SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Número de mortos: 66 milhões (20 milhões de soldados e 46 milhões de civis, incluindo a guerra sino-japonesa, a fome em Bengala, o Holocausto e as atrocidades de Stálin em tempo de guerra, mas sem incluir quaisquer dos expurgos e conflitos do pós-guerra)1
Posição na lista: 1
Tipo: guerra de conquista
Linha divisória ampla: Eixo (de maioria fascista) versus Aliados (de maioria democrática ou comunista)
Época: 1939-45
Localização: Europa, leste da Ásia, norte da África, oceano Pacífico, Atlântico Norte
Principais Estados participantes: China, França, Alemanha, Itália, Japão, União Soviética, Reino Unido, Estados Unidos (cada Estado mobilizando mais de 4 milhões de soldados)
Estados participantes secundários: todos os demais, com apenas uma dúzia de fora
Não participantes: Na Europa: Irlanda, Portugal, Espanha, Suécia e Suíça; no Oriente: Afeganistão, Nepal, Tibete, Turquia, Iêmen
Quem geralmente leva a maior culpa: o Eixo, principalmente Hitler
Fatores econômicos: petróleo, aço, cereais, a Grande Depressão
Por que eles precisavam ter uma Segunda Guerra Mundial?
Os alemães haviam chegado tão perto de ganhar a Primeira Guerra Mundial que não podiam acreditar que isso não acontecera. Por volta de 1917, eles haviam posto para fora da guerra a Rússia, a Sérvia e a Romênia, levado o exército francês a se amotinar, e chegado a uns poucos quilômetros de Paris. Até mesmo depois de terem sido forçados a recuar ante a ofensiva final Aliada, eles haviam se retirado em boa ordem, sem pânico ou rendição. Como nunca chegaram a compreender que haviam sido direta e completamente derrotados, muitos soldados alemães culpavam seu fracasso a “uma facada pelas costas”, dada por elementos impatrióticos na própria Alemanha, isto é, judeus, aproveitadores da guerra ou comunistas, dependendo da inclinação dos queixosos. Afinal de contas, fora o governo civil que pedira a paz, não o exército. Depois que cresceu uma nova geração de jovens, prontos para preencher as fileiras, e com o desenvolvimento de novas tecnologias que podiam superar metralhadoras entrincheiradas, os militaristas alemães foram ficando ansiosos para uma revanche. Tudo o que precisavam era de uma desculpa e um governo que cooperasse.a
Entre os veteranos descontentes perambulando pela Alemanha e se queixando dos judeus que haviam apunhalado o país pelas costas, estava Adolf Hitler. Nascido na Áustria, em 1889, ele passou um período breve e desagradável de sua juventude na poliglota e cosmopolita capital, Viena. Não conseguiu ser admitido numa escola de arte devido à sua falta de habilidade para desenhar pessoas, o que é provavelmente uma metáfora, se não um sintoma real, para um profundo defeito psicológico. Viveu parcimoniosamente de pintar cartões-postais, e depois se mudou para Munique, na Alemanha, para fugir da pobreza, do multiculturalismo e da convocação para o exército austríaco; contudo, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, ele se alistou no regimento alemão local. Depois que a frente ocidental ficou imobilizada com a guerra de trincheiras, Hitler exerceu a função de mensageiro, um serviço perigoso que fez com que ele ficasse exposto ao gás de mostarda, mas ganhasse algumas medalhas.2
Na Munique pós-guerra, Hitler ficou apaixonado pelo movimento fascista, e ajudou a fundar o Partido Nacional-Socialista (Nazista). O fascismo se originara na Itália, sob Mussolini, que governou de 1922 a 1943. Diferentemente do conservadorismo tradicional, que defendia a classe governante da nobreza, da Igreja e dos capitalistas, contra o populismo radical dos pobres, o fascismo era, em si mesmo, uma populismo radical em favor de ideais conservadores. Como os comunistas, os fascistas incitavam as massas com promessas de pleno emprego, gratificação dos consumidores e uma unidade nacional com vistas a um objetivo, mas eram extremamente anticomunistas, no seu apoio à pátria, a Deus e à ordem natural das coisas. Como outros partidos radicais na Alemanha pós-guerra, tais como os comunistas, os nazistas organizaram esquadrões paramilitares, chamados os Camisas Pardas, para aterrorizar a oposição.
A princípio, os nazistas se saíram mal nas eleições alemãs, mas o colapso da economia mundial em 1929 levou os eleitores desempregados na direção de partidos com programas radicais. Isso estava acontecendo quase em toda parte, e o número de democracias no mundo diminuiu tão rápido quanto os indicadores econômicos. Durante algum tempo houve incerteza se a Alemanha iria para a esquerda ou para a direita, mas, quando chegou a hora de escolher o lado, a ala direita ofereceu mais, isto é, o retorno aos bons velhos tempos, e fez menos exigências, isto é, nada de confisco de propriedades. Quando os nazistas surgiram como o partido mais forte no Parlamento dividido e desesperançado do país, em 1933, Adolf Hitler se tornou o chanceler. Numa questão de meses, ele esfacelou, dispersou e prendeu a oposição. Estabeleceu o primeiro campo de concentração em Dachau, nos arredores de Munique, para lá reunir o crescente número de prisioneiros políticos. O fascismo logo se infiltrou em todos os aspectos da sociedade, desde os grandes comícios urbanos até a Juventude Hitlerista, que substituiu os multinacionais escoteiros.
Primavera para Hitler
Depois de chegar ao poder na Alemanha, Hitler partiu para fundar o Terceiro Reich, a hegemonia alemã na Europa, enquanto assegurava à França e à Grã-Bretanha que essa não era absolutamente sua intenção. Ele começou a montar o exército alemão, a Wehrmatcht, de volta aos níveis de 1914, incorporando toda a tecnologia mais recente. O Eixo Roma-Berlim de 1936 estabeleceu uma parceria com a Itália. Em 1938, a Áustria foi anexada, e a Tchecoslováquia, neutralizada e dividida. Ainda traumatizadas pelo banho de sangue insensato da Grande Guerra, as potências ocidentais hesitavam em iniciar outro conflito com a Alemanha, mas finalmente se resolveram e declararam que não permitiriam qualquer outra invasão de países vizinhos. Isso não perturbou Hitler nem um pouco. Um tratado secreto com a União Soviética assegurou-lhe a liberdade de agir no leste, e, em setembro de 1939, ele lançou uma maciça invasão da Polônia, conquistando o país em questão de semanas. Os franceses e britânicos declararam guerra.
Em vez de atacar a França imediatamente, Hitler assegurou o seu flanco norte invadindo a Dinamarca e a Noruega. Depois, voltou sua atenção para o oeste e varreu a Holanda, a Bélgica e a França em seis semanas, enquanto os derrotados remanescentes do exército britânico fugiam pelo porto de Dunquerque. Nesse ínterim, Stálin se aproveitava da atenção das potências voltadas para o oeste para expandir-se nos vizinhos menores da União Soviética, apoderando-se de parte da Polônia, Romênia e Finlândia, e devorando inteiramente a Lituânia, a Letônia e a Estônia. Mussolini também tentou expandir os domínios italianos, dessa vez partindo da Albânia, que fora anexada em 1937, e invadindo a Grécia, e partindo da Líbia para o Egito, mas encontrou inesperada resistência. Incapaz de deixar uma situação instável no seu flanco sul, Hitler foi rapidamente em socorro do aliado, avançando sobre uma Iugoslávia que se recusava a cooperar, já que estava com as mãos na massa.
O escore nessa altura: em pouco mais de três anos, a Alemanha conquistara dez países, a Rússia anexara três e dividia um com a Alemanha, enquanto a Itália anexara um. O conjunto da Europa continental caíra nas mãos dos alemães, ou diretamente, ou por meio de aliados, como a Hungria, e neutros submissos, como a Espanha. Os únicos países ainda no jogo contra esses agressores eram os dispersos domínios da Comunidade Britânica.
