A GUERRA CIVIL RUSSA

Número de mortos: 9 milhões,1 incluindo 1 milhão de mortos em combate, 5 milhões de mortos de fome e 2 milhões de mortos por doenças epidêmicas; o restante reúne as mortes de civis pelo terror, fogo cruzado etc.

Posição na lista: 16

Tipo: guerra civil ideológica, colapso do Estado

Linha divisória ampla: Vermelhos versus Brancos

Época: 1918-20

Localização: Rússia

Principais Estados participantes: França, Alemanha, Grã-Bretanha, Japão, Estados Unidos

Estados com participação quântica: Armênia, Estônia, Finlândia, Geórgia, Letônia, Lituânia, Polônia, Governo Provisório Russo, Rússia Soviética, Ucrânia

Quase Estados participantes: Legião Tcheca, cossacos do Don, Território Livre, Exército Verde, Komuch, Governo Provisório da Sibéria Autônoma, Exército de Voluntários

Quem geralmente leva a maior culpa: a Esquerda culpa a Direita, e a Direita culpa a Esquerda

A queda da dinastia Romanov

A Primeira Guerra Mundial foi uma confusão tão monumental para todo mundo que se envolveu nela que muitos participantes saíram do conflito com seus governos tão fragmentados a ponto de não poderem se reerguer. O primeiro grande país a desmoronar sob a violenta tensão foi a Rússia. A escassez de alimentos e as greves desintegraram a vida urbana. Falhas no suprimento e uma estratégia estúpida despedaçaram o exército. Conforme continuavam os anos de contínua carnificina, milhares de soldados russos simplesmente desistiram da luta e voltaram para casa, carregando suas armas para o caso de alguém tentar detê-los.

A Revolução de Fevereiro, que realmente ocorreu em março de 1917, começou quando protestos na capital, Petrogrado, se tornaram violentos.a Os soldados enviados para acabar com a greve, em vez de cumprir ordens, se juntaram ao movimento.

O czar Nicolau estava num trem, viajando velozmente para Petrogrado, a fim de impor sua autoridade, quando ficou óbvio que os acontecimentos o haviam atropelado. Ainda fora da cidade, ele abdicou formalmente. A coroa foi oferecida a parentes, mas ninguém mais da família Romanov quis herdar aquele ninho de vespas em que a Rússia se transformara. No momento o Parlamento ficou no comando, embora o grupo de trabalhadores locais, o Soviete de Petrogrado, controlasse a maioria dos trabalhadores, tornando-se a facção mais vociferante da capital. Um de seus líderes, Alexandre Kerensky, antes membro do Partido Socialista Revolucionário,b ficou sendo o poder por procuração mais influente na Rússia. Durante alguns meses, o novo governo tentou seguir em frente com o mínimo de mudanças no tecido social e político do país. A guerra contra a Alemanha continuava sem um fim à vista.

Em 1903, um cisma dividira os socialistas russos entre uma minoria moderada e uma maioria radical. Os radicais são, daí em diante, conhecidos para a história como bolcheviques, da palavra russa para “maioria”, enquanto os moderados ficaram conhecidos como mencheviques, da palavra “minoria”.

O líder dos bolcheviques era um intelectual veemente, destituído de humor, amante do trabalho, que nascera com o nome de Vladimir Ulanov, mas que há muito tinha o apelido de Lênin. Exilado da Rússia por atividades revolucionárias, ele vinha, há muitos anos, pulando de país em país na Europa ocidental. Ao irromper a Primeira Guerra Mundial, os partidos socialistas por toda a Europa haviam se alinhado com diversos governos nacionais em apoio à guerra, em vez de se unirem independentemente das fronteiras nacionais para forçar um fim àquela loucura. Lênin criticou-os acerbamente por seu patriotismo vacilante, e logo tornou-se figura indispensável por todo o continente, até que encontrou um refúgio seguro na neutra Suíça.

