A GUERRA RUSSO-TURCA

Número de mortos: 500 mil1 (208 mil ou 283 mil soldados)

Posição na lista: 70

Tipo: choque de culturas

Linha divisória ampla: turcos versus cristãos

Época: 1877-78

Localização: Bálcãs

Principais Estados participantes: Rússia, Turquia otomana

Estados participantes secundários: Áustria-Hungria, Valáquia, Moldávia

Principais não Estados participantes: bósnios e búlgaros

Quem geralmente leva a maior culpa: Turquia

Em 1876 irrompeu na Bósnia uma revolta contra o governo da Turquia que rapidamente se espalhou por todos os súditos cristãos do sultão nos Bálcãs – macedônios, sérvios e búlgaros. Os rebeldes mais distantes, os bósnios, receberam a proteção da Áustria. Infelizmente, os mais próximos, os búlgaros, eram os mais fáceis de serem alvo do castigo otomano: quando as tropas turcas chegaram para abafar a revolta, dominaram rapidamente as cidades rebeladas e assassinaram 30 mil búlgaros de todas as idades e gêneros.

Os massacres horrorizaram a Europa, e todo o mundo insistiu que alguém fizesse algo. A princípio, o governo russo hesitou. Era um problema interno, afinal de contas, e ninguém queria começar uma guerra geral europeia por causa de uma maldita tolice nos Bálcãs. Tratados impediam a Rússia de interferir na Turquia, mas muitos oficiais idealistas do exército russo renunciaram e se juntaram aos rebeldes para lutar em prol dos seus amigos eslavos.

Com a opinião europeia a seu favor, os russos finalmente lançaram um ataque de surpresa em abril de 1877 ao sul da costa do mar Negro e libertaram a Bulgária do governo turco. Isso logo se transformou na única guerra popular da história da Rússia e, durante uns poucos anos, os voluntários excederam os convocados no recrutamento anual. Os russos pressionaram e frustraram várias tentativas otomanas para detê-los. Quando, em julho, os russos se aproximaram de Constantinopla, ficaram atolados frente às trincheiras externas da cidade turca de Plevna. Meses de assaltos infrutíferos desgastaram o exército russo e, quando Plevna se rendeu, em novembro, a guerra já durara tempo suficiente para o pragmatismo substituir o idealismo nas capitais da Europa. A opinião pública no Ocidente já passara da intenção de deter os turcos para a de salvá-los. Quando a armada britânica rumou para a zona de guerra, uma reprise da guerra da Crimeia parecia inevitável, até que todos se afastaram da beira do abismo.2

Por fim, o Império Otomano foi um pouco reduzido em favor das nacionalidades locais. O primeiro tratado imposto pelos russos tentava criar uma grande nação búlgara, que incluía quase tudo que os turcos ainda ocupavam na Europa, mas as outras potências não permitiram. Outro tratado negociado em Berlim reduzia a Bulgária à margem sul do baixo Danúbio, e ainda dividia isso em dois países. Os estados da Sérvia e da Romênia, que eram vassalos da Turquia, receberam plena independência, e à Áustria foi permitido ocupar – não possuir – a Bósnia. Os turcos também deram a ilha de Chipre aos britânicos como agradecimento por terem sido amigos quando preciso.3 Para purificar suas terras de todos os traços do inimigo, os búlgaros expulsaram, com considerável brutalidade, mais de meio milhão de habitantes muçulmanos, e incontáveis milhares de pessoas morreram no êxodo.

Cultura pop

Os filhos do Profeta são homens bravos e audazes

Desacostumados a fugir,

Mas o mais corajoso, de longe, nas fileiras do xá,

Era Abdul Abulbul Amir.

Já os heróis eram muitos e afamados,

Nas tropas comandadas pelo czar,

Sendo o mais valente deles um homem chamado

Ivan Skavinsky Skavar.