E os chineses. Como você se recorda (ver “A Guerra Civil Chinesa”), os japoneses haviam começado a reduzir a China a seu jugo em 1937, e dentro de poucos anos eles haviam consolidado seu domínio sobre o litoral e o norte daquele país. Chiang Kai-shek mantinha seu governo nacionalista refugiado bem no interior, em Chongqing, recebendo suprimentos dos britânicos e americanos.b
A guerra na Rússia
Chegou então o momento do espetáculo que Hitler vinha planejando todo esse tempo, a cruzada contra o bastião judaico-eslavo-bolchevista da Rússia soviética. Embora essa invasão seja considerada um erro, quando olhada em retrospectiva, a Primeira Guerra Mundial vira a França sobreviver enquanto a Rússia entrava em colapso, de modo que, se a Alemanha podia vencer a França agora, então a conquista da Rússia seria um passeio. O ataque inicial, em maio de 1941, provou isso, pois os soviéticos foram apanhados completamente de surpresa. Os alemães bombardearam os aviões soviéticos ainda no solo, e facilmente romperam e flanquearam as unidades de frente do inimigo. Por fim, a debacle chegara a um ponto que exércitos soviéticos inteiros eram cercados e destruídos. Em julho e agosto, as forças alemãs mataram 486 mil soviéticos e capturaram 310 mil no bolsão de Smolensk, a leste de Belarus. Em setembro, eles sitiaram e tomaram Kiev, na Ucrânia, depois de matar 616 mil soldados inimigos e capturar 600 mil.3
Enquanto avançava na Rússia, a Wehrmacht era acompanhada dos Einsatzgruppen, unidades especiais designadas para matar judeus, comunistas e outros indesejáveis. A queda de cada grande cidade soviética era logo seguida de um massacre. No final de setembro de 1941, os judeus de Kiev foram levados para a ravina de Babi Yar, despidos, fuzilados e enterrados. O oficial encarregado comunicou uma contagem meticulosa de 33.771 judeus mortos em três dias.4 Em outros poucos dias, em outubro, foi o bastante para os aliados romenos dos alemães matarem 39 mil judeus dentro da cidade de Odessa e em seus arredores.5 Em novembro e dezembro, 28 mil judeus foram levados pelos alemães para a floresta de Rumbula, perto de Riga, despidos, alinhados e metralhados.6 Por volta de abril de 1942, os Einsatzgruppen haviam comunicado um total de 518.388 execuções.7
No decorrer dos poucos primeiros meses, cerca de 3,9 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos foram despachados de volta para território alemão, alguns destinados ao trabalho forçado, alguns para guarnecer batalhões de vira-casacas, alguns para experiências médicas, mas a maioria para morrer de inanição, ulcerações causadas pelo frio e tifo, em imundos campos de prisoneiros. Todos, a não ser 1,1 milhão, estavam mortos quando chegou a primavera.8 Dos 5,7 milhões de soviéticos feitos prisioneiros durante todo o curso da guerra, 3,3 milhões morreram por negligência e brutalidade, em uma política deliberada por parte dos nazistas para erradicar os eslavos subumanos. Prisioneiros de nações de mesma ancestralidade, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos foram tratados de maneira muito melhor, e a maioria sobreviveu.9
Devido à enorme extensão do território soviético,c derrotar os russos levaria mais tempo do que as poucas semanas que foram necessárias para esmagar os franceses, mas por volta de dezembro os exércitos alemães já haviam cercado Moscou quase completamente. Entretanto, os meses de batalhas contínuas haviam desgastado a eficiência de combate do exército alemão, de modo que ele não conseguiu fechar o círculo antes da chegada do inverno. A iniciativa passou para o Exército Vermelho, que se suprira das imensas reservas de mão de obra e da indústria do país para voltar a ser uma competente máquina de guerra. Os soviéticos empurraram os alemães de volta, a partir dos subúrbios de Moscou, mas não conseguiram causar muito dano à capacidade de combate do exército germânico. Com a chegada da primavera, os alemães retomaram a ofensiva, agora avançando para o sul, na direção dos campos de petróleo das montanhas do Cáucaso.
A fim de cobrir seu avanço para o Cáucaso, os alemães precisavam consolidar sua linha de frente em Stalingrado, atualmente Volvogrado. Não apenas isso evitaria que os exércitos soviéticos do sul recebessem reforços, mas também daria aos alemães uma cabeça de ponte do outro lado do rio Volga, a última barreira natural antes dos montes Urais, na borda leste da Europa. Em agosto de 1942, depois de avançar célere pelos arredores da cidade, os alemães foram bloqueados a poucos quarteirões do rio por uma desesperada defesa soviética. Os russos transformaram os destroços dos prédios em fortalezas, e a luta ficou atolada em tiroteios intensos, a curta distância, rua por rua, quarteirão por quarteirão, e, nas grandes fábricas e lojas de departamentos, seção por seção. Durante o dia, atiradores de tocaia esperavam pacientemente nas ruínas para colocar uma bala em qualquer parte do corpo visível de um alemão. À noite, siberianos e tártaros se infiltravam nas posições inimigas isoladas, com facas e baionetas, para retalhar um inimigo despreparado para a luta corpo a corpo.10
A guerra urbana corroeu os efetivos alemães com tal ferocidade que os flancos rurais da sua linha em Stalingrado eram guarnecidos por tropas dos aliados italianos e romenos. Os russos lançaram dois grandes movimentos de torquês contra os flancos germânicos em novembro, esmagando-os e fazendo um bolsão que deixou encurralados 275 mil homens na cidade devastada. Os homens encurralados nesse bolsão foram deixados sem alimentos, e bombardeados e atacados durante os meses seguintes, até que finalmente, em fevereiro de 1943, os remanescentes, em estado deplorável, se renderam. A maioria estava tão abatida, com ulcerações causadas pelo frio e malnutridos que nem mesmo sobreviveram à jornada para os campos de prisioneiros de guerra soviéticos. Menos ainda sobreviveram depois de chegarem lá.
Possivelmente 750 mil soldados e 140 mil civis morreram na Batalha de Stalingrado, tornando-a a segunda mais sangrenta batalha da história da humanidade.11 Sim, essa foi a segunda. A batalha mais sangrenta de toda a história foi a que se travou simultaneamente em Leningrado, na qual morreram 1,5 milhão de soldados e civis.12 Em setembro de 1941, depois que os alemães haviam avançado até os subúrbios de Leningrado, hoje São Petersburgo, seus aliados finlandeses fecharam o círculo por detrás e isolaram a segunda maior cidade da União Soviética. Como o alto-comando soviético envidara poucos esforços para evacuar a população, 3 milhões de civis se viram encurralados, sem esperança de receber suprimentos. Diferentemente da Batalha de Stalingrado, não houve oscilações táticas para se descrever. O exército soviético se plantou no terreno e aguentou o assédio por novecentos dias, sob o pior bombardeio jamais feito pelos alemães.
Sem poder contar com a ajuda de fora, a população de Leningrado esticou suas rações o mais que pôde, depois comeram os animais, depois comeram relva, cintos e cascas de árvores, depois comeram uns aos outros, e finalmente morreram de fome às centenas de milhares.13 Durante o inverno, os soviéticos construíram uma estrada que atravessava a superfície gelada do lago Lagoda para levar suprimentos para a cidade, e evacuar os civis, mas a obra ficou vulnerável aos ataques aéreos, e afundou na água ao primeiro degelo. Embora o número oficial de civis mortos seja de 632 mil, mais de 1 milhão de habitantes da cidade podem ter desaparecido durante o sítio.14 Por fim, o Exército Vermelho conseguiu abrir um estreito corredor para a cidade, mas essa estrada ainda ficava a fácil alcance da artilharia e da aviação alemãs. Não foi senão em janeiro de 1944, quando as batalhas em outros lugares já empurravam as linhas de frente na direção da Alemanha, que o sítio terminou sem que a cidade fosse conquistada.
A guerra no Pacífico
Depois da queda da França, os japoneses tentaram se apoderar das colônias francesas da Indochina, que haviam ficado órfãs. Os americanos tentaram ficar de fora da guerra, mas foram apertando os parafusos econômicos para fazer o Japão recuar. Primeiro os americanos proibiram os navios japoneses de trafegarem pelo Canal do Panamá, essa medida seguida por um embargo do petróleo e do aço, que ameaçou paralisar a máquina de guerra japonesa. A única solução que os planejadores em Tóquio puderam enxergar foi arrebatar as Índias Orientais, ricas em petróleo, das mãos da Grã-Bretanha e da Holanda, dois países que estavam ocupados combatendo os nazistas. Em 1941, o Japão deslocou tropas, aviões e navios de guerra para a Indochina francesa.
Naquele momento estava óbvio para todo mundo que o Japão estava se preparando para avançar pelos arquipélagos do Sudeste Asiático, mas, quando o ataque finalmente veio, em dezembro, o Japão surpreendeu todo mundo e lançou seus aviões por sobre metade do oceano Pacífico para esmagar a frota americana com um ataque avassalador sobre a base de Pearl Harbor, no Havaí. Nos diversos meses que se seguiram, as esquadras e as tropas japonesas conquistaram os arquipélagos, ricos em recursos, originalmente possuídos pelos holandeses, britânicos e americanos.
