A GUERRA DE INDEPENDÊNCIA DA ARGÉLIA
Número de mortos: 525 mil
Posição na lista: 69
Tipo: revolta colonial
Linha divisória ampla: franceses versus árabes
Época: 1954-62
Localização: Argélia
Principal Estado participante: França
Principais não Estados participantes: Frente Nacional de Libertação (FLN), Organização do Exército Secreto (OAS)
Quem geralmente leva a maior culpa: a França
Pano de fundo
Com o tempo, a maioria das colônias europeias caiu em uma de duas categorias. Ou os nativos eram convenientemente varridos de cena e substituídos por europeus, como aconteceu na Austrália e na Nova Zelândia, ou então o assentamento europeu não criava raízes, como na Nigéria e na Birmânia. Quando chegou a hora, o primeiro tipo de colônia foi fácil de se tornar independente, porque seus habitantes eram parecidos com os habitantes do país dominante, e inspiravam confiança no estabelecimento de um autogoverno. O segundo tipo de colônia também fez a independência com facilidade, porque seus habitantes eram totalmente diferentes dos europeus colonizadores, de modo que ninguém se preocupou com o que aconteceu com eles.
A Argélia estava numa canhestra terceira categoria. Um número bem razoável de europeus se estabelecera lá, capaz de fomentar um desejo de continuar sob o domínio francês, mas esse número não era bastante grande para tornar esse projeto factível. Havia 1 milhão de ocidentais com plenos direitos civis no meio de uma população de 9 milhões de árabes e berberes, que não gozavam de qualquer direito. Por qualquer medida que se adote, os colonizadores europeus, os pied noir, tinham uma vida boa. Sua renda era em média dez vezes a dos nativos, e eles pagavam apenas metade do valor dos impostos que seus compatriotas na França. A mão de obra era barata, e suas cidades no litoral do Mediterrâneo eram, até onde se possa imaginar, tão civilizadas e cultas como o resto da França.
O levante
Em dezembro de 1954, os rebeldes argelinos da Frente Nacional de Libertação (FLN) atacaram alvos militares e policiais por toda a colônia. O levante se intensificou e logo se tornou cruel. Em agosto de 1955, a FLN inaugurou uma nova política de matar colonos franceses e muçulmanos vira-casacas, em vez de matar soldados, chacinando 123 civis franceses no vilarejo de Philippeville. Soldados franceses enraivecidos imediatamente retaliaram, fuzilando indiscriminadamente qualquer árabe que encontravam nas vizinhanças.
Durante essas atrocidades de parte a parte que irromperam, os rebeldes torturavam e mutilavam rotineiramente qualquer soldado ou colono francês capturado, frequentemente deixando os cadáveres à vista, com o órgão genital enfiado na boca. A FLN visava especialmente policiais e suas famílias, o que solapava a capacidade dos franceses de manter a ordem. Como reação, os franceses recrutaram 150 mil harkis, forças locais irregulares, e que davam o troco usando tanta brutalidade quanto a FLN.
Depois de levar o terror ao interior do país durante alguns anos, a FLN se deslocou para as cidades. Em 1957, os argelinos desencadearam ataques terroristas por toda a cidade de Argel. Os franceses reagiram deixando de lado quaisquer escrúpulos e processos judiciais, instalando toques de recolher e pontos de checagem, e aprisionando quaisquer figuras suspeitas. Depois de obter confissões dos detidos por meio de espancamentos, os franceses executavam sumariamente os mais descartáveis. Cerca de 3 mil árabes desapareceram quando detidos sob a custódia dos franceses durante a Batalha de Argel.1
Entre 1957 e 1960, o governo francês reassentou 2 milhões de argelinos que viviam na zona rural em campos fortificados, a fim de privar os rebeldes de seu apoio popular. Os franceses dispuseram minas terrestres e construíram cercas, verdadeiras barreiras, ao longo das fronteiras com a Tunísia e o Marrocos a fim de perturbar o fluxo de suprimentos que os rebeldes recebiam do exterior, e evitar que usassem aqueles países como santuário.
