Capítulo 15
Tiroteio na catedral
Pouco depois do dia de Pentecostes,
Praga estava silenciosa, tão silenciosa que alguém quase podia ouvir uma carruagem de um tempo perdido chacoalhando nas ruas calçadas com pedras.
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O almirante Canaris chegara à cidade uma semana antes. Ele caminhara por suas ruas sinuosas e cercadas de muros, admirando as igrejas excessivamente adornadas; até os pináculos tinham seus próprios pináculos. Seus agentes lhe mostraram a cidade secreta; os restaurantes em porões que só os moradores locais conheciam. Após o consumo de algumas garrafas de vinho Tokaji, Praga ficava mais sinistra e mais bela, como um dos contatos jesuítas de Canaris recordou, “com suas sombras e espectros”, com “suas lembranças de algo submerso” e apenas com os contornos embaçados das torres reluzindo através da névoa enluarada. “Era uma visão mágica, pois não se viam as paredes que apoiavam as cúpulas douradas, que pareciam flutuar no ar, envolvidas em mistério sagrado”.
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Canaris convertera Praga numa ilha de seu arquipélago oculto. Ele passou quase dois anos construindo esse recife de resistência; a SS precisou de apenas um mês para destruí-lo. No entanto, no Protetorado tcheco, os inimigos secretos de Hitler encontrariam, quase antes de sua derrocada, um triunfo impressionante, em que Hitler afirmaria ver a mão secreta da Igreja católica. Como as cúpulas flutuantes de Praga, os acontecimentos pareceram mais fantásticos porque seu sistema de apoio permaneceu invisível, e os fatos pareceram pairar no ar, com as fundações ocultas num segredo santificado.
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Reinhard Heydrich, chefe dos espiões da SS, vivia em Praga. Do Castelo de Hradschin, ele comandava a campanha do partido contra a Igreja católica e o assassinato dos judeus europeus. Em 18 de maio, Canaris visitou Heydrich para discutir uma divisão do trabalho secreto entre os espiões militares e do partido, conhecido informalmente como os “dez mandamentos”.
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No encontro, Heydrich referiu-se ameaçadoramente a respeito dos “vazamentos através do Vaticano, em 1940”.
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Ele não encerrara seu dossiê a respeito da Rede Negra.
Cinco dias depois, os agentes da resistência tcheca tomaram conhecimento da agenda de deslocamentos de Heydrich.
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Decidiram matá-lo quando ele se dirigisse ao seu castelo, numa curva fechada onde seu motorista teria de frear e reduzir muito a velocidade.
Em 27 de maio, às nove e meia da manhã, dois guerrilheiros tchecos se posicionaram no caminho.
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Sob suas capas de chuva, Jan Kubiš e Jozef Gabčík ocultavam submetralhadoras e granadas. Um terceiro homem estava agachado atrás de uma cerca viva, para sinalizar com um espelho a aproximação do carro de Heydrich.
Às 10h31, o espelho reluziu. Quando o Mercedes verde-escuro de Heydrich ficou ao alcance da visão, Gabčík deu um passo à frente para atirar. No entanto, sua arma travou. Então, Kubiš jogou uma granada no carro. Heydrich, ferido, cambaleou para fora dos restos do carro, sacou sua pistola e, então, desfaleceu. Uma semana depois, morreu.
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Os agentes tchecos fugiram para a cripta da catedral de Praga. Dormiram nos nichos das paredes de pedra construídos para alojar os cadáveres dos monges. Os membros da resistência planejaram escapar para as montanhas da Morávia, de onde poderiam partir para a Inglaterra. Eles encenariam um serviço em memória dos mortos na catedral, homenageando as vítimas do expurgo da Gestapo que o assassinato de Heydrich provocou. Ninguém suspeitaria que os agentes seriam retirados da catedral dentro de caixões.
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No entanto, alguém os traiu. Como Heinz Pannwitz, investigador da SS, recordou, Atta Moravec, agente da rede de apoio aos assassinos, sucumbiu quando os interrogadores “mostraram a ele a cabeça de sua mãe flutuando num tanque de peixes”.
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Moravec confessou que lhe falaram para se esconder na catedral se ele alguma vez ficasse em apuros.
