinte.16
Um dos aventureiros espanhóis que passaram por Potosi, um nobre de pouca categoria e soldado da fortuna chamado Lope de Aguirre, foi preso em 1551 e considerado culpado de abusar dos indígenas. Considerando que a brutalidade comum em Potosi já matava os indígenas às pencas, você pode imaginar a que ponto deveria chegar a maldade de uma pessoa para ser processada. Quando o juiz Francisco de Esquivel condenou-o a ser açoitado, a despeito de sua posição social, Aguirre jurou vingança. Durante três anos, perseguiu Esquivel, sem lhe dar tréguas, indo atrás dele em Lima, Quito e finalmente em Cuzco. Esquivel chegara ao ponto de usar permanentemente uma cota de malha no caso de Aguirre encontrá-lo. Isso não o ajudou. Em Cuzco, Aguirre o encontrou, esgueirou-se para dentro da mansão do vice-rei, fortemente guardada, e matou o juiz com um ferimento na cabeça.
A habilidade militar de Aguirre logo se tornou necessária para sufocar uma rebelião de espanhóis revoltados, de modo que a Coroa o perdoou pelo assassinato do governador. Em 1559, ele se juntou a uma expedição militar espanhola que partiu dos Andes, no Peru, para enfrentar a proibitiva e pestilenta selva amazônica, e levou Elvira, sua filha adolescente, consigo. Corriam boatos da existência do El Dorado, um reino de ouro localizado em alguma parte da região selvagem, inexplorada. Embora Aguirre tivesse iniciado lá embaixo na cadeia de comando uma série de disputas internas, esfaqueamentos, execuções e acidentes misteriosos, o deixaram como comandante da expedição. Os espanhóis remanescentes abriam caminho à força de machetes e mosquetes, enfrentando as tribos ao longo do rio Amazonas, por milhares de quilômetros, sem encontrar a terra dourada que lhes fora prometida.
Depois de derrubar a última macega e os últimos indígenas, Aguirre reemergiu em território espanhol do outro lado da América do Sul, e quase imediatamente apoderou-se da ilha Margarita, no litoral caribenho, defendida por uma guarnição espanhola. Enquanto tentava fundar um império independente naquela ilha, ele foi descobrindo conspirações e complôs por toda parte, e terminou matando quase todos os membros de sua equipe. Quando tentou expandir suas operações para o Panamá, as autoridades entraram em cena e acabaram com ele. Quando as forças espanholas chegaram, o último ato de Aguirre foi matar sua própria filha, para que ninguém pudesse possuí-la. As autoridades cortaram o corpo de Aguirre em quatro partes e as distribuíram por toda a América espanhola, como aviso.
A América do Norte
Na época em que os ingleses, franceses e holandeses começaram a estabelecer colônias na América do Norte, o pior já passara para os principais centros da civilização nativa. No grande plano das coisas, os séculos de contínuas guerras entre os índios norte-americanos e os anglo-americanos foram de menor importância se comparados com a devastação infligida às terras da Mesoamérica, dos Andes e do Caribe, todas densamente povoadas. Seja como for, os Estados Unidos são a potência hegemônica mundial na atualidade, e a erradicação dos nativos americanos é geralmente considerada o maior pecado nacional do nosso país, de modo que as pessoas discutem mais sobre o massacre de Wounded Knee [Joelho Ferido] do que sobre Atahualpa.
Uma rápida passagem dos 16 mais letais acontecimentos da fronteira anglo-americana nos dá uma ideia de quem fez o que a quem:
22 de março de 1622: Os índios powhatanas mataram 347 colonos ingleses – homens, mulheres e crianças – um terço da população da colônia da Virgínia, com ataques coordenados subindo e descendo o rio James.
