O MODO OCIDENTAL DE GUERREAR

Aprimeira metade do século XX veria o auge do domínio ocidental sobre o restante do mundo. Muitas razões explicam o crescimento do Ocidente – capitalismo, geografia, monoteísmo, varíola e lactase (a enzima para digerir o leite) –, mas aqui só a guerra nos interessa. À primeira vista, pode parecer que foi o armamento superior que deu a vantagem ao Ocidente, mas, em muitas batalhas, os exércitos ocidentais estavam mais pobremente armados do que os inimigos. Os armeiros nativos argelinos fabricavam rifles melhores do que os dos arsenais da França, que os conquistara; os ricos exércitos orientais frequentemente compravam as armas mais modernas dos fabricantes ocidentais, como Krupp, Enfield e Winchester, muito antes dos pobres e endividados exércitos europeus que enfrentavam. Os exércitos ocidentais ganharam suas guerras por ser consistentemente superiores em atitude, apoio e disciplina.

O modo ocidental de guerrear é característico e friamente eficiente; é possível reconhecer uma tradição comum que começou com as falanges gregas, progrediu pela legião romana e pela linha de baionetas inglesa, e continuou com o desembarque americano na Normandia e em Iwo Jima. Primeiro, a guerra é declarada abertamente. Então, os soldados vão para as batalhas com bandeiras ou uniformizados, armas à vista, em força compacta. O combatente visa subjugar o inimigo e alcançar uma clara e decisiva vitória tão depressa quanto possível. A guerra termina com um tratado de paz formal.1

Espera-se que os soldados ocidentais sejam profissionais disciplinados. Eles são treinados repetidamente, até a coordenação entre todos os homens se tornar mecânica. A coragem não é definida por temerários combates homem a homem, mas pela atitude de ficar inabalavelmente ao lado dos seus companheiros.

Não é coincidência que a Primeira Guerra Mundial e as guerras napoleônicas sejam as únicas megamortes gigantescas da minha lista em que morreram mais soldados do que civis. O modo ocidental de guerrear é tão terrivelmente destrutivo, para os exércitos, que é preciso muito esforço adicional para chegar a matar tantos civis. Na verdade, historicamente as técnicas de guerra ocidentais têm sido tão mortíferas que muitas vezes um exército ocidental perde mais soldados ganhando uma batalha contra outro exército ocidental do que perdendo uma batalha contra forças nativas. Por exemplo, os Estados Unidos perderam mais soldados ganhando uma batalha contra os sulistas rebeldes pobremente equipados em Nashville do que quando foram eliminados pelos sioux em Little Highorn. Em sucessivas guerras na África do Sul, os bôeres (1899-1902) mataram mais de cinco vezes o número de britânicos mortos pelos zulus (1879), apesar da lendária ferocidade destes últimos e de sua surpreendente vitória em Isandlwana.

Embora os soldados europeus não sejam nem mais nem menos compassivos do que os de qualquer outra cultura, a filosofia de guerra ocidental tenta evitar a morte de civis e se concentra em acabar antes com os combatentes. Matar civis é considerado uma distração, um mal menor contra o inimigo, como pisar no pé de alguém em vez de ir direto na jugular. Mostrar misericórdia pelos prisioneiros de guerra é também encorajado por motivos práticos, se não por motivos morais. Isso tira um número enorme de soldados inimigos do caminho sem o incômodo de encostá-los na parede e matar todos. O objetivo de uma guerra ocidental é neutralizar a ameaça, e não matar só pelo simples prazer de matar.a

As regras pelas quais os países civilizados devem travar uma guerra foram codificadas pela Convenção de Haia em 1899, que tentou separar claramente, na zona de guerra, os beligerantes dos inofensivos. Desde que os primeiros lutassem uniformizados, e os últimos – civis, prisioneiros, feridos, médicos e jornalistas – mantivessem a cabeça abaixada e não reagissem, os não beligerantes eram considerados uma zona proibida.

Os artigos 25, 26 e 27 da Convenção de Haia permitia o bombardeio de cidades defendidas, o que era bom em 1899, quando bombardear significava jogar algumas bombas ao acaso numa cidade sitiada, para pressionar os defensores a capitular. Normalmente os civis estavam longe demais para serem atingidos, e assim o canhoneio matava muito menos pessoas do que a fome em uma cidade sitiada; com a invenção do avião, porém, tornou-se possível fazer chover fogo e morte sobre qualquer cidade que contivesse um objeto militarmente útil – torre de rádio, pátio ferroviário, fábrica ou usina elétrica, qualquer lugar atrás das linhas inimigas, longe da concentração de tropas.

