A GUERRA DA CRIMEIA
Número de mortos: 300 mil1
Posição na lista: 96
Tipo: guerra internacional
Linha divisória ampla: todos versus Rússia
Época: 1854-56
Localização: mar Negro
Principais Estados participantes: Rússia versus Turquia, França, Grã-Bretanha
Quem geralmente leva a maior culpa: todos, menos os turcos
Outra praga: guerra de trincheiras e ataques frontais idiotas
Uma coisa que todo mundo deve saber sobre a guerra da Crimeia é a completa incompetência demonstrada por todos os envolvidos. Essa guerra nos deu “A Carga da Brigada Ligeira” – possivelmente o mais conhecido poema da língua inglesa –, que descreve a tola coragem de um assalto frontal inútil. A guerra da Crimeia foi a primeira guerra a ser fotografada e relatada por correspondentes de guerra para os jornais diários. Foi também a primeira guerra a chocar e horrorizar as pessoas em seus lares. A única pessoa que a história recorda com simpatia é uma mulher civil, Florence Nightingale, que decidiu por si própria atender aos soldados doentes e feridos, depois que o exército provou ser incapaz dessa tarefa.
A guerra começou estupidamente também. Os cleros ortodoxo e católico disputavam, em Jerusalém, a primazia sobre os lugares sagrados. O clero ortodoxo pediu ao czar Nicolau I da Rússia que defendesse sua causa ante o sultão otomano, o governador da Palestina. Os russos tiveram uma reação exagerada, insistindo em ser reconhecidos como protetores e porta-vozes de todas as minorias cristãs sob o governo turco. Isso, na verdade, faria da Turquia um protetorado russo, incapaz de tomar qualquer decisão sem a permissão dos russos. Para piorar as coisas, os russos enviaram, como seu negociador, um homem que odiava os turcos desde que fora castrado por uma bala de canhão na guerra russo-turca anterior.
Quando os turcos recusaram as exigências do czar, o exército russo voltou-se contra vassalos turcos nos Bálcãs, os principados romenos da Valáquia e Moldávia, para forçar uma decisão. A esquadra russa de Sebastopol, na Crimeia, capturou e destruiu a esquadra turca perto de Sinope, na costa turca.
Claro que o restante do mundo não podia deixar a Rússia conquistar o Império Otomano sem contestação, de modo que a Inglaterra e a França reuniram uma armada e uma força expedicionária, que foram enviadas para ajudar os turcos.
O exército turco, nesse ínterim, subira pela costa do mar Negro para enfrentar os russos e, logo ao sul do Danúbio, houve o confronto e o avanço russo foi paralisado. Então a Áustria lançou um ultimato à Rússia para que desistisse ou seria atacada também por eles. Rosnando e fumegando, os russos retrocederam para o interior da sua fronteira.
A guerra acabara.
Só que os aliados ingleses e franceses haviam feito toda aquela viagem, e não queriam voltar para casa sem explodir alguma coisa. Estavam definhando no acampamento ao longo do estreito de Dardanelos, morrendo de tifo e cólera, esperando a chance de atacar e, certamente, não deixariam que a guerra terminasse sem uma luta. Decidiram atravessar o mar Negro e destruir a base naval russa em Sebastopol, na península da Crimeia.
Em setembro de 1854, os aliados aportaram ao norte da cidade e derrotaram o pequeno exército de campanha russo em Alma. Isso deixou Sebastopol exposta à invasão, mas os aliados, em vez disso, estabeleceram um cerco e esperaram. Nas batalhas de Inkerman e Balaklava, os aliados repeliram duas tentativas russas de expulsão e, então, o inverno chegou.
Ninguém estava preparado para sobreviver ao inverno russo e o exército aliado definhou com o enregelamento, a depressão e a fome. Quando a primavera chegou, os sobreviventes não estavam em condições de apertar o cerco para pôr fim àquilo, de modo que os exércitos adversários ficaram parados ali, mês após mês, morrendo de disenteria e febre tifoide.
Depois de quase um ano, os exércitos aliados haviam finalmente resolvido adequadamente os seus problemas para prosseguir, mais uma vez, com a guerra. Em setembro de 1855, um ataque francês tomou um forte crucial da frente russa e os russos abandonaram Sebastopol, destruindo as instalações navais e fugindo com a frota. Tratados de negociações se arrastaram, mas, apesar dos melhores esforços de todos, a paz retornou em março de 1856.2
Dínamo
A guerra da Crimeia foi a primeira grande guerra após o advento da Revolução Industrial. As fábricas produziam, com rapidez, grande número de armas idênticas, botas, balas, tendas, capas e cantis. Estradas de ferro e navios a vapor podiam suprir exércitos cada vez maiores e mais distantes. Com a invenção da primeira produção em larga escala, a munição facilmente carregável nos rifles (a bala Minie) em 1848, os rifles rapidamente substituíram os mosquetes sem raias nos campos de batalha, aumentando o alcance e a precisão do tiro da infantaria. Em Waterloo (ver “Guerras napoleônicas”), os mosquetes acertavam apenas um alvo em 459 disparos, mas, na Crimeia, um em 16 projéteis acertava alguém.3
A guerra da Crimeia talvez tenha sido a primeira entre grandes potências em que não puderam ser utilizadas táticas de guerras anteriores, embora isso não tenha impedido que generais cabeçudos tentassem atacar com cargas napoleônicas homens entrincheirados com rifles. Desse ponto em diante, cada nova guerra precisou ser planejada do zero, geralmente depois que a primeira leva enviada para a luta era derrotada.
Com o grande aumento do poder de fogo, tornou-se mais difícil, para os regimentos que atacavam, alcançar as linhas inimigas. As guerras dessa era tendiam a começar com manobras e ataques em campo aberto, mas como os soldados em pé foram eliminados das batalhas com o aperfeiçoamento das armas de fogo, elas terminavam com a infantaria fortemente entrincheirada esperando em cercos enlameados, mês após mês, ao redor de importantes centros de transporte. As guerras de ação diminuíram e cessaram, enquanto os exércitos se agachavam em volta de cidades como Sebastopol (1854), São Petersburgo (1864) e Paris (1871). Essa tendência chegaria finalmente ao clímax nos combates de trincheira da Primeira Guerra Mundial.4