GUERRAS NAPOLEÔNICAS

Número de mortos: 4 milhões (3 milhões de soldados e 1 milhão de civis morreram, incluindo as Guerras Revolucionárias Francesas)1

Posição na lista: 26

Tipo: conquista mundial

Linha divisória ampla: partidários de Napoleão diziam que era a oposição das virtudes do Iluminismo contra o decadente Antigo Regime. O restante da Europa dizia que era Napoleão contra o mundo.

Época: 1792-1815

Localização: Europa, Oriente, Caribe

Principais Estados participantes: Áustria, França, Prússia, Rússia, Reino Unido

Estados participantes secundários: Bavária, Brunswick, Dinamarca, Egito, Nápoles-Sicília, Países Baixos, Turquia otomana, Piemonte-Sardenha, Portugal, Saxônia, Espanha, Suécia, Estados Unidos, Württemberg.

Quem geralmente leva a maior culpa: Napoleão Bonaparte

Outra praga: a guerra pelo poder europeu com o uso de mosquetes

Liberdade, igualdade etc.

No final de 1780, a França estava claramente caminhando para a bancarrota. A lendária extravagância dos enfatuados cortesãos em Versalhes era um dos motivos, mas a magnitude do débito da Coroa aumentara com as guerras estrangeiras, que haviam sido financiadas com empréstimos da classe empresarial emergente. No rumo que as coisas estavam caminhando, a classe média seria sangrada na ida e na volta – primeiro, como a única classe rica que realmente pagava impostos e, outra vez, se a Coroa não pagasse seus empréstimos. A classe média se agitava pedindo reformas.

Finalmente, para acalmar os cidadãos sobrecarregados com impostos e endireitar suas confusas finanças, o rei Luís XVI foi forçado a convocar, pela primeira vez em todo um século, o Parlamento francês. As primeiras duas câmaras legislativas (ou estamentos), a nobreza e o clero recusaram-se a abrir mão de suas isenções de impostos, de modo que o Terceiro Estamento – representante dos cidadãos comuns, tanto ricos quanto pobres – declarou-se o único corpo legislativo legítimo.

Uma agenda liberal foi rapidamente posta em prática. Os privilégios das classes altas e do clero foram revogados; as finanças, ajustadas; e o orçamento, equilibrado. Depois de acirrados debates, as terras da Igreja foram confiscadas e o clero foi encaixado no serviço civil.

Infelizmente, enquanto tudo isso era feito, turbas dispersas de miseráveis violentos promoviam desordens nas ruas de Paris, linchando ao acaso nobres e funcionários reais que cruzassem seu caminho. A família real entrou em pânico e tentou encontrar refúgio na segurança de seus parentes austríacos (a rainha francesa, Maria Antonieta, era filha de Maria Theresa), mas eles foram capturados, exibidos pelas ruas de Paris e encarcerados. Horrorizados com a odiosa eclosão de liberalismo e temendo que aquilo fosse contagioso, os monarcas da Europa se uniram na Primeira Coalizão e se dispuseram a salvar o rei da França.

O tiro saiu pela culatra. Diante dos exércitos estrangeiros que convergiam para a pátria, a política na França se tornou mais radical e a facção jacobina de Maximiliano Robespierre assumiu o controle. A nobreza foi abolida como uma classe legítima e, para completar, o rei foi decapitado. Sua mulher, Maria Antonieta, logo o seguiu na guilhotina, enquanto o Delfim, seu filho e herdeiro, desapareceu misteriosamente nas masmorras da nova república. Seu destino tornou-se o maior mistério do século XIX, com vários pretendentes circulando pelos salões algumas décadas depois.a

Depois que o tabu sagrado contra matar o rei foi quebrado, a França entrou em erupção. Os nobres foram arrancados de suas casas e assassinados de diversas maneiras terríveis e imaginativas. O Reino do Terror viu a decapitação de uns 40 mil inimigos do Estado, a maioria sem qualquer julgamento incômodo.

Na região do Vendee, no Centro-Oeste da França, camponeses se revoltaram contra o governo central em favor do rei e da Igreja, mas Paris despachou comissários para restaurar a ordem por quaisquer meios necessários, o que significou a frequente execução em massa de famílias inteiras. Descartar tantos inimigos do Estado exigia uma engenhosidade perversa. Em Nantes, os prisioneiros condenados de qualquer idade e sexo eram apinhados a bordo de barcaças, trancados sob o convés e, então, iam a pique no rio Loire. Depois de ficar dentro da água tempo bastante para eliminar todos os bolsões de ar, a barcaça era erguida de novo, esvaziada e carregada com mais prisioneiros para nova rodada.

Ao todo, um quarto de milhão de pessoas morreu nessa guerra civil.2 Por fim, no entanto, o ódio diminuiu. O próprio Robespierre foi levado à guilhotina, e a França voltou à sensatez de um governo de classe média.

