SHAKA

Número de mortos: 1,5 milhão morreram por causa do seu governo

Posição na lista: 40

Tipo: conquistador

Linha divisória ampla: zulus versus todos os outros

Época: entre 1816 e 1828

Localização: África do Sul

Quem geralmente leva a maior culpa: Shaka

Bastardo completo

Quando o chefe Senzangakhona, dos zulus, ouviu dizer que engravidara uma moça chamada Nandi, tentou tratar o assunto com indiferença, alegando ser apenas uma infecção intestinal que modificara o fluxo menstrual dela. Quando a gravidez se desenvolveu e produziu um bebê ilegítimo em 1787, o novo filho do chefe foi sarcasticamente chamado de Beetle, ou Shaka. Como Nandi era parenta muito próxima do chefe para poder ser sua esposa efetiva, ela foi envergonhadamente afastada para o fundo do harém como uma esposa inferior. Finalmente, Nandi foi mandada de volta para a aldeia de sua família, onde Shaka passou o resto de sua infância como um órfão, escarnecido, ameaçado e provocado pelas outras crianças.1

Anos mais tarde, quando Shaka assumiu o poder, seu exército surpreendeu a velha aldeia com uma furtiva incursão noturna. Depois de reunir os habitantes, Shaka matou todos os que haviam escarnecido dele na infância, empalando-os pelo reto nos mourões pontudos das cercas dos currais, e, depois, acendendo fogo embaixo deles. Para os aldeões que apenas haviam ficado assistindo enquanto os outros o provocavam, Shaka mostrou alguma misericórdia: seus crânios foram rachados com uma clava em busca de morte rápida. Só um único homem, que podia comprovar um ato anterior de bondade para com Nandi, foi poupado.2

Impis e azagaias

No começo do século XIX, as várias tribos do povo Nguni foram consolidadas em duas grandes confederações: os Ndwandwe (liderados por Zwide) e os Mthethwa (liderados por Dingiswayo). Não se apegue demais a qualquer das duas, pois irão desaparecer no fim deste capítulo.

Os zulus começaram como uma tribo secundária de Nguni, sob o comando de Dingiswayo. Quando Shaka chegou à adolescência e o grupo da sua idade foi chamado para o serviço militar, Dingiswayo reparou na coragem e audácia do rapaz e o preparou para ser chefe. Contavam-se histórias sobre a calma de Shaka diante do ataque de um leopardo, que ele matara, e diante de um guerreiro gigantesco, que ele também abatera cara a cara. Quando, em 1816, o pai de Shaka morreu, Dingiswayo providenciou para que Shaka, em vez dos seus meios-irmãos legítimos, assumisse o controle dos zulus.

As batalhas tribais naqueles dias eram rituais de desafio, travadas de longe com lanças leves (azagaias). Havia muita zombaria e pose entre os homens em luta e entre as mulheres nas linhas laterais, mas poucas mortes. Eram ocasiões alegres e festivas com danças, cantos e gritos.

Shaka, no entanto, levava a questão da guerra mais a sério. Ele treinava seus guerreiros a matar friamente em combate próximo. Aumentou o tamanho dos escudos ovais de couro de boi dos homens e os armou com pesadas lanças de ferro pontudas que ele próprio desenhara, chamadas de ixlwa, supostamente devido ao som que faziam, ao serem fincadas dentro do intestino do inimigo e depois puxadas para fora.

Os zulus aprenderam a correr e lutar até o limite da velocidade e resistência humanas. Os soldados de Shaka abandonaram suas sandálias frouxas e moles, lutando descalços. As solas dos seus pés eram curtidas pelas longas corridas sobre espinhos e chão duro, e qualquer um que hesitasse durante aqueles exercícios podia ser morto na hora.3

Shaka dispunha seus impis (regimentos) como uma falange densa, e não uma longa fila de confronto. Cada impi era tomado por um grande orgulho, e Shaka os encorajava a manter uma feroz rivalidade entre si. Com frequência tinham de entrar em combate separadamente, porque lutavam uns contra os outros se ficassem muito perto. Os homens que haviam “lavado suas lanças” – derramando sangue em batalha – podiam usar um distintivo e um prestigioso aro na cabeça.

