Kurt empurrou o mergulhador para um lado e elevou a sua pistola submarina para poder disparar, mas o atacante estava demasiado perto e eles acabaram por começar a lutar, em vez de se arpoarem um ao outro.
Para grande contrariedade de Kurt, o atacante tinha um capacete que lhe protegia o rosto e estava a usar um hard suit parcial. Caso contrário, Kurt ter-lhe-ia arrancado a máscara. Em vez disso, torceram-se e rolaram até que Kurt lhe tivesse posto um braço em volta do pescoço, carregado na alavanca de velocidade, e acelerasse em direção ao afloramento de madeira e coral que em tempos fora a proa do Sophie C.
O atacante largou o arpão e retirou um punhal, mas, antes mesmo que o pudesse usar, Kurt arrastou-o para o alto da proa, atirando com a cabeça do mergulhador aos restos do naufrágio, com o objetivo de obter o máximo impacto.
O mergulhador ficou sem forças após o embate, deixou cair o punhal e começou a tombar para o fundo com os braços abertos. Pelo menos, estaria inconsciente.
Dois outros homens foram de imediato na sua direção, desde o ponto mais distante da área de trabalho. Tal como o primeiro homem, estes também tinham capacetes que lhes protegiam o rosto, porém, ao contrário do indivíduo que ele deixara inconsciente, moviam-se através da água guiados por unidades individuais de propulsão.
Um arpão passou por Kurt, deixando um rasto de bolhas à sua passagem. Kurt ligou os seus propulsores à velocidade máxima, deixando uma nuvem de sedimentos atrás dele. Lembrou-se então de um velho provérbio de um piloto da Segunda Guerra Mundial, com quem ele trabalhara há alguns anos: Voltar sempre à esquerda quando se está nas nuvens. Porquê à esquerda e não à direita era algo que ele não sabia, mas, se o conselho era bom nos céus de Midway, também se aplicaria, com certeza, no fundo do mar. Manteve o acelerador do seu fato de mergulho sempre junto à mão, e inclinou-se para a esquerda, arrastando os pés e levantando mais resíduos. O truque funcionou por instantes, contudo, as luzes de um dos homens-rãs irromperam dessa nuvem. Este vira Kurt e tinha uma arma levantada.
Kurt voltou-se e, em vez de ouvir o ruído deslizante de um outro arpão, ouviu o som abafado de uma espingarda. Soava bastante como a venerável AK-47.
Um dos ombros do seu hard suit desfez-se. Kurt continuou a mover-se, dando pontapés furiosos numa tentativa de complementar a força dos propulsores.
Conseguiu chegar até à parte de trás do navio naufragado. — Joe, se me estás a ouvir, preciso de ajuda, urgentemente. São três contra um, e estes fulanos têm espingardas de caça submarina. As suas unidades de propulsão parecem-me russas, de modo que calculo que as espingardas também sejam.
Kurt pensava em duas espingardas diferentes que os russos tinham concebido para os seus comandos Spetnaz e para os seus homens-rãs. Uma arma chamada a APS5, que disparava projéteis especiais com um núcleo de aço, chamados dardos, e que tinham dez centímetros de comprimento. Esses pesados dardos corriam pela água muito melhor do que qualquer bala de chumbo, mas ainda tinham uma área de alcance limitada, devido à densidade da água. Àquela profundidade, a não mais de uns dezoito metros, tal como a dor nas costas de Kurt testemunhava, ainda poderiam fazer mossa, se bem que já não estivessem a uma distância em que o pudessem matar.
— Joe, estás a ouvir-me? Joe?
Outra coisa que a água densa fazia era limitar mesmo os sistemas de comunicação mais avançados. Joe estava fora do seu alcance. Ele olhou para a esquerda, para a popa do Sophie Celeste, e viu que havia luzes que vinham dessa direção. Olhou para a direita e viu a mesma coisa.
— Três assassinos atrás de mim e só tenho dois arpões — murmurou. — Para a próxima, hei de trazer um bom molho deles.