1623: Depois de negociar um tratado de paz com a rebelde tribo dos chiskiacks, no rio Potomac, os ingleses levaram vinho para brindar o fim das hostilidades. A bebida estava envenenada e duzentos líderes indígenas caíram mortos. Os ingleses massacraram os sobreviventes.17
26 de maio de 1637: A milícia de Connecticut cercou o vilarejo dos índios pequotes, no rio Mystic, incendiando as casas com os habitantes presos lá dentro. Em torno de seiscentos indígenas, a maior parte mulheres e crianças, morreram entre as chamas, ou foram abatidos a tiros quando tentavam escapar.18
1675-76, a guerra do rei Filipe: No padrão usual de guerra na fronteira, uma morte levava a outras três, o que levava a uma incursão em grande escala, até que todo mundo estivesse matando alguém. Aldeias inteiras foram arrasadas, e os cativos esfolados, escalpelados, queimados e esquartejados, por ambos os lados. Três mil indígenas e seiscentos colonos foram mortos, e a cabeça de Metacom, o líder dos wampanoages, conhecido pelos colonos como rei Filipe, ficou espetada num poste na cidade de Plymouth durante muitos anos mais tarde.19
8 de agosto de 1757: Depois de se ver cercado por uma força avassaladora, a guarnição anglo-americana do forte William Henry, no estado de Nova York, concordou em entregar a fortaleza e as armas aos franceses, em troca de salvo-conduto para suas casas. Os indígenas abenakis, aliados dos franceses, não gostaram dos termos da rendição, de modo que atacaram a coluna de ingleses desarmados em campo aberto, matando uns duzentos dos alvos mais fáceis: mulheres, crianças, doentes, feridos etc.
Julho de 1778: Uma sortida por parte dos legalistas e iroqueses no vale Wyoming, Pensilvânia, matou 360 colonos.20
4 de novembro de 1791: Os índios miamis e wabashes, sob o comando de Little Turtle [Tartaruga Pequena], atacaram uma coluna chefiada por Arthur St. Clair, no território do noroeste, matando 623 soldados americanos e duas dezenas de civis que acompanhavam os militares.21
30 de agosto de 1813: Índios da tribo creek, da facção de Red Stick [Graveto Vermelho], capturaram o forte Mims, no Alabama, e massacraram os quinhentos apavorados colonos brancos e os outros indígenas da mesma tribo, mas da facção rival White Stick [Graveto Branco], não combatentes, que haviam se refugiado no local.22
27 de março de 1814: Soldados do general Andrew Jackson mataram mais de quinhentos guerreiros creeks na Batalha de Horseshoe Bend [Curva da Ferradura], no Alabama.23
1837-38, Trilha das Lágrimas: O presidente Andrew Jackson expulsou todos os indígenas que ainda viviam a leste do rio Mississippi, e escorraçou-os para as novas terras do Oeste americano. Como viviam recentemente em paz com os americanos e eram ainda numerosos e bem-sucedidos, os índios cherokees tinham muito mais a perder e foram especialmente atingidos por essa limpeza étnica. Cerca de 18 mil indígenas daquela nação foram expulsos de suas terras dentro e em torno da Geórgia, e pelo menos 4 mil, possivelmente 8 mil, morreram de frio, fome, exaustão ou doença, antes de chegarem a Oklahoma.24
18 de agosto de 1862: Índios da tribo santee sioux atacaram pequenas fazendas ao longo da fronteira de Minnesota, matando e mutilando quatrocentos colonos nas primeiras sortidas. Ao todo, cerca de oitocentos colonos morreram conforme as lutas continuaram no mês seguinte. Como punição, 38 índios foram enforcados na maior execução em massa da história americana.25
29 de janeiro de 1863: A milícia da Califórnia matou cerca de 250 habitantes de uma aldeia shoshoni, inclusive 90 mulheres e crianças, no rio Bear, em Idaho.
29 de novembro de 1864: A milícia do Colorado atacou, subitamente e ao nascer do sol, uma aldeia pacífica em Sand Creek, massacrando 163 cheyennes.26
23 de janeiro de 1870: O exército dos Estados Unidos atacou uma aldeia de índios piegans blackfeets, em Montana, matando 173, inclusive noventa mulheres e cinquenta crianças.27
25 de junho de 1876, Batalha de Little Bighorn [Pequeno Chifre Grande]: Quando atacava um grande acampamento indígena, o Sétimo Regimento de Cavalaria do general Custer foi repelido, encurralado e massacrado por sioux e cheyennes. Foram mortos 267 soldados americanos.