Para surpresa geral, a guarnição britânica de 85 mil homens sediada em Hong Kong rendeu-se quase imediatamente, a maior derrota britânica de toda a história. A tropa era formada principalmente de indianos sob o comando de oficiais britânicos. A conquista foi seguida de vários meses de ausência de governo, em que os japoneses massacraram talvez 25 mil chineses habitantes da cidade.
Também foi uma surpresa que os 125 mil americanos que guarneciam as Filipinas, a maioria da tropa formada de filipinos, aguentou mais tempo do que se esperava. No final, eles também se renderam, a maior derrota da história americana. Enraivecidos pela demora da conquista, os japoneses forçaram os prisioneiros a marchar para a península de Bataan, sem água ou descanso, fuzilando, baionetando ou espancando com paus até a morte qualquer um que cambaleasse. Milhares morreram.
Tendo estabelecido o controle das Índias Orientais, os japoneses precisavam instalar um perímetro defensivo entre as pequenas ilhas do Pacífico central, e expulsar os últimos americanos de lá; entretanto, interceptando e decodificando as transmissões radiofônicas inimigas, os americanos souberam dos alvos e das datas da ofensiva japonesa contra a ilha de Midway. Aviões de reconhecimento e radares confirmaram a aproximação da frota japonesa, que foi então atacada pelos americanos em pleno mar aberto, com onda após onda de aviões baseados em porta-aviões. Os japoneses retaliaram da mesma forma, mas a sorte e o planejamento estavam do lado dos americanos, que afundaram quatro porta-aviões inimigos, mais do que os japoneses podiam substituir com facilidade. A iniciativa da guerra no Pacífico passou para os Estados Unidos.
A Europa em jogo
Depois que foram inteiramente escorraçados da Europa continental, os ingleses não tinham um meio fácil de manter um papel ativo na guerra, e foram forçados a ficar na defensiva. Hitler tentou quebrar a teimosia britânica com um bloqueio submarino e incansáveis reides aéreos. Na Batalha da Grã-Bretanha, a aviação alemã atacou a Inglaterra diretamente por diversos meses, em 1940, chegando a matar 60 mil civis sem ganhar o controle inconteste do céu ou mudar o equilíbrio militar, de qualquer modo que fosse. Os submarinos alemães patrulhavam as rotas marítimas em torno da ilha para evitar que chegassem suprimentos vitais àquela. Como acontecera na Primeira Guerra Mundial, o bloqueio alemão causou uma fricção com os teoricamente neutros americanos, levando a uma guerra aberta, mas não declarada, entre as duas potências. Finalmente, em dezembro de 1941, poucos dias depois de Pearl Harbor, Hitler declarou guerra formalmente aos Estados Unidos. Por fim, os especialistas britânicos conseguiram desvendar os códigos alemães, permitindo que os submarinos fossem detectados, e a partir daí a força aérea britânica e americana, baseadas nas ilhas do Atlântico Norte, começaram a fornecer uma cobertura eficaz para os comboios ao longo de grande parte das viagens.
Durante uns poucos anos, os britânicos puderam apenas fazer operações tímidas nas bordas da Europa fascista. Bloquearam facilmente as tentativas italianas de se apoderar do Egito e da Grécia, mas as forças alemãs chegaram para reforçar os italianos e fazer os britânicos recuarem de novo. Na Grécia, a coisa terminou a favor do Eixo, mas no Egito, a defesa britânica finalmente se firmou e fez estancar a ofensiva inimiga. Depois começaram os contra-ataques. Por fim, os americanos e britânicos limparam o norte da África e atacaram o território italiano. Isso tirou os italianos da guerra, mas as forças alemãs cavaram trincheiras no meio da península e se mostraram difíceis de desalojar.
Por volta de 1943, a frente russa se desenvolvera dentro de um padrão previsível. Os russos atacavam no inverno, e os alemães faziam o mesmo no verão. Durante o verão de 1943, o alto-comando alemão planejou a Operação Cidadela, para esmagar o saliente Kursk, duas poderosas ofensivas com tanques, uma de cada lado, e eliminar por completo o grupo de exércitos local dos soviéticos. A batalha de julho foi a maior batalha de blindados já ocorrida na história, mas os avanços alemães diminuíram de intensidade, depois pararam, e por fim recuaram face a uma contraofensiva. Pela primeira vez em dois anos de guerra, os russos haviam vencido uma batalha sem neve. Essa batalha de três semanas matara 325 mil soldados no total, mas, o que é significativo, os russos haviam perdido apenas três vezes e meia mais gente do que os alemães.15 Foi uma melhoria de 600% em relação ao primeiro ano da guerra, quando morriam vinte vezes mais soviéticos do que alemães.16
Holocausto
Como todos os construtores de impérios, os alemães exploraram a mão de obra barata dos inimigos conquistados. Por volta de 1944, 8 milhões de estrangeiros, a maioria civis, haviam sido levados para a Alemanha para o trabalho escravo.d Outros 2 milhões trabalhavam sob a supervisão alemã em territórios conquistados. Exerciam tarefas de fazendeiros, trabalhadores nas fábricas e empregados domésticos. Os trabalhadores estrangeiros supriam um quarto da mão de obra na indústria química, e um terço na de armamentos.17
Entretanto, Hitler tinha planos maiores para o Terceiro Reich. Para purificar seu novo império europeu, ele classificou quem não se enquadrava na sociedade convencional como sub-humano, e programou o seu extermínio. Homossexuais, testemunhas de Jeová, maçons e doentes mentais foram aprisionados, mortos por gás, fuzilados e castrados às dezenas de milhares.
Os judeus estavam no topo da lista dos alvos de Hitler. Além da tradicional desconfiança europeia em relação àquela etnia, com sua religião diferente, e a suspeita paranoica de que eles controlavam a sociedade com seus bancos e impérios jornalísticos, os nazistas acrescentaram um pseudocientífico medo da poluição genética por parte dos judeus que viviam entre eles. Ao assumir o controle da Alemanha, Hitler restringiu a liberdade dos judeus. Foram sendo proibidos de exercer uma profissão após outra, e banidos da companhia de gente decente. Na noite de 9 para 10 de novembro de 1938, batizada de Kristallnacht, ou “Noite dos Cristais”, multidões saíram às ruas para espancar judeus e saquear seus bens. Quando a guerra começou, dois terços dos judeus na Alemanha e na Áustria já haviam visto para onde a história se encaminhava e fugido para outros países.18
Entretanto a conquista da Europa trouxe milhões mais de judeus sob o controle de Hitler. Não apenas havia mais judeus do que ele podia simplesmente expulsar, mas também estava sendo provado que eles eram em maior número do que se podia massacrar com facilidade. Em janeiro de 1942, grande parte da classe gerencial nazista se reuniu numa villa em Wannsee, nos arredores de Berlim, para planejar a Solução Final para o problema judeu.
Onde conquistavam um novo território, os alemães imediatamente registravam todos os judeus. Alguns eram fuzilados no ato, mas a maioria foi reunida em guetos locais. Guetos menores foram depois eliminados ou consolidados em guetos maiores, e o maior de todos da Europa foi o gueto de Varsóvia. Separados por um muro do restante da cidade, os judeus podiam sair de lá para trabalhar, mas, a não ser por isso, eram mantidos em quarentena. As doenças e a desnutrição reduziram drasticamente a população, mas mesmo isso não era bastante rápido, de modo que os alemães começaram a despachá-los para os campos de concentração para serem usados como mão de obra escrava.19
Os nazistas perceberam que simplesmente fuzilar os judeus era ineficaz. Imobilizava tropas e caminhões, e era um desperdício de munição. Uma rajada de metralhadora sobre uma linha de judeus deixava inúmeros feridos que precisavam ser mortos com tiros de pistola na cabeça. O enterro dos corpos acrescentava mais trabalho ao processo, e o barulho alertava a vizinhança para o que estava acontecendo.
O gás de cianeto foi a resposta. Levou algum tempo para que os nazistas aplainassem as dificuldades, mas por fim surgiu a solução nos campos de morte espalhados pela Polônia. Com histórias mentirosas sobre reassentamento no leste, os judeus eram reunidos nas estações de trem junto aos guetos, e despachados em vagões de carga. Chegando aos campos de morte, eles eram rapidamente separados por idade, sexo e potencial para servir de mão de obra.