As guerras revolucionárias

Embora todas as nações da Europa fossem envolvidas pelas guerras que acompanharam a Revolução Francesa, só precisamos saber das cinco grandes potências: França, numa ponta da Europa; Rússia, na outra ponta; Prússia e Áustria haviam recuado do ataque à Rússia, depois de dividirem a Polônia entre si. A Inglaterra rondava o litoral. Nenhuma outra nação preocupava, porque nenhuma podia armar um exército capaz de enfrentar sozinha uma dessas grandes potências. As nações menores da Europa eram, na melhor das hipóteses, peões de xadrez, e na pior, o próprio tabuleiro.

A Primeira Coalizão, que em nome do monarquismo invadiu a França em 1793 por quase todos os lados, achava que a França seria uma conquista fácil. Os revolucionários haviam executado ou exilado todos os oficiais e enviado uma plebe indisciplinada para defender a pátria. O que as velhas monarquias não percebiam era que agora os franceses governavam o seu país, valia a pena lutar pelo país. Pela primeira vez em gerações, patriotismo autêntico motivava um exército. Os franceses rechaçaram os invasores e invadiram os pequenos países além da fronteira leste, difundindo o evangelho da revolução.

Os revolucionários estavam empenhados em reformar o mundo dentro de uma ordem racional até nos detalhes. Todas as esquisitas medidas pequenas, que variavam de aldeia para aldeia, foram padronizadas dentro de um novo sistema decimal de metros, litros e gramas. Todas as leis medievais fortuitas e arbitrárias, que variavam de província para província, foram recodificadas dentro de regras sensatas que incorporavam lógica, clemência e direitos humanos. O calendário foi reformado dentro de unidades decimais compreensíveis, com meses iguais, nomes comuns, e o ano da revolução definido como o Ano Um. As igrejas foram reordenadas como templos da razão. Era um mundo novo onde qualquer um podia subir tão alto quanto seu talento o levasse. Os aspectos negativos disso logo se tornaram aparentes, quando um indivíduo perigosamente talentoso apareceu.

Entra Napoleão

Oriundo de uma grande, influente e respeitável família da pequena, desacreditada e inconsequente ilha da Córsega, na parte italiana da França, Napoleão Bonaparte nunca realmente se encaixou. Embora originalmente almejasse seguir o sacerdócio como o irmão, foi em vez disso enviado pelo pai a uma escola militar na França, onde aprendeu sua profissão e fez muito poucos amigos. Sonhava um dia libertar a Córsega da França, mas, enquanto a Revolução Francesa avançava, foi empolgado por visões grandiosas de libertar o mundo inteiro.

Ao participar pela primeira vez de um combate grande, Bonaparte comandou a artilharia que expulsou do porto de Toulon, no Mediterrâneo, os monarquistas e seus aliados britânicos. Sua habilidade e determinação ao recrutar e dispor para combate uma artilharia capaz de desafiar os canhões ingleses impressionaram seus superiores. Bonaparte e seus padrinhos escaparam por pouco do expurgo dos radicais, mas seus protetores habilmente se curvaram aos novos ventos e deram um jeito de conseguir nomeações no novo governo. Bonaparte seguiu com eles para Paris como comandante da artilharia da capital. Quando seu canhão estraçalhou uma multidão furiosa que assaltava o prédio principal do governo, ficou óbvio que sua falta de piedade era tão impressionante quanto sua habilidade de general. Ali estava um homem que o governo podia usar.

Aos 26 anos, recém-casado com Josefina, a amante do seu patrono, Bonaparte recebeu o comando do andrajoso exército francês que combatia os austríacos na planície norte da Itália. Rapidamente se fez estimado pelos soldados ao admitir que o governo em Paris falhara com eles, deixando-os sem pagamento ou alimentos, e enviando uma sucessão de generais políticos incompetentes para que fossem mortos em derrotas humilhantes. Ele, ao contrário, oferecia aos soldados a riqueza da Itália para ser pilhada, e eles o adoravam por isso.3 Em vez de aguardar suprimentos esporádicos da França, seu exército viveria da terra, mas, para fazer isso, ele teria de formar unidades menores dispersas e se manter em movimento. Nas mãos de um general inferior, isso seria um convite ao desastre, mas Bonaparte provou ser um malabarista consumado, sempre mantendo suas tropas dispersas suficientemente próximas para defender qualquer abertura estratégica que se formasse.