29 de dezembro de 1890, Batalha de Wounded Knee [Joelho Ferido]: Um bando de refugiados miniconjous sioux, a maioria mulheres e crianças, rendera-se ao exército dos Estados Unidos. Enquanto os prisioneiros eram desarmados, foram disparados tiros. Surgiu uma confusão, e todo mundo com uma arma começou a disparar, incluindo a guarnição da metralhadora que vigiava os refugiados. Quando a fumaça dissipou, 128, pela contagem oficial, ou trezentos, pela contagem não oficial, índios sioux e 25 soldados americanos estavam mortos. Foi o último grande evento das Guerras Indígenas.28
Para aqueles entre vocês que gostam de contar, isso resulta em:
Massacre ou limpeza étnica por parte de brancos contra índios: 7
Massacre ou limpeza étnica por parte de índios contra brancos: 4
Guerra ou batalha em que os índios derrotaram totalmente os brancos: 3
Guerra ou batalha em que os brancos derrotaram totalmente os índios: 2
Isso indica que atrocidades evidentes suplantaram em número a guerra honesta na proporção de cerca de dois para um, e estou usando uma definição bem ampla de guerra honesta, que inclui não fazer prisioneiros. Embora as Guerras Indígenas na América do Norte sejam muito complicadas para serem explicadas num relato resumido, o ponto decisivo foi 1815. Antes desse ano, os indígenas desempenhavam seu papel em conflitos geopolíticos maiores, entre os franceses, ingleses, espanhóis e americanos. Isso dava às tribos, individualmente, poderosos aliados, protetores e patrocinadores. Entretanto, depois de 1815, todas as nações brancas já haviam resolvido suas diferenças, e os indígenas ficaram sozinhos contra o avanço dos americanos.
Amazônia
A floresta tropical da Amazônia ficou sendo o último refúgio de indígenas não assimilados, mas essas tribos foram grandemente eliminadas no século XX. Das 230 tribos originais sobreviventes no Brasil em 1900, 87 estavam extintas em 1957. Durante o mesmo período, a população indígena do Brasil desabou de 1 milhão para 200 mil.29 A história de cada tribo foi geralmente a mesma. Algum recurso vital, como ouro, petróleo, borracha, potencial hidrelétrico, era descoberto na selva, e a civilização avançava, esmagando os habitantes do local, a fim de explorá-lo. A floresta era domada e devastada, junto com qualquer vida animal ou indígena que se interpusesse no caminho.
Muitos dos indígenas desapareceram sem deixar qualquer vestígio, mas alguns genocídios aconteceram há bastante pouco tempo para ficar bem documentados. Os indígenas aches, do Paraguai, foram vítimas de repetidos massacres, estupros e roubos, quando uma nova estrada foi aberta no seu território em 1968. Os ianomâmis, na fronteira do Brasil com a Venezuela, foram varridos de sua terra pelos mineradores de ouro na década de 1980, e devastados por doenças, estupros, tiroteios e dejetos químicos resultantes do garimpo, que envenenou os cursos d’água.
A tirania da doença
As crueldades praticadas pelos europeus foram responsáveis apenas por uma fração das mortes de indígenas durante a conquista das Américas. A doença fez o resto. Durante séculos, as grandes e entrelaçadas populações da Eurásia e da África vieram trocando doenças umas com as outras através da rotas de comércio, dando às raças do Velho Mundo níveis elevados de resistência. Geração após geração foram selecionando por vias naturais aqueles que podiam sobreviver à varíola, ao sarampo e à gripe. Os indígenas das Américas, no entanto, eram biologicamente ingênuos e totalmente suscetíveis. Aldeias inteiras morriam por causa dessas doenças logo depois do primeiro contato.
Devemos condenar os europeus por essas mortes por doença? É uma questão moral delicada, e naturalmente você vai encontrar defensores ferrenhos nos dois extremos.
De um lado, você encontrará o argumento de que a maioria dos indígenas morreu de doença, e doença não é genocídio. Ponto final. A defesa descansa.
Stephen Katz: “Quando ocorriam mortes em massa entre os indígenas das Américas… a causa era, quase sem exceção, causada por micróbios, não pelas milícias armadas… isto é, esse extermínio da população acontecia involuntariamente e não por desejo de alguém, indo mesmo em direta oposição à vontade expressa e ao autointeresse dos construtores de império ou colonos.”30
De fato, as primeiras gerações viam a terra como que sendo limpa pela mão de Deus, para abrir caminho para os recém-chegados. Trágico, sim, mas eram os germes, e não os homens, que matavam os indígenas. Sob esse ponto de vista, a resistência dos europeus às doenças era uma manifestação de uma superioridade inata.
Governador Winthrop, da colônia de Massachusetts: “Portanto Deus nos deu o domínio deste lugar.”31
Por outro lado, alguns escritores culpam os europeus inteiramente pelas doenças que chegaram com eles. Acusam os conquistadores e colonos de não serem limpos física, espiritual e moralmente. Assim, as doenças que eles trouxeram pareciam quase como um sintoma de uma cultura inteiramente doentia.
