GUERRAS RELIGIOSAS FRANCESAS

Número de mortos: 3 milhões1

Posição na lista: 30

Tipo: conflito religioso

Linha divisória ampla: católicos versus protestantes

Época: 1562-98

Localização e principal Estado participante: França

Principais não Estados participantes: Liga Huguenote, Liga Católica Número de Henriques: 4

Quem geralmente leva a maior culpa: católicos, huguenotes, Catarina de Médici

A reforma

O final da Idade Média fora bom para a Igreja Católica, que se tornara uma corporação transnacional que podia encarar de frente os monarcas seculares e fazer com que piscassem. Além de incitar cruzadas, Roma podia impor impostos, forçar imperadores arrogantes a se ajoelharem em penitência na neve e enviar inquisidores para aterrorizar os habitantes locais. Ela tinha exércitos de monges combatentes, como os Templários, os Hospitalários e os Cavaleiros Teutônicos. Nobres cheios de culpa haviam subornado Deus com doações de terras, dinheiro vivo, obras de arte e fundos para a construção, tudo livre de impostos. Os detalhes não me interessam aqui. O que você precisa saber é que, por volta de 1500, o papado estava no topo do mundo.

Com o enorme fluxo de riqueza e poder, a Igreja Católica se tornara monumentalmente corrupta, mas sempre conseguia derrubar movimentos reformistas antes que saíssem do controle. O reformador tcheco Ian Hus foi capturado e queimado vivo em praça pública em 1415. Embora o reformador inglês John Wyclife tenha morrido de causa natural em 1384, antes que a Igreja pusesse suas garras nele, ela fez com que seu cadáver fosse exumado e queimado alguns anos depois da morte, para mostrar sua desaprovação. Finalmente, um reformador, Martinho Lutero, sobreviveu ao ódio da Igreja, e a Reforma foi desencadeada em 1520.

Com a porta escancarada, as pessoas por todo o noroeste da Europa abandonaram a Igreja Católica. Muitos monarcas tiraram seus países da esfera católica e fundaram novas igrejas nacionais, adequadas às necessidades locais; entretanto, as nações mais antigas, mais poderosas, especialmente a França e a Espanha, havia muito tempo forçaram a Igreja Católica a compartilhar sua riqueza e poder com o Estado. Agora, como parceiros com grande influência na Igreja, esses monarcas não viam razão para deixar que a Reforma minasse seu poder. Nesses países, os dissidentes precisavam se reunir em segredo, se quisessem praticar as novas variedades do cristianismo.

Entre os novos reformadores que pregavam abertamente por toda a Europa estava João Calvino, um francês que fora rapidamente escorraçado de seu país, indo encontrar um abrigo seguro em Genebra. Enquanto que o luteranismo era o catolicismo depois que os auditores o haviam limpado, simplificado e adaptado às necessidades locais, o calvinismo era o luteranismo enquadrado: austero, populista e descentralizado. Chamados de huguenotes na França e de puritanos na Inglaterra, os calvinistas acreditavam na absoluta pecaminosidade do homem, que só podia ser redimido pela graça de Deus. Denunciavam a frivolidade e a corrupção do mundo humano, e encorajavam os devotos a viver em estrita e ostensiva santidade, sem concessões.

Onde o calvinismo plantava suas raízes, irrompia a guerra civil.

A França à beira do abismo

Nessa época, as relações internacionais na Europa ocidental eram simples: todo mundo odiava seu vizinho. A Espanha se opunha à França, que se opunha à Inglaterra, que se opunha à Escócia. Isso fazia com que os países alternassem seus aliados, cujos monarcas casavam ocasionalmente uns com os outros. O rei Filipe II, da Espanha, era casado com a rainha Mary Tudor, da Inglaterra, enquanto o príncipe Francisco, da França, que logo se tornaria rei, era casado com Mary, rainha da Escócia. Todos esses monarcas eram católicos, embora a população da Grã-Bretanha fosse constituída principalmente de protestantes.

Essa inusitada convergência de rainhas governantes, especialmente rainhas católicas em países que Deus queria que fossem protestantes, enfureceu o evangelista escocês John Knox, que publicou The First Blast of the Trumpet against the Monstrous Regiment of Women [O primeiro brado da trombeta contra o monstruoso regime das mulheres], em 1558. A França estava prestes a se ligar aos dissidentes.