O povo italiano ficara inicialmente tentado a dar boas-vindas aos franceses como libertadores dos austríacos e seus fantoches, mas agora sofria roubo e pilhagem nas mãos de um exército vitorioso. Mesmo quando Milão se rendeu sem lutar, Bonaparte permitiu que a cidade fosse saqueada livremente pelos seus homens por vários dias e, quando os moradores se revoltaram, enviou tropas para Binasco, uma aldeia vizinha. Elas queimaram as casas, colocaram em fila todos os homens e meninos, e os fuzilaram.4 Rapidamente, Bonaparte começou a enviar para o Tesouro da França parte dos saques, a fim de que a invasão fosse vista como lucrativa. Em abril de 1797, já sobrepujara todos os exércitos que a Áustria lançara contra ele e estava se aproximando de Viena. Era um blefe ou uma enorme audácia, porque ele não contava, claramente, com homens suficientes para invadir a cidade e ocupá-la, mas os inimigos da França piscaram primeiro e pediram paz.

A trajetória da carreira de Bonaparte nunca foi tranquila e, durante as duas décadas do seu domínio, suas oscilações violentas arrastavam a Europa, conforme ele jogava e ganhava ou jogava e perdia. No término da campanha italiana, Bonaparte alcançara o apogeu. Ele voltou, teve uma recepção de herói em Paris, e gozou da adulação do povo francês. Então, jogou e perdeu.

A campanha do Egito

Ninguém sabe, realmente, por que Bonaparte invadiu o Egito, país controlado pelos turcos. Aparentemente, seria o primeiro passo para atacar a Grã-Bretanha na Índia. Publicamente, era a anunciada política da França para levar a civilização republicana e racional aos atrasados povos do Oriente. Os inimigos de Bonaparte no governo da França (e havia cada vez mais inimigos) queriam vê-lo tão longe quanto possível e o próprio Bonaparte queria imitar Alexandre e César. O planejamento, no entanto, era deficiente, com muitos suprimentos e tropas não chegando no tempo previsto aos portos de embarque. Por pura sorte, a armada francesa conseguiu cruzar o Mediterrâneo sem ser apanhada e capturada pela superior esquadra inglesa.5

Em julho de 1798, depois de um nauseante desembarque na praia, Bonaparte mandou seus trôpegos soldados se reerguerem e os comandou pelo deserto, sem água bastante ou quaisquer mapas atualizados, indo vagamente em direção ao Cairo. Acossada durante todo o caminho pelos guerrilheiros beduínos, a coluna finalmente se viu nos subúrbios do Cairo, e Bonaparte declarou o Egito livre de séculos de desgoverno dos turcos. Nesse meio-tempo, a frota inglesa, sob o comando de lorde Nelson, encontrou os navios franceses na baía de Abukir, no delta do Nilo, e sangrentamente confirmou a superioridade naval da Inglaterra, deixando a força expedicionária de Bonaparte encalhada a milhares de quilômetros de casa.

Os 13 meses que Bonaparte passou no Egito abririam essa antiga e misteriosa terra aos estudiosos europeus, mas isso quase não teve efeito na trajetória da carreira dele. O isolamento desesperador de seu exército significava que ninguém na França sabia das condições de deterioração das tropas, a eclosão da peste bubônica, os massacres dos nativos insubordinados, um ataque fútil à Palestina e os suicídios de oficiais desesperados. Tudo que Paris sabia era que Bonaparte derrotara a temível e exótica cavalaria mameluca à sombra das pirâmides. O fato de que os egípcios rapidamente aprenderam a evitar a batalha aberta em troca da tática de bater e correr, que consumia o moral da tropa, não fazia diferença; Bonaparte provara ser o novo César.6

Em agosto de 1799, Bonaparte abandonou seu desgastado exército ao seu destino e voltou sorrateiramente à França – para uma nova recepção de herói. Seu país precisava dele. Todos os inimigos estrangeiros que ele derrotara haviam voltado a se reunir numa Segunda Coalizão e atacado.

1799: Coup d’état c’est moi

Mas primeiro as coisas mais importantes. A República Francesa ainda estava mergulhada no caos costumeiro, enfrentando conspirações e rebeliões dos inimigos internos, tanto da esquerda quanto da direita. Os monarquistas tentavam repor um rei, enquanto os radicais queriam redistribuir as propriedades aos pobres. Então Bonaparte chegou triunfalmente do Egito, e ninguém perguntou por que seu exército não estava com ele.

Depois de muitas intrigas nos bastidores e com a volta do exército para casa, um grupo de conspiradores suplementou o fraco e briguento grupo eleito que dirigia a República (o Diretório) com três poderosos chefes executivos (“cônsules”): Bonaparte e mais dois que pensaram poder mantê-lo sob controle. Quando Bonaparte pediu aos cidadãos para aprovar essa mudança, o povo francês esmagadoramente apoiou a ideia com 99% dos votos. Tecnicamente, apenas 30% dos votantes verdadeiramente apoiaram a ideia, mas como o irmão mais moço de Bonaparte, na posição de ministro do Interior, era quem contava os votos, o boletim de votação foi de 99% a favor de Bonaparte.7

Agora Bonaparte estava pronto para rechaçar a Segunda Coalizão. Contra todas as expectativas, ele se deslocou para os Alpes no inverno. Então, uma rápida e mortal campanha na Itália convenceu o restante da Europa a deixar a França sossegada por algum tempo. Seguiu-se uma paz sem precedentes, com cinco anos de duração.