Judeus que não eram necessários para o trabalho forçado eram aliviados de seus pertences e enviados para os chuveiros. No lugar de água, cristais de Zyklon-B, o nome comercial do cianeto de hidrogênio, eram deixados cair de aberturas no telhado, vaporizando-se em gás venenoso. Depois de uns frenéticos minutos de gritar e se debater, as vítimas silenciavam. O gás era extraído da câmara, e os cadáveres, levados para fornos crematórios de alta capacidade.
De meados de 1942 a meados de 1943, em pouco mais de um ano, 600 mil pessoas foram mortas no campo de Belzec, que era apenas o terceiro, em capacidade. O maior dos campos, o de Auschwitz, ficou aberto por três anos, durante os quais 1,1 milhão de pessoas foram mortas. Num único ano em que o campo de Treblinka esteve em operação, 800 mil judeus foram executados. Um terço de milhão foi morto em Chelmno e um quarto de milhão em Sobibor. O sistema era tão eficiente que Treblinka operava com menos de 150 guardas e auxiliares, suplementados por mão de obra prisioneira que podia ser liquidada depois de realizada a tarefa. Ao término de 1943, a maioria dos judeus sob controle alemão estava morta, e todos os campos de morte, com exceção de Auschwitz, foram fechados.20
Alguns países aliados dos alemães, como a Croácia e a Romênia, se sentiram bem à vontade para cooperar com a Solução Final, e estabeleceram seus próprios campos de concentração, enquanto outros, como a Bulgária, Finlândia, Hungria e Itália, tentaram ficar fora do processo. Não obstante, a maioria dos países do Eixo registrou os judeus nativos, limitaram sua participação na vida pública e prazerosamente deportaram judeus estrangeiros de volta para seus países sob o controle de Hitler. Para os judeus-italianos e húngaros, a relutância de seus governos em assassiná-los foi apenas uma suspensão temporária da pena. Quando a maré da guerra se voltou contra a Alemanha, aqueles dois países tentaram cair fora do Eixo, mas as tropas alemãs avançaram rapidamente e depuseram os governos periclitantes. Centenas de milhares de judeus locais foram então arrebanhados, despachados e mortos nas câmaras de gás com espantosa eficiência.21
O povo Roma, ou cigano, foi outra minoria desenraizada a ser vilipendiada e visada pelos nazistas. Há muito caluniados como ladrões e dados à feitiçaria, os ciganos foram caçados e exterminados, tanto quanto os judeus. A estimativa mais comum é que 250 mil ciganos tenham morrido, mas ninguém sabe realmente ao certo. Pode ter sido mais do que 1 milhão.22
A Ásia continental
Nesse ínterim, a fim de cortar a rota de suprimentos entre as forças nacionalistas na China e o mundo exterior, os japoneses conquistaram a Birmânia, mas logo descobriram que as linhas de transporte por terra naquela parte do mundo correm inutilmente do norte para o sul, do interior para o litoral, enquanto as rotas marítimas correm perigosamente em torno da península malaia, onde espreitavam os submarinos Aliados. Com seu exército agora abrindo caminho para o oeste, na direção da Índia, os japoneses precisavam ligar seu palco de operações na Tailândia diretamente com a frente birmanesa. Eles recrutaram mão de obra nativa para construir uma ferrovia através do país, passando por cima de montanhas e atravessando vales de rios profundos, contra o sentido geológico natural da região. Cinquenta a cem mil civis birmaneses e 16 mil prisioneiros de guerra Aliados trabalharam até a morte nesse projeto.23
Ao mesmo tempo, o exército britânico na Índia enviava desordenadamente tropas e suprimentos para o leste, no caminho do exército japonês que se aproximava. Infelizmente, quando conquistaram a Birmânia, o celeiro de arroz do Sudeste Asiático, os japoneses cortaram as exportações de alimentos que sustentavam grande parte da população da Índia. O exército britânico requisitou todos os meios de transporte locais para fins militares, e enviou apenas tropas e munição para o leste da Índia. Sem transporte, as importações civis cessaram, enquanto os comerciantes de cereais guardavam as colheitas locais para auferirem mais lucro com a revenda. Mostrando sua costumeira falta de preocupação para com o povo indiano (ver “Fome na Índia britânica”), os britânicos se recusaram a interferir no preço dos alimentos, que subiu astronomicamente, estabelecido pelo livre-mercado, e deixaram o povo de Bengali morrer de inanição. Pelo menos 1,5 milhão de indianos, possivelmente 3 a 4 milhões, morreram de fome antes que alguém se importasse com eles.24 O primeiro-ministro da Grã-Bretanha deu de ombros quando soube do caso, dizendo ser culpa dos nativos que “procriam como coelhos”.25
Nesse ínterim, os japoneses se preparavam para explorar os povos asiáticos capturados. Milhões de nativos morreram de fome na Indochina e na Indonésia depois que suas colheitas foram confiscadas para alimentar o Japão. Escravas sexuais chinesas e coreanas, “mulheres para conforto” como eram chamadas, foram arrebanhadas e despachadas para divertir as guarnições japonesas.
Na Manchúria, os japoneses estabeleceram um laboratório secreto de guerra biológica, a Unidade 731. Prisioneiros eram feridos deliberadamente, a fim de que os médicos pudessem testar procedimentos cirúrgicos arriscados. Outros eram amarrados e vivissecados sem anestesia, para revelar o misterioso funcionamento interno do corpo. Foram desenvolvidos germes experimentais usando-se prisioneiros de guerra como cobaias. Em 1940, os aviões japoneses propagaram moscas infectadas com uma praga na cidade de Ningbo, no litoral central da China. Em 1942, os aviões de combate japoneses deixaram cair vírus do cólera nas aldeias chinesas ao longo da linha de suprimento dos Aliados na província da Yunnan, na fronteira com a Birmânia, matando cerca de 200 mil civis na epidemia resultante.26
O encolhimento do Reich
Foram necessários alguns poucos anos para que os americanos mobilizassem inteiramente seu enorme potencial industrial e de mão de obra, mas por volta de 1944 eles estavam prontos para tentar um assalto em grande escala contra o continente europeu. Reuniram uma força de combate na Inglaterra e lançaram um maciço ataque anfíbio contra as fortificações alemãs no litoral francês da Normandia, no dia 6 de junho de 1944. Ao final do primeiro dia, o Dia D, os Aliados anglo-americanos haviam desembarcado com sucesso 133 mil soldados e 20 mil veículos na praia, lançando outros 23.500 por via aérea atrás das linhas inimigas, e foram avançando terra adentro para se apossar de encruzilhadas-chave, ao custo de cerca de 3 mil baixas.27
Depois de aproximadamente um mês, os Aliados haviam reforçado suas tropas o bastante para romper as defesas inimigas na península da Normandia. As divisões blindadas americanas e britânicas avançaram avassaladoramente pelo interior da França na direção da fronteira com a Alemanha e o rio Reno. Um contra-ataque alemão em dezembro, chamado de A Ofensiva das Ardenas por historiadores negativistas e de A Batalha do Bolsão, na lembrança americana, retardou a travessia do Reno por alguns meses, mas o esforço consumiu as últimas reservas alemãs. Na primavera, as forças americanas já tinham cabeças de ponte estabelecidas na outra margem do rio, derramando-se pelo interior da Alemanha.
No leste, os soviéticos lançaram sua própria ofensiva em junho de 1944, chamada de Operação Bagration. Quatro gigantescas colunas de tanques e infantaria romperam a linha alemã em Belarus, e rapidamente convergiram para o interior da velha Polônia. Foi provavelmente a maior vitória soviética na frente oriental. Dezenas de divisões alemãs foram encurraladas e aniquiladas. Depois de três anos de guerra, a qualidade combativa do Exército Vermelho havia finalmente superado a Wehrmacht.