O rei francês na época, Henrique II, odiava a “escória luterana”. Coroado em 1547, com a idade de 28 anos, ele tinha a força e a vontade política para manter na linha sua minoria no Parlamento. Com um rei jovem e sadio, pai de quatro filhos e três filhas, o futuro da dinastia de Henrique Valois parecia seguro, mas então o rei teve a órbita ocular perfurada num torneio de armas em 1559. Depois de penar em agonia por diversos dias, o rei Henrique morreu, deixando a França nas mãos de seu filho Francisco, de 15 anos de idade.a

A primeira guerra

Como tantos outros monarcas, o rei Francisco II dependia da família de sua esposa para ajudá-lo a se manter no poder. Sua rainha, Mary Stuart, da Escócia, era ligada pelo lado da mãe à família Guise, de poderosos católicos franceses.

Em 1560, os protestantes franceses conceberam um plano para matar tantos Guise quanto fosse possível, e sequestrar o rei, a fim de forçá-lo a expulsar os membros restantes da família. Os huguenotes estavam tão orgulhosos de seu plano que contaram a todo mundo o que iam fazer. Quando o golpe foi deslanchado, os Guise estavam preparados. Os conspiradores foram repelidos e depois caçados, enforcados e esquartejados, às vezes depois de julgados. O rei e sua corte assistiram à decapitação de 52 revoltosos no pátio do castelo.2

Homem sempre doentio, Francisco morreu em dezembro de 1560, depois de um ano no trono. Seu irmão de 10 anos de idade, o quieto, melancólico Carlos IX, subiu ao trono, mas Catarina de Médici, sua mãe e esposa antes obediente do rei Henrique, ficou exercendo o poder real, como regente. Catarina era filha de Lourenço de Médici, o frio e ardiloso governante de Florença, na Renascença, a quem Maquiavel dedicara seu livro O príncipe, mas ela não aprendeu nada com seu mestre. Durante as décadas em que dominou a política, Catarina elaborou uma série de planos inábeis e acordos fracos que, constantemente, foram tornando a situação cada vez pior. No lado positivo, Catarina estabeleceu tendências, introduzindo, em uma nação relativamente antiquada, novidades italianas, como o garfo, o rapé, o brócolis, o silhão, os lenços de mão e as gavetas para roupas de senhoras.

A fim de obter apoio entre as proeminentes famílias protestantes, especialmente entre os Bourbon, e contrabalançar o crescente poder da família Guise, Catarina legalizou o culto protestante, o que aborreceu a maioria católica do país, mas manteve os protestantes em rédeas curtas, o que aborreceu a minoria deles.

As guerras começaram quando um outro Francisco, o duque de Guise, atravessava a cidade de Vassy, e parou na igreja local para assistir à missa. Os protestantes estavam orando e cantando num celeiro próximo, que lhes servia de templo, porque a Coroa proibia os protestantes de construírem igrejas verdadeiras. Surgiu uma escaramuça entre os paroquianos rivais, atraindo o séquito do duque. A luta cresceu de proporção, e finalmente os católicos terminaram incendiando o celeiro dos protestantes e matando quantos puderam alcançar.

Em pouco tempo os franceses de ambas as religiões estavam fortificando suas cidades e trazendo apressadamente milícias para suas regiões. Os exércitos sectários lutaram em diversas batalhas encarniçadas, mas por fim o duque de Guise foi assassinado, e o comandante dos huguenotes, Luís de Bourbon, príncipe de Conde, morreu no campo de batalha, deixando ambos os lados se debatendo, sem liderança e prontos para negociar. Gaspar de Coligny, um almirante que servira com Conde, surgiu como novo líder dos protestantes.

A segunda guerra (1567-68)

A rivalidade entre a França e a Espanha se intensificara em 1494, quando o herdeiro do trono espanhol casou com a herdeira da casa de Borgonha, unindo a Espanha a todos os territórios que haviam trazido tantos problemas aos reis da França durante a Guerra dos Cem Anos, e que compreendiam a Borgonha, Flandres e a Holanda. Isso colocou os exércitos espanhóis cercando a França por todos os lados. Então os calvinistas da Holanda se revoltaram contra o domínio espanhol em 1567, empurrando a Espanha e a França para uma frente comum contra o protestantismo.