Seus regimentos atacavam na formação do “búfalo”: uma sólida cabeça que colidia diretamente contra a linha de frente do inimigo, um corpo que reforçava a primeira onda e dois chifres curvos formados por velozes corredores que atacavam pelos flancos e por trás dos inimigos para evitar que escapassem. Era projetado para aniquilar quem quer que ficasse no caminho.4 Na primeira batalha em que essa formação foi usada, os chifres zulus cercaram os guerreiros inimigos e suas mulheres incentivadoras, e todos foram assassinados sem misericórdia.

Não havia quem resistisse aos zulus, depois que eles desencadearam essas novas táticas contra seus vizinhos. Shaka lutava para exterminar e fazer poucos prisioneiros. Somente uma rendição imediata, incondicional e abjeta podia evitar que a tribo atacada fosse alvo de uma destruição impiedosa. As tribos inimigas eram exterminadas até o último homem, só que os rapazes eram frequentemente incorporados ao exército zulu, e as raparigas, aos haréns.5 Durante sua carreira, Shaka conquistou mais de trezentos clãs, sendo a lista completa tão impressionante quanto tediosa.6 Como os zulus geralmente absorviam os clãs derrotados, é improvável que você ouça seus nomes em qualquer lugar que não seja uma biografia de Shaka. Até os clãs que mantêm hoje uma identidade própria estão ainda encobertos pela sombra dos zulus.

Por volta de 1817, Dingiswayo foi morto numa batalha contra Zwide, da Confederação Ndwandwe. Shaka acabou vingando a morte de seu mentor, e subjugou o exército da Ndwandwe na Batalha do rio Mhlatuze, em 1820. Zwide escapou com um punhado de seus homens, mas Shaka achou e assassinou as mulheres e as crianças dos confederados. Como uma vingança especial, prendeu a mãe de Zwide, uma poderosa feiticeira, numa cabana cheia de hienas famintas.

Sobre a genitália dos tiranos

Pode acreditar: eu não quero discutir o pênis de Shaka mais do que você quer ler sobre isto, mas o assunto aparece inevitavelmente nas biografias dele – principalmente naquelas escritas por estudiosos da linha freudiana. Durante a infância de Shaka, as outras crianças da aldeia implicavam sem piedade com o pequeno pênis dele (“feito uma minhoca”); mais tarde, porém, ele frequentemente andava nu de um lado para outro, a fim de mostrar a todos que seu pênis crescera normalmente, muito obrigado. No entanto, a infância atormentada provavelmente afetou a sua psique. Um traço constante na tirania de Shaka é a fanática atenção para a vida sexual dos seus súditos.7

Shaka organizava as mulheres zulus em regimentos que não lutavam, paralelos aos regimentos dos homens. Ele proibia seus soldados de casarem antes dos 40 anos, mas, chegado o tempo, designava para eles esposas do regimento feminino correspondente.

Sexo fora do casamento era absolutamente proibido. Qualquer mulher solteira que engravidasse de um dos seus guerreiros era morta, assim como seu amante. Na verdade, Shaka matava suas próprias mulheres se elas engravidassem, mas ninguém sabe a razão. Entre as possibilidades que foram sugeridas estão (a) ele temia o nascimento de um filho que poderia se tornar um rival (desculpa do próprio Shaka), ou (b) ele era impotente, e assim suas esposas só engravidariam por infidelidade, ou (c) mesma coisa, mas ele era gay, e não impotente. No entanto, as práticas sexuais dos zulus eram suficientemente discrepantes das práticas ocidentais para tornar sem sentido palavras como gay e impotente. É provável que Shaka fizesse exclusivamente uku-hlobonga (não há tradução fácil para isso) com suas mulheres, o que significava que nenhuma podia engravidar sem trapaça.8

Quando sua mãe, Nandi, morreu, Shaka impôs leis rígidas de luto, enquanto chafurdava na dor. Nenhuma plantação podia ser colhida, nenhuma vaca podia ser ordenhada e, obviamente, ninguém podia fazer sexo. Se uma mulher engravidava durante o período do luto, tanto ela quanto o pai da criança eram mortos, mesmo se fossem casados.9 Nove mil zulus acabaram mortos por não demonstrarem tristeza suficiente.