Ao recuarem para a Polônia, os alemães estabeleceram uma nova linha defensiva ao longo do rio Vístula, com apoio em Varsóvia. Depois, com o Exército Vermelho realizando uma parada forçada quando a ofensiva ultrapassou o limite das linhas de suprimento, o Exército Polonês da Resistência, agindo clandestinamente, lançou um levante de guerrilheiros contra os alemães, visando estabelecer um governo independente em Varsóvia antes que os soviéticos chegassem, rebocando seus governantes fantoches. Como nem os alemães nem os russos queriam ver os nacionalistas poloneses no governo do país, os soviéticos estancaram sua ofensiva e ficaram observando da outra margem do rio Vístula enquanto os alemães se encarregavam da rebelião. Os nazistas reduziram sistematicamente Varsóvia a escombros, e massacraram a população, no que tem sido chamado de a maior atrocidade individual da guerra.28 Cerca de 225 mil poloneses morreram no levante de Varsóvia.e
Para compreender a diferença entre as duas frentes, contraste o destino de Varsóvia com o de Paris. O plano original dos americanos era desbordar a cidade completamente e se concentrar na destruição dos exércitos germânicos no campo de batalha, em vez de desviar seus preciosos recursos para alimentar e cuidar de diversos milhões de civis pelos quais ficariam responsáveis se conquistassem a cidade. O plano original de Hitler era destruir Paris, em vez de entregá-la. Assim como em Varsóvia, os guerrilheiros franceses se levantaram contra a guarnição alemã, mas a frente ocidental era tão mais civilizada do que a oriental que o resultado foi muito diferente. O comandante alemão se recusou a destruir uma magnífica cidade, ao mesmo tempo que os Aliados permitiam que as tropas francesas avançassem e tomassem a cidade sob a proteção Aliada o mais rapidamente possível.29
As duas frentes que se aproximavam, os anglo-americanos do oeste e os soviéticos do leste, já haviam decidido encontrar-se no rio Elba, na Alemanha Oriental, deixando a sangrenta batalha final por Berlim para Stálin. Enquanto o Exército Vermelho avançava pelo território da Prússia oriental, o pagamento por parte da Alemanha dos prejuízos por ela causados na sua invasão da Rússia tornou-se a política oficial soviética. Não apenas todos os bens portáteis foram sequestrados e despachados para a Rússia, mas quase toda mulher no caminho do avanço avassalador foi estuprada, depois jogada para o lado, e então estuprada de novo, assim que chegava uma nova unidade do Exército Vermelho.30
Os civis alemães se dispersaram em pânico com o avanço das linhas de frente de batalha, e centenas de milhares de refugiados morreram na confusão para escapar à brutalidade soviética. Os navios alemães ficaram atulhados de civis e soldados feridos, e partiram de portos no mar Báltico na direção oeste, frequentemente sendo torpedeados pelos submarinos soviéticos. O navio de cruzeiro Wilhelm Gustloff, adaptado, foi mandado para o fundo com mais de 9 mil passageiros e tripulantes, o mais mortal de um único naufrágio da história. O cargueiro Goya, superlotado, foi afundado, levando consigo 6 mil refugiados.
Os soldados alemães resistiam sem expectativa de vitória, apenas com uma esperança desesperada de que poderiam retardar os soviéticos tempo bastante para escapar e se render aos britânicos e americanos mais misericordiosos. Mas Hitler tinha outros planos. Comandando agora de sua casamata subterrânea debaixo do prédio da Chancelaria em Berlim, ele não tinha a intenção de ter o mesmo destino de Mussolini, que fora recentemente capturado por partidários, fuzilado e pendurado na praça da cidade como um porco abatido. Hitler pretendia morrer num clarão de glória e levar sua pouca meritória nação com ele.
Os soviéticos estavam dispostos a ajudá-lo nessa empreitada. O Exército Vermelho atravessou o rio Oder, a última barreira antes de Berlim, e abriu um maciço bombardeio sobre as colinas Seelow, que davam para o rio. Apontando fortes holofotes antiaéreos sobre as posições alemãs para cegar os defensores, os soviéticos lançaram um assalto sobre as escarpas e, depois de um curto dia de sangrentos combates, o caminho para Berlim estava desimpedido.
Uma semana de luta selvagem nas ruas da capital matou 100 mil civis,31 e apertou o cerco ao bunker de Hitler. Os avanços soviéticos eram medidos por quarteirões e prédios. O exército alemão, nesse ponto, preenchia seus claros com velhos e adolescentes, que não constituíam páreo para os veteranos do Exército Vermelho. Talvez 225 mil soldados alemães tenham morrido defendendo Berlim, em contraste com os 78 mil soviéticos mortos na mesma operação.32 Finalmente, a guerra ficou reduzida a apenas alguns quarteirões em torno da Chancelaria. Incapaz de retardar a derrota por mais tempo, Hitler cometeu suicídio com um tiro na cabeça, depois de envenenar seu cão e sua nova esposa. Seus seguidores atearam fogo a seu corpo e se dispersaram antes da chegada dos russos.f
Pulando de ilha em ilha
Com as ações ofensivas japonesas no Pacífico bloqueadas pela derrota naval de Midway, os Estados Unidos se defrontavam com o problema de contra-atacar através do maior oceano do mundo. Uma etapa de cada vez era a única possibilidade. Em vez de conquistar cada ilha no oceano, os Estados Unidos desbordaram as grandes bases inimigas, cortaram suas rotas de suprimento e deixaram as guarnições passando fome. Então eles foram para cima das ilhas secundárias, que eram grandes o bastante para abrigar bases avançadas, mas pequenas demais para grandes concentrações de tropas japonesas.
Isso tornou a guerra mais intermitente do que aquela que se desenvolvia em outras partes, sobre áreas continentais. Primeiro os submarinos e os porta-aviões americanos isolavam uma ilha-alvo destruindo a frota japonesa local. Depois os porta-aviões e outros navios de guerra enfraqueciam a guarnição com reides aéreos e barragens de artilharia. Finalmente as forças terrestres assaltavam as praias e abriam caminho para o interior da ilha através das defesas japonesas. Depois de algumas semanas, antes mesmo que o último japonês na ilha tivesse sido caçado e morto, os americanos tinham construído bases aéreas no local e enviavam pesados bombardeiros para enfraquecer a próxima ilha-alvo da lista. Reuniam tropas frescas e suprimentos na ilha, e faziam tudo de novo, cada vez um passo mais próximo do Japão.33
Até mesmo as guarnições menores inimigas constituíam alvos duros de conquistar, e cada assalto anfíbio custava milhares de vida americanas e dezenas de milhares de vidas japonesas. O código de honra do Japão não permitia a rendição, de modo que, quando a situação ficava desesperadora, em vez de solicitar os termos da rendição, os soldados lançavam ataques suicidas contra as posições americanas, a fim de morrer gloriosamente na batalha. Essa recusa em se render estava tão profundamente enraizada na psique nacional que até mesmo os civis se suicidavam aos milhares, em vez de sofrerem a humilhação de serem capturados vivos. Até mesmo na década de 1970, foram encontrados alguns soldados japoneses teimosos, que haviam fugido para as florestas e se recusavam a se render.34
A única grande cidade destruída por combates de rua na guerra do Pacífico foi Manila, nas Filipinas. O general americano Douglas MacArthur queria que os japoneses a declarassem uma cidade aberta, o que significava que todas as defesas e ataques teriam lugar fora da cidade. Em vez de aceitarem esse acordo, os japoneses se entrincheiraram no centro da cidade. Enquanto MacArthur retardava as operações de erradicar o inimigo, a frustração japonesa se voltou contra os habitantes civis. Milhares de prisioneiros e civis foram mortos a golpes de baioneta, espancados, fuzilados ou amarrados dentro de prédios que eram então incendiados. Durante os meses de janeiro e fevereiro de 1945, quase 100 mil residentes de Manila foram massacrados. Quando os americanos atacaram, os japoneses lutaram até o último homem, levando com eles a cidade destruída.35
Na primavera de 1945, a batalha pela ilha de Okinawa, a última etapa antes do próprio território do Japão, ficou sendo a mais sangrenta batalha da Segunda Guerra Mundial fora da frente soviética. Quando tudo terminou, os americanos haviam perdido 12 mil de seus próprios soldados, mortos em terra e no mar, e contaram os corpos de 110 mil japoneses dispersos pela ilha em partes ou pedaços. Os últimos 20 mil soldados japoneses retiraram-se para cavernas como um bastião final de resistência, apenas para ficarem encurralados ali pelos explosivos americanos.