Depois da Revolução de Fevereiro, os prisioneiros políticos e exilados do regime do czar viram-se bem recebidos em sua pátria. Os alemães permitiram que Lênin e seus seguidores atravessassem a Alemanha até o mar Báltico, de onde ele retornou a Petrogrado via a neutra Suécia. Lênin começou imediatamente a agitar o ambiente, em prol de uma agenda radical, e tirar a Rússia daquela guerra sem sentido era a primeira opção. Conforme a frente de batalha russa continuava a se deteriorar, os bolcheviques, sob a liderança de Lênin, ganhavam mais seguidores e mais poder. Finalmente assumiram o controle do governo com a Revolução de Outubro, na realidade em novembro de 1917. Durante os meses que se seguiram, os bolcheviques consolidaram seu controle sobre o governo e depois deslocaram a capital para Moscou, muito mais no interior do país, a fim de evitar os exércitos alemães e as multidões descontroladas que punham o governo em perigo em Petrogrado.

Em dezembro, Lênin acertou um cessar-fogo com a Alemanha e começou a negociar os termos do armistício. Finalmente, pelo Tratado de Brest-Litovsk, assinado em março de 1918, a União Soviética aceitava a derrota e abria mão das províncias do Báltico, da Ucrânia e da Bielorrússia, para a ocupação alemã.

A guerra civil

A maioria dos livros de história para aqui, e segue aceleradamente pelos anos seguintes da história da Rússia. Por essa época, tudo que afetaria o restante do século XX já acontecera. A Rússia se tornara um país comunista e estava fora da guerra. Na visão maior da história, isso era tudo que interessava. O resto não tinha importância e era deprimente, de modo que vamos direto ao que interessa.

Nem todo mundo estava querendo seguir adiante e aceitar o jogo de poder dos bolcheviques. As outras facções do governo russo fugiram de Petrogrado depois da Revolução de Outubro e começaram a reunir tropas nas províncias. Os países capitalistas do Ocidente não estavam obviamente dispostos a acolher de bom grado na comunidade das nações o primeiro governo comunista da história. As minorias étnicas do Império Russo queriam tirar vantagem do caos, para se apresentar como novas nações. A coisa ia ferver.

O desenrolar dos acontecimentos da guerra civil pode ser reduzido a uns poucos marcos simples, cada um espaçado de um ano, mais ou menos:

De novembro de 1917 a novembro de 1918, os alemães dominaram e os bolcheviques ficaram subservientes.

De novembro de 1918 a novembro de 1919, os alemães já estavam derrotados e os bolcheviques estavam na defensiva contra os antibolcheviques.

De novembro de 1919 a novembro de 1920, os bolcheviques estavam na ofensiva contra os antibolcheviques.

Depois de novembro de 1920, os antibolcheviques já haviam sido derrotados e os bolcheviques consolidaram o poder.

O mapa da Guerra Civil Russa é, ao mesmo tempo, simples e complexo. A parte simples é que os comunistas, isto é, os Vermelhos, tinham o controle do centro, e estavam sendo atacados de todos os lados por forças hostis, geralmente conhecidas como os Brancos. A parte complexa é que, quase de cada uma daquelas direções, eles eram atacados por uma força hostil completamente diferente. Não eram apenas os Brancos, russos propriamente ditos, mas também alemães, poloneses, cossacos, britânicos, franceses, americanos e japoneses.2 Vamos descrevê-los numa espiral, no sentido dos ponteiros do relógio, começando às 4:30:

Cossacos (sudeste)

Quase desde o começo, os cossacos do Don recusaram-se a reconhecer a autoridade dos bolcheviques, e firmaram sua independência pela força das armas em julho de 1918, data essa que é geralmente considerada o início oficial da Guerra Civil Russa. Os Vermelhos tentaram impor sua autoridade durante os primeiros meses de 1919, varrendo o território cossaco e sistematicamente executando cerca de 12 mil contrarrevolucionários. Um novo levante cossaco contra esse terror ajudou a ofensiva do vizinho Exército Branco, sob o comando do general Anton Denikin.3

Alemães (sudoeste)

A ocupação alemã não atingiu muito o interior étnico profundo da Rússia, mas os alemães se apoderaram de quase todas as terras europeias habitadas por não russos, que se tornariam repúblicas independentes em 1991. A Alemanha começou a organizar esses territórios como Estados vassalos, mas o armistício geral, em novembro de 1918, levou a uma apressada retirada. A maior parte dos territórios tentou, então, firmar sua existência independente. Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia conseguiram isso. Os ucranianos e os povos das montanhas do Cáucaso não conseguiram.