Com os huguenotes irritados, Catarina de Médici escolheu a hora errada de viajar para Baione e visitar sua filha Elizabeth, que se casara recentemente com o rei viúvo da Espanha, Filipe II. Para os huguenotes, essa reunião de família parecia uma conspiração, desencadeando o boato entre os huguenotes de que o novo e grande exército espanhol que estava indo abafar a revolta na Holanda na verdade estava indo ajudar os católicos franceses a erradicar o protestantismo no país.

Os huguenotes lançaram um ataque preventivo, tentando sequestrar o rei do poder dos Guise e mantê-lo entre os protestantes, mas o plano vazou e a corte chegou ao destino com segurança. Seis mil soldados huguenotes acamparam nas cercanias de Paris, efetivo pequeno demais para fazer cerco à cidade, mas no Dia de Saint-Denis derrotaram 18 mil homens do exército real que fora expulsá-los do local. Mesmo assim, quando as forças do rei aumentaram seu efetivo para 60 mil, os huguenotes se retiraram e negociaram um cessar-fogo.3

A terceira guerra (1568-70)

Dentro de poucos meses, as forças reais tentaram se infiltrar e surpreender os líderes protestantes na área deles, mas os huguenotes escaparam para o norte, onde poderiam fazer uma ligação com holandeses e ingleses que os apoiavam. Os Guise fizeram contato com a Espanha e partiram para eliminar os bastiões protestantes no sul da França. Embora os protestantes houvessem sido derrotados fragorosamente na guerra que se seguiu, a Coroa não tinha recursos de continuar com as ações bélicas. Foi selada a paz em 1570 e os huguenotes tiveram permissão para fortificar e guarnecer quatro cidades como refúgios seguros, no caso de os católicos renovarem a agressão.4

O Massacre do Dia de São Bartolomeu

Tentando ajeitar as coisas, Catarina de Médici casou sua filha Margaret com o nobre de mais alta estirpe entre os huguenotes, Henrique, chefe da casa de Bourbon e rei do pequeno reino de Navarra, nos Pireneus. Catarina também tentou trazer huguenotes para seu governo, o que naturalmente enfureceu os católicos.

Quando todo mundo estava reunido em Paris para o casamento de Margaret, alguém tentou assassinar o líder militar dos huguenotes, Gaspard de Coligny. Quando ele percorria uma rua, um franco-atirador baleou-o de uma janela. Ninguém sabe realmente quem planejou o atentado, mas a história tem tradicionalmente culpado Catarina. O ferimento não foi sério, e não fez mais do que levantar a fúria dos protestantes.

Embora o rei Carlos e seu conselho não tivessem nada a ver com a tentativa de assassinato, Catarina lhes explicou que agora os huguenotes iriam retaliar, tornando um ataque preventivo a única estratégia de sobrevivência possível. Na véspera do Dia de São Bartolomeu, 24 de agosto de 1572, Guise e seus homens irromperam na casa de Coligny e o assassinaram no seu leito, doente, enquanto outros esquadrões da morte saíam à caça de protestantes. Com toda a probabilidade, Catarina só queria decapitar a causa huguenote matando os líderes, mas Paris explodiu em ódio contra os protestantes. Multidões por toda a cidade saíram caçando qualquer huguenote que podiam, matando entre 2 mil a 10 mil deles, por que meios tivessem à mão. Adultos foram enforcados, espancados, retalhados e esfaqueados; crianças foram jogadas pelas janelas ou no rio. Durante as semanas que se seguiram, os protestantes foram massacrados em outras cidades por toda a França, elevando em dez vezes o número de mortos, chegando às vizinhanças de 50 mil.

O líder dos huguenotes e noivo, Henrique de Navarra, um Bourbon, sobreviveu apenas se convertendo ao catolicismo na última hora. Foi levado para dentro do palácio, para ser vigiado de perto, seus movimentos ficando restritos.

O Massacre do Dia de São Bartolomeu horrorizou a Europa. Até mesmo Ivã, o Terrível, da Rússia, condenou-o. O acontecimento mudou a natureza das guerras religiosas na França, que passaram de uma luta de bandos a uma guerra de extermínio.

Quarta guerra

Quando se reiniciou a guerra, o irmão mais moço do rei, Henrique, liderou o exército católico na conquista do bastião protestante de La Rochelle. Um feroz cerco estendeu-se por meses, de 1572 até o ano seguinte. Sapadores tentaram minar as fortificações e explodi-las com barris de pólvora, enquanto a artilharia bombardeava as muralhas, sem eficácia. Estava parecendo que as tropas fora das muralhas ficariam sem comida e munição antes que isso acontecesse com os defensores do bastião. Então o príncipe Henrique foi eleito rei da Polônia,bo que lhe deu a desculpa de levantar o sítio sem passar vergonha.