Em 1804, com 35 anos, Bonaparte estava suficientemente seguro de sua posição para pôr fim às aparências de regime republicano. Decidiu que cônsul era um título tolo, e passou de cidadão Bonaparte a imperador Bonaparte. Para ganhar respeitabilidade aos olhos dos seus pares monarcas, restaurou o papel oficial da Igreja Católica, pôs o domingo de volta ao calendário e voltou a contar os anos a partir do ano do nascimento de Cristo. Restabeleceu, também, a escravidão nas colônias caribenhas. Em 1809, o imperador Napoleão largou Josefina, a pequena e excitante prostituta com quem se casara na juventude, e desposou a filha adolescente do imperador da Áustria, que não estava muito entusiasmada com seu novo cargo, considerando o que os franceses haviam feito com sua tia-avó, Maria Antonieta. Com o tempo, no entanto, ela se apaixonou e se apegou a ele desesperadamente, muitas vezes o perturbando em momentos históricos fundamentais.

Quando a guerra contra a Terceira Coalizão recomeçou, em 1805, expandiu-se a lenda de Napoleão, que liderou seus exércitos pela Europa, esmagando todos que atravessavam o seu caminho. Ele lutou em grandes e sangrentas batalhas contra os russos, prussianos e austríacos em Austerlitz e Ulm (1805), Jena e Auerstadt (1806), Eylau e Friedland (1807), Aspern e Wagram (1809), para citar só alguns lugares. Para quem é fanático por táticas, essa é a parte favorita, mas o restante de vocês precisam saber que Napoleão se mostrou impossível de deter, pouco importando quantos países o atacassem ou o tamanho desses exércitos. Ele derrotou todos com uma habilidade brilhante. Toda a Europa a oeste do rio Elba acabou sob o domínio dele – ou diretamente ou de seus parentes, nomeados por ele como reis das nações-satélites. Napoleão permitiu que a Áustria e a Prússia continuassem a ser monarquias livres, mas foram reduzidas a um tamanho menos ameaçador.

Guerra peninsular

Os únicos reveses de Napoleão durante o apogeu foram na Espanha e seus arredores. Em 1800, ele forçara a Espanha a fazer uma aliança para unir sua frota com a dele. No papel, parecia que Napoleão estava pronto para desafiar o controle britânico dos mares; no entanto, em 1804, Nelson destruiu a frota franco-espanhola em Trafalgar, terminando com a esperança de Napoleão de expandir seu império além da Europa. Jogando com as forças restantes, ele tentou arruinar a Grã-Bretanha, proibindo todo comércio entre o continente e o Reino Unido. Quaisquer países que quebrassem o embargo eram invadidos pelas forças francesas e incluídos no império. Para aumentar o controle sobre os portos, ele anexou, em sequência, grande parte da costa europeia, do mar Báltico no norte à costa croata no sul.

Portugal, no entanto, obstinadamente se recusou a aderir ao Sistema Continental. Napoleão enviou um exército para remover essa mancha pró-britânicos do mapa da Europa, mas isso requeria uma longa linha de suprimentos cruzando a Espanha. O pesado trânsito militar que cruzava o país provocou atrito com os espanhóis, causando rixas, depois tumultos e, finalmente, a rebelião. Uma completa invasão francesa em 1808 substituiu o rei Bourbon em Madri pelo irmão de Napoleão, mas os espanhóis continuaram a lutar usando uma tática perversa, de bater e correr, que veio a ser chamada de guerrilla, a palavra espanhola para “guerras pequenas”. Os franceses torturavam e executavam, rotineiramente, os rebeldes suspeitos que caíam em suas mãos (e vice-versa), o que forneceu motivo para uma assombrosa série de desenhos de Goya, mas que não acabou com a rebelião. Finalmente, tropas britânicas regulares sob o comando do duque de Wellington abriram caminho à força, a partir de Portugal, para ajudar os rebeldes.