Brancos (noroeste)

Depois que a Alemanha se retirou da Rússia, o general Nikolai Yudenich comandou um pequeno exército de Brancos, partindo da Estônia, na direção de Petrogrado, em outubro de 1919. Durante algumas semanas esse deslocamento significou uma ponta de lança mortal apontada para o regime vacilante dos bolcheviques, mas os invasores foram repelidos mais ou menos na mesma época em que as ofensivas dos Brancos em outros lugares entravam em colapso.

Aliados (norte)

Em julho de 1918, uns poucos milhares de soldados britânicos e americanos começaram a chegar aos portos subárticos de Archangel e Murmansk para guardar os estoques de material de guerra Aliado e evitar que caíssem nas mãos dos alemães ou dos bolcheviques. Conforme a Rússia ficava mais caótica, essa força cresceu em efetivo. Como cada país do Ocidente queria ganhar um assento na eventual conferência de paz, e talvez conseguir valiosas concessões comerciais e colônias dentro da nova Rússia, todos os outros Aliados, australianos, franceses, canadenses, italianos, sérvios e assim por diante, enviaram também pequenas unidades para aqueles portos. Quando começaram a montar perímetros defensivos em torno dos portos, os Aliados se viram travando combates esporádicos, mas às claras, com os bolcheviques, embora de maneira relutante. Ninguém esperava seriamente que essas forças Aliadas afetassem o resultado da guerra civil, de modo que, quando, depois de alguns anos, ficou claro o caminho que a Rússia estava tomando, os Aliados abandonaram finalmente aqueles portos do norte da Rússia.

A batalha contra os bolcheviques matou 304 americanos, mais do que o dobro do número de americanos mortos em combate durante a Guerra do Golfo, em 1991, mas os americanos não gostam de falar desse assunto, provavelmente porque perderam, mas também porque a intervenção pareceu justificar a paranoia russa durante a Guerra Fria. Você nunca vê a Guerra Civil Russa na relação oficial das guerras americanas.4

Brancos (leste)

Provavelmente a legenda que mais nos confunde em qualquer mapa da Guerra Civil Russa é o aparecimento de um exército tcheco sob o comando de um almirante russo no meio da Sibéria, a milhares de quilômetros, tanto de Praga quanto dos oceanos navegáveis.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os Aliados haviam organizado 60 mil prisioneiros e desertores eslavos do exército austro-húngaro para lutar na frente russa no âmbito da Legião Tcheca, para ajudar a libertar a Boêmia do domínio do Império Austro-Húngaro. Mas, depois de caírem fora da guerra, os bolcheviques não precisaram mais deles e a Legião Tcheca foi enviada para fazer contato com os Aliados em algum outro lugar. O plano dos tchecos era retornar à guerra fazendo um rodeio, pela ferrovia transiberiana, a qual se estendia até o oceano Pacífico e era a única via de transporte que realmente os alemães não bloqueavam.5

Numa determinada estação da ferrovia, os soviéticos locais tentaram desarmar os tchecos, mas isso só os tornou mais enraivecidos. Eles inverteram a marcha e foram abrindo caminho pelo interior do país, ao longo da ferrovia. Finalmente transformaram-se na espinha dorsal das forças dos Brancos no Leste.6

O almirante nos mapas da Sibéria era Alexandre Kolchak, ex-comandante da frota russa no mar Negro, que se demitira em junho de 1917, antes que os bolcheviques assumissem o poder. Durante algum tempo ele perambulou pelas comunidades de emigrantes russos, e finalmente terminou organizando forças antibolcheviques na Manchúria. Deslocou-se então por terra para Omsk, onde se tornou ministro da Guerra do governo conservador da Rússia.

Em novembro de 1918, o almirante Kolchak apoderou-se de Omsk por meio de um golpe de Estado.7 Durante o ano seguinte, ele foi considerado internacionalmente como o governante oficial do Estado; entretanto, depois que sua ofensiva contra os bolcheviques fracassou, em novembro de 1919, ele abandonou Omsk. Em janeiro de 1920, os Brancos retiraram-se para Irkutsk, pela ferrovia transiberiana, onde ficaram encurralados quando o governo local mudou de mãos. A Legião Tcheca entregou o almirante às novas autoridades em troca de salvo-conduto para seu país de origem, e os Vermelhos o fuzilaram e jogaram o corpo no rio mais próximo.8

Aliados (extremo oriente)

