JOSEF STÁLIN

Número de mortos: 20 milhões, incluindo mortos de inanição e uns poucos milhões de atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial

Posição na lista: 6

Tipo: ditador comunista

Linha divisória ampla: Stálin no topo

Época: governou de 1928 a 1953

Localização e principal Estado participante: União Soviética

Quem geralmente leva a maior culpa: Stálin, pessoalmente, e o comunismo, em geral

A pergunta irrespondível que todo mundo faz: Como ele terminou como um dos “mocinhos” da Segunda Guerra Mundial?

A ascensão ao poder

À primeira vista, Josef Stálin era um dos menos prováveis candidatos a se tornar líder da Rússia soviética. Nascido na Geórgia, em 1879, sob o nome de Ioseb Dzhugashvili, ele só aprendeu russo mais tarde, na escola. Foi enviado a um seminário jesuíta, mas acabou expulso por motivos que permanecem como que misteriosos. Sobram especulações, mas nenhuma delas foi provada, de modo que vamos apenas dizer que ele foi expulso porque era Stálin.

Depois do seminário, ele fez todas as coisas que um rebelde ambicioso deveria fazer, como escrever e imprimir panfletos revolucionários, organizar greves, roubar bancos, ser preso, escapar da prisão e cumprir dois períodos de exílio na Sibéria. Em 1913, ele adotou o pseudônimo de Stálin, da palavra russa para “aço”, que foi uma melhoria do seu apelido de infância, Chopura, em russo, ou “Pocky”, das cicatrizes que a varíola deixara no seu rosto.1

Ele ainda estava na Sibéria quando estourou a Primeira Guerra Mundial. Em 1917, o novo governo republicano da Rússia perdoou todos os prisioneiros políticos do czar, e Stálin retornou à civilização. Pouco importante em 1917, ele foi abrindo caminho para cima durante a Guerra Civil Russa. Sua subserviência sicofântica fez com que ganhasse o apelido depreciativo de “Porta-voz de Lênin”. O principal rival de Stálin nas graças de Lênin era o intelectual carismático e salvador da guerra civil Leon Trotsky.

Em 1922, Lênin alçou Stálin à condição de chefe do Partido Comunista porque ninguém queria o cargo. Na época uma função de menor importância, tediosa, mas que deu a Stálin, homem dos detalhes, a capacidade de expurgar do partido a relação de trotskistas e promover seus próprios partidários. Depois que os comunistas tomaram o poder na Rússia, o efetivo da organização cresceu. Os intelectuais urbanos que haviam formado a espinha dorsal do movimento durante a fase clandestina foram engolidos pelo influxo de membros que não eram tão bem versados nas sutilezas da teoria marxista. Esses novos membros se identificavam mais fortemente com o terra a terra Stálin do que com judeus urbanos como Trotsky.

Logo depois disso, Lênin viu-se enfraquecido devido a um derrame, o que deixou o governo nas mãos de bajuladores que discutiam sobre o que Lênin realmente queria. Como porta-voz de Lênin, Stálin controlava grande parte do diálogo do chefe com o mundo exterior; entretanto, quando Lênin finalmente morreu, em 1924, ele já não se dava tão bem com Stálin. Seu último testamento teria deserdado Stálin em favor de Trotsky, mas Stálin interceptou e destruiu o documento.

Durante os poucos anos seguintes, a União Soviética foi governada por um comitê, e não por um ditador. Stálin aliou-se a alguns radicais, como Grigory Zinoviev e Lev Kamenev, num triunvirato governante que isolou Trotsky. Quando este foi completamente removido do governo, em 1925, Stálin se livrou de seus parceiros originais, e pegou dois moderados, Nikolay Bukharin e Aleksey Rykov. Ele manteve essa troika ativa apenas o tempo necessário para tirar o poder de todos os outros. Você realmente não precisa conhecer essas quatro pessoas, mas eu as menciono para que você reconheça esses nomes mais tarde, quando Stálin mandou matá-las, todas.

De qualquer modo, o resultado dessas manobras foi que Trotsky foi exilado em 1929, e Stálin conquistou o poder supremo.a

A vida pessoal de Stálin ficou perturbada em 1932, quando ele teve uma discussão numa festa com sua esposa, Nadya, que então se afastou dele durante algum tempo e depois cometeu suicídio. Alguns biógrafos dizem que isso eliminou os últimos vestígios de humanidade que o ditador tinha, e o transformou de um simples canalha num monstro.

