NO VERÃO DE 1900, um aspirante a inventor de 27 anos chamado Lee de Forest mudou-se para Chicago, alugou um apartamento conjugado no Washington Boulevard e arranjou um emprego diurno como tradutor de artigos estrangeiros sobre telegrafia sem fio para a revista Western Electrician. O trabalho de tradução era informativo: uma importante exposição de tecnologia em telegrafia sem fio acabara de se realizar em Paris, garantindo um fluxo constante de novos e interessantes artigos de pesquisa através do Atlântico. Mas a verdadeira paixão de De Forest era o “gabinete de curiosidades” que ele havia formado no quarto do Washington Boulevard: baterias, transmissores de centelha, eletrodos – todos os componentes essenciais que seriam reunidos na década seguinte para a invenção da era eletrônica.
Para um jovem inovador no campo da telegrafia sem fio na virada do século XX, o transmissor de centelha era a mais essencial das engenhocas. As explorações originais do espectro eletromagnético por Hertz e Marconi haviam se baseado em transmissores de centelha. O dispositivo empregava dois eletrodos separados por um pequeno espaço. Uma bateria presa aos eletrodos fornecia um pulso de alta tensão, que fazia uma centelha saltar de um eletrodo para outro, deflagrando um pulso de atividade eletromagnética que podia ser detectado e amplificado por antenas situadas a quilômetros de distância. Geradores de centelhas emitiam uma breve rajada de ruído monótono, perfeita para o envio de código Morse.
Na noite de 10 de setembro de 1900, De Forest fazia experiências com seu gerador de centelhas num canto de seu quarto no Washington Boulevard. Do outro lado do cômodo, a mais de quatro metros de distância, a chama vermelha de um bico de Welsbach bruxuleava. De Forest provocou um pulso de voltagem no centelhador e, quando a máquina estalou, pôde ver a chama do bico mudar instantaneamente de cor, de vermelha para branca. Mais tarde, estimou que a intensidade da chama ficara várias candelas maior. De alguma maneira, por razões que ele não sabia explicar, o pulso eletromagnético do centelhador estava intensificando a energia de uma chama a metros de distância. A observação de que a chama passara de vermelha a branca plantou a semente de uma ideia na cabeça de De Forest: talvez fosse possível empregar um gás como detector sem fio, um que pudesse ser mais sensível do que tudo que Marconi ou Tesla tinham criado até então.
De Forest topara com uma intuição lenta clássica. Em sua autobiografia, ele descreveu o detector de chama de gás como “um assunto que desde aquele momento ficara no fundo de minha mente”. No final das contas, essa intuição iria amadurecer num invento que acabou por transformar a paisagem do século XX, uma invenção que tornou possíveis o rádio, a televisão e os primeiros computadores digitais. Em 1903, ele iniciou uma série de experimentos malogrados com a introdução de dois eletrodos em bulbos de vidro cheios de gás. Continuou a trabalhar com o modelo até que, vários anos depois, ocorreu-lhe a ideia de introduzir no bulbo um terceiro eletrodo, preso a uma antena ou sintonizador externo. Após várias repetições, usou como eletrodo do meio um pedaço de fio curvado para trás e para a frente, que chamou de “grade”. Testes iniciais mostraram que o dispositivo, que De Forest batizou de “Audion”, era muito superior a outras tecnologias na amplificação de sinais de áudio, sem reduzir a capacidade do sintonizador de distinguir sinais em diferentes frequências.
A criação de De Forest seria finalmente chamada de tríodo. Sua arquitetura com três eletrodos formaria a base dos tubos de vácuo, que começaram a ser produzidos em massa na década seguinte. Receptores de rádio, mesas telefônicas, aparelhos de televisão – todas as revoluções em comunicações da primeira metade do século XX basearam-se em alguma variação do projeto de De Forest para intensificar seus sinais. Empregado de início para a amplificação, o tubo de vácuo veio a ter um uso imprevisto como interruptor eletrônico, permitindo os portões lógicos de alta velocidade dos primeiros computadores digitais nos anos 1940. Quando De Forest torceu o fio na forma de uma grade e o inseriu entre aqueles dois eletrodos, sem saber abriu o possível adjacente da máquina analítica que Charles Babbage não conseguira produzir sessenta anos antes. O poder desse novo portal se revelou de imediato: o primeiro computador construído com tubos de vácuo, o gigantesco ENIAC, fez cálculos que ajudaram no desenvolvimento da bomba de hidrogênio.
