giff.jpg Pirandello, a epiderme desvairada e um sentimento alegre da injustiça[85]giff.jpg 

 

A Tristão de Athayde[86] 

a Sérgio Milliet[87] 

 

 

Citações inspirantes

“O defeito do modernismo urbano e regional de S. Paulo é a sua complacência no boçal. Imitação, já o mostrei, de modernas escolas europeias...” 

Tristão de Athayde 

 

“Compreendo muito bem os intuitos revolucionários do autor. Exterminar as regras gramaticais, destruir a sintaxe da língua escrita, metodicamente”. 

Sérgio Milliet 

 

Citações expirantes

“Cosi è si vi pare”. 

Pirandello 

 

“Não somos o que somos, somos o que os outros querem que sejamos.” 

Mário de Andrade 

 

Imperativo categórico:
“Vá ver se estou na esquina”. 

Popular

 

 

Personagens

Dona Poesia. Continente impertinente. Deusa. 

Eu. Conteúdo cabeçudo. Crente. 

Coro dos Fanáticos lunáticos

 

Cena: O templo da Deusa. 

 

Época: O tempo do Crente. 

 

(Eu entra meio desconfiado) 

 

 

Coro dos Fanáticos lunáticos (rosnando pra dar  

                                       o ritmo):  

Mão de pilão, 

Carne-seca com feijão, 

Arreda negra véia 

Não esquenta batalhão! 

 

Eu (contrito e humilhado. Nem Deus me espicha! 

Ritmo do Mão de pilão): 

5     Seu sacristão, 

Quero confessá. 

 

Sacristão (sempre o mesmo ritmo continuando): 

Vá pra aquele canto 

Que Ela já vem já. 

 

(Entra Dona Poesia

 

Dona Poesia:  

Poeta das dúzias, 

10   Quê que qué de mim! 

 

Eu (cabeçudo):  

Vim lhe confessá 

Que não sou bem ansim! 

 

Dona Poesia:  

Eu sei munto bem 

Tudo o que tu é! 

 

Eu:  

15   Pois seje! Já vi um cabra 

Virá pinga em capilé... 

 

Dona Poesia:  

Tu só será 

O que eu bem quisé! 

 

Eu (à parte, maginando): 

Ladrão de cavalo 

20   Não é só quem qué... 

 

Dona Poesia (dogmática): 

Tu anda macaqueando 

Os moço lá da França! 

 

Eu (conteúdo):  

Pudera! Tá bão deixe! 

Quem espera sempre alcança! 

 

Coro dos Fanáticos lunáticos (numa grande 

                                  gargalhada simbólica): 

25   Mamãe, papai, 

Venha vê vovó 

Comendo carne 

Cum dente só!... 

 

Dona Poesia (dogmática): 

Tu é regionalista, 

30   Não é do Brasil não! 

 

Eu (macaqueando o simbolismo do Coral): 

Não quero que ninguém me prenda 

Por causa do meu pifão... 

 

Dona Poesia:  

Tu escreve errado 

Só pra me inquisilá! 

 

Eu (matutando):  

35   Pena em rabo de cachorro 

Serve só pra trapaiá... 

 

Dona Poesia (sempre dogmática): 

Tu é um desordero 

Das lei gramaticá! 

 

Eu (conteúdo sempre): 

Sá dona tem razão, 

40   Nunca sube trabaiá! 

 

Dona Poesia:  

Tu é um primitivo, 

Banca ingênuo sem sê! 

 

Eu (levantando):  

Tá bão, dona Poesia, 

Mecê é taco em percebê! 

 

Dona Poesia (se ergue, abençoa o penitente e  

                               aconselha partindo): 

45   Rapaizinho desvairado, 

Tu vai se embriagá! 

 

Eu (simbolicamente libertino): 

Eu quis ficá pinguço 

Pra mecê me carregá... 

 

(Dona Poesia vai-se embora) 

 

Coro dos Fanáticos lunáticos (tiririca): 

Que aleijão! Que aleijão! Que aleijão! 

 

(Eu tira um pacote de amendoim do bolso, senta no calcanhar esquerdo e mastiga meio tonto escutando rabecar pelas arcadas solenes do templo a tempestade coral dos “Que aleijões!”, “Que realeijões!”, “Kirie eleisões!”, “Kirie eleisões!”. Eu se ri gostoso na bebedeira.) 

O pano inda não caiu não. 

 

Pau-D’Alho