AURANGZEB
Número de mortos: talvez 4,6 milhões na guerra no Deccan1
Posição na lista: 23
Tipo: déspota
Linha divisória ampla: muçulmanos versus hindus
Época: reinou entre 1658 e 1707
Localização: Índia
Principal Estado participante: o império Mughal
Quem geralmente leva a maior culpa: Aurangzeb
Herdeiro presumido
Quando o xá Jahan, imperador mughal da Índia e construtor do Taj Mahal, ficou incapaz de urinar por três dias, a reação de seu organismo fez com que ele contraísse uma séria enfermidade. Seu filho mais velho e favorito, Dara, manteve secreta a doença e conservou o pai escondido, de modo a não espalhar o pânico pelo país. Boatos palacianos logo chegaram aos ouvidos dos outros filhos do xá. Eles suspeitaram que Dara estava planejando algo sinistro. O irmão mais velho estava claramente por detrás do misterioso desaparecimento do pai deles, e então presumiram que seriam os próximos, de modo que fugiram e começaram a recrutar tropas nas províncias.
O xá Jahan recuperou-se da doença logo, mas, a essa altura, seus filhos já estavam em guerra civil. Dara venceu facilmente o mais novo de seus irmãos na batalha e caçou-o até forçá-lo a se exilar, o que deixou Aurangzeb, o terceiro na sucessão, apoiando Murad, o segundo na sucessão, na pretensão. Quando esses dois foram gradualmente vencendo as batalhas, Aurangzeb convidou Murad para sua tenda para acertarem os detalhes da parceria. Murad jantou e bebeu vinhos de boa cepa, enquanto o severo irmão muçulmano ficava sóbrio. Murad adormeceu placidamente enquanto uma moça escrava lhe fazia uma massagem. Então ele acordou preso.
Por fim Aurangzeb conquistou a capital e trancou seu pai na própria suíte, no palácio. Depois de dura campanha, Aurangzeb capturou seu irmão Dara e o mandou a julgamento. Até onde interessava a Aurangzeb, seu irmão sempre parecera tolerante com os hindus, de modo que o acusado foi considerado culpado de apostasia e decapitado. A cabeça foi levada a seu pai prisioneiro para provar que Aurangzeb estava agora completamente no controle da situação.
Aurangzeb tinha sempre em mente que chegara ao poder destronando o pai, de modo que mantinha seus próprios filhos sob rédeas curtas. Todos eles, durante o longo reinado de Aurangzeb, passaram algum tempo na prisão, numa época ou em outra.
Iniciativas baseadas na fé
A dinastia Mughal começara no Afeganistão como um ramo da dinastia Tamerlão, que avançou por cima das montanhas, entrando na Índia. Numa linha contínua de pai para filho por cinco gerações, gloriosos conquistadores após outros expandiram e consolidaram o império; entretanto, os mughals preferiram ostentar riqueza com obras de arte e de arquitetura magníficas, em vez de fazê-lo por meio de proezas marciais. Investiram pesadamente em obras públicas, como estradas, transporte de correios e armazéns de cereais, como precaução contra a fome.
Embora generosos e grandes devotos do Islã, os mughals, tradicionalmente, vinham sendo tolerantes com o hinduísmo. Durante todo o tempo em que governaram, os hindus podiam praticar livremente todos os seus rituais e costumes. Governantes mughals anteriores chegaram mesmo a dar a hindus postos de comando nos exércitos e altos cargos no palácio.
Entretanto, Aurangzeb era um muçulmano ascético, que bania todo vício que podia, e pessoalmente evitava quase tudo o mais. Não usava seda. Onde podia, proibia a música. Diferentemente dos mughals anteriores, ele aderiu à proibição muçulmana de imagens, de modo que, sem o patrocínio da corte, os pintores tiveram de sair do país para encontrar trabalho. Não tendo interesse em escritos que não fossem os sagrados, Aurangzeb também tirou o patrocínio imperial de poetas e estudiosos.2 Proibiu os hindus de montar cavalos ou andar em liteiras. Introduziu no país o imposto por pessoa, que todos os não muçulmanos eram obrigados a pagar.
Aurangzeb destruiu incansavelmente os templos hindus por toda a Índia. Em 1661, demoliu o templo Kesava Deo, em Mathura, que assinalava o local de nascimento de Krishna. O templo de Kashi Vishwanath, na cidade sagrada de Varanasi, um dos mais famosos templos dedicados a Siva, foi demolido em 1669. Mandou demolir o templo Somnath, em Saurashtra, em 1706.3 Essa lista provavelmente não significa nada para você, mas ela deixa os historiadores hindus revoltados, da mesma forma que os ocidentais se comovem sempre que leem sobre um grande marco da civilização greco-romana sendo destruído. Tudo que você precisa lembrar é que milhares de sítios hindus sagrados foram arrasados por toda a Índia e substituídos por mesquitas. Até hoje os nacionalistas hindus vivem procurando uma oportunidade para queimar essas mesquitas e reconstruir os templos hindus perdidos.
