A GUERRA NO SUDÃO
Número de mortos: 2,6 milhões, sendo 500 mil na primeira guerra,1 1,9 milhão na segunda,2 200 mil em Darfur3
Posição na lista: 35
Tipo: guerras civis étnicas
Linha divisória ampla: árabes muçulmanos do norte versus pagãos e negros cristãos do sul
Época: 1955-72, 1983-2005, 2003 até os dias atuais
Localização e principal Estado participante: Sudão
Principais não Estados participantes: Exército de Libertação do Povo Sudanês
Quem geralmente leva a maior culpa: árabes
Outra praga: guerra civil africana
Depois que conquistaram o Estado mahdista (ver “A revolta Mahdi”), as tropas britânicas estabeleceram o Sudão colonial, com fronteiras bem definidas, e uma administração conjunta anglo-egípcia. O Sudão britânico incluía não apenas o núcleo árabe ao longo do curso médio do rio Nilo, mas também uma região de nativos negros, nos pântanos a montante do rio, no Sahel meridional, que não tinha nada em comum com o restante do país, a não ser a lembrança de árabes sudaneses fazendo incursões para capturar escravos. Como a escravidão era agora ilegal, e quem mandava eram os britânicos, não tinha importância o ódio que os dois regimes mantinham um pelo outro. Os britânicos estavam lá para mantê-los afastados um do outro.
Os britânicos tratavam o sul como uma reserva cultural, e sua população, os nubas, dinkas e outros, não havia sido catequizada pelos missionários. Os estilos de vida africanos tradicionais eram fortes na região, apesar de a minoria cristã ter uma inclinação para o Ocidente. Embora tolerassem de má vontade os cristãos, os muçulmanos não tinham a mesma atitude para os pagãos seminus.
Primeira Guerra Civil Sudanesa (1955-72)
Avancemos rapidamente para 1955, quando o Sudão estava sendo preparado para a independência. As duas regiões iriam parar no mesmo país, e começou a parecer que o novo governo federal ficaria principalmente nas mãos dos árabes, que eram os coloniais favoritos dos britânicos. Protestos no sul se transformaram em distúrbios. Houve tiroteios. Uma unidade militar do sul foi chamada para sufocar o levante, mas, em vez disso, a tropa também se amotinou. Quando os britânicos entregaram as chaves a um governo eleito, em 1956, já lavrava uma guerra civil.
Por que o norte não deixou, simplesmente, que o sul seguisse seu destino? Infelizmente o norte do Sudão, onde vive a maior parte da população, é apenas uma precária faixa de terras cultiváveis ao longo do rio Nilo, no meio de um deserto vasto e inabitável. O sul, por outro lado, dispõe de um entrelaçamento de rios que deságuam no Nilo, e ouro, mais terras cultiváveis, pastos, madeira e água, de modo que, é claro, o norte ficou relutante em deixar que o sul se separasse, e levasse toda essa riqueza com ele. As coisas pioraram em 1979, quando foram descobertas reservas de petróleo no sul. Além disso, o sequestro e venda de escravos capturados no sul ainda era um negócio lucrativo, nominalmente ilegal, mas raramente coibido pelas autoridades.
O governo eleito posto no lugar dos britânicos que partiam foi derrubado pelo primeiro golpe militar do Sudão em 1958. Uma meia democracia voltou ao país com um levante popular em outubro de 1964, e diversos partidos políticos se reagruparam e retornaram ao Parlamento.
A guerra continuou, e, por volta de 1969, havia 12 mil soldados do governo no sul, lutando contra 5 mil a 10 mil rebeldes. Depois, em 1969, um golpe colocou o general Jaafar Nimeiri no poder, e durante a década seguinte ele governou de maneira tão benigna quanto é possível para um ditador fazer isso naquela parte do mundo. Ele compartilhou o poder e trouxe facções litigantes para o governo. A guerra perdeu ímpeto e ambos os lados começaram a negociar. Finalmente, o Acordo de Adis Abeba fez cessar os combates em março de 1972, garantindo autonomia ao sul.
Segunda Guerra Civil Sudanesa (1983-2005)
O Sudão fora um Estado-cliente da União Soviética por muitos anos, mas, em 1976, Nimeiri virou para o lado americano da Guerra Fria. Em 1977, ele permitiu que seus rivais políticos, principalmente os muçulmanos fundamentalistas, participassem abertamente da vida política. Parecia que a paz e a liberdade estavam bem ali, ao alcance da mão, mas a situação foi por água abaixo depois que Nimeiri mudou de atitude e tornou-se mais ditatorial.4
Em 1983, o presidente Nimeiri declarou o Sudão um Estado muçulmano, obedecendo à rígida lei islâmica da sharia, e logo depois proclamou um estado de emergência e suspendeu os direitos constitucionais. O sul perdeu grande parte de sua autonomia, e a lei islâmica se aplicava então a qualquer um que vivesse no norte, independentemente de sua religião. Greves, distúrbios e atividades de guerrilheiros dilaceraram o sul.