A liquidação dos Kulaks

Começando em 1929, Stálin tentou enquadrar a agricultura na linha da teoria comunista, abolindo as fazendas privadas e reunindo todos os camponeses em fazendas coletivas. Ali podiam compartilhar o uso de equipamentos modernos e eram forçados a vender as colheitas a preços determinados pelo governo. Os camponeses que resistiam eram fuzilados ou, mais provavelmente, deportados para lugares de climas inóspitos, onde trabalhavam em projetos estatais sem que ninguém soubesse.

Em vez de entregar seus animais, os camponeses os matavam e os comiam. Stálin retaliou contra qualquer desafio a suas ordens não entregando alimentos às comunidades desobedientes. Racionou a comida das famílias de acordo com sua lealdade ao Estado. Camponeses prósperos, chamados kulaks, transformaram-se no bode expiatório universal de tudo o que saía errado na União Soviética. Não apenas era toda escassez de alimentos atribuída aos lucros dos kulaks, mas todo mundo sabia que os kulaks espalhavam doenças venéreas, tinham péssimos hábitos de higiene e exploravam o trabalho das outras pessoas. Famílias inteiras de kulaks foram erradicadas e despachadas para o exílio em lugares inóspitos. Maltratados, despojados e exaustos de suas longas jornadas, os cadáveres de kulaks se empilhavam nas estações ferroviárias rurais.2

O choque na agricultura soviética perturbou toda a infraestrutura, não apenas as fazendas, mas também os meios de transporte e moinhos, especialmente no grande produtor de trigo, a Ucrânia. O sistema se estressou e finalmente entrou em colapso. Em 1932, uma crise intensa de fome irrompeu por toda a União Soviética, e entre 7 e 10 milhões de pessoas morreram em poucos anos. Embora milhões de camponeses ainda estivessem passando fome na Ucrânia, os comissários soviéticos confiscavam todo o cereal para preencher suas quotas rígidas. Até mesmo os grãos reservados para sementes do plantio do ano seguinte eram arrecadados, enquanto 5 milhões de ucranianos morriam de fome.3 Qualquer pessoa nas áreas atingidas que não apresentasse barriga inchada e membros finos como galhos de árvores era suspeita de esconder alimentos e era punida.4

Tirando a vida cinco anos de cada vez

Quando Stálin chegou ao poder pela primeira vez, a Rússia ainda funcionava sob a Nova Política Econômica de Lênin, que estava tratando de reconstruir a economia devastada pela guerra, permitindo um capitalismo em pequena escala. Isso não apenas aborrecia os comunistas linha-dura em um nível filosófico, mas também não ia claramente restaurar todo o poderio do país para a próxima guerra mundial.

“Nós estamos cinquenta a cem anos atrás dos países desenvolvidos”, declarou Stálin em 1931. “Precisamos cobrir essa distância em dez anos. Ou fazemos isso ou eles irão nos esmagar.”

Sob uma série de Planos Quinquenais, foram construídas enormes cidades industriais entre as regiões carboníferas da Ucrânia e no lado asiático dos montes Urais. Ferrovias e canais ligavam esses centros industriais a seus recursos vitais. Represas e reservatórios foram construídos em alguns dos maiores rios do mundo, para gerar energia e fornecer irrigação para as colheitas.

Para desenvolver esses projetos, Stálin expandiu as prisões políticas de Lênin numa rede de campos de trabalhos forçados, sob o título de “Administração do Campo Principal”, ou Glavnoe Upravlenie Lagerei, ou, resumidamente, “gulag”. Para lá eram enviados os marginais, arruaceiros, queixosos, dissidentes e outros perigosos inimigos do Estado, juntamente com membros de suas famílias, e qualquer um que estivesse do lado errado de alguém poderoso. A NKVD, ou polícia secreta,b suspeitava de qualquer um que tivesse entrado em contato com ideias estrangeiras, fosse por ter viajado para o exterior, fosse por ter sido capturado pelos alemães durante a Guerra Mundial, ou até mesmo por colecionar selos. Um simples atraso para o trabalho, com frequência, poderia fazer com que alguém recebesse a pecha de sabotador e fosse levado preso. Se fosse necessário mais mão de obra, a NKVD prendia indivíduos aleatoriamente, para preencher suas rígidas quotas. Por volta de 1939, a rede de campos de trabalho forçado, prisões e colônias reuniam 2,9 milhões de pessoas.5