Quinta, sexta e sétima guerras

O rei Carlos vinha sendo atormentado por culpa desde que autorizara o Massacre do Dia de São Bartolomeu, e sua saúde se deteriorou. Quando morreu, em 1574, com a idade de 23 anos, o trono passou para seu irmão, o rei Henrique da Polônia, de 22 anos. Henrique escapuliu da Polônia com o tesouro nacional escondido no comboio de bagagens e foi para Paris, aceitar a promoção.

O novo rei, Henrique III, era o favorito de Catarina de Médici e seu filho mais inteligente. Era um católico devoto, que gostava de se vestir de mulher, e que às vezes se apresentava nas funções oficiais em trajes femininos. Henrique tinha um círculo de jovens bem-apessoados, chamados de Queridinhos (Mignons). Tinha uma coleção de cãezinhos e se escondia das trovoadas no sótão.5 A mãe tentou, sem sucesso, atraí-lo para a heterossexualidade oferecendo-lhe criadas nuas em festas especiais que ela dava para diverti-lo, mas o truque não funcionou.

Entretanto, mais perigoso ainda era a tendência intermitente do rei para o fanatismo católico, quando procurava penitenciar-se das excentricidades sexuais. Nessas ocasiões, Henrique punha em perigo sua saúde com jejuns e mortificações extremadas. Finalmente, Catarina mandou matar, num beco,6 o amigo do rei que o encorajava a adotar esses rituais e que ela suspeitava ser um agente espanhol.

Da mesma maneira que acontecia com a maioria dos governantes que se defrontavam com a guerra civil, por toda a história, tudo que o rei Henrique fazia parecia se voltar contra ele. Quando restaurou a liberdade religiosa para os huguenotes, Henrique de Navarra aproveitou-se desse novo clima de tolerância da lei para fugir da corte e se reconverter ao protestantismo, ao se pôr em segurança e fora do alcance. Nesse ínterim, Henrique de Guise, enfurecido com a fraqueza do rei e com apoio espanhol, formou uma Liga Católica, independente.

O rei Henrique III estava ficando sem dinheiro, de modo que convocou o Parlamento na esperança de obter dele um aumento de impostos. O Parlamento recusou a proposta, mas o rei conseguiu reunir um número suficiente de soldados para algumas pequenas campanhas no vale do rio Loire.7

Henriques demais

Como o rei atual era assumidamente gay, o próximo soberano provavelmente não seria um rebento seu. A sucessão apontava para o mais jovem dos irmãos Valois, Francisco, mas, em 1584, ele morreu de febre enquanto conspirava contra os protestantes na Holanda. Sem outros descendentes masculinos do rei Henrique II, a lei recuou, até encontrar outra linhagem masculina direta, vinda de um rei anterior. Quando seguiram esse novo ramo, visando encontrar o descendente mais velho, os genealogistas reais viram que o próximo na linha da sucessão para o trono da França era o cunhado do rei, Henrique de Navarra, da família Bourbon e líder dos huguenotes.

Então começou a Guerra dos Três Henriques, na qual o rei Henrique III e Henrique de Guise tentaram forçar Henrique de Navarra a renunciar ao seu direito de sucessão. Como o que estava em jogo era o trono, as batalhas foram particularmente sangrentas. Dois mil católicos foram mortos na Batalha de Coutras, outros 6 mil na Batalha de Ivry. As perdas dos protestantes foram comparáveis a essas, e nenhum dos lados obteve vantagem.

Já então as guerras intermináveis haviam reduzido a população do país em 20%.8 Em um relato enviado para sua terra, o embaixador veneziano descreveu o estado da França depois de uma geração de lutas: “Por toda parte se vêem ruínas, o gado destruído na maior parte… trechos de terra boa sem cultivo e muitos camponeses forçados a deixar suas casas e se tornarem vagabundos. Tudo custa preços exorbitantes… as pessoas não são mais leais e corteses, ou porque a pobreza eliminou seu ânimo e as brutalizou, ou porque as facções e o derramamento de sangue as tornaram malvadas e ferozes.”9

A Liga Católica odiava o rei Henrique por ele não esmagar os huguenotes. Para seus membros, um católico moderado não era melhor do que um protestante. A liga agitou os cidadãos parisienses, que levantaram barricadas e expulsaram o rei Henrique III da cidade. Em seu exílio rural, o rei foi forçado a convocar o Parlamento para se aconselhar sobre a sucessão. Quando o Parlamento sugeriu um herdeiro que era, obviamente, um títere dos Guise, o rei decidiu resolver seu problema com aquela família de uma vez por todas.