David Stannard: “Valas na beira das ruas, cheias de água estagnada, serviam como latrinas públicas nas cidades [espanholas] do século XV… Juntamente com o fedor e a aparência repulsiva dos cadáveres mostrados abertamente, tanto de humanos quanto de animais, um visitante moderno a uma cidade europeia daquela época ficaria enojado com a aparência e os maus odores desprendidos também pelos vivos. A maioria das pessoas nunca tomava banho, nem uma vez em toda a sua vida. Quase todo mundo entrava em contato com a varíola e outras doenças causadoras de deformidades, que deixavam os sobreviventes cegos, marcados por bexigas ou aleijados.”32
A maior parte dos escritores aceita de má vontade o fato de não poderem realmente culpar os europeus por serem imunes às doenças que matavam os nativos, mas isso não é muito justo, não é?
James Loewen: “Só podemos especular que resultado poderia ter sido se o impacto das doenças europeias na população das Américas não houvesse sido tão devastador… Afinal de contas, os indígenas americanos haviam expulsado Samuel de Champlain quando ele tentara estabelecer uma colônia em Massachusetts, em 1606. No ano seguinte, os índios abenakisam havia ajudado a expulsar do Maine a primeira colônia da Plymouth Company.”33
Jared Diamond: “As doenças infecciosas desempenharam um papel decisivo nas conquistas europeias… dizimando muita gente em outros continentes. Por exemplo, uma epidemia de varíola devastou os astecas depois do fracasso do primeiro ataque espanhol, em 1520, e matou Cuitl[a]huac, o imperador asteca que acabara de suceder a Montezuma… As sociedades mais populosas e altamente organizadas da América do Norte, as nações indígenas do Mississippi, desapareceram dessa forma entre 1492 e o final do século XVII, até mesmo antes de os primeiros europeus terem estabelecido sua primeira colônia no rio Mississippi.”34
Sob muitos aspectos, não interessa o que matou os indígenas porque, de qualquer forma, geralmente adicionamos mortes por doença e fome ao custo total das guerras e atividades de repressão. Anne Frank morreu de tifo, não de gás venenoso, mas ela ainda é contada como uma vítima do Holocausto. O mesmo padrão se aplica ao colapso da população ameríndia, desde que as mortes tenham ocorrido depois que sua sociedade foi perturbada pela direta hostilidade dos europeus. Se uma tribo foi escravizada ou expulsa de suas terras, o consequente aumento de mortes por doença seria definitivamente contado como resultante de atrocidades; entretanto, se alguém simplesmente espirrou sobre uma tribo no primeiro contato, as consequências disso não devem contar.
Consideremos os powhatans, da Virgínia. No livro American Holocaust [O holocausto americano], David Stannard alega que a população daquela região era de 100 mil antes do contato, mas “as depredações e doenças” dos europeus reduziram aquele montante para uns meros 14 mil na época em que os ingleses fundaram Jamestown, em 1607.35 Bem, vamos ser justos. Devemos culpar os ingleses por 86 mil mortes que ocorreram antes de eles chegarem? Stannard menciona depredações ocorridas antes da fundação de Jamestown, mas, até onde podemos saber, o punhado de colônias europeias na região da Virgínia antes de 1607 era pequeno demais para causar muito dano. Até a fundação da cidade, os europeus geralmente levaram a pior. Por exemplo, uma pequena missão espanhola foi exterminada por nativos em 1571, e a colônia inglesa de Roanoke desapareceu misteriosamente por volta de 1589.
Se os europeus houvessem chegado com as mais benignas das intenções, e houvessem se comportado como perfeitos convidados, ou se os marinheiros caribenhos houvessem descoberto a Europa, em vez de ser o oposto, os indígenas ainda assim teriam sido expostos a doenças não familiares e a população ainda teria sido dizimada por grandes epidemias. Nesse caso, a sociedade colocaria isso na mesma categoria da Peste Negra: má sorte.b
Dito isso, o simples fato de que a doença foi o agente primordial das mortes não absolve os europeus. Seja o que for que reduziu os powhatans a um número residual de 14 mil, em 1607, para cerca de zero, conta definitivamente porque, por essa época, a hostilidade e a apropriação de terras por parte dos ingleses já se faziam sentir. Na maioria das atrocidades listadas neste livro, a fome e a doença fizeram o trabalho mais sujo, mas ainda as conto como atrocidades. Se eu fosse limitar a contagem ao número de mortes por violência direta, o Holocausto teria matado menos de 3 milhões de judeus, e as perdas consequentes da Guerra Civil Americana não teriam sido bastante grandes para o conflito figurar na lista.36
Quantos morreram?