Embora milhões houvessem morrido nos gulags, a expressão “trabalho forçado” não era um mero eufemismo. “A enorme burocracia da polícia secreta… era mais propensa a prender, sentenciar e esquecer as pessoas por uma década ou duas do que a arrancar seus olhos. Na maior parte, esse ‘moedor de carne’, como Solzhenitsyn chamou o sistema de repressão russa, não pretendia matar ou torturar as pessoas, mas sim reduzi-las à condição de gado, que só valia a pena alimentar enquanto ajudassem a aumentar os números da produção. Na maior parte, o horror dos guardas dos campos soviéticos não residia no seu sadismo, mas na sua indiferença pelo destino das pessoas.”6

O vale do rio Kolyma, numa das regiões mais remotas e frias do Ártico, era uma rica bacia geológica repleta de ouro, carvão e urânio. Ali, um enorme complexo de campos de concentração se estendia pela Sibéria, extraindo os recursos do local. Prisioneiros morriam diariamente por desabamento das galerias das minas e por causa das temperaturas abaixo de zero. A alimentação era limitada ao mínimo necessário para suportar o trabalho, com talvez um prêmio por bom comportamento. A fuga naquela região inóspita do Ártico era impossível, embora os que tivessem mais sorte pudessem finalmente receber liberdade condicional e ser enviados para morar na esquálida capital distrital de Magadan. Qualquer coisa entre 250 mil e 1 milhão de pessoas morreram no complexo de Kolyma.7

A 3.800 quilômetros de distância, mas ainda acima do Círculo Polar Ártico, onde não nascem árvores, ficavam as minas de carvão do campo de trabalho forçado de Vorkuta, onde talvez tenham morrido 100 mil prisioneiros. “Durante 15 anos eu alimentei os fornos com carvão”, disse um ex-prisioneiro. “Toda noite costumávamos dormir em prateleiras de madeira dura. Muita gente morreu de fome e frio.”

“Não tínhamos roupas de inverno apropriadas, nossas botas eram cheias de buracos, e, para comer, recebíamos peixe salgado, triturado, e uma pequena batata por dia, congelada. Todos os nossos dentes caíram por causa da falta de vitaminas”, disse outro. “Eles nos obrigavam a trabalhar 14 horas por dia, e muitos homens simplesmente morriam. À noite precisávamos dormir com as nossas roupas, sobre um colchão recheado de cavacos de madeira.”8

O grande expurgo

Sergei Kirov é mais notável morto do que foi quando vivo. Esse promissor chefe do partido em Leningrado parecia ser o sucessor eventual de Stálin, até que foi morto a tiros no seu escritório em dezembro de 1934. O assassino, seu costumeiro homem solitário perturbado, foi preso nas proximidades, num estado mental de confusão e levado embora.

Stálin resolveu imediatamente que o assassino fazia parte de uma conspiração maior, e emitiu ordens para neutralizar qualquer um suspeito de ser um inimigo do povo. Todos os problemas da década anterior, como escassez, fome, acidentes e até mesmo desastres naturais, foram então atribuídos a sabotadores contrarrevolucionários que queriam solapar a sociedade soviética. Trotsky foi considerado o pivô dessa conspiração, criando o caos deliberadamente, o qual abriria as portas para seu retorno ao país.

A paranoia desenfreada de Stálin tornou-se o princípio orientador de seu governo. O assassino foi acusado de estar de conluio com Trotsky e, então, fuzilado.9 Duas dezenas de cúmplices do assassino também foram fuzilados. Quase todos os perdedores na escalada anterior de Stálin para o poder, como Bukharin, Kamenev, Rykov e Zinoviev, por exemplo, foram presos, espancados para confessar, levados a desfilar em julgamentos de fancaria e depois fuzilados.10 Foi enviado um assassino para ir atrás de Trotsky no seu exílio mexicano. O ex-dirigente comunista foi levado a confiar no homem, e depois morto com um golpe de machado no crânio.c

Stálin voltou também sua atenção para o exército, afastando 43 mil oficiais e executando três de cada cinco marechais, 15 de cada 16 de comandantes de exército, sessenta de cada 67 comandantes de corpo de exército e 136 de cada 199 comandantes de divisão. Ao todo, um terço de todos os oficiais foi preso e fuzilado, mais do que o número de oficiais que morreriam na guerra mundial que se avizinhava.11

O expurgo também alcançou o chefe da NKVD, Genrikh Yagoda. Ex-farmacêutico, sua especialidade era envenenar, na surdina, soviéticos de alta visibilidade, dos quais Stálin precisava se descartar sem fazer muito alarde. Em 1936, Stálin demitiu Yagoda por ele não ter conseguido provas bastantes que condenassem Nikolai Bukharin – e como você tem de ser incompetente para não conseguir uma condenação num julgamento de fancaria num regime totalitário? Não obstante, Bukharin e sua equipe foram presos e fuzilados depois de um novo julgamento.