Estilo de guerra

A diferença mais significativa entre a arte de guerra sob Napoleão e aquela das gerações anteriores foi a paixão nacionalista desencadeada pela Revolução Francesa. A França era capaz de lutar contra a Europa inteira, porque todo o país se unia na defesa dos ideais de igualdade e razão contra os ressentidos camponeses recrutados por oficiais aristocratas, característica da maneira monarquista de guerrear. Com toda a nação envolvida, o efetivo dos exércitos subiu, dos 60 mil que lutaram em ambos os lados em Marengo, para 165 mil em Austerlitz e para 300 mil em Wagram, nos anos de 1800, 1805 e 1809, respectivamente.8

As guerras napoleônicas representaram o auge da era do mosquete, em que os exércitos se dispunham em linha, disparavam um contra o outro e depois avançavam. Isso pode parecer estúpido para nós, mas o poder de fogo napoleônico era tão ineficiente que a única maneira de fazer uma cunha no oponente era concentrar em um ponto centenas de mosquetes, descarregando tranquilamente constantes salvas de tiros.

Em vez de mirar cuidadosamente os alvos, a infantaria confiava em um fogo maciço e rápido para desgastar a linha inimiga. Os mosquetes foram desenhados para serem carregados e disparados com rapidez, não com precisão. Pólvora, bala e bucha eram empurradas para dentro do cano em movimentos disciplinados e automáticos. Um orifício liso deixava um encaixe frouxo entre a munição e o cano; isso facilitava o carregamento, mas enfraquecia a explosão, reduzia o alcance e prejudicava a pontaria. Os rifles, que tinham um cano mais estreito e a face interior espiralada, eram mais precisos do que os mosquetes, mas era mais difícil e lento carregá-los, de modo que não tinham muito efeito nos campos de batalha, exceto quando usados por franco-atiradores.9

Para que os oficiais pudessem distinguir os amigos dos inimigos num enfumaçado campo de batalha, os soldados usavam uniformes de cores características e brilhantes e lutavam em formações geométricas sob gigantescos estandartes. Todas as unidades do exército de Napoleão tinham características matematicamente precisas – rapidez de movimento, comprimento da linha de frente, padrão de fogo, resistência – que os bons generais podiam calcular num golpe de vista. Com manobras cuidadosas, uma formação em linha podia ser capaz de obter um pequeno poder extra de fogo em relação à linha inimiga. Se um regimento podia pegar a infantaria inimiga pelo lado, conseguia concentrar mais mosquetes do que o inimigo. Melhor ainda, um regimento podia ser capaz de pegar o inimigo entre duas linhas de fogo. Então, quando o inimigo estivesse abalado, o regimento poderia afixar as baionetas e avançar, esperando cobrir o campo aberto antes que o inimigo pudesse disparar mais do que algumas salvas.

Atacar em linha (estendendo-se ao longo de uma frente ampla, mas sem profundidade) era difícil, porque uma linha espalhada podia facilmente perder sua coesão. Alguns soldados se moviam mais depressa do que outros; outros podiam ficar para trás; alguns podiam desviar um pouco para a esquerda, outros um pouco para a direita. Espaços vazios podiam se formar rapidamente. A maioria dos generais preferia atacar em coluna (menos homens na linha de frente, mas muitos mais em profundidade). Os espaços vazios eram menos problemáticos para uma coluna, porque muitos soldados de reposição ficavam situados atrás de qualquer abertura que aparecesse.

Projéteis de artilharia que explodem produzem filmes emocionantes, mas simples e sólidas balas de canhão eram usualmente empregadas para fragmentar as formações da infantaria. Isso abria uma fenda profunda em qualquer linha de soldados que estivesse à frente e infligia ferimentos terríveis, despedaçando facilmente qualquer parte do corpo atingida e espalhando, como se fossem estilhaços, fragmentos de ossos partidos nas fileiras vizinhas. Com alcance menor, projéteis mais leves podiam ser pulverizados sobre a formação da infantaria. Uma coluna sofria perdas mais pesadas sob canhões do que sob mosquetes, por ser mais profunda e mais compacta. Uma formação em linha era o oposto. O tiro de um canhão atingindo uma linha poderia ferir um ou dois soldados, antes de deslizar e atolar na lama atrás deles.

Apesar dos perigos de se manter rigidamente em formação como um alvo para a artilharia, ainda assim isso era mais seguro do que tentar correr. A cavalaria estava sempre pronta para atacar com sabres e lanças, derrubando qualquer soldado desgarrado a pé que encontrasse. Isso incluía não somente a cavalaria inimiga como também a cavalaria aliada, que geralmente tinha ordens de fazer de exemplos os malandros e desertores.

As melhorias nos mosquetes haviam reduzido o impacto da cavalaria na batalha e empurrado os cavaleiros para as linhas laterais. Atacar um batalhão de infantaria era quase sempre fatal, mas a cavalaria podia facilmente dispersar e massacrar grupos perdidos de escaramuçadores, caçar franco-atiradores, ou massacrar a infantaria que se desgarrasse e fugisse. Quando atacava a artilharia, a cavalaria afugentava os artilheiros e martelava pregos de aço dentro do ouvido dos canhões, deixando-os inutilizados. Para a infantaria, a melhor defesa contra os cavaleiros era formar um quadrado compacto, eriçando as baionetas em todas as direções, mas isso proporcionava um alvo melhor para a artilharia.10 Como um jogo mortal de pedra-papel-tesoura, nenhuma só formação era a melhor contra todos os inimigos.