Decidiu ir para a direita, avançando e segurando na espingarda de caça submarina com ambas as mãos. As luzes do outro mergulhador surgiram da escuridão. Kurt focou-se nelas e disparou. O arpão fez o que tinha a fazer, atingindo o atacante no ombro, mesmo por baixo da clavícula, e acabando por lhe sair pelas costas.
Um tornado de bolhas redemoinhou, à medida que o homem se contorcia em agonia como um atum capturado. Em vez de tombar para o fundo, começou a subir em espiral, pondo a mão na ferida e largando a espingarda.
Kurt deixou-o ir e foi buscar a arma que desaparecera no escuro.
— Luzes — disse ele.
A luz da parte esquerda estava desfeita, mas a que estava sobre o seu ombro direito acendeu-se instantaneamente. A sua iluminação refletia-se na arma que se ia afundando e, ao mesmo tempo, alertava para a posição de Kurt.
Uma troca justa.
Kurt mergulhou rapidamente, para se proteger, e ouviu o som de uma outra espingarda. As enormes balas afundaram-se nos sedimentos em frente dele, e Kurt não teve outra escolha senão recuar ou ser morto.
Os dois últimos mergulhadores estavam a convergir sobre ele. Kurt retomou o equilíbrio e disparou o último arpão, tentando acertar no homem que tinha a espingarda. O efeito foi letal, trespassando-lhe o pescoço. O atacante perdeu as forças e começou a ser arrastado pela corrente, dentro de uma nuvem avermelhada de sangue.
Kurt voltou-se então para o sítio onde ele pensava que a espingarda teria caído no fundo, chegando ao local ao mesmo tempo que o último membro sobrevivente da força de ataque.
Ambos pegaram na arma, Kurt a agarrar-se ao gatilho e à culatra, enquanto o outro se agarrava aos canos, mas Kurt estava numa melhor posição e conseguiu libertar a arma das mãos do outro.
Tentou ainda apontá-la e disparar, mas o outro mergulhador encontrava-se demasiado perto. Estendeu um braço em volta do capacete de Kurt, tentando apertar-lhe a mangueira de ar.
Kurt deu-lhe vários murros no estômago e o homem acabou por largar a mangueira. Contudo, sacou de algo de que Kurt não estava à espera: um pau explosivo, concebido para matar tubarões ou qualquer outra coisa em que tocasse. Kurt conseguiu bloquear o braço do mergulhador e pegou-lhe no pulso, para evitar que a ponta do explosivo lhe tocasse e lhe abrisse um buraco no corpo. Ele já vira essas armas destruírem tubarões com cinco metros de comprido, apenas com um toque letal, e não desejava, de modo algum, que aquilo lhe pudesse tocar da mesma forma, ou de que forma fosse.
Os dois estavam a lutar, rodando num combate em suspensão. A luz no ombro de Kurt refletia-se na máscara do homem, parecendo cegar ambos. Contudo, nem um nem outro desistiam.
Só nessa altura é que Kurt se deu conta de que o homem era muito maior do que ele. Pegando no mergulhador americano pelo sovaco, o seu atacante parecia ganhar vantagem e, apesar dos melhores esforços de Kurt, o pau explosivo começara a aproximar-se perigosamente das suas costelas.
O assaltante tinha-o de facto apanhado e ele sabia-o, tendo-se mesmo apercebido de um sorriso lunático no seu rosto, quando ele se aproximou para o matar.
Foi quando uma onda de luz os envolveu a ambos, no momento em que uma névoa amarelada irrompeu da escuridão, atingindo o atacante de Kurt como um autocarro desgovernado. Kurt cambaleou para trás, feliz por Joe, no Tartaruga, ter empurrado o homem pelo mar como um touro poderia fazer a um toureiro que ele acabasse de espetar com os cornos.
Joe não parou até que o homem tivesse sido atirado contra o fundo do mar, esmagando-o sob o peso e sob a força do Tartaruga e deixando-o meio enterrado na areia.