Tem-se calculado que cerca de 160 mil civis, um terço da população da ilha, morreu no fogo cruzado, cometeu suicídio em massa ou, no caso dos menos fanáticos, foi forçado ao suicídio. Okinawa tornou-se lendária pelo grande número e variedade de suicídios de japoneses. A guerra vinha eliminando pilotos japoneses tão rápido que sua substituição não podia incluir o treinamento em sutis habilidades do combate aéreo e bombardeios com precisão, de modo que eles se voltaram para os ataques suicidas diretos contra navios americanos. Pilotos camicases lançavam seus aviões carregados de explosivos contra as naves dos Estados Unidos. A ferocidade da defesa japonesa levou os planejadores de guerra americanos a reconsiderar a hipótese de invadir as ilhas propriamente ditas do país, em vez de tentar bombardeá-las até a rendição.36
A guerra das máquinas
A grande inovação das táticas de combate terrestre durante a Segunda Guerra Mundial foi o desenvolvimento de divisões blindadas. De acordo com a doutrina da blitzkrieg, a guerra relâmpago, tanques apoiados pela aviação abriam brechas na linha inimiga, seguidos por peças de artilharia móveis e pela infantaria motorizada, transportada em veículos, a fim de explorar o rompimento da linha de frente. Frequentemente paraquedistas eram lançados para se apoderarem de importantes pontos estratégicos, à frente das colunas que avançavam. Em campo aberto, como na Rússia, França e no norte da África, um rompimento das linhas inimigas podia dispersar dezenas de milhares de soldados de infantaria a quase cem quilômetros e meio atrás das linhas de frente, extremamente voláteis, onde tinham poucas alternativas, a não ser se entrincheirar e esperar que mudassem os ventos da sorte. A destruição desses bolsões produziu uma terrível quantidade de mortos na Segunda Guerra Mundial. Como os transportes mecanizados podiam facilmente avançar mais rápido do que soldados de infantaria a pé que se retiravam, as batalhas de aniquilamento tornaram-se uma coisa comum na guerra, pela primeira vez em séculos.
O aumento do uso das máquinas teve seu preço. Durante a Guerra Civil Americana, os soldados americanos tiveram uma morte acidental para cada 11 mortes na batalha. Na Segunda Guerra Mundial, esse número subiu para uma morte acidental para cada quatro mortes na batalha.37 Agora os soldados eram esmagados em jipes, destroçados em aviões, queimados em caminhões, escaldados e envenenados por novos produtos químicos, mutilados e eletrocutados por equipamentos pesados, e feitos em pedaços pelo manuseio errado de munições pesadas que explodiam.
A Segunda Guerra Mundial produziu as primeiras batalhas navais da história nas quais as frotas inimigas nunca puseram os olhos uma na outra. Em vez de canhões, eram os aviões de caça orientados pelo radar que despachavam os golpes mortais entre navios separados por quilômetros de oceano vazio.
A experiência da Segunda Guerra Mundial reforçou o truísmo de que a guerra estimula a inovação tecnológica. O radar, a aviação a jato, os computadores, o sonar, os antibióticos e os mísseis teleguiados foram algumas das novas tecnologias desenvolvidas pela Segunda Guerra Mundial. Laboratórios secretos por todo o mundo, físicos nucleares americanos em Los Alamos, decifradores de código britânicos em Bletchley Park, cientistas de foguetes alemães em Peenemunde ajudaram a determinar o resultado da guerra.
Por outro lado, nós podemos ir longe demais exaltando a tecnologia. Apenas o exército americano chegou perto de travar uma guerra inteiramente mecanizada. À parte as especializadas divisões Panzer, a Wehrmacht ainda derrapava na lama, com cavalos puxando as peças de artilharia e os suprimentos. Até mesmo a fria eficiência industrial dos campos de morte pode ser superestimada. A maioria das vítimas do Holocausto morreu de maneiras que vinham funcionando há séculos: doença, trabalho excessivo, fome e massacres corpo a corpo.
Além dos ocasionais rompimentos das linhas de frente conseguidos por avanços de blindados, a maioria dos exércitos lutou de maneira muito semelhante ao que haviam feito na Primeira Guerra Mundial, isto é, com soldados armados de fuzil se entrincheirando ou atacando, e guarnições de metralhadoras se defendendo sob a cobertura da artilharia. Na frente russa, onde a maior parte da luta aconteceu, a artilharia de campanha realizando seus bombardeios baseada em coordenadas dos mapas sobre alvos fora de sua visão ocasionou mais mortes do que outras armas. A artilharia gastava 80% do total da munição disparada, e causou 45% das mortes nas batalhas. O exame de cadáveres e feridos mostrou que as armas pesadas da infantaria, como metralhadoras, morteiros e canhões leves, disparados sobre um inimigo visível, mataram outros 35%. A aviação causou 5% das mortes em batalha e veículos blindados outros 5%. As armas leves da infantaria, que são o grande apelo dos filmes de guerra, como fuzis, pistolas, granadas, eram essencialmente armas para a autodefesa e foram responsáveis por 10% das mortes em batalha.38
O poderio aéreo
Os aviões tornaram-se grandes agentes de destruição durante a Segunda Guerra Mundial. O bombardeio de precisão de alvos militares e industriais foi o uso mais eficaz dessa arma, e foi completamente legal de acordo com as normas internacionais da guerra. Mas a aviação requer uma mistura acima da média dos serviços de inteligência e reconhecimento e do projeto dos bombardeiros. Também exige que os bombardeiros se aproximem por uma rota reta, em plena luz do dia, diretamente dentro de uma cortina de fogo antiaéreo e enxames de aviões de caça de defesa.
Devido a essas dificuldades, as forças aéreas foram levadas à destruição indiscriminada de alvos mais fáceis. No início da guerra, as cidades eram atacadas com uma chuva aleatória de bombas para aterrorizar os habitantes, mas, conforme cresceu o tamanho das forças aéreas, também cresceu o número de vítimas fatais. O bombardeio alemão de Roterdã, em 14 de maio de 1940, que matou cerca de 850 civis, horrorizou o mundo.39 Um ano mais tarde, no dia 6 de abril de 1941, o primeiro reide aéreo alemão contra Belgrado matou 17 mil civis.40 O reide aéreo inaugural contra Stalingrado matou 40 mil civis em 23 de agosto de 1942.41
Em pouco tempo, a aniquilação de cidades transformou-se numa ciência. No decurso de uma noite, cerca de mil aviões podiam ser enviados contra um alvo. As primeiras levas de bombardeiros deixavam cair explosivos por toda a cidade, para fazer com que construções de madeira se incendiassem, seguidos mais tarde por ondas que espalhavam material inflamável a fim de começar pequenos incêndios. Logo os vários focos de incêndio se consolidavam numa gigantesca tempestade de fogo, que criava seu próprio sistema climático, com ventos da força de furacões e um calor tão intenso que torcia o metal, rachava a alvenaria e carbonizava os corpos. Uma tempestade de fogo podia varrer completamente uma cidade da face da Terra, e sugar o oxigênio dos abrigos subterrâneos, sufocando todas as pessoas que pensavam estar a salvo. Os britânicos lançaram o primeiro grande bombardeio incendiário na noite de 28-29 de julho de 1943, contra Hamburgo, incinerando 42 mil habitantes.42 Na noite de 13-14 de fevereiro de 1945, os bombardeios Aliados destruíram Dresden e 35 mil civis.g Na noite de 9-10 de março de 1945, os americanos destruíram Tóquio, matando 84 mil habitantes.43
Desde o início da guerra, físicos de todo o mundo vinham comunicando para seus governos que a fissão de átomos radioativos libertaria uma gigantesca descarga de energia, que poderia ser usada para obliterar exércitos inteiros simplesmente ligando um comutador, de modo que Deus nos ajude se o inimigo chegar lá primeiro. Programas de pesquisa secretos foram organizados na Alemanha, nos Estados Unidos, na Rússia e no Japão para explorar esse potencial. Como a mais importante potência industrial do mundo, os Estados Unidos foram os primeiros a resolver os problemas técnicos do empreendimento. No dia 6 de agosto de 1945, um único avião deixou cair uma bomba atômica sobre o Japão, e a cidade de Hiroshima foi obliterada, levando consigo 120 mil de seus habitantes.44 Três dias mais tarde, um outro ataque nuclear destruiu Nagasaki e 49 mil de seus habitantes.45
De qualquer maneira, como a guerra estava quase terminando, e as bombas foram usadas contra cidades, e não contra exércitos ou frotas de navios, surgiu uma discussão acalorada se esses ataques teriam sido necessários; entretanto, dois outros fatos se destacam. Os japoneses pararam de hesitar e se renderam incondicionalmente poucos dias depois do bombardeio de Nagasaki; desde então, as nações com armas nucleares têm evitado se engajar em grandes guerras umas contra outras.