Na concepção de guerra do Ocidente, a bomba atômica de Hiroshima em 1945 é justificável como um ato legítimo de guerra, enquanto que o bombardeio suicida de 1983 sobre o quartel dos fuzileiros navais dos Estados Unidos em Beirute é condenado como terrorismo. A diferença-chave é que um foi executado abertamente contra um inimigo declarado, que tinha a oportunidade de lutar ou se render, enquanto que o segundo foi sorrateiro. Outras filosofias sobre a guerra condenariam Hiroshima como um ataque contra um alvo majoritariamente civil, e justificariam Beirute como um alvo militar.

O modo ocidental de guerrear enfraqueceu durante o século XX, porque o Ocidente nunca descobriu como derrotar as guerrilhas. Da Espanha napoleônica à Argélia e ao Vietnã, a maneira mais eficaz de derrotar os exércitos ocidentais tem sido evitar lutar contra eles nos termos deles.

A resposta tradicional à guerra de guerrilha tem sido suspender todas as proteções que os não combatentes têm garantidas pelas leis da guerra. Se você não sabe a diferença entre rebeldes e civis, então todos são inimigos. Um exército que enfrente guerrilhas atirará em reféns, incendiará casas, prenderá membros da família, destruirá propriedades, torturará prisioneiros e manterá uma população inteira em campos de concentração, na esperança de que as pessoas entendam que apoiar a revolta é perigoso demais. Mas isso raramente funciona.

AS MAIS MORTÍFERAS GUERRAS DE GRANDES POTÊNCIAS TRAVADAS NA EUROPA (SOMENTE MORTES MILITARES)
Segunda Guerra Mundial 1939-45 França, Grã-Bretanha, Rússia, Estados Unidos vs. Alemanha, Itália 14 milhões no cenário europeu
Primeira Guerra Mundial 1914-18 França, Grã-Bretanha, Rússia, América, Itália vs. Alemanha, Áustria, Turquia 8,5 milhões
Guerras napoleônicas e revolucionárias francesas 1972-1802 e 1802-15 França vs. Prússia, Grã-Bretanha, Rússia e Áustria 3 milhões
Guerra dos Sete Anos 1755-63 França, Áustria vs. Prússia, Grã-Bretanha cerca de 650 mil
Guerra da sucessão espanhola 1701-13 França vs. Áustria, Grã-Bretanha, Holanda 400 mil a 700 mil
Guerra da sucessão austríaca 1740-48 França, Prússia vs. Áustria, Grã-Bretanha 450 mil
Guerra dos Trinta Anos 1618-48 França, Suécia vs. Áustria, Espanha cerca de 350 mil
Guerra da Crimeia 1854-56 França, Grã-Bretanha, Turquia vs. Rússia cerca de 300 mil
Grande guerra do Norte 1700-21 Suécia vs. Rússia, PolôniaSuécia vs. Rússia, PolôniaSuécia vs. Rússia, Polônia cerca de 300 mil
Guerra da Grande Aliança 1688-97 França vs. Áustria, Grã-Bretanha, Holanda 233 mil
Guerra franco-prussiana 1870-71 França vs. Prússia 188 mil
Guerra franco-holandesa 1672-78 França vs. Áustria, Grã-Bretanha, Holanda 175 mil

a “O ponto mais importante no maciço corpo da lei é que a guerra não significa matar legalmente. É forçar um inimigo a entregar-se. Para conseguir isso é legítimo incapacitar as forças militares inimigas ou destruir objetivos militares válidos. Mas não se pode nunca matar ou mesmo ferir um inimigo que oferece rendição ou que já esteja incapacitado por doença, ferimento ou captura prévia… Podemos matar ou ferir somente aqueles que estão combatendo livremente e há uma necessidade militar de incapacitá-los de prosseguir com operações militares contra nós. Assim que fiquem incapacitados, eles se tornam protegidos sob antigos princípios costumeiros, reforçados por literalmente milhares de condenações por crimes de guerra após a Segunda Guerra Mundial, e a mais conhecida lei de guerra” (Dave Glazier, professor da Loyola Law School, citado por Marty Lederman, “John Yoo Appears to Confirm CIA Waterboarding”, 17 de março de 2007, http://balkin.blogspot.com/2007_03_11_balkin_archive.html).