A invenção do Audion parece uma história clássica de engenhosidade e persistência: um inventor independente, isolado no laboratório que montara no próprio quarto, observa um padrão impressionante e o explora durante anos como uma intuição lenta, até descobrir um dispositivo que transforma o mundo. Ao contar a história dessa maneira, porém, deixamos escapar um fato crucial: omitimos que, em quase cada passo do caminho, De Forest estava redondamente enganado com relação ao que estava inventando. O Audion resultou menos de uma invenção que de um acúmulo constante e persistente de erros. No fim das contas, a estranha comunicação entre o transmissor de centelhas e a chama do bico de gás de Wersbach revelou nada ter a ver com o espectro eletromagnético. (A chama estava reagindo a ondas de som comuns emitidas pelo transmissor de centelhas.) Mas, como De Forest havia começado com a noção equivocada de que a chama de gás estava detectando os sinais de rádio, em todos os outros Audions que montou havia algum gás a baixa pressão dentro do dispositivo, o que limitava bastante sua confiabilidade. Os pesquisadores da General Electric e de outras empresas levaram uma década para perceber que o tríodo tinha um desempenho muito melhor num vácuo verdadeiro (daí o termo “tubo de vácuo”). Até o próprio De Forest admitiu sem hesitação que não compreendia o dispositivo que inventara: “Eu não sabia como aquilo funcionava”, observou. “Simplesmente funcionava.”
Talvez De Forest tenha sido o mais errático dos grandes inventores do século XX, mas sua trajetória está longe de ser uma anomalia. A história de um acerto espetacular oculta uma história secreta atrás de si: aquela, muito mais longa, de erros espetaculares e reiterados. E não apenas erro, mas confusão. Um número surpreendentemente grande de ideias transformadoras nos anais da ciência pode ser atribuído a ambientes de laboratório contaminados. Como se sabe, Alexander Fleming descobriu as virtudes médicas da penicilina quando uma cultura de estafilococos que deixara junto de uma janela aberta do laboratório foi infiltrada por mofo. Na década de 1830, Louis Daguerre passou anos tentando arrancar imagens de placas de prata iodadas. Certa noite, após mais uma tentativa inútil, ele guardou as placas num armário cheio de substâncias químicas; na manhã seguinte, para seu assombro, viu que as emanações do mercúrio derramado de um frasco haviam produzido uma imagem perfeita na placa – nascera o daguerreótipo, o precursor da fotografia moderna.
No verão de 1951, Wilson Greatbatch, um veterano da Segunda Guerra Mundial que servira na Marinha, trabalhava numa fazenda de estudos do comportamento animal ligada ao departamento de psicologia da Universidade Cornell, onde estudava sob os auspícios do G.I. Bill of Rights.a Greatbatch era um radioamador entusiasta havia muito tempo; quando adolescente, montara um rádio de ondas curtas com descendentes do Audion de De Forest. Seu amor por engenhocas o levara àquela fazenda porque o departamento de psicologia precisava de alguém para prender instrumentos aos animais, medindo suas ondas cerebrais, seus batimentos cardíacos e sua pressão sanguínea. Um dia, Greatbatch sentou-se por acaso para almoçar com dois cirurgiões visitantes e começou a conversar sobre os perigos das arritmias cardíacas. Alguma coisa na descrição que os médicos fizeram da enfermidade fez eclodir uma associação em sua mente. Ele imaginou o coração como um rádio que não era capaz de transmitir ou receber um sinal à maneira apropriada. Sabia que toda a história da eletrônica moderna se baseava na regulação dos sinais elétricos transmitidos de um dispositivo para outro com precisão cada vez mais miraculosa. Seria possível pegar todo esse conhecimento e aplicá-lo ao coração humano?