O objetivo de uma batalha napoleônica não era simplesmente derrotar os oponentes, por bem ou por mal. Melhor era destruir a disciplina e a coesão do inimigo, regimento por regimento, enfraquecer seus ataques, romper suas linhas com a artilharia, acossar os soldados inimigos no campo com uma carga de infantaria e mantê-los em fuga perseguidos pela cavalaria. Ao fim do dia, os generais de ambos os lados tinham muitas unidades fora de ação, não medidas puramente em termos de baixas, mas de debandados, exaustos, escondidos e perdidos na fumaça, ou então saqueando os mortos ou evacuando os feridos. Os generais colocavam novas reservas nos setores onde o inimigo se mostrasse vulnerável para o último ataque. Isso nem sempre funcionava. Ao fim do dia em Waterloo, o massacre da última reserva de Napoleão (a Velha Guarda) destruiu qualquer esperança que ele pudesse ter de recuperar a supremacia.11

Longe do campo de batalha

A medicina ainda era baseada na crendice popular e na teoria greco-romana, assim os soldados morriam mais de doenças do que nas batalhas. O ajuntamento de milhares de jovens de todo o continente nos acampamentos fazia, frequentemente, com que ficassem expostos às doenças infantis, tais como sarampo e varíola, para as quais não haviam desenvolvido imunidade. Rações estragadas levavam ao escorbuto. Ferimentos levavam à infecção. Latrinas e poços mal projetados transmitiam pela água doenças como a febre tifoide e a disenteria, enquanto que o uso do mesmo uniforme dia após dia permitia o aparecimento de colônias de piolhos e pulgas, que espalhavam o tifo e a peste bubônica. Em ambientes especialmente insalubres, novas doenças desconhecidas podiam enfraquecer um exército. Quando Napoleão tentou restabelecer o controle sobre a ilha rebelada do Haiti, os franceses tiveram de abandonar a invasão após perder metade dos homens devido à febre amarela.

Como um fato positivo, a vacinação estava começando a ser praticada e o campo da saúde pública ganhou um impulso maior durante a era de Napoleão, quando as nações se esforçavam para manter as crianças vivas a fim de reabastecer os exércitos. Provavelmente não foi coincidência que a Prússia estabelecesse em âmbito nacional a vacinação grátis em 1806, logo depois que seu exército foi derrotado por Napoleão na Batalha de Jena.12

Os civis raramente ficavam sob o fogo direto. Os exércitos precisavam de espaço aberto para preparar e organizar os soldados de maneira tal que estivessem prontos para entrar em combate, por isso evitavam guerrear nas cidades. Os campos de batalha eram usualmente pequenos o bastante para permitir que as famílias rurais do local saíssem correndo ao primeiro sinal de problema. Por outro lado, cidades sitiadas eram comumente bombardeadas. A armada britânica matou 1.600 civis durante o bombardeio em Copenhague em 1807.13

A extensão das operações militares napoleônicas era restringida pelo apetite dos animais de tração. Se o exército se afastava mais que uns poucos dias de um rio ou porto de mar, os veículos só podiam carregar o feno para alimentar os animais que os puxavam, mais nada. A única maneira de superar isso era por meio de destacamentos de pilhagem para saquear constantemente à frente do exército principal, confiscando a forragem que os camponeses haviam separado para seus próprios animais.

Um número sem precedente de soldados vagava de um lado para outro pela Europa, requisitando os alimentos dos camponeses por onde passavam. Eles matavam a criação para o seu próprio uso, incluindo galinhas, que teriam melhor uso botando ovos, e vacas, que estariam melhor produzindo leite. Os exércitos confiscavam cavalos e bois para transporte. Recrutavam os homens fisicamente capazes e deixavam os velhos, as crianças e os fracos para se proverem por si sós. Isso continuou por anos e anos, sem cessar. Foi constatado que 1 milhão de civis no noroeste da Europa morreram como resultado dessas guerras.

Enquanto os exércitos saqueavam facilmente as ricas fazendas no noroeste da Europa, as terras nos limites irregulares do continente eram acidentadas ou primitivas demais para sustentar os grandes exércitos de que Napoleão precisava para a vitória. Na Espanha e na Rússia, ele viu seus exércitos explorarem os campos sem conseguirem levantar provisões suficientes para aguentar a longa e severa campanha necessária para subjugar os locais.

