A REBELIÃO HUI
Número de mortos: 640 mil1
Posição na lista: 66
Tipo: revolta religiosa
Linha divisória ampla: hans (confucianos) versus huis (muçulmanos)
Época: 1862-73
Localização: província de Gansu
Principal Estado participante: China
Quem geralmente leva a maior culpa: depende
Outra praga: a revolta campesina chinesa
Fator econômico: varas de bambu
Chineses muçulmanos, os huis (ver “A Rebelião Panthay”), haviam se tornado bastante comuns no noroeste ao longo das rotas das caravanas para o Oriente Médio, adjacentes às terras turcas da Ásia central.
Durante a Rebelião Taiping, os oficiais da dinastia Qing haviam formado, por todo o país, milícias locais para defender pequenas comunidades dos ataques taiping, mas, na província oeste de Shaanxi, os huis formaram milícias para proteger a si próprios dos seus vizinhos han, com quem mantinham uma inimizade tradicional.
Alguns soldados hui, a caminho de casa depois de combaterem os taipings, começaram a discutir o preço das varas de bambu no mercado de Huanzhou. Uma briga explodiu e vários huis foram mortos.2 Naquela noite, os hans locais tocaram fogo no alojamento dos huis, e disso sobreveio uma guerra civil total. Quando a guerra atingiu a zona rural, suprimentos de comida, combustível e forragem escassearam, os preços subiram e ficaram inacessíveis à maioria dos habitantes. A fome chegou.
As milícias huis cercaram as cidades de Tongzhou e Xian, mas as tropas Qing sitiadas resistiram. Após alguns meses, os exércitos Qing forçaram os rebeldes a baterem em retirada para o oeste, no interior do Corredor Gansu, uma estreita faixa de terra fértil espremida entre as montanhas e os desertos do Ocidente, que tradicionalmente ligava a China pela Rota da Seda ao Oriente Médio. Ali a guerra chegou a um impasse.
Em 1868, um novo comandante chinês, Zuo Zongtang, chegou a Xian. Um antigo estudioso, Zuo alcançara fama derrotando a Rebelião Taiping. Ele era um organizador meticuloso e levou algum tempo treinando, suprindo e planejando a sua ofensiva. Por fim, foi abrindo caminho à força, passando pelas cidades ao longo de Corredor Gansu, e finalmente focalizando um determinado líder hui, Ma Hualong, como o homem que ele precisava derrotar primeiro.3
Ma Hualong ficou sitiado na capital hui em Jinjibao por longos e famélicos 16 meses. Depois que os rebeldes se renderam, em março de 1871, o general Zuo mandou esquartejar Ma, seus familiares e mais de oitenta de seus oficiais.a A última cidade hui importante, Suzhou, foi tomada em novembro de 1873. A isso se seguiu um massacre geral, mas a guerra ainda continuou na zona rural por vários anos. Muitas dezenas de milhares de sobreviventes fugiram rumo ao oeste, para terras sob o controle da Rússia.
Confusão confuciana
Detesto admitir isso, mas levei muito tempo para perceber que essa revolta dos chineses muçulmanos em Gansu não é a mesma que a do capítulo anterior, dos chineses muçulmanos em Yunnan. A maioria dos livros associa todas as revoltas contra a dinastia Qing durante o século XIX em uma confusão monstruosa, mas vamos tentar mantê-las separadas, por enquanto.
Outro possível motivo de confusão: os russos chamam os huis dessa região, que acabaram sob seu controle por migração e conquista, pelo nome de dungans, e por isso essa guerra é frequentemente chamada de Rebelião Dungan. Isso não tem nada a ver com os dzungars que encontramos em um capítulo anterior (ver “A guerra sino-dzungar”).
E, por fim, embora eu tenha dedicado três capítulos distintos ao pandemônio do século XIX na China, isso não esgota a lista. A Rebelião Nian, a Rebelião dos Turbantes Vermelhos e a guerra dos clãs Punti-Hakka, tudo irrompeu ao mesmo tempo, mas eles provavelmente não mataram bastantes pessoas para fazer parte desta lista.
a Se você é norte-americano, já deve ter ouvido falar de Zuo Zongtang (Tso Tsung-t’ang na grafia antiga). Ele é o general Tso do famoso prato para entrega em domicílio. Ninguém sabe por que pequenos nacos de frango frito levam o nome desse general Qing. A possibilidade mais divertida, mas menos provável, é que os refugiados chineses estabelecidos nos Estados Unidos, no final do século XIX, tenham demonstrado um pouco de humor negro acerca da tradicional forma chinesa de execução – a Morte por Milhares de Cortes. (Você ficaria parecido com esses frangos, caso se encontrasse com o general Tso.) Infelizmente, é mais provável que o prato tenha sido inventado em Manhattan por volta de 1970, e recebido aleatoriamente o nome de um famoso herói chinês (Michael Browning, “Quem foi o general Tso e por que estamos comendo seu frango?”, Washington Post, 17 de abril de 2002).