Outra força expedicionária constituída de franceses, britânicos e americanos ocupou o porto de Vladivostok, no oceano Pacífico, e a zona do interior próxima, da Sibéria. As primeiras unidades de engenheiros haviam chegado durante a Primeira Guerra Mundial para ajudar na operação da ferrovia transiberiana, e mais técnicos chegaram depois. Setenta mil soldados japoneses também foram ajudar. O Japão vinha tentando conquistar o litoral do Pacífico durante a primeira metade do século XX. Já haviam se apoderado da Coreia e de Taiwan, e logo invadiriam a China. Nesse ínterim, eles se aproveitaram do caos para invadir a Sibéria. Finalmente tiveram de abandonar essa cabeça de ponte em 1922, um ano depois de os outros Aliados terem se retirado.

Komuch (sudeste)

Durante algum tempo, a cidade de Samara foi sede de um governo socialista, chamado Komuch, que é, de forma condensada, a palavra russa para “comitê de alguma coisa” que começa com uch.c O Komuch reuniu um número apreciável de refugiados do Parlamento de Petrogrado e então se intitulou o governo legítimo de toda a Rússia. Embora dominasse quase toda a bacia do rio Volga, o órgão era moderado demais para incendiar o apoio das massas. Depois que os bolcheviques eliminaram esse governo em Samara, o Governo Provisório da Sibéria Autônoma, em Omsk, acolheu os remanescentes que se retiraram.9

Turquestão (extremo sudeste)

As terras da Ásia central do Império Russo tiveram sua própria guerra civil durante alguns meses no final de 1917 e início de 1918, quando nacionalistas muçulmanos e comunistas disputaram que rumo a nação tomaria para fugir do passado imperial russo. Quando os Vermelhos surgiram vitoriosos da contenda, os Brancos e as forças Aliadas atacaram a partir do Irã, sem sucesso. Um Estado comunista independente foi estabelecido em Bukhara, até que foi absorvido de volta pela Rússia.

Negros (sul)

Como se a metafórica anarquia que despedaçava a Rússia não fosse bastante, uma facção tentou estabelecer uma sociedade verdadeiramente anarquista, um Estado sem Estado, de absoluta igualdade entre os camponeses do centro-leste da Ucrânia. Entre o outono de 1918 e o verão de 1919, o chamado Exército Negro, dos anarquistas, sob o comando de Nestor Makhno, separou seu Território Livre do restante da Ucrânia.

Forçados a escolher o lado, os Negros por fim decidiram pelos Vermelhos, contra os Brancos, mas assim que estes foram postos de lado, os Vermelhos se voltaram contra os Negros. Felizmente, os agentes anarquistas interceptaram as ordens secretas vindas de Moscou, e avisado com antecedência, Makhno fugiu para o Ocidente.10

Verdes (sul)

Os camponeses ucranianos, aborrecidos tanto com os Brancos, dos quais faziam parte inúmeros antigos proprietários de terras, como com os Vermelhos, que estavam fuzilando padres e confiscando propriedades, formaram o Exército Verde, sob o comando de um cossaco chamado Nikifor Grigoriev. Depois de terem passado cerca de um ano combatendo tanto os Vermelhos quanto os Brancos, os Verdes foram empurrados para o território dos Negros. Os anarquistas capturaram Grigoriev, que foi executado pessoalmente pela esposa de Makhno.

Brancos (sul)

Os generais Lavr Kornilov e Anton Denikin, os dois principais comandantes da frente russa, foram presos em agosto de 1917 por conspirarem para tomar o poder em Petrogrado. Entretanto, depois que os bolcheviques assumiram o governo, os generais escaparam e fugiram para o sul da Rússia, a fim de organizar o Exército Branco. Quando Kornilov foi morto, em abril de 1918, Denikin assumiu o comando.

De maio a outubro de 1919, Denikin esteve na ofensiva, mas a vitória Vermelha em Orel o fez recuar, deixando desertores por todo o caminho. Em março de 1920, os remanescentes de seu exército foram encurralados na Crimeia, de modo que, em abril, Denikin passou o comando de seu exército para Pyotr Wrangel e fugiu para a França. Finalmente, admitindo a derrota, Wrangel e os últimos Brancos se retiraram atabalhoadamente da Crimeia, em novembro de 1920, a bordo de navios franceses e britânicos.