Esperava-se que a crise poderia amainar em 1985, quando um golpe popular derrubou Nimeiri. A sharia foi posta de lado e foi restaurado o poder civil depois de eleições razoavelmente livres ocorridas em 1986; entretanto, o líder do Exército de Libertação do Povo Sudanês (SPLA), o coronel John Garang, um membro da etnia dinka educado nos Estados Unidos, renegou o novo regime como sendo “a hiena vestida de nova roupagem” e continuou a luta. Por volta de 1986, o Sudão tinha 20 mil rebeldes armados lutando no SPLA, e três quartos de 1 milhão de refugiados para cuidar. Mesmo assim, certo nível de calma voltou ao país durante alguns anos, com diversos partidos políticos e mais liberdade para questionar do que qualquer outro país africano tinha.5
Então, em maio de 1989, outro golpe pôs o general Omar al-Bashir no poder. Ele era o homem de proa da Frente Islâmica Nacional, um bando de fanáticos linha-dura sob a orientação ideológica de Hassan al-Turabi. Eles puseram a culpa da insurreição nos americanos e zionistas e se recusaram a negociar.
Turabi criou uma polícia aterradoramente eficiente num país que até então não fora pior do que uma cleptocracia caótica. Com todas as subidas e quedas, o povo sudanês estivera querendo e podendo expressar opiniões contrárias, mas, agora, foram banidos a imprensa e os sindicatos independentes. As vozes dissidentes foram expulsas dos meios militares, universitários e do Judiciário.6
Em 1991, punições severas, de acordo com a sharia, como o apedrejamento por adultério, o açoitamento por posse de bebida alcoólica e a amputação por roubo, foram introduzidas em toda a nação, tanto no norte quanto no sul. Em 1993, o governo federal substituiu todos os juízes do sul por muçulmanos da velha cepa e realocou todos os juízes não muçulmanos no norte, onde seriam mais fáceis de controlar. Novas leis forçaram os sulistas a se vestirem como muçulmanos, mesmo se não pertencessem a essa religião. A conversão de um muçulmano para outra religião passou então a ser um crime capital. Em 2000, o governo de Cartum tentou proibir as mulheres de trabalhar em lugares públicos.
Conforme os combates se intensificavam, a economia do sul declinou violentamente. Logo cessaram as atividades dos bancos, não havia emprego nem dinheiro vivo. Mercadorias e serviços só circulavam por escambo ou roubo. A manutenção da vida dependia de suprimentos enviados gratuitamente por agências internacionais.7 Depois que os chefes guerreiros separavam o melhor para si mesmos, o pouco restante era distribuído aos necessitados.
Em 1999, Bashir, o general, e Turabi, o ideólogo, bateram cabeça um com outro para ver quem realmente governava o Sudão. Quando a poeira assentou, Turabi foi parar na cadeia acusado de traição, enquanto Bashir foi reeleito presidente no ano seguinte numa eleição fraudada, de modo que o assunto foi resolvido.8
Depois de anos de impasse, os dois lados em confronto assinaram um tratado de paz em Nairóbi, em janeiro de 2005. Embora, no papel, o sul conseguisse a maior parte do que queria, durante alguns anos pareceu que o norte iria renegar o acordo. Depois de um período de esfriamento dos ânimos, entretanto, o sul obteve permissão para votar sua independência, em 2011. A divisão subsequente do Sudão constitui a primeira vez que uma nova nação africana não tem suas fronteiras delineadas de acordo com as antigas divisas coloniais.
Darfur (desde 2003)
Exatamente na época em que o Sudão estava encerrando a guerra civil no sul, uma nova guerra irrompeu no oeste. A coisa começou como um pequeno levante contra o domínio árabe na província de Darfur, mas se ampliou para uma crise humanitária de âmbito mundial quando Bashir ordenou ao exército que esmagasse a rebelião e não fizesse prisioneiros. O exército não se preocupou em diferenciar combatentes e civis enquanto ia sistematicamente erradicando as tribos africanas locais, principalmente o povo fur, junto com os masalits e zaghawas, menos numerosos. Como as tribos rebeldes do sul, os grupos-alvo eram negros, mas, como o governo, essas tribos eram constituídas de muçulmanos.
Para evitar ser apontado como culpado pela escalada do genocídio em Darfur, o governo retirou a maioria de suas tropas e deixou o extermínio a cargo das milícias árabes locais, chamadas de Janjawids, a quem Cartum vem, não tão secretamente, fornecendo suprimentos e dinheiro. Os Janjawids vêm metodicamente varrendo do mapa vilarejos africanos, matando homens e crianças, estuprando mulheres e destruindo ou saqueando as propriedades. Dentro de dois anos, 200 mil pessoas haviam morrido e 2,5 milhões de africanos, quase toda a população não árabe de Darfur, foram erradicados e obrigados a se amontoar nos campos de refugiados.9