Durante os cinco anos seguintes, Greatbatch guardou essa ideia no fundo da mente, onde ela perdurou como uma intuição lenta. Após se mudar para Buffalo, começou a lecionar engenharia elétrica e arranjou um emprego noturno no Chronic Disease Institute. Um médico da instituição o recrutou para ajudá-lo a projetar um oscilador que registraria batimentos cardíacos usando os novos transistores de silício que ameaçavam substituir o tubo de vácuo. Um dia, ao trabalhar com o aparelho, Greatbatch pegou por acaso o resistor errado. Quando o ligou ao oscilador, este começou a pulsar num ritmo familiar. Graças ao erro de Greatbatch, em vez de registrar os batimentos de um coração humano, o aparelho estava simulando-os. Lembrou-se então da conversa na fazenda cinco anos antes. Ali estava o começo de um dispositivo que poderia restaurar o sinal defeituoso de um coração irregular, enviando-lhe pulsos elétricos que o forçariam a bater a intervalos precisos. Dois anos depois, Greatbatch e William Chardack, um cirurgião de Buffalo, implantaram o primeiro marca-passo cardíaco no coração de um cão. Em 1960, o marca-passo de Greatbatch-Chardack pulsava com regularidade no peito de dez seres humanos. Até hoje, variações do projeto original de Greatbatch salvam ou prolongam milhões de vidas no mundo todo.
O marca-passo de Greatbatch é um exemplo de uma grande ideia que resultou – literalmente – de uma nova combinação de peças avulsas. Por vezes essas novas combinações se formam devido às colisões aleatórias que se dão nas ruas de uma cidade ou num cérebro adormecido. Mas às vezes nascem de simples erros. Você enfia a mão na gaveta de resistores, puxa a peça errada e quatro anos depois está salvando a vida de uma pessoa. Mas, por si só, o erro raras vezes é suficiente. Greatbatch teve sua epifania ao ouvir a pulsação constante de seu oscilador porque estivera pensando havia cinco anos sobre os batimentos cardíacos irregulares como um problema de transmissão de sinal. Esse é mais um padrão recorrente na história dos equívocos. Invenções como a radiografia, a borracha vulcanizada e o plástico dependeram todas de erros fecundos – e fecundos exatamente por se conectarem a intuições lentas nas mentes de seus criadores.
O economista britânico William Stanley Jevons, que tinha ele próprio experiência direta como inventor, descreveu a importância do erro na obra Principles of Science, publicada em 1874:
Seria um erro supor que o grande descobridor capta de imediato a verdade ou tem um método infalível para adivinhá-la. Provavelmente, os erros da grande mente superam em número os da mente menos vigorosa. A fertilidade da imaginação e a abundância de conjecturas da verdade estão entre os primeiros requisitos da descoberta; mas as conjecturas errôneas devem ser muitas vezes mais numerosas que aquelas que se provam bem-fundadas. As analogias mais fracas, as noções mais extravagantes, as teorias aparentemente mais absurdas podem passar pelo cérebro prolífico, mas não se registra mais do que a centésima parte disso.
“Os erros da grande mente superam em número os da mente menos vigorosa.” Isso não é apenas estatística. Não significa que os pensadores pioneiros sejam simplesmente mais produtivos que os menos “vigorosos”, gerando mais ideias ao todo, sejam boas ou ruins. Alguns estudos históricos de registros de patentes mostraram de fato que a produtividade total está correlacionada às descobertas radicais em ciência e tecnologia, que a simples quantidade conduz por fim à qualidade. Mas Jevons faz uma defesa mais sutil do papel do erro na inovação, porque o erro não é apenas uma fase que é preciso suportar a caminho da genialidade. O erro muitas vezes cria um caminho que nos desvia de nossas suposições confortáveis. De Forest estava errado em relação à utilidade do gás como detector, mas continuou investigando nas bordas desse erro até descobrir algo genuinamente útil. O acerto nos mantém no mesmo lugar. O erro nos força a explorar.