Quando fundou a religião sikh, na década de 1500, o guru Nanak Dev tinha originalmente a esperança de trazer a paz para a Índia, e reconciliar o islamismo e o hinduísmo reduzindo as crenças rivais a seus elementos morais comuns, e fundindo-as em uma única religião pacifista. Infelizmente essa iniciativa apenas criou uma terceira religião canhestra para aumentar as disputas. Os sikhs enfureciam Aurangzeb ao converterem os muçulmanos, e ele jurou pôr um fim a essa cooptação. Em 1675, lançou na prisão o guru Tegh Bahadur, líder dos sikhs, e o torturou um pouco, para ver se ele mudava de ideia sobre a tolerância religiosa. Quando o guru fez pé firme na sua opinião original, Aurangzeb o fez ser decapitado. Depois disso, os sikhs se afastaram de seu primitivo pacifismo e retiraram-se para as fortalezas nas montanhas, onde se tornaram um povo de guerreiros, que carregavam espadas e adagas rituais todo o tempo.4
Marathas
Durante o século XVII, uma variegada coleção de clãs habitantes das terras altas hindus, chamados de marathas, transformara-se em uma nação guerreira ao resistir à usurpação muçulmana. O chefe maratha, Shivaji, tornou-se o lendário líder da resistência, um herói para gerações de hindus, e famoso por sua ousadas escapadas. Durante uma negociação com um general muçulmano, ele, inesperadamente, eviscerou o general com garras de tigre, de aço, que trazia escondidas, e depois suas tropas avançaram dos esconderijos para massacrar o inimigo sem chefe. Mais tarde, ele se esgueirou para dentro de uma fortaleza misturado aos participantes de um séquito que acompanhava um casamento real. Lá dentro, matou os hóspedes em seu sono. Em 1663, ele ultrapassou essa ousadia, irrompendo no harém do próprio Aurangzeb e causando uma mortandade.
Aurangzeb demitiu o general encarregado de caçar Shivaji e enviou seu próprio filho para o sul. Não adiantou. Shivaji estava sempre um passo à frente dos mughals e, em 1664, conquistou e saqueou a cidade de Surat. Finalmente o novo general mughal, Jai Singh, assumiu a função e, em três meses, derrotou e submeteu Shivaji. Este concordou em viajar para a capital, Agra, e oferecer sua aliança pessoal ao imperador, de modo que Aurangzeb enviou uma magnífica caravana de elefantes, liteiras e auxiliares, às expensas do governo, para levar o líder rebelde para a capital, em 1666. Uma vez lá, entretanto, Shivaji foi mal recebido pelo imperador e fugiu, recomeçando a guerra. Promoveu a si próprio a rei, e ampliou o alcance de suas sortidas.5 Em 1680, morreu de disenteria e a liderança dos marathis passou para seu filho, Sambhaji.
Nesse mesmo ano, Aurangzeb enviou para o sul um de seus filhos, Akbar, a fim de sufocar uma rebelião dos rajputs, que eram clãs hindus aristocráticos, mas Akbar uniu-se aos revoltosos, em vez de combatê-los. Declarou a si mesmo imperador e, sem sucesso, atacou para o norte. Ele tinha um exército bastante grande para ter vencido pelo menos algumas das escaramuças preliminares, mas fracassou na primeira batalha e precisou fugir mais para o sul, além do alcance de seu pai. Acabou tomando um navio para a Pérsia.
A guerra no Deccan
Decidindo finalmente que a conquista do sul era tarefa para si próprio, Aurangzeb marchou com um exército que diziam ter 1 milhão de soldados. O conjunto em marcha não incluía apenas o exército, mas também toda a corte e uma cidade de coloridos pavilhões, rebanhos de animais, carroças, currais e bazares. Nunca mais retornou ao norte, durante os restantes 26 anos de sua vida.
Em 1686-87 ele conquistou os reinos muçulmanos independentes de Bijapur e Golconda, que considerava decadentes e hedonistas. Depois voltou toda a sua atenção contra os marathas, na borda montanhosa do platô do Deccan, na região centro-oeste da Índia. Quando os mughals finalmente capturaram o rei maratha Sambhaji, em 1689, Aurangzeb mandou retalhar seu corpo aos poucos, durante três semanas: cortando sua língua no primeiro dia, arrancando os olhos no dia seguinte e depois os membros, um por um. Finalmente Sambhaji foi reduzido a uma fração irreconhecível de si mesmo e decapitado.
Embora Aurangzeb tenha sistematicamente capturado os fortes marathas construídos em colinas, um após outro, novas fortificações continuavam a surgir, em outros lugares. Os fortes marathas geralmente se rendiam assim que Aurangzeb chegava, mas depois retomavam a revolta logo que o imperador se afastava a uma distância segura.6 Haviam se especializado na guerra de guerrilhas, de modo que Aurangzeb tentou erradicá-los destruindo as aldeias e colheitas que os sustentavam.
Conforme a guerra se arrastava, o sul da Índia foi ficando devastado. De acordo com fontes contemporâneas, 100 mil soldados de Aurangzeb e 300 mil cabeças de animais de carga, isto é, cavalos, camelos, burros, bois e elefantes, morreram todo ano, durante o quarto de século que durou a guerra no Deccan. Quando, de 1702 a 1704, a seca, a peste e a fome atingiram as terras já assoladas pela guerra, dois milhões de civis morreram em poucos anos.7
A longa guerra nunca conseguiu chegar a seu objetivo final. Ao final da vida de Aurangzeb, os mughals haviam chegado perto de conquistar todo o subcontinente da Índia, mas a ponta mais extrema da península ainda permanecia fora de seu controle. O poderio mughal atingiu seu apogeu durante o governo de Aurangzeb, mas o problema com o apogeu é que a partir daí começa a decadência. Anos de luta haviam exaurido os recursos do império. O tesouro estava vazio. O Império Mughal rapidamente desmoronou depois da morte de Aurangzeb.