Em 1542, Las Casas estimou que os espanhóis haviam matado mais de 12 milhões de nativos nas Américas, e provavelmente cerca de 15 milhões nos primeiros cinquenta anos do contato. A despeito de cinco séculos de pesquisas adicionais, essa ainda é uma estimativa tão boa quanto as que se seguiram.
Outros poucos pesquisadores têm tentado fornecer números melhores. No seu American Holocaust, Stannard calcula que o custo total do quase extermínio completo dos indígenas americanos tenha sido de 100 milhões de mortos. Em Statistics of Democide [Estatística de democídio], Rudolph J. Rummel sugere uma amplitude de 9.723 mil a 24.838 mil democídios infligidos aos nativos americanos antes de 1900, inclusive 2 a 15 milhões durante a era colonial.37
Geralmente, para minha contagem, eu prefiro a mediana de todas as estimativas disponíveis. Calculo que, se reunir todos os nossos especialistas e depois começar a eliminar os extremos, usando o cálculo mais alto para cancelar o mais baixo, o segundo mais alto para cancelar o segundo mais baixo, chegando por fim ao centro, eu teria um número que é mais defensável do que o que se posiciona sozinho no limite mais alto ou mais baixo. O problema aqui é que só há três estimativas razoavelmente confiáveis, todas elas diferindo enormemente uma das outras. Usando o mesmo método que usei às vezes para as estimativas da China medieval, posso decidir ficar com a média geométrica, isto é, 14 milhões, do mínimo absoluto de Rummel, isto é, 2 milhões, e o máximo absoluto de Stannard, isto é, 100 milhões.
Será que não podemos fazer melhor do que isso?
O ponto crucial do problema é que ninguém tem a mais ligeira ideia de quantos nativos americanos havia antes que os europeus chegassem, e começassem tanto a contá-los como a matá-los. Segundo o The New York Public Library American History Desk Reference [Guia de referência rápida da história americana, da Biblioteca Pública de Nova York]: “Estimativas da população de nativos americanos nas Américas, todas elas completamente não científicas, vão de 15 a 60 milhões.”38 Até mesmo essa avaliação cínica está errada. As estimativas vão de 8 a 145 milhões.39 A maioria dos escritores escolhe a estimativa que melhor respalde seja que tese for que estejam apresentando. O número de indígenas é diretamente proporcional a quão destrutivos eles querem que os europeus sejam.
Sem muita precisão, um cálculo em torno de 40 milhões de habitantes originais parece ser a escolha mais popular entre as autoridades que não estão querendo alardear sabedoria.40
Então, como cheguei aos 15 milhões que abrem este capítulo? Parti da premissa de que o Novo Mundo começou com 40 milhões de pessoas, mas, depois que os europeus chegaram, a população americana despencou e atingiu seu ponto mais baixo em torno de 5 milhões.
O próximo passo é determinar quantas dessas 35 milhões de mortes devem ser atribuídas a matanças com autoria definida, resultantes de violência e opressão, tanto diretas, como guerra, assassinato, execução, quanto indiretas, como fome, agravamento de doenças. É óbvio que algumas foram e outras não foram resultantes desses fatores. Não podemos fazer a contagem das mortes com qualquer grau de certeza, mas, não importa quão imprecisos sejam meus números, não posso deixar de considerar os genocídios com autoria conhecida num nível muito mais baixo do que 10 milhões e não muito mais alto do que 20 milhões. Eu dividi a diferença.41
a A palavra-chave é geralmente. Esta não é uma lista de quem merece levar a maior culpa. Custer é o mais conhecido assassino de índios da história americana, mas dificilmente podemos considerá-lo o pior. Ele veio exemplificar o lado americano das Guerras Indígenas, mas seu pecado imperdoável não foi eliminar uma ou outra aldeia indígena aqui ou ali, mas sim ser derrotado. Andrew Jackson matou mais índios, mas venceu todas as suas batalhas, de modo que seu retrato está na nota de 20 dólares.
b Será que os europeus espalharam a varíola entre os indígenas deliberadamente? A maioria dos boatos sobre isso apareceu muito tempo depois dos supostos acontecimentos. A única documentação real de tal coisa é uma troca de cartas entre autoridades britânicas em 1761, explorando a possibilidade de dar às tribos inimigas cobertores de pacientes com varíola. Não ficou registrado se esse plano foi realmente posto em prática. Uma epidemia de varíola certamente atingiu os índios-alvo logo depois, mas o simples fato de que havia pacientes com a doença no hospital mostra que a varíola já existia por lá, espalhando-se pelo contato humano tradicional.