Dois dias antes do Natal, o rei Henrique III convidou Henrique de Guise para uma rápida conversa, mas, quando seu convidado entrou na sala, as portas foram subitamente fechadas com violência e aferrolhadas atrás dele. Soldados invadiram correndo o recinto; Guise desembainhou a espada e lutou bravamente, mas mesmo assim os homens do rei o abateram. Seu irmão, o arcebispo católico, que também visitava o rei, foi morto na manhã do dia seguinte. Foram esquartejados e os restos lançados numa lareira flamejante. O rei então se aliou aos Bourbon contra a Liga Católica.

Mais guerra

Catarina de Médici morreu em 1589, e seu último filho teve o mesmo destino logo depois. Em julho daquele ano, um frade dominicano, enraivecido com o rei Henrique por ele ter traído o catolicismo, esfaqueou-o no estômago. Depois da morte do rei, lenta e demorada, por hemorragia e infecção, o protestante Henrique de Navarra tornou-se rei da França. “Eu governo com minha bunda na sela e a pistola na mão”, declarou ele, e seguiu a cavalo para reconquistar sua capital, que estava nas mãos da Liga Católica.10

O sítio a Paris, que começou em maio de 1590, foi brutal. Mês após mês, os 220 mil residentes da maior cidade da Europa ficaram trancados dentro dela com suprimentos que diminuíam sempre. Conforme passou o tempo, os cachorros, gatos e ratos desapareceram das ruas. “Crianças pequenas disfarçadas de carne” eram oferecidas nos mercados.11 Antes de terminar, 40 mil a 50 mil parisienses haviam morrido de inanição. Navarra bombardeou a cidade com canhões assestados em elevações,12 mas Paris resistiu ao cerco, que foi levantado no início de setembro.

Então a Liga Católica convocou o Parlamento em Paris para escolher um rei católico que se opusesse a Henrique de Navarra, mas, quando os espanhóis ofereceram sua própria princesa, filha de uma irmã da família Valois, muitos franceses ficaram estarrecidos. Começava a surgir neles a ideia de que ser francês era provavelmente mais importante do que ser católico. Talvez um rei Bourbon fosse melhor do que deixar que a França se tornasse um satélite da Espanha.

Subitamente, em 1593, Henrique de Navarra, que chefiara os exércitos protestantes em muitas refregas duras, anunciou que, bem, se isso era tão importante para eles, que ele seguiria em frente e se converteria ao catolicismo. Não queria causar mais problemas.

“Paris bem vale uma missa” foi o boato que correu como sua explicação.

Isso clareou o caminho para um rei ser bem-aceito e consagrado, e, antes que qualquer um pudesse aparecer com novas objeções, a paz foi selada. Em 1598, o rei Henrique IV publicou o Édito de Nantes, declarando a tolerância para com todas as crenças cristãs. Sua nova dinastia, a dos Bourbon, queria começar a governar a partir de uma página em branco. “A lembrança de tudo que um lado infligiu ao outro… durante o precedente período de perturbações fica apagada e esquecida, como se tais coisas não houvessem acontecido.” Ou, nas palavras do Rei do Castelo do Pântano, de Monty Python: “Não vamos ficar reclamando e discutindo sobre quem matou quem.”13

a Um segundo resultado do acidente acontecido com Henrique num torneio de justas é que algumas linhas de algaravia mística escritas por um astrólogo que visitava a corte parecem ter previsto a fatalidade. Essa premonição, em versos, fez com que seu autor, de nome Nostradamus, angariasse fama instantânea, enquanto todo mundo saía escarafunchando seus versos à procura de outras predições, tais como ganhar na loteria.

b A nobreza da Polônia preferia escolher como reis estrangeiros fracos, a fim de impedir qualquer família polonesa de ficar em vantagem política. Catarina de Médici trabalhou nos bastidores para conseguir esse confortável cargo para seu filho desempregado.