A REVOLTA DOS ESCRAVOS HAITIANOS
Número de mortos: 400 mil (350 mil haitianos, 50 mil soldados europeus)1
Posição na lista: 81
Tipo: revolta de escravos
Linha divisória ampla: escravos versus senhores
Época: 1791–1803
Localização: São Domingos (agora Haiti)
Estados participantes: França, Grã-Bretanha, Espanha
Quem geralmente leva a maior culpa: um número surpreendente de pessoas culpa os escravos
Fatores econômicos: escravos, açúcar
Duas classes claramente definidas habitavam a colônia francesa de São Domingos no mar caribenho – uma pequena minoria branca de cidadãos que desfrutava de todos os direitos civis, e uma enorme maioria de escravos que não desfrutava de direito algum. Uma vaga terceira classe de mulatos livres, tão numerosos quanto os brancos, ocupava uma posição mais complicada. Eles podiam ter propriedades e formar famílias, mas não tinham voz na lei ou na política.
Todas as revoluções liberais depois do Iluminismo tiveram de encarar a contradição da escravidão ser legal em um país livre. Algumas a aboliram; outras chegaram a um meio-termo; os franceses iam e vinham, dependendo de quem estivesse no comando no momento. Depois da Revolução Francesa, Paris decidiu introduzir um pouco mais de democracia no Haiti, concedendo o direito pleno de voto para qualquer homem livre em São Domingos que tivesse uma propriedade, mesmo sendo birracial. Naturalmente, os brancos na colônia não queriam aceitar uma lei que cortava o seu poder político pela metade, de modo que os protestos provocaram distúrbios, e lutas esporádicas irromperam em 1790.
Então, inesperadamente, em agosto de 1791, os escravos ao norte da ilha se revoltaram, massacrando com ferramentas agrícolas 2 mil dos seus senhores brancos e queimando mais de 1.200 cafezais e duzentas plantações de açúcar. Os sobreviventes brancos retaliaram, matando 10 mil escravos. Logo todo mundo estava matando todo mundo.2
Nesse ínterim, Paris rescindiu a lei original de privilégios. Os mulatos livres, sob o comando de Jean-Jacques Dessalines, juntaram-se aos escravos e forçaram os brancos a se refugiarem em três enclaves defensivos. Os rebeldes geralmente matavam qualquer branco que não escapasse a tempo, independentemente de idade ou sexo.
Em 1793, comissários chegaram da França para ajeitar as coisas. Eram radicais, mais inclinados para o lado dos escravos do que dos seus senhores, e começaram a atender a lista de reivindicações dos mulatos. Nesse meio-tempo, a população branca começou a recuar para outras ilhas menos explosivas e para os Estados Unidos.3
O caos deixou São Domingos vulnerável às outras potências coloniais e, assim, tropas espanholas e britânicas chegaram em setembro de 1793 para repartir a colônia francesa. Com os navios ingleses no controle dos mares, a França não podia enviar tropas para impedir aquilo, mas, como retaliação, o governo francês declarou livres todos os escravos, na esperança de que lutariam por eles contra a Inglaterra e a Espanha. Isso, realmente, funcionou. Com as forças espanholas, viera um exército de antigos escravos franceses sob o comando de Toussaint Louverture. Quando os governantes franceses, em 1794, aboliram completamente a escravatura nas colônias, Toussaint se juntou a eles. Isso fez com que a ilha se tornasse francesa outra vez.4
Um curto intervalo nas hostilidades globais entre a França e a Inglaterra deu a Napoleão a chance de embarcar um exército para derrotar os rebeldes haitianos, que já eram outra vez escravos. (Napoleão restaurara a escravidão.) Ele enviou seu cunhado, Charles Leclerc, com 20 mil homens para retomar a ilha em fevereiro de 1802. Depois de algumas poucas derrotas, Dessalines e vários chefes menores reconheceram a autoridade francesa, mas Toussaint continuou a lutar obstinadamente. Por fim, Leclerc desistiu e reconheceu a autoridade de Toussaint como governador legal do Haiti. Em junho de 1802, Leclerc convidou Toussaint para um jantar comemorativo, onde ele foi parabenizado, emboscado, preso e embarcado de volta para a França sob grilhões. Os franceses esconderam Toussaint em uma masmorra nas montanhas Jura da França, onde ele morreu de frio e esquecido em menos de um ano.5
Lá no Haiti, as doenças fizeram o que os rebeldes não haviam conseguido. Finalmente, metade da força de invasão francesa – incluindo Leclerc – morreu de febre amarela. Embora Napoleão continuasse a enviar reforços, aqueles que sobreviviam às febres tropicais não estavam em condições de disputar o controle da colônia. Quando os haitianos perceberam a crescente fraqueza dos franceses remanescentes, a rebelião se intensificou. Dessalines retomou sua luta contra os franceses.
Quando a guerra entre a França e a Inglaterra recomeçou em maio de 1803 e interrompeu a navegação francesa, Napoleão finalmente cedeu. Abandonando suas ambições, as tropas francesas e 1.800 civis refugiados deixaram a ilha durante uma trégua, em novembro de 1803, tendo sido acordado que oitocentos doentes e feridos, fracos demais para viajar, podiam ser deixados para trás e enviados para a França depois que se recuperassem. Em vez disso, poucos dias mais tarde, os haitianos lotaram botes com os doentes hospitalizados, avançaram mar adentro e os atiraram borda afora.6
O principal legado da revolta dos escravos haitianos, além de estabelecer a segunda nação independente da América, foi apavorar os proprietários de escravos por todo o hemisfério ocidental a ponto de se recusarem até mesmo a pensar em libertar seus escravos. Vejam o que aconteceu em São Domingos, diziam eles. Querem que isso aconteça aqui? Nos Estados Unidos, logo após a Revolução Americana, havia sociedades abolicionistas tanto nos estados livres quanto nos escravagistas; depois do Haiti, porém, nenhum sulista genuíno permitia a mais simples discussão sobre isso, o que aguçou a divisão regional.