Yagoda foi substituído por Nikolai Yezhov, cujo nome ficou sendo sinônimo do Grande Expurgo ou, como às vezes é chamado na Rússia, Yezhovshchina. Um burocrata baixo, afável e muito trabalhador, Yezhov foi provavelmente responsável por 7 milhões de prisões, 1 milhão de execuções e 2 milhões de mortes nos campos de prisioneiros em apenas uns poucos anos. Ele caiu das graças de Stálin e foi substituído por Lavrenty Beria em 1938. Beria executou Yezhov em 1940 e sobreviveu a Stálin como seu provável sucessor, mas foi preso e fuzilado pouco depois da morte de Stálin.12

O Grande Expurgo alcançou todos os segmentos da sociedade. Nas florestas perto de todas as grandes cidades, a NKVD estabeleceu enormes cemitérios secretos, que começariam a revelar seus segredos cinquenta anos depois. Na floresta de Bykivnia, perto de Kiev, cerca de 200 mil corpos têm sido descobertos em covas coletivas.13 Fora de Leningrado, hoje São Petersburgo, 30 mil vítimas foram enterradas em Rzhevsky e 25 mil em Levashevo. Em Butovo, perto de Moscou, os investigadores encontraram os restos mortais de 25 mil vítimas.14 Também foram descobertos esqueletos enterrados no zoológico de Moscou.15

Em Kurapaty, perto de Minsk, dezenas de poços de enterramento têm sido encontrados, contendo cerca de 100 mil corpos. As pessoas mais velhas relatam que entre 1937 e 1941 ouvia-se o pipocar de metralhadoras dia e noite, vindo dos bosques. Os inimigos do povo eram colocados em linha junto a covas recentemente cavadas, amordaçados e mortos com um tiro de pistola na nuca.16

O Grande Expurgo não se resumiu a questões de ideologia e luta pelo poder. Beria usou sua posição como chefe da NKVD para sequestrar jovens, frequentemente menores de idade, que lhe apraziam, e depois as levava para a sua casa, onde as estuprava.

A grande guerra patriótica

Por volta de 1938, era óbvio que a Alemanha se preparava para uma guerra de conquista. A Primeira Guerra Mundial mostrara que eram necessárias pelo menos três grandes potências para manter a Alemanha na linha, mas a França e a Grã-Bretanha não se dispunham a fazer acordos com a Rússia comunista, e os Estados Unidos não estavam interessados, de modo que Hitler fez o que queria, enquanto os franceses e ingleses assistiam impotentes.

Stálin levou em nível pessoal a desconsideração do Ocidente. Quando a França, a Grã-Bretanha, a Alemanha e a Itália assinaram o Acordo de Munique, entregando a Tchecoslováquia sem nem mesmo consultá-lo, ele encarou aquilo como um sinal de que o Ocidente iria vendê-lo num piscar de olhos. Precisava agir antes deles. No ano seguinte, a Alemanha e a União Soviética assinaram um acordo secreto partilhando a Europa oriental entre elas. Duas semanas depois de Hitler ter invadido a Polônia, os soldados de Stálin avançaram e se apoderaram de metade do país, como seu quinhão no butim. Os líderes poloneses foram reunidos e levados para um gulag até a primavera seguinte, quando 15 mil oficiais poloneses e 7 mil civis proeminentes foram conduzidos às florestas locais e fuzilados.