Em A estrutura das revoluções científicas, Thomas Kuhn desenvolve uma argumentação semelhante em favor do papel do erro. Segundo ele, as mudanças de paradigma começam com anomalias nos dados, no momento em que os cientistas constatam que suas previsões continuam se revelando erradas. Quando Joseph Priestley pôs uma hortelã pela primeira vez sob uma redoma para privá-la de oxigênio, esperava que a planta morresse, como acontecia com os camundongos ou as aranhas nas mesmas circunstâncias. Mas ele estava errado: a planta se desenvolvia. Na verdade, a planta prosperava, mesmo quando se queimava todo o oxigênio existente sob a redoma antes de introduzi-la ali. O erro de Priestley estimulou-o a investigar esse estranho comportamento e acabou por levá-lo a uma das descobertas fundamentais do que hoje chamamos de ciência dos ecossistemas: a compreensão de que as plantas expelem oxigênio como parte da fotossíntese e de fato criaram grande parte da atmosfera da Terra. Nas palavras de William James: “O erro é necessário para fazer surgir a verdade, mais ou menos como é preciso um pano de fundo escuro para exibir a luminosidade de uma pintura.” Quando estamos errados, temos de desafiar nossas suposições, adotar novas estratégias. O erro por si só não abre novas portas para o possível adjacente, mas nos força a procurá-las.
O problema do erro é que temos uma tendência natural a desprezá-lo. Quando Kevin Dunbar analisou os dados de seus estudos in vivo em laboratórios de microbiologia, um de seus achados mais notáveis foi a grande quantidade de experimentos que produziam resultados realmente inesperados. Mais da metade dos dados coletados pelos pesquisadores desviava-se de maneira significativa do que eles haviam previsto encontrar. Dunbar descobriu que os cientistas tendiam a tratar esses resultados surpreendentes como consequência de falhas em seu método experimental: talvez algum tipo de contaminação do tecido original, ou um mau funcionamento mecânico, ou um erro na fase do processamento de dados. Viam nele um ruído, não um sinal.
A transformação do erro em insight revelou-se uma das funções essenciais das reuniões de laboratório. Na pesquisa de Dunbar, pessoas alheias ao experimento, que estavam trabalhando com problemas diferentes, eram muito menos propensas a rejeitar o erro aparente como ruído inútil. O fato de considerarem o problema a partir de uma perspectiva diferente, com poucas ideias preconcebidas sobre qual deveria ser o resultado “correto”, permitia-lhes conceber cenários em que o erro poderia ser realmente significativo. Como observou o jornalista científico Jonah Lehrer, esse padrão aparece num dos grandes avanços científicos da física no século XX: a descoberta da radiação cósmica de fundo, que por mais de um ano foi confundida com estática sem sentido pelos astrônomos Arno Penzias e Robert Wilson, até que uma conversa casual com um físico nuclear de Princeton semeou neles a ideia de que o ruído talvez fosse não o resultado de equipamento defeituoso, mas a reverberação ainda persistente do Big Bang. Dois brilhantes cientistas de grande perspicácia depararam com evidências da origem do universo – evidências que acabariam lhes valendo um prêmio Nobel –, e a primeira reação de ambos, no entanto, foi: “Nosso telescópio deve estar quebrado.”
CERCA DE TRINTA ANOS ATRÁS, uma professora de psicologia de Berkeley chamada Charlan Nemeth começou a investigar a relação entre ruído, discordância e criatividade em ambientes de grupo. Um dos primeiros experimentos de Nemeth reuniu pequenos grupos e lhes mostrou uma série de slides, com cada um dominado por uma única cor. As pessoas eram solicitadas a avaliar a cor e o brilho de cada slide. Depois que o haviam feito, Nemeth lhes pediu que fizessem associações livres com a cor percebida.
Poucas ações são tão comumente relacionadas à criatividade quanto a associação livre. Está tentando inventar um novo slogan para um detergente? Esforçando-se para adotar uma nova perspectiva em relação às suas lembranças de traumas da infância? Reunindo ideias para um soneto? A associação livre, dizem, ajuda a encontrar uma resposta.
