giff.jpg Balada da última princesa[47] giff.jpg 

 

 

Sob o seu roupão de cambraia, 

Com os olhos largamente abertos, 

Desde que a aurora aos montes raia, 

Ela anda nos salões desertos. 

 

5      Nas salas ermas do edifício, 

Onde há silêncio, onde há mistério, 

Ela passa como um bulício 

De rezas num eremitério. 

 

Dos quadros olham-na sorrindo 

10   Infanções, condes e donzelas... 

E ela, os longos olhos abrindo 

Passa horas longas nas janelas. 

 

Por vezes, pelas tardes frias, 

Quando é tudo sombra e repouso, 

15   Ela desce as escadarias 

E vagueia no parque umbroso. 

 

E pelos canteiros de malva 

Os seus olhos mornos espraia, 

Sua tez é muito mais alva 

20   Do que o seu roupão de cambraia. 

 

Vem o vento. São alaridos 

De enlaces machucando sedas... 

Seus cabelos são tão compridos 

Que arrastam pelas alamedas. 

 

25   Raios de luar, quais serpentinas, 

Jazem nos canteiros oblongos, 

As suas mãos são finas, finas, 

Os seus dedos são longos, longos. 

 

E ela chega aos severos muros 

30   Que a prendem como almas humanas, 

E então fecha os olhos escuros 

Com o centímetro das pestanas, 

 

E enquanto volta pensativa 

E a lua pelo céu desmaia, 

35   Uma lágrima fugitiva 

Rola em seu roupão de cambraia. 

 

E ela volta. E pisa o mosaico 

Das solenes escadarias. 

Depois reclina-se no arcaico 

40   Leito de ébano e pedrarias 

 

E dorme. Dedos enlaçados, 

Boca entreaberta, olhos abertos. 

E fantasmas de antepassados 

Rondam pelos salões desertos. 

 

45   Entram e saem pelas portas 

E se debruçam nas janelas, 

E no luto das horas mortas 

Formam tristíssimas sequelas. 

 

Finos nobres de ambos os sexos, 

50   Da mais alta e mais pura laia, 

Passam ante ela e genuflexos 

Beijam-lhe o roupão de cambraia. 

 

Num cravo de sândalo e prata, 

Unindo as cabeças formosas, 

55   Um pajem lento e uma açafata 

Dedilham músicas mimosas. 

 

Nos dois lânguidos tocadores, 

Com o som do cravo, se acentua 

Uma dor cheia de pudores 

60   A luz assombrada da lua. 

 

Mas enquanto as janelas pasmas 

Olham com grandes olhos pretos, 

Os alvos, trêmulos fantasmas 

Dançam pavanas e minuetos. 

 

65   Mas a última princesa dorme 

Até que a aurora aos montes raia, 

Envolta num letargo enorme 

E no seu roupão de cambraia...