Pannwitz cercou a igreja com tropas da SS. Ele postou guardas em cada tampa de bueiro e telhado da região. Com a expectativa de descobrir o escopo total da conspiração, Pannwitz ordenou que os grupos de assalto capturassem os suspeitos vivos.
Às 4h15 da manhã, em 18 de junho, os alemães invadiram a catedral. “Reunimos os padres”,
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recordou Pannwitz, “mas eles negaram saber alguma coisa a respeito de agentes secretos.” Porém, o capelão Vladimír Petřek não conseguiu explicar por que estava faltando uma das barras de ferro de sua janela. Os invasores levaram Petřek enquanto investigavam a catedral pouco iluminada. Depois de atravessar a nave ficaram sob o fogo dos tchecos, que vinha da galeria do coro.
Os tiros atingiram um dos investigadores na mão. A infantaria da Waffen-SS respondeu com pistolas automáticas. Os tchecos se abaixaram e não foram atingidos por nenhum tiro. Então, eles lançaram uma granada, pondo fogo nas cortinas do santuário. Os alemães tentaram atacar a galeria do coro, mas só podiam alcançá-la por uma escada em caracol estreita, colocando-os sob a mira dos guerrilheiros tchecos situados acima. Assim, os alemães arremessaram granadas, como Pannwitz recordou, até que os defensores “lentamente silenciassem”.
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Um grupo da SS, com capacetes de aço, subiu a escada cautelosamente.
Na galeria, encontraram três homens. Dois estavam mortos e o terceiro agonizava. O agonizante era Kubiš, que tinha lançado a granada que matou Heydrich. As tentativas de mantê-lo vivo fracassaram após vinte minutos. “A principal testemunha estava morta”, afirmou Pannwitz, e ele considerou o fato “uma grande perda”.
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Gabčík, o atirador da margem da estrada, continuava à solta. Mas os alemães ainda não tinham revistado as catacumbas. O capelão Petřek, naquele momento, admitia que tinha abrigado sete homens na igreja. Quatro estavam na cripta. Ao remover alguns esqueletos, eles converteram os esquifes em compartimentos de dormir. Os outros três só subiram para a galeria porque sentiram claustrofobia nos nichos dos esquifes. Petřek desenhou a planta dos túmulos e revelou que só havia um caminho de entrada e saída. Ele ergueu uma laje e mostrou aos alemães um alçapão.
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Pannwitz esperava que Petřek conseguisse convencer os guerrilheiros a sair. Os tchecos disseram que jamais se renderiam. “Eles estavam muito bem armados”, recordou Pannwitz. “Quem quer que passasse uma única perna pelo alçapão seria imediatamente atingido por um tiro.”
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Pannwitz chamou a brigada de incêndio para inundar a cripta com água. Os tchecos direcionaram as mangueiras para o lado de fora e descarregaram suas pistolas ferozmente contra os SS. Gás lacrimogêneo se mostrou problemático porque vazava através das juntas do piso e alcançava os investigadores da Gestapo. Finalmente, uma unidade de assalto de três homens tentou descer na cripta. Os tchecos dispararam contra o grupo e uma força de apoio teve de resgatá-lo. Com água na altura dos joelhos, as tropas da SS atiravam nos nichos dos caixões. Gabčík e seus amigos atiravam de volta, até que ficaram quase sem munição. No momento em que sobraram apenas os últimos cartuchos, um atirou no outro, e, finalmente, o último homem se matou.
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O fato de o clero esconder os assassinos enfureceu Hitler. Que os padres em questão fossem da Igreja ortodoxa e não da Católica Apostólica Romana importava pouco para ele. A diferença de denominação parecia apenas um disfarce engenhoso do Vaticano. De fato, o papa tinha veiculado um
motu proprio
secreto, permitindo que os padres ortodoxos mantivessem suas conversões ao catolicismo em segredo.
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Hartl, o especialista em Vaticano da SS, revelou que o papa coordenava as operações com a Igreja ortodoxa tcheca por intermédio de um mosteiro situado na passagem de Dukla, na região leste da Eslováquia.
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De acordo com Hartl, desde os anos 1920, Pacelli tinha supervisionado um plano de infiltração na Europa Central e na parte europeia da União Soviética, usando jesuítas disfarçados de padres ortodoxos.
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Um desses padres, Hartl suspeitava, era Matěj Pavlík, que deixou o catolicismo em 1921 para fundar uma Igreja nacional tcheca.