Mas há muito corre entre os psicólogos a piada de que os seres humanos fazem associações livres de maneiras absurdamente previsíveis. Aborde cem americanos na rua e peça-lhes para fazer uma associação livre a partir da palavra “verde” e quarenta deles dirão “grama”. Outros quarenta mencionarão outra cor – “vermelho”, “amarelo” ou “azul” – ou a própria palavra “cor”. As associações mais criativas só aparecerão quando você chegar aos 20% finais das respostas, a longa cauda de associações em que palavras como “Irlanda”, “dinheiro” ou “folhas” são mencionadas. Peça-lhes para fazer associações livres com a palavra “azul” e verá o mesmo padrão: 80% vão sugerir outra cor ou a palavra “céu”, e só os últimos 20% das associações se distribuirão entre diversas respostas menos previsíveis, como “jeans” ou “lago”.
Psicólogos montaram imensas tabelas de probabilidade que documentam os padrões de associação livre para centenas de palavras. Essas normas de associação lhes dão um parâmetro estável para medir pensamento criativo em diferentes ambientes. Algumas situações levam as pessoas a se tornar ainda mais previsíveis em suas associações, respondendo “grama” e “azul” como robôs obedientes. Outras, porém, podem empurrar suas associações para a extremidade da distribuição, a zona mais eclética de “Irlanda” e “dinheiro”. Indivíduos excepcionalmente criativos tendem a gerar associações mais originais quando testados.
O experimento de Charlan Nemeth foi uma perfeita representação dessa previsibilidade. Slides azuis provocaram associações de palavras absolutamente convencionais: “céu”, “verde” e “cor” dominaram, ao passo que as associações mais inovadoras se restringiram aos 20% finais.
Mas em seguida Nemeth conduziu uma outra versão do experimento, dessa vez com uma alteração inesperada. Ela mostrou os mesmos slides a pequenos grupos de sujeitos – porém, introduziu secretamente em cada grupo um punhado de atores instruídos a descrever cada slide de maneira inexata, como se ele fosse de uma cor diferente. Os verdadeiros sujeitos experimentais descreviam corretamente os slides azuis como azuis, e ficavam muito surpresos ao ver que seus pares olhavam para a mesma cor mas a descreviam como verde.
Quando Nemeth tomou essa coorte (isto é, os sujeitos experimentais menos os atores) e pediu aos indivíduos que fizessem associações livres com a cor que haviam mencionado, as palavras que sugeriram foram bastante diferentes das do grupo anterior. Alguns disseram obedientemente “céu”, como os sujeitos do primeiro grupo, mas associações como aquelas em geral encontradas na cauda criativa da distribuição – como “ jeans” – foram muito mais numerosas. Em outras palavras, quando expostos a descrições inexatas dos slides, os sujeitos se tornaram maiscriativos. Associações em geral situadas nas franjas da tabela de probabilidades tornaram-se usuais. Nemeth havia introduzido ruído de maneira deliberada no processo de tomada de decisão, e o que encontrou contraria frontalmente nossos pressupostos intuitivos sobre verdade e erro. Os grupos contaminados com informação errônea acabaram fazendo conexões mais originais que aqueles que só haviam recebido informação correta. Os atores “discordantes” estimularam os demais sujeitos a explorar novas salas no possível adjacente, ainda que estivessem, tecnicamente falando, acrescentando dados incorretos ao ambiente.
Nemeth continuou, documentando o mesmo fenômeno em ação em dezenas de ambientes diferentes: júris falsos, reuniões de diretoria, seminários acadêmicos. Sua pesquisa sugere uma verdade paradoxal sobre a inovação: boas ideias têm maior probabilidade de emergir em ambientes que contêm certa quantidade de ruído e erro. Seria de imaginar que a inovação estaria mais fortemente correlacionada com os valores de precisão, clareza e foco. Uma boa ideia tem de ser correta em algum nível básico, e valorizamos as boas ideias porque tendem a ter uma proporção sinal/ ruído elevada. Isso não significa, porém, que seja desejável cultivar essas ideias em ambientes livres de ruído, porque esses espaços tendem a ter uma produção demasiado estéril e previsível. Os melhores laboratórios de inovação são sempre um pouco contaminados.