Kurt voltou a descer até ao fundo, pegou mais uma vez na espingarda e esperou até que Joe fosse ter com ele.
O Tartaruga parou mesmo perto de Kurt. Era fácil ver que, dentro do capacete, o rosto de Joe se abria num sorriso. — Seria errado pintar um símbolo desse bandido no flanco do Tartaruga? — perguntou Joe.
— Creio que não — ripostou Kurt. — Por que motivo demoraste tanto tempo?
Joe voltou a sorrir. — De onde me encontrava, não conseguia ver se te estavas a divertir ou se em sérios problemas. Só quando ouvi os disparos é que me dei conta de que talvez estivesses em apuros.
Ironicamente, o som viajava muito mais depressa dentro de água do que os projéteis ou as transmissões de rádio.
— Temos de dar valor aos russos — disse ele. — Por vezes conseguem inventar armas bastante interessantes.
— Esta ficaria muito bem na tua coleção — observou Joe.
Kurt colecionava armas de fogo especiais de todas as partes do mundo. Começara com pistolas de duelo, tinha alguns revólveres Bowen automáticos e adquirira mais recentemente espingardas de seis tiros do Velho Oeste, incluindo uma Colt de calibre 45, que ele usara para despachar o último canalha que os tinha atacado.
— E olha que ficaria mesmo — disse ele. — Mas tenho cá uma impressão de que ainda irá ser bastante usada antes de se transformar numa peça de exposição.
— Não sei se já te deste conta, mas estamos a fazer isto ao contrário — observou Joe. — Até agora empregámos todos os esforços para conquistar o terreno mais baixo, o que não é exatamente uma boa estratégia militar.
— Com um pouco de sorte, não irão saber que já cá estamos — disse Kurt.
Acionou as alavancas de velocidade e voltou a dirigir-se para o local do naufrágio, onde os mergulhadores civis, que estavam a ser usados como trabalho escravo, se iam aprovisionando de mais tanques de oxigénio, na plataforma do equipamento.
Puseram-se logo à defesa quando viram chegar Kurt e Joe.
— É melhor voltarmos a recorrer às legendas — sugeriu Joe.
— Está tudo bem — disse Kurt, ativando o ecrã. — Os guardas estão mortos. Podemos tirar-vos daqui.
Um deles apontou para cima, enquanto escrevia furiosamente no seu quadro branco.
Tratava-se dos piores gatafunhos que Kurt alguma vez tinha visto.
— Há quanto tempo é que estão aqui em baixo? — perguntou ele.
Levantaram-se quatro dedos.
— Quatro horas a trinta metros de profundidade… — sublinhou Joe.
Eles teriam de estar a tomar Nitrox ou Trimix, e não apenas oxigénio puro. Porém, mesmo assim, tendo passado tanto tempo no fundo, iriam precisar de horas de descompressão até chegarem à superfície. Um rápido inventário disse-lhes que não haveria tanques suficientes. Nem de perto nem de longe. Aqueles mergulhadores morreriam se não se encontrasse uma outra opção.
Kurt pôs uma mão num dos ombros do chefe dos mergulhadores e abanou a cabeça. — Não podem subir.
O mergulhador abanou também a cabeça e voltou a apontar para a superfície.
— Vão sofrer do mal dos mergulhadores — observou Kurt.
O mergulhador leu as palavras no pequeno ecrã e voltou a apontar para cima. Depois disso, fez um movimento estranho com as mãos.
— Não faço ideia do que me está a querer dizer — respondeu Kurt.
O mergulhador parecia estar em pânico. Kurt teria de o acalmar. Apontou para o quadro branco que ele trazia. — Escreva devagar.
O mergulhador pegou no quadro, apagou o que escrevinhara antes e, dessa vez, pôs-se a escrever com mais cuidado, como uma criança que estivesse a treinar as letras. Quando acabou, mostrou o quadro a Kurt.
Escrevera apenas uma palavra que se lia muito facilmente:
BOMBA!
5 Arma especial de assalto submarino concebida pela União Soviética nos anos 70. (N. do T.)