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Pavlík manteve a amizade com Roma, e os fundamentos de sua separação da Igreja pareciam superficiais: ele queria ajudar legionários tchecos que voltavam da Primeira Guerra Mundial com mulheres russas.
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Ele se tornou bispo de Praga, e foi em sua catedral que os assassinos de Heydrich se esconderam.
Pavlík admitiu que ajudou os conspiradores. Mais tarde naquele ano ele foi executado, junto com Petřek, seu capelão. Robert Johannes Albrecht, tradutor militar alemão em Praga, que confessou ser secretamente um jesuíta, também foi executado por apoiar os assassinos.
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Embora uma sindicância da SS tenha fracassado em ligar os conspiradores a Pio, Hitler mencionou o episódio para explicar por que pretendia fazer um “acerto de contas” com o papa.
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– Só precisamos nos lembrar da estreita cooperação entre a Igreja e os assassinos de Heydrich – disse Hitler a Martin Bormann. – Os padres católicos não só permitiram que eles se escondessem, mas também que se entrincheirassem no santuário do altar.
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Assassinos ligados à Igreja ocupavam os devaneios paranoicos de Hitler. Em 16 de novembro, ele afirmou a três oficiais que “existiam planos contra sua vida; até agora, ele tinha conseguido tornar miserável a vida para aqueles que estavam no encalço dele”. Um dos oficiais se lembra de Hitler dizendo: “O particularmente triste a respeito de tudo aquilo era o fato de que eles não eram comunistas fanáticos, mas sim membros da
intelligentsia
, os supostos padres.”
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Em novembro de 1942, o doutor Manfred Roeder, promotor de justiça da Luftwaffe, começou a interrogar o agente do Abwehr Willy Schmidhuber. “Ele declarou que viajou para Roma sob ordens do escritório do serviço de inteligência militar de Munique, para estabelecer contatos com membros influentes do clero alemão no Vaticano”, testemunhou o oficial da SS Walter Huppenkothen depois da guerra.
A intenção não foi só a utilização desses relacionamentos para aquisição de informação de conteúdo militar e político, mas também para o estabelecimento de contato, por meio do Vaticano, com círculos de oposição para investigar as possibilidades de paz. Schmidhuber também revelou que o advogado de Munique e primeiro-tenente da reserva, o doutor Josef Müller, que tinha acesso muito bom ao Vaticano, realizava missões similares em Roma. Ele sabia que havia um “grupo de generais” por trás daquela atividade, mas não quem eram seus membros. O oficial responsável a respeito dessas questões era a autoridade judiciária do Reich Von Dohnanyi, do gabinete de Oster, que também tinha feito muitas viagens para Roma sozinho, onde Müller o colocava em contato com influentes personalidades do Vaticano. Schmidhuber forneceu todas essas informações por iniciativa própria, sem indução (...) Não obstante, a princípio, avaliamos essas informações de forma cautelosa. Pela personalidade insegura e fraca de Schmidhuber, tivemos de considerar que ele talvez estivesse nos manipulando para obter leniência no processo criminal, pondo pressão sobre personalidades em cargos superiores, incluindo Canaris, que também pode estar sujeito a investigação.
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Por causa da posição de Canaris, seus inimigos tinham de se mexer com cuidado.
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Himmler iria requerer ao general Wilhelm Keitel, do alto-comando, permissão para quebrar o sigilo dos escritórios do Abwehr, que Canaris tão ciosamente protegia. Uma mera irregularidade em troca de divisas não seria suficiente. Mas se o caso envolvesse mais do que isso, Roeder prometeu, ele o revelaria. Ele tinha reputação de ser sanguinário: sua recente acusação contra o Rote Kapelle, grupo de resistência comunista, tinha resultado em penas de morte para seus líderes.
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Em 27 de novembro, Dohnanyi voou para Roma.
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Ali, em suas contínuas conversas no Vaticano,
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havia esperado obter o apoio dos Aliados para um governo pós-Hitler.
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Especificamente, ele buscava aprovação para uma lista de
Landesverweser
, ou comissários regionais, que assumiriam responsabilidade interina após o afastamento de Hitler.