Pogroms (sul)

À parte a ideologia, a maioria dos russos na época odiava os judeus, de modo que os exércitos dos Brancos, Vermelhos, Verdes e Negros maltratavam os membros daquela etnia sempre que os encontravam. A perseguição era pior na Ucrânia. Circulavam boatos amplamente entre os Brancos de que a revolução bolchevista era, no seu cerne, um complô dos judeus, de modo que, durante todo o ano de 1919, Brancos, cossacos e nacionalistas ucranianos destruíram perto de quinhentas comunidades judaicas que encontraram em seu caminho. Entre 60 mil e 150 mil judeus foram fuzilados, queimados vivos, afogados, espancados até a morte ou despedaçados em um massacre após outro, no mais letal surto de antissemitismo que ocorreu desde a revolução de Bar Kokhba (ver “Guerras romano-judaicas”) e o Holocausto (ver “Segunda Guerra Mundial”).11

Poloneses (oeste)

Depois do colapso dos exércitos dos Brancos na Ucrânia, os poloneses avançaram para ocupar aquele território. Capturaram Kiev, em maio de 1920, mas a contraofensiva bolchevista rapidamente os fez recuar. Durante algum tempo parecia que a Polônia ia ser absorvida de novo pelo Império Russo, mas a contraofensiva foi finalmente bloqueada nos arredores de Varsóvia em agosto de 1920. Os poloneses consideram esse confronto, essa batalha nos portões de Varsóvia, como um dos mais importantes marcos da história moderna. Se não fosse pelo valor do exército polonês, as hordas comunistas teriam entrado avassaladoramente por toda a Europa. Outro modo de descrever esses acontecimentos é considerar que o Exército Vermelho já estava tão desgastado que até mesmo os poloneses conseguiram derrotá-lo.

Seja como for, o contra-ataque polonês expulsou por completo os Vermelhos da Polônia, e avançou até meio caminho de Kiev, antes de serem barrados novamente pelos russos. Foi aí que ficou delineada a nova fronteira entre os dois países, colocando uns poucos milhões de ucranianos e bielorrussos na situação difícil de minorias num país estrangeiro, a Polônia.12

Vermelhos (centro)

Defrontado com uma nação que desmoronava, a resposta de Lênin para todos os seus problemas era fuzilar alguém. Em janeiro de 1918 ele ordenou “o fuzilamento imediato de um em cada dez acusados de corpo mole no trabalho”. Mais tarde decretou “a prisão e fuzilamento de todo mundo que aceitasse suborno, trapaceiros etc.”.13

Para nossos propósitos, o mais importante acontecimento desse capítulo, tomado individualmente, aconteceu em dezembro de 1917, logo depois que os bolcheviques assumiram o poder, quando Lênin organizou uma comissão dentro do Ministério do Interior para combater a sabotagem e as atividades contrarrevolucionárias. As nove palavras completas do nome oficial dessa comissão são muito difíceis de pronunciar, escrever e até mesmo lembrar, de modo que na maior parte do tempo o nome foi desbastado para o inócuo Comissão Extraordinária, e mais comumente reduzido ainda mais para suas duas iniciais em russo: Che Ka.

O nome da organização mudaria ao longo dos anos, mas o terror que ela instaurou permaneceria constante. Registros que sobreviveram mostram que a Cheka executou quase 13 mil contrarrevolucionários no decurso da guerra civil, e essas são apenas mortes que podemos comprovar. Eles fuzilaram muito mais espontaneamente, sem deixar qualquer registro escrito. Ao todo, a Cheka matou qualquer coisa entre 50 mil a 200 mil cidadãos durante a guerra civil.14

A princípio, o governo bolchevista compartilhou o poder com os Socialistas Revolucionários de Esquerda (RSE), um grupo cooperativo dissidente dos originais Revolucionários Socialistas, os quais tinham forte apoio entre o campesinato; mas os RSE ficaram enfurecidos com os termos do tratado de rendição de Brest-Litovsk. Em julho de 1918, eles assassinaram o embaixador alemão, fazendo com que parecesse uma ação da Cheka, na esperança de meter uma cunha entre Lênin e a Alemanha. Lênin suavizou os problemas com este país, e depois partiu para prender os integrantes do RSE. Este partido tomou então o chefe da Cheka como refém.15 Lênin convocou as tropas, que libertaram o chefe da Cheka e esfacelaram o RSE, removendo do governo os últimos não bolcheviques.