Em 1940, Stálin se apoderou das três repúblicas bálticas, Estônia, Letônia e Lituânia, e os soviéticos imediatamente prenderam qualquer um que pudesse trazer-lhes problemas. Os 85 mil habitantes daqueles países foram deportados, dos quais 55 mil foram mortos ou morreram.17 Quando Stálin tentou pressionar os finlandeses para que ajustassem sua fronteira comum, dando-lhe vantagens, eles recusaram, e o ditador mandou invadir o país. Essa guerra mostrou até que ponto o Exército Vermelho se deteriorara, quando Stálin fez o expurgo de seu quadro de oficiais. Os finlandeses aguentaram o peso todo da Rússia e até mesmo conseguiram montar uma bem-sucedida contraofensiva. Entretanto, no final, o simples peso dos soviéticos venceu a parada, e eles avançaram a fronteira algumas dezenas de quilômetros. A guerra toda teve um custo de 127 mil vidas soviéticas versus 23 mil da parte dos finlandeses.18 A Finlândia manteve sua independência, mas ficou com tanto ressentimento dos russos que se tornou a única democracia a apoiar Hitler na subsequente guerra mundial.

A invasão alemã da Rússia, em 21 de junho de 1941, pegou os soviéticos inteiramente desprevenidos. Em batalha após batalha, os exércitos russos foram sendo aniquilados. O próprio Stálin ficou muito deprimido, em choque, durante a primeira semana de guerra, abalado demais para até mesmo se dirigir à nação pelo rádio, coisa que só conseguiu fazer em julho. Por fim, ele se recuperou e apareceu para convocar o povo, e emitiu ordens não permitindo qualquer retirada nem rendição. Toda posição tinha de ser defendida, e ele rotineiramente mandava executar qualquer oficial suspeito de hesitação, queixas ou incompetência. Em apenas alguns meses de guerra, os soviéticos perderam milhões de soldados, mortos, feridos ou capturados. As fábricas russas no caminho dos alemães foram apressadamente desmontadas e despachadas para o leste, além dos montes Urais, a fim de retomar a produção de material de guerra.

Entre os prisioneiros feitos nos primeiros avanços alemães estava o filho de Stálin, Yakov Dzhugashvili. Hitler ofereceu trocá-lo por um general alemão, mas Stálin recusou. No final, Yakov morreu prisioneiro na Alemanha, tocando numa cerca eletrificada, seja tentando uma fuga malsucedida, seja por um suicídio bem-sucedido.

Por fim, o espaço infindável, os recursos e os efetivos russos fizeram virar a maré, e os alemães foram esmagados, mas o custo foi assustador. Homens e mulheresd eram lançados contra as posições alemães com pouco treinamento, poucas armas e um mínimo de planejamento. Cerca de 8,7 milhões de soldados soviéticos morreram fazendo estancar a invasão inimiga.

É difícil alegar que 8,7 milhões de mortos não seja uma perda de vidas monumental, mas a história nunca é simples. “Um fato constrangedor torna difícil aceitar que o sistema soviético esbanjasse tanto efetivo na guerra: os exércitos czaristas, entre 1914 e 1917, tiveram uma média de 7 mil baixas por dia, comparadas com as 7.950 baixas por dia, entre 1941 e 1945… Isso sugere enfaticamente que a explicação está não no sistema soviético, mas nas tradições da vida russa, da vida militar em particular.”19

Stálin pressionou seu povo sem misericórdia. Os registros oficiais mostram que durante o decurso da guerra, 158 mil soldados soviéticos foram condenados a serem executados por covardia, deserção ou fraquezas semelhantes.e Mais outros 442 mil transgressores foram forçados a servir em batalhões penais, aos quais eram atribuídas missões suicidas, tais como avançar sobre campos de minas à frente dos tanques, muito mais valiosos. O modo mais provável de sair de uma unidade penal era a morte ou por ferimentos, mas alguns poucos recuperaram a liberdade por atos de especial heroísmo.20

No final mesmo, não foi a liderança de Stálin que levou os soviéticos a lutarem com tal tenacidade. Foi o conhecimento de como seria viver sob o jugo hitlerista, que poderia ser ainda pior, mas é difícil você acreditar nisso. Os alemães massacraram centenas de milhares de judeus-russos, deixaram que milhões de prisioneiros morressem de fome por incúria, fuzilaram milhares de reféns como vingança contra ataques de guerrilheiros e confiscaram tanto alimento, gado, veículos e equipamentos agrícolas que o campesinato local morria de inanição. Cerca de 18 milhões de soviéticos morreram com a invasão alemã.