Um dia, esse russo corajoso pegou sua arma

E com sua truculência foi sorrir

Na cidade, só para pisar nos calos

De Abdul Abulbul Amir…

– Percy French, “Abdul Abulbul Amir”, 1877

Embora os britânicos se mantivessem fora da guerra, o conflito russo-turco deixou uma curiosa lembrança no vocabulário deles. Além da canção “Abdul Abulbul Amir”, escrita por um aluno do Trinity College, em Dublin, outro sucesso das revistas musicais baseadas em atualidades foi uma orgulhosa cançoneta escrita por G. W. Hunt e apresentada por G. H. “O Grande” MacDermott:

Não queremos brigar, mas por Jingo se entrarmos no meio,

Temos navios, temos homens e também temos dinheiro,

Já lutamos contra o Urso e, enquanto formos fiéis à bandeira,

Os russos não terão Constantinopla.

Desse refrão veio a palavra inglesa para uma entusiástica provocação de guerra: jingoism.

Essas duas canções representam muito bem os dois pontos de vista que parecem emergir em todos os debates sobre intervenção estrangeira. Há a atitude de que não podemos ficar simplesmente sentados, observando, enquanto os estrangeiros fazem algo horrível, e também a atitude de que os estrangeiros vêm se matando uns aos outros há anos, e continuarão a agir assim, pouco importando o que fizermos a respeito.

Baixas

Na maioria das batalhas contadas até agora neste livro, os exércitos geralmente deixavam os soldados feridos sem atendimento, gemendo onde caíssem, até o exército tirar uma boa noite de sono. Lutar nas batalhas era exaustivo. Juntar e tratar feridos tomava muito tempo e recursos para que os exércitos fizessem mais do que um esforço simbólico, enquanto o inimigo ainda estava na vizinhança, ameaçando recomeçar o ataque. Na verdade, ajudar a evacuar os feridos para a retaguarda era visto como uma artimanha covarde para escapar do perigo, e os exércitos geralmente tinham regras contra isso.4 Durante a década e meia que precedeu a guerra russo-turca, os humanitários do Ocidente trataram de organizar uma instituição neutra dedicada a tirar os soldados feridos dos campos de batalha e levá-los para os hospitais, sem depender das decisões dos generais. Desde que não tomasse partido, a Cruz Vermelha teria permissão para movimentar-se livremente em território hostil no cumprimento da sua missão.

Depois de um começo promissor numa pequena guerra entre a Prússia e a Dinamarca, em 1864, o movimento ganhou grande aceitação em 1870, na guerra franco-prussiana, mas teve seu primeiro empecilho na guerra russo-turca. Numa guerra entre muçulmanos e cristãos, os soldados turcos tinham dificuldade para aceitar que estrangeiros marcados com uma grande cruz vermelha não eram inimigos. Para acalmar suas suspeitas, dessa ocasião em diante a Cruz Vermelha passou a ser o Crescente Vermelho em terras muçulmanas.

Número de mortos

O exército russo contabilizou 35 mil mortos em combate e 83 mil mortos por doença ou acidente.5 As mortes de militares turcos foram estimadas em 90 mil6 ou 165 mil.7

Nenhum dos números de civis mortos que encontrei inspira muita confiança. O demógrafo soviético Bóris Urlanis fixou entre 300 mil e 400 mil os civis mortos na Rússia, embora a guerra não houvesse se passado ali.8 Nacionalistas turcos juram que os búlgaros massacraram 260 mil turcos, enquanto purgavam seu novo país dos primeiros opressores, mas essa estimativa partiu de Justin McCarthy, que está em desacordo com a tendência atual.9 Embora as especificidades sejam contestáveis, um total correto de centenas de milhares de civis mortos está provavelmente escondido no meio dessa confusão de números, mas não podemos dizer qual, como ou onde.

Um respingo no mar Negro em noite escura sem luar

Causou ondulações que se espalharam sem parar,

Provocado por um saco preso às costas

De Ivan Skavinsky Skavar.

Uma moscovita manteve sua longa vigília solitária

Murmurando um nome em vão, a chorar,

Sob a luz da fria estrela boreal:

O de Ivan Skavinsky Skavar.