Enquanto arrumavam a casa em Moscou, os bolcheviques atacaram outro problema. Desde a revolução, a família real ficara como prisioneira em diversas propriedades rurais, e estava agora confinada em Yekaterinburg, nos montes Urais. Conforme o avanço dos Brancos ia erodindo o território dos Vermelhos, alguma coisa precisava ser feita. O czar Nicolau, sua esposa, seus cinco filhos e seus criados leais foram levados para uma pequena sala, onde foram baleados, baionetados e espancados com a coronha dos fuzis, e baleados até que estivessem claramente mortos, tudo isso de maneira brutal e descuidada. Depois os corpos foram levados de carroça para a floresta, desfigurados com ácido, e enterrados em covas sem qualquer identificação.16

Em agosto de 1918, um assassino anteriormente afiliado aos Socialistas Revolucionários feriu Lênin, o que desencadeou o Terror Vermelho e intensificou as execuções em massa. Enquanto eram expedidas ordens para esmagar comportamentos dissidentes e antissociais, Lênin instruía um soviete local: “Vocês devem… introduzir instantaneamente o terror maciço, fuzilar e transportar centenas de prostitutas que embebedam os soldados, ex-oficiais etc. Não se deve desperdiçar um minuto.” No mesmo mês ele deu instruções aos líderes de outra cidade para: “Enforcar não menos de uma centena de kulaks, isto é, camponeses prósperos, bem conhecidos, ricos e sugadores de sangue, e fazer com que os enforcamentos aconteçam à plena vista das pessoas.”17

No final de 1919, Leon Trotsky, outro intelectual comunista que havia sido originalmente exilado pelo czar, virou a maré a favor dos bolcheviques. Com a revolução, Trotsky retornou à Rússia, e Lênin deu-lhe a missão de negociar a paz com a Alemanha. Depois ele recebeu o comando do Exército Vermelho. Aumentou o efetivo daquele para 1 milhão de soldados via uma maciça conscrição de camponeses no território soviético. Comissários políticos, a quem era dada a missão de intimidar ou convocar as tropas quando necessário, enquadravam esses novos recrutas. Atrás das tropas que atuavam nas linhas de frente, Trotsky posicionou unidades políticas especiais para fuzilar soldados que fugissem, apenas para o caso de alguém tentar recuar. Como ele explicou na sua autobiografia:

Um exército não pode ser organizado sem represálias. Massas de homens não podem ser levadas para a morte, a menos que o comando do exército tenha a pena de morte em seu arsenal. Enquanto esses macacos sem cauda espertos, que são tão orgulhosos de seus feitos técnicos, os animais a quem chamamos de homens, organizarem exércitos e travarem batalhas, o comando sempre será obrigado a colocar os soldados entre a possível morte na frente de batalha e a inevitável morte na retaguarda.d18

Diferentemente de muitos outros líderes bolcheviques, Trotsky desejava usar ex-oficiais czaristas como assessores, e ocasionalmente como comandantes, desde que ele tivesse comissários políticos para vigiá-los.

A Revolução Russa levou a uma das maiores redistribuições de riqueza jamais vista, mas, na maior parte, os comunistas não foram de porta em porta desapropriando casas. Eles simplesmente se recusaram a fazer cumprir as leis da propriedade, quando as pessoas comuns as roubavam dos ricos. Os camponeses lavravam a terra onde queriam, sabendo que o governo não os expulsaria. Os trabalhadores assumiram o controle das fábricas, e a polícia não os escorraçava de lá. As pessoas se apossavam do gado ou se mudavam para imóveis abandonados, e não havia nada que os proprietários pudessem fazer a respeito. Qualquer um que levantasse objeções era linchado pela multidão ou simplesmente executado pela Cheka.

Terminada a Primeira Guerra Mundial, as repúblicas soviéticas também se instalaram na Bavária e na Hungria, e por um breve momento Lênin teve a esperança, e o resto do mundo teve o temor, de que isso levaria a uma onda cataclísmica de revoluções por todo o mundo. Então o governo da Bavária desintegrou-se em maio de 1919 e o da Hungria em agosto do mesmo ano, e a epidemia do marxismo ficou confinada à Rússia.

