(Rio de Janeiro, agosto de 1939)
a Yedda[93]
– Eu vim trazido às asas do avião lento,
Como quem se arde na paixão.
A minha bengala já brilha enramada de fitas
E na blusa de couro arfa o distintivo
5 Com a nobre e áspera forma do fuzil.
Oh prefeito! senhor, ministro das tardanças,
Devorei todos os testes, e eis o salvo-conduto dosmédicos!
Exijo que entregues-me agora a virgem guanabarina!
E as minhas mãos brutas de aço, os meus olhosfatigados de fábricas,
10 Irão finalmente pousar sobre o ventre ondulante
Da salsa virgem guanabarina que ganhei para a noite de amor!
– Eu sou a salsa virgem do ventre ondulante, queimada
Pelas ondas do verde mar.
Oh, entregai-me, esperança de força, harpa álgida einsonora,
15 Bólide errático; dai-me ao meu corpo impaciente eàs delícias
Do noivo que marca a terra ao sopapo valente
Dos pilões de cimento enramados de céu e de sol!
Se acabaram as leituras, palmilhei hospitais praticando,
Conheço as origens do mal, dou alarmes e falo oito línguas,
20 E eis-me toda engalanada de guizos, festões e bandeirasinternacionais!
Oh juiz! reconheço-me pronta para a vetustacumplicidade da vida,
Entregai-me! E que o destino entreabra os meus joelhosmorenos,
Ao sinal exogâmico do nhônhô que ganhei para a noite de amor!
– Oh juiz sacro, a virgem vem! festões e bandeiras!harpa insone, frecha jamais desferida!
25 Já lhe sinto os passos largos e a boca fixada no rouge odorante,
Já escuto a ascensão varonil dos seus peitos pequenos,
E me excitam como etapas noturnas seus perfumesbaseados em sal!
Meus braços são potros bufando, meu corpo esban- dalha-se em arte de música!
Oh juiz pando, oh prefeito lerdo! Oh eunucosfuncionários calmíssimos!
30 Entregai-me sem mais demora a virgem guanabarina, dai-me a vida da vida!
Aí tudo se acaba! e morremos vertidos no marco daglória irremediável
Nascitura e impiedosa em seu mistério imortal!
– Oh prefeito insensível de pérola na gravata polida,
Basta! cessa de olhar com esses óculos sáfaros os livros dos ancestres, boi nutrido!
35 Dá-me! decide! dá-me o nhônhô que desceu nas asas do avião lento,[94]
Ou te afogarei no sulco dessas páginas discutíveis,
Oh balandrau de cortejo! leléu de deus morto! programa de rádio!
Meus braços são potros bufando, meu corpo esbandalha-se em arte de música!
Meu ser e o seu ser unidos! altifalantes ganem, jornais gritam,
40 Não vejo mais astros, transborda-se a espera da vida!
Ai! tudo se acaba! e morremos vertidos no marco da glória
Nascitura e impiedosa em seu mistério imortal!