Mesmo assim, escolher um lado era uma tarefa difícil. Quando penetraram em território soviético, os alemães começaram a revelar provas da crueldade de Stálin. Nos arredores de Smolensk, na floresta de Katyn, desenterraram de uma cova coletiva os cadáveres de 4 mil oficiais poloneses capturados em 1939. Em Vinnitsa, descobriram poços com 10 mil corpos de ucranianos. Isso poderia lhes ter dado um valioso fator de propaganda para justificar sua invasão, a não ser pelo fato de que os nazistas já haviam espalhado tantas mentiras que ninguém mais lhes dava crédito.

Cerca de 1 milhão de cidadãos soviéticos, inclusive um quarto de milhão de cossacos, serviram no exército alemão.21 A maior parte desses “hiwis”, da palavra Hilfswillige, “voluntário”, foi libertada dos campos de prisioneiros de guerra para realizar tarefas servis, como suprimento e apoio. Cerca de 50 mil hiwis foram encurralados com o Sexto Exército alemão no chamado Bolsão de Stalingrado. Os registros são escassos, mas é pouco provável que muitos tenham sobrevivido. Qualquer um que fosse recapturado pelos russos era quase que certamente executado.

Talvez um quarto de milhão de cidadãos soviéticos tenham sido recrutados como Osttruppen, soldados de pleno status. Como é que os nazistas conseguiram isso, com o preconceito racial? O melhor meio era não contar a Hitler o que estava acontecendo.22

Os soldados alemães capturados pelos soviéticos eram atirados no sistema gulag, de trabalho escravo. A maioria deles não foi libertada e repatriada senão depois da morte de Stálin, em 1953. De aproximadamente 4,1 milhões de prisioneiros tomados pelos soviéticos, cerca de 580 mil morreram no cativeiro.23

Assim que os soviéticos começaram a retomar seu território perdido, Stálin voltou sua atenção para as pessoas que haviam colaborado com os invasores. Na realidade, a colaboração não era condição necessária para levantar sua desconfiança. Bastava ter sobrevivido à ocupação alemã para ficar com a reputação manchada aos olhos do ditador. Que tipo de acordo elas haviam feito com os fascistas? Que ideias perigosas as haviam contaminado? Obviamente, mesmo que Stálin não pudesse matar toda pessoa poluída pelo contato com o inimigo, mas pelo menos algumas das nacionalidades menores podiam ser punidas como um exemplo para o restante. Em 1943, os chechenos e diversas outras etnias do Cáucaso foram despachados em massa para a Sibéria, e não lhes foi permitido o retorno senão depois de Stálin ser postumamente denunciado, em 1957. Aproximadamente 231 mil desses exilados morreram devido às privações sofridas.24

Stálin punia qualquer elemento de seu povo que houvesse caído em mãos alemãs. Como parte de um acordo de tempo de guerra com os Aliados, todos os cidadãos soviéticos descobertos sob a custódia germânica, isto é, exilados, refugiados, prisioneiros de guerra e trabalhadores escravos, foram repatriados, quer quisessem ou não. Os Aliados ocidentais forçaram dezenas de milhares a voltarem na ponta dos fuzis para uma morte quase certa, especialmente aqueles que eram suspeitos de colaboração com os alemães, embora incontáveis trabalhadores e exilados inocentes houvessem sido apanhados na mesma rede, e também despachados. Talvez 1,5 milhão de prisioneiros de guerra soviéticos, tudo o que restou dos 5 milhões aprisionados pelos alemães, não foram bem recebidos na sua volta para casa. Em vez disso, foram enviados para o gulag para serem punidos por seu fracasso e purificados de suas perigosas ideias. Foram acompanhados para aquele destino por 2,7 milhões de civis soviéticos que haviam sido levados pelos alemães para trabalhos forçados. Muitos não seriam libertados até bem depois do desaparecimento de Stálin.25

A Cortina de Ferro

Em 1945, depois que a guerra terminou, Stálin ficou decidido a controlar todos os Estados-tampão entre a Rússia e a Alemanha, a fim de evitar outro ataque vindo do Ocidente. A guerra deixara os soviéticos ocupando a Europa oriental e zonas setentrionais da China, Coreia e Irã, onde instalaram seus próprios governos fantoches. Stálin expurgou os moderados dos partidos comunistas locais, não tolerando meias medidas, e instalou, como líderes nominais dos países conquistados, os mais brutais protégés que pôde encontrar.