A PRÓXIMA VEZ que você visitar um jardim zoológico ou um museu de história natural e observar a extraordinária diversidade dos organismos em nosso planeta, pare um segundo para lembrar que toda essa variação – as presas do elefante, a cauda do pavão e o neocórtex do ser humano – tornou-se possível, em parte, por erro. Sem ruído, a evolução estagnaria, reduzida a uma série interminável de cópias perfeitas, incapazes de mudança. Mas, como o DNA é suscetível ao erro – sejam mutações no próprio código, sejam erros de transcrição durante a replicação –, a seleção natural tem uma fonte constante de novas possibilidades para testar. O mais das vezes, esses erros levam a resultados desastrosos ou não têm absolutamente nenhum efeito. De vez em quando, porém, uma mutação abre uma nova ala do possível adjacente. De uma perspectiva evolucionária, não basta dizer que “errar é humano”. Em primeiro lugar, foi o erro que tornou o ser humano possível.
A proeminência da mutação randômica em nossa história evolucionária foi há muito associada à teoria original de Darwin, mas a verdade é que o próprio Darwin teve grande dificuldade em aceitar a premissa de que a variação aleatória não dirigida poderia produzir as maravilhosas inovações da vida. Quando ele esboçou pela primeira vez a teoria da seleção natural como a “preservação de variações favoráveis e a rejeição de variações prejudiciais” em A origem das espécies, faltava-lhe uma teoria convincente para explicar de onde vinham todas essas variações. Na obra, ele escreve de maneira geral sobre elas como se fossem randômicas, em parte porque está tentando explicitamente repelir a noção lamarckiana de variação dirigida, segundo a qual as inovações – o pescoço comprido da girafa é o exemplo canônico – são geradas por atividade durante a vida do organismo e, depois, transmitidas à geração seguinte. Mas, ao longo da década que se seguiu, Darwin afastou-se do abismo da variação randômica e desenvolveu uma teoria chamada pangênese, publicada pela primeira vez em seu livro de 1868, The Variation of Animals and Plants under Domestication. A pangênese renegava o ruído da teoria original de Darwin, introduzindo um complexo mecanismo para a hereditariedade que criava um tipo de variação dirigida. Segundo essa teoria, cada célula do corpo liberava partículas hereditárias, chamadas gêmulas, que se acumulavam nas células germinativas do organismo. Um órgão ou membro particular que fosse intensamente usado durante toda a vida do animal liberaria mais gêmulas, e assim moldaria a fisiologia da geração seguinte. Embora a pangênese tenha sido bem-recebida na época em que Darwin a propôs, a genética moderna acabou revelando-a completamente falsa, e esse se provou o mais notório erro da carreira científica dele. Em certo sentido, o maior erro de Darwin foi não compreender a força proteica do erro.
Erro em excesso é fatal, claro, por isso nossas células contêm mecanismos elaborados para reparar DNA danificado e assegurar que o processo de transcodificação seja exato até o último nucleotídio. Um organismo que misturasse constantemente o código genético transmitido a seus descendentes teria crias mais inovadoras, mas só no sentido de que elas encontrariam muitas novas maneiras de perecer antes ou pouco depois do nascimento. Os pais não desejam mutações genéticas no filho. Como espécie, no entanto, dependemos de mutação.
É em razão dessa dependência da mutação que alguns cientistas afirmaram que a seleção natural gravitou rumo a uma taxa de erro pequena, mas estável, na transcodificação do DNA; isto é, em certo sentido a evolução “sintonizou” o erro com o equilíbrio ideal entre excessiva mutação e demasiada estabilidade. Dada a grave ameaça associada a erros de transcodificação, poderíamos pensar que haveria uma extraordinária pressão seletiva para tornar o sistema de reparo do DNA à prova de erro. Pais que fizessem cópias perfeitas de suas células germinativas teriam uma prole mais saudável, enquanto aqueles com reparo de DNA defeituoso teriam menos crias sobreviventes, por suas taxas mais elevadas de mutação. Com o tempo, os genes para o reparo de DNA à prova de erros se espalhariam por toda a sociedade. A complexidade do sistema de reparo do DNA sugere que a evolução seguiu em grande medida esse caminho, mas parou antes que a eliminação do erro se completasse. Nossas células parecem projetadas para deixar a porta para a mutação levemente entreaberta, apenas o suficiente para deixar entrar um pequeno fio de mudança e variação, sem efeitos catastróficos para a população como um todo. Estudos recentes sugerem que a taxa de mutação nas células germinativas humanas é de cerca de um em 30 milhões de pares de bases, o que significa que cada vez que os pais transmitem seu DNA para um filho essa herança genética vem com cerca de 150 mutações. Grande parte da maquinaria em nossas células é dedicada à preservação e à reprodução do sinal do código genético. Mesmo assim, a evolução abriu espaço para o ruído.