Choques posteriores
A queda do Eixo não parou a carnificina. Muitos países haviam saído da ocupação inimiga com seus sistemas políticos estraçalhados, de modo que o caos substituiu a opressão. Na China, os comunistas e nacionalistas retomaram a guerra civil que fora interrompida pelos japoneses (ver “A Guerra Civil Chinesa”), enquanto Esquerda e Direita também travavam uma guerra civil sobre quem herdaria a Grécia. No Sudeste Asiático, umas poucas colônias que haviam sido ocupadas pelos japoneses, como a Indochina francesa (ver “Guerra na Indochina francesa”) e as Índias Orientais Holandesas, aproveitaram-se da ocasião e se rebelaram, para evitar que seus antigos senhores reivindicassem novamente o controle de seus territórios. Na Europa oriental, as nações que haviam sido “libertadas?”, “conquistadas?”, “atropeladas?” pela União Soviética tentaram se organizar como democracias multipartidárias, mas os partidos patrocinados pelos soviéticos ganharam a parada e puseram fim a essas veleidades.
As nações recentemente libertadas tinham contas a ajustar. Os guerrilheiros comunistas, na maioria sérvios, que assumiram o controle da Iugoslávia, mataram mais de 100 mil compatriotas, na maioria croatas, por sua associação com o governo fascista do tempo da guerra. Os franceses mataram 10 mil colaboradores depois da libertação, sendo que apenas oitocentos deles depois de um julgamento formal. Os italianos mataram de 10 mil a 15 mil criminosos de guerra. A Holanda executou quarenta colaboradores, enquanto a Noruega fez o mesmo com 25.46 Os julgamentos formais das altas patentes nazistas em Nuremberg, e outros julgamentos semelhantes na Alemanha Ocidental ocupada, levaram a 486 execuções.
Diferentemente dos nazistas, os militaristas japoneses nunca haviam deixado o poder nas mãos de um ditador onipotente. O general Tojo Hideki pareceu estar perto do centro do poder durante a maior parte da guerra, como general, ministro da Guerra ou primeiro-ministro, de modo que foi devidamente julgado e enforcado pelos americanos, com seis outros generais e ministros. Julgamentos de menor importância levaram a outras novecentas execuções, mais ou menos,47 mas os americanos permitiram que o imperador Hirohito mantivesse seu trono, a fim de aquietar o ressentimento japonês contra a ocupação americana do país.
Dezenas de milhares de judeus sobreviventes fugiram da Europa para encetar uma nova vida na colônia britânica da Palestina, que logo se tornou o Estado independente de Israel. A imediata guerra entre Israel e seus vizinhos árabes em 1947 foi a primeira de muitas que continuariam a irromper, cerca de uma por década, durante muito tempo.
Números atordoantes
A Segunda Guerra Mundial matou o maior número de pessoas da história, por diversos critérios. Como um todo, foi o evento mais mortal da história. Foi também o evento mais mortal para muitas nações, individualmente: Rússia, Polônia, Japão, Indonésia e Holanda, só para citar algumas. O mesmo aconteceu com grupos não nacionais de vítimas, tais como soldados, prisioneiros de guerra e judeus.
A Pesquisa de Bombardeios Estratégicos dos Estados Unidos afirmou que “provavelmente mais pessoas perderam a vida pelos incêndios em Tóquio num período de seis horas, em 9-10 de março de 1945, do que em qualquer outra época na história da humanidade”.48 Isso pode ser verdade, dependendo de quais números você aceite, mas estou mais inclinado a contar os 120 mil mortos quase instantaneamente em Hiroshima, como sendo a maior carnificina já cometida no menor espaço de tempo pelo engenho humano na história.h A morte de 1,1 milhão em Auschwitz levou mais tempo, mas provavelmente conta como a maior mortandade já acontecida no menor local. A mais sangrenta batalha da história foi provavelmente a Batalha de Leningrado, se você contar tanto soldados quanto civis, ou a Batalha de Stalingrado, se você contar apenas os soldados, mas mesmo se não fossem, então os outros prováveis candidatos seriam os outros combates travados na frente russa.
A tabela na página seguinte mostra o mal e o sofrimento relativos dos participantes da Segunda Guerra Mundial, relacionando quantos milhões de não combatentes morreram. O gráfico mostra apenas a contagem de mortos que excederam 250 mil, porque na escala daquela guerra, meras dezenas de milhares produzem uma alteração pequena. Os números não somam exatamente porque há sobreposições e muitos dados desconhecidos. A coluna com o título “Total” inclui tudo, isto é, assassinatos, negligência, acidentes e transeuntes inocentes colhidos no fogo cruzado, enquanto as colunas com o título de “Culpados” reúnem apenas as mortes que foram amplamente consideradas como deliberadas, evitáveis ou excessivas.
Olhar para as contagens em geral não é o único meio de ver como a guerra foi imensamente destrutiva. Você talvez também queira dar uma olhada nos cantos pequenos, esquecidos, e ver quantas mortes ocorreram entre pessoas das quais ninguém tem notícia, como os neozelandeses.
A Nova Zelândia é tão longe de qualquer outra coisa quanto você possa imaginar. Não esteve sob nenhum tipo de ameaça. Mesmo se houvessem conquistado o restante do mundo, as potências do Eixo não teriam importunado a Nova Zelândia, assim como ignoraram a Suécia e a Suíça. Um pequeno país cuja contribuição à guerra dificilmente pesou na balança, a Nova Zelândia poderia ter ficado fora da guerra sem mudar o equilíbrio do confronto, mas, em vez disso, aquela nação entrou com tudo e perdeu 12 mil homens numa guerra que não havia necessidade de travar. Quantos são 12 mil? Pense neles como tendo afundado oito Titanics.
A guerra colocou tanta gente em situação de perigo mortal que números sem precedentes de pessoas morreram de modo surpreendente e inusitado. Quando os britânicos encurralaram uma força japonesa na ilha de Ramree, na Birmânia, os japoneses tentaram fugir atravessando pântanos impenetráveis. Dizem que mil japoneses partiram na empreitada, mas que apenas vinte saíram vivos do outro lado daquela barreira natural. As centenas de desaparecidos haviam sido devoradas pelos crocodilos.
O maior ataque de tubarões da história ocorreu quando o navio de guerra americano USS Indianápolis foi torpedeado por um submarino japonês. A embarcação afundou rápido demais para que fossem enviados sinais de socorro adequados, retardando a chegada de socorro por vários dias. Dos novecentos marinheiros sobreviventes ao naufrágio e que ficaram flutuando no mar com seus coletes salva-vidas, apenas 316 sobreviveram ao ataque dos tubarões.
Revisionismo
Nenhum aspecto da Segunda Guerra Mundial é livre de polêmica, mas umas discussões queimam mais energia do que outras. Para uma geração anterior, o debate mais quente era se Hitler planejara uma estratégia de conquista do mundo e genocídio, ou simplesmente se se aproveitara das oportunidades surgidas. Eram tempos de gente mais educada. Hoje as pessoas querem focar os traços fundamentais do conflito.
Para onde quer que olhemos, os negadores do Holocausto simplesmente recusam admitir que os nazistas tentaram erradicar os judeus da Europa. Em alguns países muçulmanos, essa ideia é até ensinada nas escolas, como o ponto de vista da maioria. Por outro lado, em alguns países europeus é proibido expressar esse ponto de vista em público. As emoções relativas a esse assunto ficaram tão polarizadas que, para todos os fins práticos, o Holocausto foi eliminado como tópico para discussões construtivas no mundo inteiro.
Como seria difícil encontrar um evento histórico com uma documentação tão sólida quanto o Holocausto,i você fica imaginando como alguém pode duvidar disso. Bem, primeiro você precisa querer duvidar dele. Depois disso, é fácil. Se a sua ideologia não consegue apoio porque soa nazista demais, então você vai querer reescrever a história para fazer com que os nazistas pareçam menos amedrontadores. Você reconhece que morreram alguns judeus, que a doença varreu os guetos e os campos de trabalho forçado, as tropas germânicas executaram guerrilheiros e assim por diante, mas a guerra é o inferno, e essas coisas estavam acontecendo por toda parte. Os que negam o Holocausto argumentam que não houve um esforço sistemático dirigido contra os judeus, e que o número de mortos não foi pior do que, digamos, o bombardeio das cidades alemãs. Eles são ajudados pelo fato de que os alemães em retirada destruíram deliberadamente grande parte das provas forenses, como, por exemplo, câmaras de gás, cadáveres, testemunhas.