A Alemanha e a Áustria foram divididas entre as potências vencedoras, com as guarnições soviéticas permanecendo nos quadrantes orientais durante o restante da vida de Stálin. Por toda a zona de ocupação na Alemanha Oriental, os soviéticos arrebanharam novos prisioneiros políticos, tanto ex-nazistas quanto prováveis antiestalinistas, 65 mil dos quais morreriam em mãos soviéticas no decorrer dos cinco anos seguintes. O velho campo de concentração nazista de Buchenwald permaneceu aberto mais algum tempo, agora transformado em campo de concentração soviético, onde morreram de 8 mil a 13 mil novos prisioneiros políticos.26

A solução de Stálin para as fronteiras em disputa e sob controle soviético foi brutalmente simples: traçar as fronteiras e deslocar as pessoas para se adequarem ao novo traçado. Italianos foram expulsos da Iugoslávia, poloneses foram expulsos da União Soviética e turcos da Bulgária. Magiares vivendo na Romênia foram recambiados para a Hungria.

O controle soviético dos países ocupados nem sempre resultou na conclusão prevista. A Tchecoslováquia tinha profundas tradições democráticas que tentaram reemergir em tempo de paz. Nas eleições de 1946, os comunistas ficaram em minoria, mas conseguiram o controle da “polícia de cortesia” do exército de ocupação soviético. Greves desestabilizaram o governo de coalizão não comunista. Distúrbios puseram os moderados em perigo. Muitos políticos tchecos fugiram, a maioria foi forçada a renunciar aos mandatos. Um dos últimos a aguentar, o ministro do Exterior Jan Masaryk, caiu misteriosamente de uma janela alta, morrendo, em 1948. Lutas semelhantes acompanharam as tomadas de poder soviético na Polônia, Romênia, Bulgária e Hungria, mas as manobras do poder soviético na Grécia, Itália e Finlândia falharam, principalmente porque esses países estavam fora da zona de ocupação soviética, e o Exército Vermelho não estava ali perto para desequilibrar o jogo.

O alcance total da influência soviética continuou a se fazer sentir durante grande parte da era pós-guerra, enquanto Stálin continuava a testar os limites de até onde podia ir. Os soviéticos e os britânicos haviam ocupado o Irã, neutro, depondo o xá pró-soviético, em favor de seu filho, mais cooperativo, mas, em 1946, quando Stálin tentou organizar sua zona de ocupação num par de Estados comunistas independentes, os Estados Unidos fizeram pressão para que ele devolvesse aquelas províncias ao controle iraniano. Em 1949, Stálin tentou bloquear o acesso do Ocidente a suas zonas de ocupação em Berlim, mas uma decidida ponte aérea Aliada de suprimentos manteve Berlim ocidental em operação tempo suficiente para Stálin desistir. Os trunfos dessa rivalidade Oriente/Ocidente ficaram mais valiosos quando os soviéticos testaram sua primeira bomba atômica, em 1949. No ano seguinte, Stálin aprovou e forneceu suprimentos para a invasão da Coreia do Sul pela Coreia do Norte. Foi necessário um importante engajamento de tropas ocidentais e 3 milhões de vidas, mas, no final, a Coreia do Sul sobreviveu.

No final de 1952, Stálin começou a vigiar seu círculo mais íntimo e a imaginar como muitos deles estariam ativamente conspirando para a sua queda. Começou a manobrar visando limpar a casa, mas no dia 1º de março de 1953, antes que pudesse iniciar esse novo expurgo, ele teve um derrame. Enquanto jazia inerme no chão, seus auxiliares, aterrorizados, não ousaram bater à sua porta por um dia inteiro. Até mesmo depois de descobrirem o que acontecera e os médicos terem sido chamados, suspeitava-se de um truque e todos andavam agitadamente em torno da cama, temerosos de dizer alguma coisa que mais tarde poderia prejudicá-los. Felizmente, não era fingimento, e Stálin morreu no dia 5 de março.27

Matando o mensageiro

Quando realizou o novo censo soviético, em 1937, Stálin esperava encontrar a população explodindo com a prosperidade socialista. Em vez disso, a contagem caiu em 16,7 milhões, em relação ao que se supunha ser.28 Num Estado totalitário, onde cada habitante era cuidadosamente vigiado, ninguém poderia usar a desculpa de que os recenseadores haviam simplesmente omitido 16 milhões de pessoas. Seja porque estas pessoas estavam exiladas, mortas ou simplesmente não haviam nascido, perder tanta gente refletia-se muito mal na liderança do país por Stálin. Para manter as más notícias escondidas, o censo foi anulado e os chefes do órgão recenseador foram despachados para o gulag, acusados de caluniar a nação.