Seria essa taxa de erro o resultado de pressões seletivas, ou apenas um reflexo do fato de que a evolução não é perfeita? Os seres humanos têm uma visão relativamente boa enquanto mamíferos, mas não somos capazes de ler um texto de revista a 150 metros de distância. Isso não é necessariamente um sinal de que há algo de adaptativo nessa limitação; é mais provável que seja difícil construir um olho que possa enxergar tão bem. Por mais poderosa que seja, a evolução não pode fazer tudo. Seríamos talvez mais “adaptados” evolutivamente se conseguíssemos correr 150 quilômetros por hora, mas as restrições de nossa estrutura óssea e muscular impediram que fôssemos capazes de correr mais que os guepardos. Por que o mesmo não poderia ser verdadeiro em relação a nosso sistema imperfeito de reparo do DNA?
É possível que a replicação perfeita seja apenas um limite ideal do qual a seleção natural só pode se aproximar de maneira assimptótica. Para nossos objetivos, de fato, não importa se a seleção sintonizou nossos sistemas de reparo de DNA para certo nível de ruído ou se eles apenas não alcançaram seu “objetivo” de reprodução perfeita. De uma maneira ou de outra, o ruído teve de ser preservado, pois sem ele a evolução cessaria pouco a pouco. Mas a hipótese da sintonização tem sido apoiada ultimamente por pesquisas intrigantes. As bactérias têm taxas de mutação muito maiores que as formas de vida multicelulares, o que sugere que a tolerância ao erro varia segundo as condições específicas dos diferentes organismos. Um estudo realizado por Susan Rosenberg no Baylor College descobriu que as bactérias aumentavam bastante suas taxas de mutação ao enfrentar o “estresse” de baixos suprimentos de energia. Quando a vida está boa, sugere a pesquisa de Rosenberg, as bactérias têm menos necessidade de altas taxas de mutação, porque suas estratégias atuais estão bem-adaptadas ao ambiente. Mas, quando o cenário fica mais hostil, a pressão para inovar – para encontrar alguma nova maneira de ganhar a vida num ambiente de recursos escassos – muda o equilíbrio entre risco e recompensa da mutação. O risco de ter a própria prole morta por alguma mutação fatal não parece tão ruim se ela estiver fadada a morrer de fome de qualquer maneira. E, se uma dessas mutações ajudar as bactérias a usar os recursos energéticos limitados com mais eficiência, o novo gene rapidamente se espalhará pela população, enquanto as bactérias não mutantes morrem pouco a pouco.
Em certo sentido, as bactérias mutantes de Rosenberg seguem uma estratégia semelhante àquela adotada pelas pulgas-d’água em sua oscilação entre reprodução sexual e assexual. Quando a subsistência fica difícil, a vida tende a gravitar em direção a estratégias inovadoras de reprodução, por vezes introduzindo mais ruído no sinal do código genético, por vezes permitindo aos genes circular mais depressa através da população.