Na Alemanha, as grandes controvérsias giram em torno de quanto apoio os nazistas tinham entre os cidadãos alemães comuns. A maioria dos alemães gostaria de poder apontar o Holocausto como obra de um grupo reduzido de fanáticos, mas fatos constrangedores continuam a mostrar que um perturbador número de cidadãos comuns, desde funcionários públicos a soldados em geral, ajudaram no processo. Cada pessoa importante que tem surgido vinda do mundo que fala alemão, no meio século passado, fossem eles cientistas de foguetes, o secretário-geral das Nações Unidas, o governador da Califórnia, um prêmio Nobel de literatura ou o papa, têm de se confrontar com constrangedoras revelações sobre sua associação passada com o nazismo.
As grandes controvérsias no mundo que fala inglês desafiam os estereótipos Aliados/bons, Eixo/maus da história oficial, minimizando os pecados do Eixo, como o Holocausto, ter iniciado a guerra, por exemplo, ou maximizando os pecados dos Aliados, como o stalinismo, Dresden, por exemplo. Na realidade, uma significante minoria sugere abertamente que as democracias ocidentais lutaram do lado errado.
Patrick Buchanan, um onipresente comentarista americano, escreveu no seu livro de 1999, A Republic, Not an Empire [Uma república, não um império], que as democracias ocidentais deveriam ter ficado de fora e deixar que Hitler e Stálin resolvessem a parada. “Redirecionando o primeiro golpe de Hitler contra eles mesmos, a Grã-Bretanha e a França deram a Stálin dois anos extras para se preparar contra o ataque de Hitler, e assim salvar a União Soviética para o comunismo… Se aqueles dois países não houvessem dado garantia à Polônia, Hitler quase que certamente teria desferido seu primeiro grande golpe contra a Rússia… Se Hitler houvesse conquistado a Rússia a um enorme custo, teria ele então lançado uma nova guerra contra a Europa ocidental, que nunca fizera parte de suas ambições?”63
Até mesmo George W. Bush denunciou a decisão de seus predecessores de se aliar a Stálin. “O acordo de Yalta seguiu a injusta tradição de Munique, e do pacto Molotov-Ribbentrop. Mais uma vez, quando governos poderosos negociam, a liberdade de pequenas nações fica sendo de certa forma descartável.”64
Nesse caso, os revisionistas parecem esquecer que o mundo foi à guerra contra Hitler porque ele era perigoso, não porque era mau. Essa é uma distinção importante nas relações internacionais. Você pode fazer o que quiser dentro de seu próprio país, mas, quando você começa a invadir os países vizinhos, o resto do mundo fica nervoso. Não importa quão brutal Stálin possa ter sido para seu próprio povo, ele estava contente dentro das fronteiras da União Soviética. Quando o ditador começou a arrebanhar pequenos países para si mesmo, o Ocidente já estava engajado na guerra contra Hitler. A escolha não era entre combater Hitler ou Stálin. A escolha era combater Hitler ou ambos.
Além do mais, os soviéticos derrotaram os alemães completamente. Produziram 96% de sua própria munição, e 66% de seus próprios veículos, enquanto infligiam a todos os alemães 80% das baixas que eles tiveram na guerra.65 Eles já haviam virado a maré da guerra em Stalingrado quando a Grã-Bretanha estava imobilizada, e os Estados Unidos ainda se mobilizando. Foi uma parada difícil, e a ajuda ocidental desequilibrou a balança, mas o Ocidente precisava de Stálin mais do que Stálin precisava do Ocidente. Sem os soviéticos, os Aliados ocidentais precisariam se defrontar, sozinhos, com diversos milhões mais de alemães. Isso deu a Stálin um maior poder de barganha durante toda a guerra.
a Certamente parece brincadeira quando eu digo que a principal causa da Segunda Guerra Mundial foi “porque eles podiam”, mas John Keegan chega bem perto disso quando sugere a explicação porque-eles-podiam no seu livro The Second World War [A Segunda Guerra Mundial] pp. 10-11).
b E isso, provavelmente, é tudo que precisamos dizer sobre a China, por enquanto. Não é fácil encaixar a guerra sino-japonesa entre os meus cem maiores multicídios. A matança de 10 milhões de chineses merece claramente um lugar na minha lista, mas onde? Sozinha no número 14? Incluída como uma parte da Segunda Guerra Mundial? Como parte da Guerra Civil Chinesa? Eu acho melhor contar todos os mortos na China entre a invasão do Japão em 1937 e sua rendição em 1945, como parte de um conflito de âmbito mundial; entretanto, o curso dos acontecimentos é mais fácil de explicar como um episódio do interregno chinês, como fiz no capítulo sobre a Guerra Civil Chinesa.
c A União Soviética tem cerca de 21.840 mil km2, aproximadamente um sexto da superfície habitável da Terra, e tinha 164 milhões de habitantes em 1937. A Alemanha, nas vésperas da guerra, tinha cerca de 587 mil km2 de superfície, com uma população igual a mais ou menos a metade da Rússia. A população da França era apenas metade disso: 42 milhões (Edgar M. Howell, The Soviet Partisan Movement [O movimento guerrilheiro soviético], Bennington, VT: Merriam Press, 1997, p. 13; Nick Smart, British Strategy and Politics during the Phony War [Estratégia e política britânica durante a falsa guerra], Westport, CT: Praeger, 2003, p. 43).
d Em termos de perspectiva, é preciso observar que isso representa dois terços do número de escravos africanos despachados através do Atlântico e cerca de duas vezes o número de pessoas mantidas presas nos gulags, sob Stálin.
e O levante de Varsóvia, em agosto de 1944, não é o mesmo que o levante do Gueto de Varsóvia, em abril de 1943, em que os judeus do gueto fizeram um último esforço de resistência para não serem enviados aos campos da morte.
f Os soviéticos encontraram o cadáver de Hitler logo a seguir, mas mantiveram a descoberta em segredo para preocupar o Ocidente. Eles tinham esperança de que o mistério de seu desaparecimento e o pesadelo do ressurgimento de Hitler seriam usados para extrair mais concessões dos líderes ocidentais. Hitler foi então enterrado em uma sepultura sem identificação numa base soviética na Alemanha Oriental até 1970, quando a base foi transferida para o controle dos alemães orientais. Hitler foi então exumado, cremado, e as cinzas, dispersas no rio próximo para evitar que se tornassem o foco de um sítio de peregrinação.
g O bombardeio de Dresden tornou-se uma metáfora para uma carnificina sem sentido, grandemente como resultado de dois livros publicados na década de 1960. Slaughterhouse-Five [Matadouro cinco] (1969), de Kurt Vonnegut, é um dos grandes romances do século XX e uma descrição vívida de uma testemunha ocular da Segunda Guerra Mundial, de modo que ele moldará nossa percepção daquele acontecimento por muitos anos à frente. O outro livro, The Destruction of Dresden [A destruição de Dresden] (1963), de David Irving, foi a descrição definitiva não ficcional do bombardeio incendiário durante uma geração. Infelizmente, Irving tornou-se o principal defensor mundial da reputação de Hitler, e hoje sabe-se que ele repetiu muita propaganda nazista no seu livro, sem uma análise crítica das fontes, tais como o número de 135 mil mortos e uma total ausência de alvos militares na cidade. O livro mais recente, de Frederick Taylor, Dresden: Tuesday February 13, 1945 [Dresden: terça-feira, 13 de fevereiro de 1945] (2004), esclarece muitos erros clamorosos de Irving.
h “pelo engenho humano”. Alguns violentos e súbitos desastres naturais, como o tsunami do oceano Índico em 2004, mataram mais gente com a mesma rapidez.
i Só para registrar: as provas partem de milhares de relatos de testemunhas, detalhando todas as partes do processo. Depois são ilustradas por fotos dos acontecimentos. Também existem recenseamentos e registros de impostos, mostrando que milhões de judeus que existiam na década de 1930 desapareceram sob a ocupação alemã. E por fim há caixas de documentos oficiais dos perpetradores, como ordens, memorandos, relatórios, programações e faturas. Toda a história do mundo antigo é baseada em muito menos provas do que o Holocausto. (Para mais informações, ver os capítulos 12-14 do livro de Michael Shermer Why People Believe Weird Things [Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas], Nova York, W. H. Freeman, 1997.) Para mais ainda, ver a obra de Richard Evans Lying About Hitler: History, Holocaust, and the David Irving Trial [Mentindo sobre Hitler: história, Holocausto e o julgamento de David Irving] (Nova York: Basic Books, 2001).