Quantas pessoas Stálin matou? Há três escolas de pensamento quando se trata de contar o número de cidadãos soviéticos que morreram nas mãos do ditador.

Na extremidade mais alta, encontramos estimativas de 40 a 60 milhões. Muitos desses cálculos começaram com palpites sem base, durante a Guerra Fria, quando os registros soviéticos estavam lacrados e qualquer número era possível. As estimativas eram reunidas de quaisquer resquícios ou histórias descobertas. Embora pesquisas recentes realizadas em arquivos soviéticos recentemente abertos não apoiem os números mais altos, muitas pessoas ficaram por demais entusiasmadas com essas cifras para deixá-las de lado. O grande problema dessas estimativas é que elas chegam perto de assegurar que Stálin matou todo homem adulto na União Soviética durante a década de 1930.29

Na outra extremidade, encontramos historiadores que reconhecem uma vítima apenas se for apresentado o corpo ou a certidão de óbito. Durante a Guerra Fria, quando a história soviética ficou fechada para investigações, Stálin tinha muitos apologistas que ridicularizavam abertamente essas cifras altas. Na ausência de provas concretas, esses apologistas se safavam admitindo apenas umas poucas dezenas de milhares de mortes nas mãos do ditador. Hoje, a prova de uns poucos milhões de mortos é forte demais, de modo que o campo minimalista admitirá, relutantemente, cerca de 786.098 execuções oficialmente registradas30 e 1.590.378 mortes nos campos de concentração, também oficialmente registradas,31 mas isso é o máximo que eles concedem. Muitos deles consideram a fome uma coisa acidental e inteiramente além do controle de Stálin, de modo que essas mortes não contam.32

A estimativa do historiador Robert Conquest, de 20 a 30 milhões de mortos, foi originalmente ridicularizada quando foi proposta pela primeira vez, em 1968,33 como um palpite sem base, mas atualmente ela se encaixa na terceira categoria, a cifra de consenso. Não é que a estimativa de Conquest fosse originalmente baseada em provas mais sólidas do que qualquer outra estimativa da era da Guerra Fria, mas pesquisas mais recentes têm convergido para aqueles números. Uma vez que você comece a somar todas as crueldades documentadas e a arredondar o total para cima, a fim de preencher as lacunas, vai descobrir que 20 milhões, mais ou menos, parece ser um bom número, que não ofende a credibilidade.34

a O exílio de Trotsky foi a bifurcação da estrada do comunismo ocidental. Desde então os comunistas no Ocidente podiam colocar uma confortável distância entre si e os terríveis acontecimentos que ocorriam na União Soviética, chamando a si próprios de trotskistas. Ser um trotskista implicava ser ideologicamente puro, coisa claramente ausente nos stalinistas. É óbvio que qualquer um teria sido uma melhoria em relação a Stálin, mas vale a pena observar que o comportamento de Trotsky durante a Guerra Civil Russa mostrou que ele não era, também, flor que se cheirasse.

b A Polícia Secreta Soviética era constantemente reorganizada e renomeada. Cheka, OGPU, NKVD e KGB são as quatro mais conhecidas manifestações, mas você não precisa saber o que significam todas aquelas letras, porque é apenas um suave jargão burocrático em russo. Os agentes eram comumente chamados de chekistas, de acordo com a primeira versão.

c O Grande Expurgo seguiu-se ao assassinato de Kirov tão de perto que alguns estudiosos suspeitam de que Stálin planejou aquele crime como uma desculpa; entretanto, uma pesquisa oficial em arquivos secretos soviéticos recentemente abertos, em 1989, não encontrou provas disso (David Aaronovitch, Voodoo Histories: The Role of the Conspiracy Theory in Shaping History [História vudu: O papel da teoria da conspiração em moldar a história], Nova York: Riverhead Books, 2010, p. 84).

d O Exército Vermelho foi o primeiro exército moderno a fazer uso extensivo de mulheres, a maioria, mas não inteiramente, em unidades de apoio.

e Por comparação, os britânicos executaram 306 homens por covardia na Primeira Guerra Mundial e nenhum na segunda (Richard Norton Taylor, “Executed WW1 soldiers to be given pardon” [“Soldados executados na Primeira Guerra Mundial serão perdoados”], Guardian, 16 de agosto de 2006). Os americanos executaram apenas um desertor nas guerras mundiais.