A campanha russa

A invasão da Rússia por Napoleão foi a campanha mais solitária e chocante das guerras napoleônicas, provavelmente de todo o século XIX. Quando a Rússia se recusou a cortar o comércio com a Grã-Bretanha, Napoleão recrutou por toda a Europa ocupada 611.900 soldados e 25 mil civis de apoio para o Grande Exército. Liderou, pessoalmente, 250 mil em junho de 1812 ao longo do principal eixo de avanço em direção a Moscou, enquanto exércitos menores sob as ordens de seus marechais seguiam como reservas ou cobrindo os flancos.14 O exército de Napoleão era grande demais para que os russos até mesmo pensassem em enfrentá-lo, mas, ao recuar, os russos devastaram os campos à frente dos franceses, sem deixar coisa alguma para alimentá-los. As doenças enfraqueceram as fileiras francesas, assim como a necessidade de deixar guarnições para proteger o caminho de volta; com isso, o Grande Exército estava reduzido quase à metade quando os russos, finalmente, enfrentaram Napoleão em Borodino, no mês de setembro. Napoleão expulsou-os do caminho numa batalha confusa que deixou Moscou livre para ser ocupada.

No entanto, logo depois que os franceses entraram em Moscou para esperar o inverno, incêndios se espalharam pela cidade vazia. Sabendo que jamais sobreviveriam ao inverno russo naquelas ruínas, Napoleão começou a sua retirada em outubro, mas a tática de terra arrasada, usada anteriormente pelos russos em retirada, cobrou seu preço pela segunda vez. Enquanto os retirantes franceses cambaleavam para casa com rações reduzidas, a neve chegou mais cedo. Os cavalos eram comidos e os canhões, abandonados. “Nossos lábios ficavam grudados”, escreveu um sobrevivente. “Nossos narizes congelavam. Parecia que marchávamos sobre um mundo de gelo.”15 Os cossacos seguiam o rastro dos retirantes franceses, matando com imaginação e prazer os extraviados. Em dezembro, apenas uns 70 mil sobreviventes esfarrapados do exército de Napoleão atravessaram o último rio em segurança, deixando meio milhão de mortos, capturados ou desertores para trás.

O Império Francês estava mortalmente ferido, e os lobos acordaram e formaram círculos para a matança. Nações pacificadas anteriormente, como a Áustria e a Prússia, criaram novos exércitos e, tendo aprendido com os franceses, levantaram suas nações com patrióticos apelos apaixonados. Napoleão voltou correndo para a França e recrutou todos os jovens que haviam alcançado a maioridade, desde que ele fora para a Rússia. Deixando o império sem tropas de guarnição, reconvocou os veteranos reformados. Com um exército que no papel estava de volta ao nível pré-Rússia, mergulhou no coração da Alemanha para evitar que os aliados desmantelassem o seu império.

A Batalha de Leipzig, travada por quatro dias em outubro de 1813, é a primeira batalha com registro histórico confiável que teve mais de meio milhão de combatentes, e uma das poucas que Napoleão lutou na defensiva ou numa cidade. O exército de Napoleão, ainda não testado e em número inferior, levou a pior, e seus aliados saxões trocaram de lado no meio da batalha. Napoleão começou a recuar para trás do rio Elba; no entanto, as pontes foram explodidas antes que ele chegasse ao fim, e dezenas de milhares de franceses ficaram retidos do lado errado do rio.

Embora derrotado, ele ainda era Napoleão, e fez seus inimigos lutarem a cada passo, na volta à França. Os exércitos aliados gradualmente foram avançando pela França e tomaram Paris em março de 1814. Admitindo, finalmente, a derrota e abdicando em abril, Napoleão foi exilado na pequena ilha mediterrânea de Elba, livre para reger sua pequena corte e passar em revista seu pequeno exército. Então, os monarcas da Europa enviaram seus representantes ao Congresso de Viena para criar um novo status quo que impedisse o ressurgimento do liberalismo.

Como no final de um filme de terror, quando o vilão é derrotado e largado à morte, apenas para ressurgir molhado, ensanguentado e furioso das profundezas de um abismo ou de uma cachoeira e, de repente, atacar uma última vez, depois que o herói deixou sua espada de lado ou a heroína despiu-se para deitar, foi isso que Napoleão fez. Ele arrebentou a janela e tentou estrangular uma apavorada adolescente de camisola – metaforicamente falando.

Depois de entrar sorrateiramente na França em fevereiro de 1815, Napoleão reagrupou seus aliados e comandou o exército francês na Bélgica, esperando derrotar os exércitos aliados que se aproximavam, um de cada vez, antes que se unissem numa horda imbatível. Venceu os britânicos em Quatre Bras, depois os prussianos em Lygny, e voltou a atacar os ingleses antes que eles pudessem se refazer do primeiro golpe. Em Waterloo, os bretões de Wellington resistiram o dia inteiro à impetuosidade do ataque francês, até que os prussianos chegaram para afugentar os exaustos franceses. A batalha aniquilou definitivamente o exército de Napoleão, e não houve outra escolha senão bater em retirada e chegar a um acordo com os vitoriosos.

