—Pensei que iam esperar até que eu aqui chegasse para tomarem qualquer tipo de ação. — Estas palavras vinham de Renata Ambrosini.
Estava sentada com Joe e Kurt numa suite luxuosa no último andar de um hotel em Malta. Kurt tinha na mão um copo de whisky com gelo que colocava contra a testa, a fim de aliviar um alto provocado por uma contusão. Joe estava a tentar distender as costas e fazer com que o seu pescoço desse um pequeno estalido.
O facto de não estarem na prisão era um pequeno milagre. Porém, depois de terem sido presos e detidos, as chamadas dos governos dos Estados Unidos e de Itália, bem como os vídeos de testemunhas oculares acerca dos seus feitos acabaram por inclinar os pratos da balança a favor deles. Nessas duas horas, tinham passado de ameaçados com cinquenta anos de trabalhos forçados para serem considerados dignos de uma comenda de cavaleiros da Ordem de São João. Não fora um mau dia de trabalho, mas qualquer um deles teria trocado os elogios por indícios melhores.
— Acredite que tentámos — disse Kurt. — Não havia muita coisa que pudéssemos ter feito, logo que eles deram cabo da parede e começaram a correr.
Renata serviu-se de uma bebida e sentou-se ao lado de Kurt. — Pelo menos, estão os dois bem e o Kensington e o Hagen estão mortos.
Joe parecia abatido. — Devia tê-lo deixado lá, deitado no chão. Ele estava apenas meio consciente quando eu o trouxe até à muralha.
— Não te estejas a culpar — redarguiu Kurt. — Não podias ter adivinhado que eles tinham um atirador que lhes estava a dar cobertura para a fuga.
Joe assentiu com a cabeça. — E já se conseguiu descobrir o que estava na seringa?
— Cetamina — esclareceu Renata. — Um anestésico de ação rápida muito comum. Nada semelhante àquilo que nos atacou em Lampedusa.
— E haverá alguma hipótese de que a cetamina seja o antídoto? — perguntou Kurt, esperançado.
— Já pedi ao Dr. Ravishaw que experimentasse essa substância — disse ela. — No entanto, não houve qualquer efeito. De modo que regressámos ao nosso ponto de partida.
Kurt bebeu um gole de whisky, olhando para o bilhete amachucado que Kensington lhe tinha dado.
— Será que enquanto por aí andaram, arranjaram nomes e números de telefone? — perguntou Renata.
— O Kensington estava a escrever isto quando a lança da grua irrompeu pela parede.
Passou-lhe então a anotação.
— Sophie C… Não me soa lá muito familiar.
— A nós também não — redarguiu Kurt. — Mas ele devia estar a tentar dizer-nos qualquer coisa.
— Talvez o Kensington queira que nós encontremos esta pessoa — sugeriu Joe. — Talvez ela nos possa ajudar. Talvez a Sophie C seja a benfeitora misteriosa que estava a doar todos os artefactos para o leilão.
— Foi uma pena ele não ter escrito mais depressa — observou Kurt.
— Mas porquê escrever? — perguntou Renata. — Por que razão não vos disse diretamente?
Kurt também se interrogava acerca disso. — Do modo como ele falava e ia olhando em volta do escritório, parecia que o local estaria sob escuta ou, pelo menos, assim teria pensado Kensington.
Ela bebeu um gole. — Daí escrever um bilhete para vos dar alguma informação, enquanto vos diz em voz alta que não sabe de nada…
Kurt acenou afirmativamente com a cabeça. — Se calhar, pensou que eles o pudessem ouvir, mas não vê-lo. Tenho a impressão de que nos estava a tentar ajudar sem ser apanhado.
— Mas por que motivo o mataram se o tinham bem controlado? — perguntou ela.
— Pela mesma razão que mataram o Hagen — respondeu Kurt. — Para não deixarem rasto. Devem ter pensado que ele iria contar tudo mais cedo ou mais tarde. Talvez a nossa chegada tivesse apressado as coisas.
— Eles provavelmente tinham-vos a todos na mira — sugeriu ela.
— É provável — disse Kurt. As razões nesta altura não importavam, apenas os resultados. E os pratos da balança estavam a inclinar-se bastante em relação aos seus adversários, agora que estes tinham perdido os seus dois melhores líderes. — Temos de encontrar essa tal Sophie — disse Kurt, voltando-se para a médica. — A Renata tem um acesso mais facilitado a nomes e a registos. Acha que os seus amigos na Interpol poderão ajudar? Talvez ela seja uma amiga do Kensington, ou um membro da direção do museu, ou um dos doadores.
— Talvez ela seja uma das convidadas para a receção — sugeriu Joe.
Renata assentiu com a cabeça. — Vou pedir à AISE3 e à Interpol que façam uma busca — disse ela. — A ilha é pequena e será fácil descobri-la. Se não encontrarmos nada, poderemos alargar as buscas. Talvez seja um nome de código, ou a designação de uma conta ou de um programa de computador… qualquer coisa desse género.
— Ela até poderia ser a atiradora furtiva do Joe.
— E porque não? — observou Renata. — Estamos num mundo moderno. Uma rapariga pode tornar-se em tudo o que ela quiser.
Kurt concordou, com um ar ainda um pouco abatido, e bebeu outro gole de whisky. O fogo frio da bebida, combinado com a sensação anestesiante do copo gelado contra a testa tinham-lhe aliviado a dor até um nível tolerável. Sentiu a sua mente a desanuviar-se. — Tudo isso terá a ver com qualquer coisa no museu. O Kensington disse que os homens andavam à procura de artefactos do Egito, até lhes chamou bugigangas, mas quem sabe se ele nos estaria a dizer a verdade? Temos de ir ver. O que quer dizer que eu e o Joe temos de ir a esse evento.
— Olhem que eu até fico muito bem de asas de grilo — disse logo Joe.
— Não tires já da mala o teu smoking. Iremos estar vestidos de um modo mais informal. Depois do que aconteceu esta noite, não nos queremos tornar alvos óbvios.
— Já estou a ver um disfarce no meu futuro — disse Joe.
— Olha que será bem melhor do que um disfarce — observou Kurt, sem mais detalhes.
— Choca-me saber que a receção ainda se irá realizar — disse Renata.
Kurt concordou. — Eu penso o mesmo, mas, por vezes, as coisas funcionam de um modo estranho. Tanto quanto pude ouvir, este incidente aumentou o interesse, não o diminuiu. É quase como se o perigo fizesse com que as pessoas ficassem mais excitadas. De modo que, em vez de o cancelarem, triplicaram os dispositivos de segurança e convidaram mais compradores potenciais.
— E apenas vamos até lá e tocamos à campainha? — perguntou Joe. — Enquanto esse exército triplo de guardas de segurança olha para o outro lado?
— Vai ser bem melhor do que isso — respondeu-lhe Kurt. — Vão servir-nos de escolta.
3 Agência de Informação e Segurança Externa de Itália. (N. do T.)