Originalmente a maioria dos soldados do lado francês era membro de unidades calejadas, profissionais, tais como a Legião Estrangeira ou os paraquedistas, os quais não se horrorizavam com um pouco de tortura e assassinatos, se isso trouxesse resultados, satisfizesse a sede de vingança ou pelo menos deixasse que eles descarregassem sua raiva. Entretanto, quando os efetivos foram elevados para 400 mil, cresceram as dificuldades de manter esse efetivo e Paris começou a enviar conscritos comuns para a colônia. Isso fez com que o público francês em geral começasse então a perceber, em primeira mão, quão selvagem a guerra se tornara, e o povo francês rapidamente se colocou contra o conflito.
O impasse sangrento fez deflagrar a mais perigosa crise política a atingir a França desde a Segunda Guerra Mundial. Foi o mais perto que qualquer das tradicionais democracias da Europa ocidental esteve a ponto de se tornar uma ditadura na era pós-guerra. Em maio de 1958, enquanto o apoio político à guerra se esvaía em Paris, elementos linha-dura do exército francês tentaram dar um golpe militar em Argel. O golpe fracassou, mas lançou o governo nacional no caos, e apenas Charles de Gaulle, herói aposentado da Segunda Guerra Mundial, reuniu respeito bastante para restaurar a ordem. Em junho de 1958, ele recebeu o poder de governar por decreto até que a crise passasse. Por fim, a Constituição francesa foi reescrita a fim de transferir o poder do Parlamento, dividido e sempre em desentendimentos, para uma presidência com poderes aumentados, o que foi chamado de A Quinta República.2
Ao discursar nas Nações Unidas, em setembro de 1959, De Gaulle pronunciou a expressão proibida “autodeterminação”, referindo-se à Argélia. Isso representou um ultraje aos “falcões” da linha-dura, que insistiam que a colônia era, e sempre seria, uma parte integral da mãe-pátria francesa. Com De Gaulle discutindo abertamente a possibilidade da independência, a Organização do Exército Secreto (OAS), gente empedernida infiltrada no meio militar do país, começou a planejar um golpe, ou pelo menos um assassinato. Embora não fosse homem de fugir de uma briga, De Gaulle foi ficando, compreensivelmente, aborrecido com as frequentes tentativas contra a sua vida, e se virou contra os “falcões”. Ele percebeu que a França permaneceria em tumulto enquanto a guerra continuasse. Como era impossível a vitória, libertou a Argélia em julho de 1962.
Nos meses que se seguiram à proclamação da independência, 900 mil cidadãos franceses fugiram da Argélia. Depois, quando os franceses já haviam partido, multidões de argelinos nativos caçaram e mataram dezenas de milhares de elementos de seu próprio povo que haviam apoiado o domínio francês, mas que haviam sido deixados para trás pela França derrotada.
Número de mortos
Os militares franceses perderam 17.456 soldados, mortos, dos quais cerca de 7 mil eram das tropas coloniais ou da Legião Estrangeira, não franceses. De acordo com cálculos oficiais dos franceses, a FLN teve 141 mil membros mortos em ação, mais outros 12 mil mortos em expurgos internos. Um total de 2.788 civis franceses foram assassinados.
Oficialmente, o governo argelino alega que mais de 1 milhão de nativos morreram durante a guerra, mas a maioria dos estudiosos duvida dessa cifra. Os historiadores geralmente sugerem um número de mortos civis em torno de 200 mil a 500 mil argelinos. Eu divido a diferença e acrescento ao resultado os 173 mil citados anteriormente. Mais ou menos em torno desses números estão os milhares de argelinos, calculados ou como 30 mil ou como 150 mil, que foram linchados depois da independência, como vingança por terem ajudado os franceses.3