Quando clareou a fumaça, cinco novos países em torno do litoral do mar Báltico haviam conseguido firmar sua independência às custas de uma Rússia enfraquecida. Em outros lugares, as tropas bolcheviques avançaram para absorver as outras pequenas repúblicas, que haviam se libertado do domínio anterior do czar. Em dezembro de 1922, todos os governos locais comunistas que tinham raízes por todo o velho Império Russo foram oficialmente reunidos na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou a URSS.

O legado

Uma geração atrás a Revolução Russa se destacava como o mais importante acontecimento político do século XX. Todos os outros grandes ditadores haviam caído. As duas guerras mundiais tinham terminado e perdiam importância. As guerras mais recentes da história haviam sido longas e inúteis, mas a União Soviética ainda se alçava sobranceira e inexoravelmente sobre todo o século, ameaçando, lutando, crescendo e evoluindo. A convulsão que fizera nascer a URSS era o acontecimento central da história moderna.

Hoje, a Revolução Russa é um curso eletivo da história antiga. É um exemplo excelente de como as mudanças no presente ecoam para trás e mudam o passado. Com o desaparecimento da União Soviética, todo o vaivém de bolcheviques, mencheviques, Vermelhos e Brancos se tornou coisa insignificante.

Por outro lado, um acontecimento de menor importância que era grandemente ignorado nas aulas de história quando eu estava na escola tem assumido maior importância. A decisão de 1922 de organizar o ex-Império Russo em uma federação de repúblicas étnicas teoricamente autônomas costumava ser encarada como enfeite de vitrina. Ninguém acreditava seriamente que aquelas “repúblicas” eram mais do que meras províncias do Império Russo, de modo que seus nomes e fronteiras não interessavam. Nós sempre chamávamos os cidadãos da URSS de “russos”, raramente de “soviéticos”. Todo mundo sabia quem realmente comandava o show.

Depois, em 1991, aquelas “repúblicas” declararam sua independência, e de repente ficou sendo importante se a Crimeia fazia parte da república da Rússia ou da Ucrânia, ou se a pátria dos chechenos, bielorrussos e tártaros tinha o status de uma república plena, ou como muitos armênios viviam dentro das fronteiras do Azerbaijão. Quinze países surgiram da União Soviética, e o seu esfacelamento poderia ter sido muito mais complicado sem essas convenientes linhas pontilhadas ao longo das quais passavam as fronteiras. Mesmo assim, cinco pequenas guerras irromperam, porque alguém não gostou do modo como as fronteiras da ex-União Soviética foram traçadas.

a Todo relato da Revolução Russa exige, obrigatoriamente, que haja uma nota de rodapé onde o autor tenta clarear a confusão de nomenclatura. Para começar, as Revoluções de Fevereiro e de Outubro ocorreram em março e novembro, porque os russos ainda usavam o calendário juliano, que estava dez dias defasado do calendário gregoriano, usado por todos nós outros. Também, durante a Primeira Guerra Mundial, os russos chamavam São Petersburgo de “Petrogrado”, porque São Petersburgo soava muito “alemão”. Mais tarde eles deram à cidade o nome de “Leningrado”, porque “Petrogrado” soava muito imperialista. Hoje, eles a chamam de “São Petersburgo” porque “Leningrado” soa muito comunista. “Soviete”, por falar nisso, não significa nada especial. É apenas a palavra russa para “conselho”.

b Há uma tendência a esquecer os Socialistas Revolucionários, que era o maior partido radical da Rússia até a ascensão dos bolcheviques. Eles foram a força impulsionadora por detrás da malsucedida revolução de 1905. Sua política principal pedia o confisco e a redistribuição das terras aos camponeses. A maioria se opunha aos bolcheviques, a quem derrotaram facilmente nas primeiras eleições parlamentares depois da tomada do poder pelos bolcheviques, e foi por esse motivo que logo foram banidos e o Parlamento, fechado.

c Pouco importa de que era encarregado o comitê.

d Para ser justo, Trotsky disse mais: “E contudo não se constroem exércitos usando o medo. O exército do czar se desintegrou não por causa de qualquer falta de represálias… Sobre as cinzas da grande guerra, os bolcheviques criaram um novo exército… O cimento mais forte desse novo exército eram as ideias da Revolução de Outubro.”