A GUERRA DE BIAFRA

Número de mortos: 1 milhão1

Posição na lista: 46

Tipo: guerra civil étnica

Linha divisória ampla: Nigéria versus Biafra

Época: 1966-70

Localização: Nigéria

Quem geralmente leva a maior culpa: geralmente a tribo dos ojukwus, às vezes a tribo dos gowons, raramente ambas

Outra praga: a guerra civil africana

Deflagração

Como a maior parte dos países africanos, a Nigéria não faz sentido. O país surgiu como um enclave na Costa dos Escravos, que os britânicos conquistaram a fim de policiar o tráfico escravagista. Depois a área foi ampliada para o interior, para evitar que esse território caísse em mãos francesas. A Nigéria é dividida entre o norte muçulmano e o sul cristão, com uma variedade de tribos dispersas pelas duas áreas. Nos primeiros anos que se seguiram à sua independência, em 1960, o país foi uma federação de províncias grandemente autônomas, ocupadas pelos principais grupos étnicos, notavelmente pelos hausa-fulanis, muçulmanos na região Norte; pelos ibos, também chamados igbos, cristãos, na região Leste; e pelos iorubás, também cristãos, na região Oeste. O povo ibo fora o mais bem-sucedido em assimilar o modo de vida ocidental, sob o domínio dos britânicos. Eram mais ricos, mais educados e tinham uma influência desproporcional no exército.

Em janeiro de 1966, oficiais ibos do exército da Nigéria tentaram derrubar os corruptos e ineficientes líderes civis da Primeira República. Um general ibo legalista abortou o golpe, mas poupou os conspiradores, e depois declarou a si mesmo presidente, a fim de restaurar a ordem. Quando ele começou a preencher os cargos do governo com membros de sua tribo, os muçulmanos da região Norte começaram a engendrar um golpe por conta própria. Em julho de 1966, esse contragolpe colocou o governo nas mãos das tropas do Norte; entretanto, para acalmar os ânimos da metade cristã do país, essa nova junta deu a presidência a Yakubu Gowon, um coronel de uma tribo cristã de menor importância, e o qual não se envolvera em nenhum dos dois golpes.

Com 32 anos de idade, Gowon era o mais moço chefe de Estado da África. Bem-apessoado e carismático, era muito querido dentro e fora da Nigéria. Mesmo tendo supervisionado uma guerra que matou 1 milhão de seus compatriotas, a história tem sido benevolente com sua reputação. A maior parte da culpa tem caído no igualmente jovem, mas menos carismático, governador militar da região Leste, um membro da tribo ibo chamado Chukwuemeka Odumegwu Ojukwu. A família dele era a mais rica do país, e sua fortuna foi muito importante em suprir o exército de Biafra durante a guerra que se avizinhava.

Depois do contragolpe de julho, irromperam pogroms por todo o norte muçulmano, visando os residentes cristãos, especialmente os ibos. Enraivecidos com os conspiradores do golpe de janeiro, as multidões nortistas mataram cerca de 30 mil ibos, e escorraçaram 1 milhão de volta para a região Leste. Depois que os protestos e negociações dos ibos com o governo central fracassaram na tentativa de proteger essa tribo, Ojukwu declarou independente uma nova nação, Biafra, no quarto mais ao sul da Nigéria.

A guerra

A primeira tentativa do exército federal para retomar a província foi facilmente derrotada, e o exército de Biafra perseguiu os federais em fuga através do rio Níger, entrando na região Oeste e ameaçando a capital do país, Lagos. Essa incursão foi contida e repelida dentro de semanas, e Biafra, depois disso, ficou inteiramente na defensiva.

A Nigéria é o país africano de maior população, de modo que o governo federal conseguiu finalmente reunir um exército de 250 mil homens, enquanto o efetivo militar de Biafra somava 45 mil. Nenhum dos dois exércitos impressionava os observadores por suas proezas marciais. Sempre que se defrontavam, o objetivo tático mais importante parecia ser fazer o máximo barulho possível. Durante uma ofensiva federal típica, a artilharia primeiro despejava um inferno de projéteis sobre a suposta posição do inimigo, independentemente de se aquela posição do inimigo fora confirmada ou se havia civis no caminho. As tropas de Biafra, entretanto, geralmente recuavam quando o primeiro projétil explodia, porque elas não tinham artilharia própria com que responder àquele bombardeio. Depois a infantaria federal avançava correndo, disparando suas metralhadoras de modo aleatório, na direção geral do inimigo, até que se esgotasse toda a munição. Quando o tiroteio cessava, os soldados de Biafra podiam contra-atacar, enquanto as tropas federais recuavam, à espera de mais munição.2

A fome

O exército federal foi gradualmente empurrando Biafra para as fronteiras. Foi abrindo caminho na fronteira com Camarões para leste, separando Biafra do contato por terra com o restante do mundo. Por fim, um ataque anfíbio conquistou Port Harcourt, cortando o último contato direto da província insurgente com o mundo exterior. Agora apenas aviões podiam trazer suprimentos, mas isso nunca bastava. A inanição matou centenas de milhares de biafrianos encurralados. Fotografias de crianças emaciadas, com a barriga inchada, cobriram as páginas das revistas em todo o mundo.

Enquanto a Nigéria cercava Biafra e reduzia a província a um décimo de sua área original, apenas suprimentos humanitários podiam furar o bloqueio. Então, em junho de 1969, Gowon apertou o laço e expulsou a Cruz Vermelha de Biafra. Embora os violentos protestos internacionais tivessem feito com que ele rescindisse sua ordem dentro de duas semanas, a crise desencadeou uma reação em cadeia.

A Cruz Vermelha precisava manter um delicado equilíbrio entre todos os lados a fim de receber permissão para entrar na zona de guerra, o que significava que a organização humanitária tinha de entrar no jogo político. Então um grupo de médicos franceses trabalhando em Biafra criticou abertamente a instituição por estar bajulando os favoritos, e começou a organizar uma assistência médica que passasse ao largo da política. No decorrer dos diversos anos que se seguiram, eles se tornaram os Médicos sem Fronteiras, classificados como um canal não político para levar ajuda médica a países em dificuldades, o que, ironicamente, era uma das razões originais da fundação da Cruz Vermelha.

Rendição

Enquanto o enclave se desintegrava nos anos que se seguiram, Ojukwu apertou a segurança interna e levou os biafrianos à ideia de que a rendição significaria genocídio. Cada lado acusou o outro de massacrar civis, e depois convidou observadores internacionais para a zona de guerra, a fim de provar que eles próprios estavam observando todas as leis da guerra civilizada, diferentemente dos selvagens do outro lado.

Biafra lutou até que já não havia muita coisa a defender, e o último bastião foi abandonado em janeiro de 1970. Ojukwu fugiu para a Costa do Marfim, mas não houve nenhuma das costumeiras represálias que acompanhavam a maioria das guerras civis no Terceiro Mundo. Não houve massacres nem execuções, mas apenas uma anistia geral e reconciliação. É claro que houve boatos, mas nenhum resistiu ao escrutínio internacional. Gowon foi amplamente elogiado por sua inusitada benevolência, o que mostra como isso é realmente uma coisa rara.3