O plano original de Napoleão era fugir para a América, mas o controle dos mares pelos ingleses pôs um fim a isso. A maioria dos seus inimigos queria vê-lo morto, mas a Grã-Bretanha nunca fora invadida por Napoleão, e os ingleses provaram ser mais flexíveis nesse ponto do que, digamos, os russos. Napoleão foi levado a bordo de um navio de guerra britânico e escondido em segurança num chalé fortemente guardado num dos lugares habitáveis mais remotos do mundo – a ilha tropical de Santa Helena, no Atlântico. Lá ele permaneceu em prisão domiciliar como um cidadão comum pelos últimos seis anos de sua vida.

Legado mundial

Sem o controle dos mares, Napoleão não podia impor sua vontade fora da Europa, mas para alguém que nunca passara da bacia mediterrânea, ele causou rupturas em escala global. O hemisfério ocidental foi quase totalmente transformado pela carreira de um homem que nunca pôs os pés ali.

A ocupação da Espanha pela França deixou as colônias espanholas na América à deriva. Forçadas a tomarem conta de si mesmas enquanto a Espanha estava em desordem, resistiram quando a monarquia espanhola restaurada tentou reassumir o controle. Foi necessária uma década de sangrentas guerras coloniais, mas finalmente as comunidades latino-americanas estabeleceram sua independência.

Nos Estados Unidos, a política externa rachou ao longo das linhas partidárias, com os jeffersonianos completamente a favor de matar reis e apoiar a França, o antigo aliado da América contra os odiados ingleses, enquanto os federalistas pendiam mais para os tradicionais laços étnicos e econômicos com a Inglaterra e o medo de revolução comum à classe média. O debate se tornou tão violento que o presidente do Congresso Americano foi apunhalado depois que o Congresso aprovou um tratado favorável à Grã-Bretanha.

Enquanto os federalistas estavam no poder, a América lutou contra a França numa guerra naval não declarada, mas, em 1880, a eleição de Thomas Jefferson para a Presidência restaurou a amizade da América com a França e a hostilidade com a Inglaterra. Quando precisou levantar dinheiro, Napoleão vendeu suas terras norte-americanas a Jefferson, dobrando o tamanho dos Estados Unidos e colocando a costa continental do Pacífico ao seu alcance. Dez anos mais tarde, em 1812, enquanto Napoleão caminhava penosamente pela Rússia, a América entrou em guerra com a Inglaterra devido ao bloqueio da Europa napoleônica. A tentativa americana de conquistar o Canadá foi frustrada, mas o assalto britânico contra Baltimore e Nova Orleans também falhou, de modo que a guerra acabou oficialmente em empate. Pelo menos a América ganhou um hino nacional por causa disso.

Até as mais longínquas localidades da África e Ásia foram atingidas pelas guerras na Europa. Depois que a França ocupou os Países Baixos, os ingleses se apoderaram da colônia alemã em Cape Town, a qual, finalmente, se transformou na conturbada nação da África do Sul. Os ingleses também tomaram dos alemães o estratégico estreito de Málaca, onde logo construiriam a cidade de Cingapura.

Comparadas a outros eventos da minha lista, as guerras napoleônicas sobressaem por duas razões. São das poucas megamortes que terminaram quando o perpetrador foi preso e exilado, e estão entre as poucas que mataram mais soldados do que civis. De fato, se pudéssemos contar apenas as mortes dos soldados e ignorar os civis, as guerras revolucionárias napoleônicas seriam coletivamente contadas como o terceiro conflito mais sangrento da história, atrás das duas grandes guerras mundiais.

a Hoje se sabe que a resposta mais sem graça era a certa, durante todo o tempo, e que o Delfim desaparecido simplesmente morreu na prisão. Em 2000, um coração preservado que sumira misteriosamente durante a autópsia de um jovem prisioneiro, em 1795, e circulara pelos meios monarquistas durante dois séculos, provou ter o mesmo DNA mitocondrial de uma mecha preservada do cabelo da rainha. Isso deveria ter sido uma prova definitiva, mas lacunas na cadeia de evidência deixaram espaço suficiente para suspeitas de que o coração pode ter residido dentro de outro membro da família real (Jan Bondeson, The Great Pretenders: The True Stories behind Famous Historical Mysteries [Nova York: W. W. Norton, 2004]; Nadya Labi, “Requiem for a Dauphin. DNA Analysis Reveals That the Young Heir to the French Throne Left to Die in Prison Was No Impostor”, Time, 1º de maio de 2000).