Verifica-se que sexo e erro têm uma longa história em comum, o que talvez não seja novidade para os que se lembram da própria vida amorosa nos tempos de faculdade. Uma das vantagens fundamentais da reprodução sexual é permitir que genes mutantes se desprendam daqueles genes que aumentam as taxas de mutação. Imagine uma bactéria que possua um gene que iniba de leve o reparo de seu DNA, aumentando sua taxa total de mutação. A maior parte dessas mutações não terá consequências, ou será pura e simplesmente fatal. Mas imagine que um dia a bactéria tire a sorte grande e tope com uma mutação que aumente sua adequação reprodutiva – por exemplo, permitindo ao organismo detectar fontes de alimento de modo mais eficiente. Nossa afortunada bactéria se divide em duas e passa seus genes à geração seguinte. O problema é que essa nova geração recebe uma herança mista: recebe o novo gene, mas herda também aquele que produz maiores taxas de mutação. Como as mutações negativas são muito mais prováveis que as positivas, através das gerações, as vantagens do gene eficiente na busca de alimento são esmagadas pelo ruído introduzido pelo gene que causa taxas de mutação mais altas. Mas, se nossa bactéria de sorte passar de repente para o modo de reprodução sexual, como a pulga-d’água, o resultado poderia ser bem diferente, porque na reprodução sexual um organismo só transmite a metade dos seus genes para a prole. A geração seguinte pode herdar o dom do pai para procurar comida e o talento da mãe para um esmerado reparo do DNA.
Já exploramos algumas das razões por que a evolução gravitou rumo ao sistema muito mais complexo da reprodução sexual: ele permite que inovações potencialmente úteis se espalhem através da população e às vezes colidam e juntem forças com outras inovações. Porém, quando pensamos sobre sexo no contexto desses genes da mutação e da busca de alimentos, fica claro que também houve outro motivo para que grande parte da vida na Terra abraçasse essa forma de reprodução: o sexo ajudava no aproveitamento da força produtiva do erro ao mesmo tempo que mitigava os riscos. Ele mantém aberta apenas uma fresta da porta para o possível adjacente, de modo que possamos nos adaptar às pressões ou oportunidades de nosso ambiente. Ao manter a abertura tão estreita, também mantém as taxas de mutação sob controle, e essa é uma razão fundamental para a bactéria assexual ter taxas de erro tão mais altas que a vida multicelular. O sexo nos permite aprender com os erros de nossos genes.
É essa relação complicada entre precisão e erro, entre sinal e ruído, que explica a pesquisa de Charlan Nemeth sobre associação livre e a deliberação de júris. Quando um dos pares diz que a pintura azul é verde, ou se ergue em defesa de um suspeito claramente culpado, tecnicamente falando, ele introduz informação mais inexata no ambiente. Mas esse ruído torna os outros mais argutos, mais inovadores, certamente porque são forçados a repensar seus preconceitos, a contemplar um modelo alternativo em que as pinturas azuis são, na verdade, verdes. A correção é como os estados de sincronia de fase do cérebro humano, em que todos os neurônios se excitam em perfeita harmonia. Precisamos desses estados pela mesma razão por que precisamos da verdade: um mundo de erro e caos completos seria intratável, tanto no nível social quanto no neuroquímico (para não mencionar o genético). Mas deixar algum espaço para erros produtivos é importante também. Ambientes inovadores prosperam graças a erros úteis e sofrem quando as demandas de controle de qualidade os esmagam. Grandes organizações gostam de seguir regimes perfeccionistas, como Six Sigma e Gestão da Qualidade Total (TQM, na sigla em inglês), sistemas inteiros dedicados à eliminação do erro, desde a sala de reuniões até a linha de montagem. Mas não é por acaso que um dos mantras do mundo das start-ups da web é “fracasse mais depressa” (“ fail faster”). Não quer dizer que os erros sejam a meta – afinal, continuam sendo erros, e por isso se deve passar por eles depressa. Mas são um passo inevitável no caminho da verdadeira inovação. Benjamin Franklin, que por experiência própria sabia algumas coisas sobre inovação, expressou isso muito bem: “Talvez a história dos erros da humanidade seja, afinal de contas, mais valiosa e interessante que a de suas descobertas. A verdade é uniforme e estreita; existe de maneira constante; e, para encontrá-la, parece ser necessário menos uma energia ativa que uma aptidão passiva da mente. Os erros, porém, são infinitamente variados.”
a Projeto de lei destinado a fornecer melhores oportunidades aos veteranos da Segunda Guerra Mundial. Assinada pelo presidente Roosevelt em junho de 1944, a lei proporcionou ajuda federal a ex-combatentes nas áreas da hospitalização, compra de casas, negócios e em especial educação, estimulando veteranos a levar adiante seus estudos secundários ou universitários. (N.T.)