A cada novo episódio de loucura sanguinária, Shaka perdia apoio, até que finalmente foi assassinado por seus meios-irmãos, enquanto estava dentro da paliçada da sua aldeia. Enquanto ele estava sendo abatido, todos os cortesãos, criados, vizinhos e aldeãos fugiram da aldeia, aterrorizados, temendo serem acusados por aquilo. O corpo de Shaka ficou abandonado na aldeia vazia durante a noite; a única proteção contra as hienas que rondavam por ali era uma das esposas favoritas da sua adolescência, que ficara para trás. Na manhã seguinte, ele foi enterrado às pressas numa cerimônia mínima. Seus ossos estão provavelmente sob uma rua qualquer da cidade de Stanger, na África do Sul.

Mfecane

Shaka iniciou um maciço levante chamado Mfecane, o “Esmagamento”. Quando as tribos mais fracas ao sul da África fugiram para escapar da fúria de Shaka, provocaram ondas de instabilidade que perturbaram o status quo incompleto do continente. As primeiras ondas eram muitas vezes de zulus piratas que procuravam construir seus próprios reinos derrotando povos desacostumados às novas táticas zulus. Então, aquelas tribos derrotadas afluíam para o círculo mais próximo de vizinhos, até que, finalmente, todos estavam em movimento. Nações se acotovelavam até a geração seguinte, e comunidades descendentes de fugitivos sul-africanos estão agora espalhadas pelo Quênia, Malaia, Tanzânia, Uganda, Zâmbia e Zimbábue.10

Entre os movimentos importantes:

Cobbing

Toda a carreira de Shaka se passou além do horizonte do mundo literário, então só temos informações de segunda mão sobre a sua vida. Visitantes europeus à corte de Shaka retornaram com horríveis histórias sobre um louco rei selvagem que disseminava morte e destruição aonde fosse. As tribos locais transmitiram lendas, rumores e histórias orais que somente foram passadas para o papel muito depois dos fatos. Isso deixa bastante espaço para se reescrever a história da maneira que se quiser.

Os africanos brancos vêm há muito afirmando que o Mfecane deixou o interior da África do Sul vazio de nativos, coberto de ossos e convenientemente livre para ser ocupado quando seus antepassados bôeres chegaram, algumas décadas mais tarde. Os africanos negros juram que o Mfecane nunca foi tão destruidor assim, e que foi a invasão dos comerciantes brancos de escravos que causou tudo aquilo. A teoria de que os horrores do Mfecane são, na sua maioria, propaganda branca (chamada de hipótese Cobbing, depois que o historiador publicou isso em 1988) ganhou crédito, mas é ainda um ponto de vista minoritário. O debate está longe de ser decidido, mais frequentemente orientado por ventos políticos do que por provas sólidas.11

Em 1838, Henry Francis Fynn, um dos visitantes brancos de Shaka, cujo diário é a principal fonte do que está escrito sobre ele, apresentou a primeira contagem de corpos: 1 milhão de mortos sob as mãos de Shaka.12 Um ano depois da publicação de Fynn, a inteligência militar de Cape Town passou esse número a Londres.13 Em 1900, o historiador George McCall Theal inflou a contagem de corpos para 2 milhões e, desde então, a maioria dos historiadores modernos ou repete esses números sem questionamento14 ou evita falar em números.

Embora não haja provas cabais desse número de mortos de 1 milhão ou mais, o fato de tantos historiadores aceitarem isso é persuasivo por si mesmo. Se estavam verdadeiramente insatisfeitos com essa estimativa, tiveram dois séculos para corrigi-la. Não corrigiram.