A DIVISÃO DA ÍNDIA
Número de mortos: 500 mil1
Posição na lista: 70
Tipo: limpeza étnica
Linha divisória ampla: hindus e sikhs versus muçulmanos Época: 1947
Localização e principais Estados participantes: Paquistão e Índia
Quem geralmente leva a maior culpa: hindus, muçulmanos, especialmente Jinnah
O término do governo colonial na Índia deveria ter sido um triunfo do espírito humano. A entidade política com a segunda maior população do mundo, uma Índia livre deveria liberar um sexto da população da Terra. Da mesma forma inspiradora era o fato de a libertação ter sido alcançada sem violência. Mahatma Gandhi comandara imensas marchas, jejuns, boicotes e greves para convencer os britânicos a deixarem o país. Não se imitou às longas rebeliões necessárias para libertar as colônias do hemisfério ocidental.
Um único pequeno senão no movimento de independência era que muitos dos muçulmanos indianos não queriam ser uma minoria sob o controle dos hindus. Seu líder, Mohammed Jinnah, exigia um país separado, desmembrado daquelas regiões onde os muçulmanos eram maioria. Gandhi, por outro lado, ficava horrorizado com a ideia de uma Índia fragmentada, e chegou mesmo a oferecer aceitar o governo muçulmano sobre todos os hindus se isso mantivesse o país intacto. Outros nacionalistas hindus, contudo, ficavam horrorizados, da mesma forma, com a solução de Gandhi.
Nos meados da década de 1930, quando finalmente começaram a considerar a ideia de uma eventual independência para a Índia, os britânicos haviam colocado o dia verdadeiro desse evento para bem longe, em um futuro vago, mas então a Segunda Guerra Mundial exauriu a Grã-Bretanha, fazendo com que ela abandonasse o império muito mais cedo. O primeiro plano previa uma federação de estados autônomos, mas exatamente quando os britânicos davam os toques finais no plano, em 1946, Jawaharlal Nehru, líder dos hindus, mencionou casualmente que o plano iria sofrer modificações. Sentindo que estavam sendo ludibriados, os muçulmanos em Calcutá se rebelaram. Em três dias haviam sido mortas 5 mil pessoas em pogroms desencadeados alternadamente na cidade por muçulmanos e hindus. Depois que os distúrbios se propagaram pelo país, o número de mortos quadriplicou. O tráfego de veículos ficou engarrafado com o número de cadáveres empilhados nas ruas.
Por fim os ânimos se acalmaram por tempo suficiente para que se elaborasse um novo plano. As regiões de maioria muçulmana da Índia britânica foram reunidas para formar o país soberano chamado Paquistão. As províncias da fronteira com o Irã e o Afeganistão eram tão fortemente muçulmanas que puderam ser facilmente incorporadas ao Paquistão, mas duas províncias interiores, Bengala e Punjab, constituíam um problema especialmente difícil, porque ambas as religiões eram igualmente comuns e se entrelaçavam por toda aquela área. Essas províncias precisavam ser repartidas entre regiões de maioria hindu e muçulmana. O representante britânico, chamado Sir Cyril Radcliffe, recebeu a ingrata e impossível tarefa de estabelecer fronteiras justas. Sua principal qualificação era que ele nunca estivera antes na Índia e presumivelmente agiria com imparcialidade. Ele se trancou com mapas censitários socioétnicos, um lápis e uma borracha, e com absoluta autoridade para fazer o que quisesse. As fronteiras exatas só foram anunciadas na noite de 14-15 de agosto de 1947, no dia da independência.2
Lorde Louis Mountbatten foi nomeado o último vice-rei da Índia, e ele queria terminar com aquilo. Embora assessores houvessem sugerido uma programação gradual do processo de independência, com a soberania passando progressivamente, uma etapa de cada vez, para as mãos dos indianos, Mountbatten insistiu em libertar o subcontinente de uma só vez, dentro de um ano. Ele não queria ser colhido pela guerra civil que se esboçava na Índia.3
Antes mesmo de a independência chegar, a violência das multidões havia começado a fazer o expurgo das minorias nas comunidades, tentando remover qualquer desculpa para aquelas áreas serem alocadas ao país errado. Hindus enraivecidos com muçulmanos, por eles terem forçado a divisão do país, cometeram os primeiros assassinatos, mas a matança logo se apossou dos dois lados, cada um procurando se vingar de alguma atrocidade que o outro acabara de cometer.
Milhões de indianos tentaram escapar da violência, que continuou até mesmo quando o dia da independência chegou e passou. Colunas de refugiados fugindo de suas antigas casas eram frequentemente emboscadas e chacinadas. Os trens muitas vezes tinham de atravessar um cinturão de tiroteio vindo de metralhadoras montadas ao longo da via férrea. Se os trens parassem, os passageiros eram arrancados gritando e chacinados às dezenas, centenas e por fim aos milhares.4 Silenciosos “trens fantasmas” chegavam às estações puxando vagões de carga cheios apenas de cadáveres e moribundos, gemendo em poças de sangue coagulado.5
Gandhi acampou nos arredores de Calcutá, em greve de fome de protesto contra a violência, e foi ficando cada vez mais fraco com a falta de alimento. Sua ascendência espiritual sobre o povo indiano era tão grande que eles lhe obedeceram, e a província de Bengala foi poupada do pior da violência.
Em novembro de 1947, depois que todas as pessoas colhidas do lado errado da fronteira haviam sido mortas ou então estavam exiladas, o morticínio parou subitamente. Durante meses caóticos, mais de 14 milhões de pessoas haviam fugido de suas casas, sendo 7,3 milhões de hindus e sikhs vindos do Paquistão, e 7,2 milhões vindos da Índia.6 Visto nas devidas proporções, o fato de que aproximadamente o mesmo número de hindus e muçulmanos ficaram do lado errado provavelmente significa que Radcliffe traçara a fronteira com a maior justeza que era humanamente possível.
Entretanto, a violência causada pela divisão do país ainda faria mais uma vítima. Em janeiro de 1948, um fanático hindu assassinou Mahatma Gandhi por ter traído o seu lado e se preocupado com as vidas do inimigo.7