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No entanto, naquele momento, Dohnanyi teve de alertar os conselheiros do papa de que a prisão de Schmidhuber tinha colocado o grupo de Oster, e suas ligações com Pio, sob novo escrutínio. Novamente, o padre Leiber exigiu que os conspiradores militares queimassem todos os papéis que implicavam Pio, sobretudo o documento papal expondo as condições de paz dos britânicos. “Os documentos foram destruídos”, teria dito Dohnanyi.
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Uma mentira. Os militares tinham simplesmente escondido seus principais documentos num porão, no quartel-general do Exército em Zossen.
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Enquanto Dohnanyi estava em Roma, Müller tinha de responder a perguntas em Munique. Felizmente para ele, Karl Sauermann, promotor de justiça da Luftwaffe, pareceu cético a respeito do caso Schmidhuber.
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Emergiu que Müller tinha emprestado dinheiro para Schmidhuber para a compra de selos postais eslovacos, mas Müller conseguiu demonstrar que seu passatempo filatélico encobria reuniões com fontes do Abwehr.
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Quando Sauermann insinuou que alguns oficiais do círculo de Canaris podiam ser desleais, Müller fingiu indignação:
– O senhor acha que [o Führer] teria permitido que o almirante permanecesse em seu cargo se houvesse um grão de verdade nisso? O senhor acha que o Führer é ingênuo a esse ponto?
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Após o interrogatório, Canaris procurou Müller em Munique.
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No saguão do hotel Regina, ao pé da grande escadaria em curva, Müller atravessou uma arcada, alcançou o restaurante e viu uma mesa reservada para o almirante e seus acompanhantes. Três homens da SS estavam sentados a uma mesa adjacente, observando a porta. Müller identificou um deles como o sucessor de Heydrich: Ernst Kaltenbrunner, chefe dos espiões da SS, mais alto que os outros SS, com uma grande cicatriz no rosto.
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Müller subiu até o quarto de Canaris. O almirante não parecia ele mesmo, e o relato da presença de Kaltenbrunner pareceu perturbá-lo profundamente. Ele começou a socar as paredes, procurando microfones ocultos. Tirou os quadros das paredes e examinou as molduras. Em seguida, passou as mãos sob as beiradas das mesas e das cadeiras. Aparentemente satisfeito, Canaris cobriu o telefone com seu casaco e perguntou a respeito do interrogatório.
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Müller respondeu que quiseram saber a respeito de suas missões junto ao Vaticano, mas ele tinha se livrado de todas as suas pastas antes da chegada de Sauermann. Eles não encontraram nada. No entanto, Canaris estava preocupado com o dinheiro que Dohnanyi tinha dado a Schmidhuber para os U-7. Eles pareciam aprisionados na armadilha. O almirante afundou numa cadeira e murmurou, meio para si mesmo: “É uma tensão constante.” Os nervos dele pareciam em frangalhos.
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Müller só via uma saída. Canaris deveria reconsiderar a oferta de Keitel para deixar o serviço de inteligência militar criar uma unidade própria de controle interno, de modo que Canaris pudesse investigar os crimes dentro de seu próprio serviço. Na situação difícil de então, isso certamente os ajudaria a controlar a investigação.
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Canaris não levaria em consideração aquilo. O caso de Rosa Luxemburgo o assombrava. Em 1919, após o assassinato de Luxemburgo por
Freikorps
paramilitares, Canaris tinha atuado como oficial subalterno na corte marcial, a qual fez um julgamento estranhamente benevolente dos assassinos. Alguns suspeitaram da cumplicidade dele na morte de Luxemburgo. Ele não queria ter nada a ver com “caçadas humanas”, disse a Müller. Já tinha suficientes fardos emocionais referentes aos “velhos tempos”. Levantando-se abruptamente, sugeriu que eles descessem para comer.
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Müller sugeriu que eles comessem em outro lugar, em virtude da vigilância da SS. Canaris discordou. Eles sempre deviam fazer o inesperado. Quando um franco-atirador tinha alguém em sua mira, afirmou ele, o alvo devia sair do esconderijo para confundi-lo. Quando eles desceram as escadas, porém, Canaris agarrou Müller para se firmar. “Aquele criminoso ainda está sacrificando milhões de pessoas apenas para prolongar sua vida miserável”, disse ele, baixinho.
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Assustado, Müller levou-o de volta ao quarto para se recompor. Quando voltaram para o hall, Canaris passou um braço em torno dos ombros de Müller e disse: “Meus nervos, meus nervos! Não aguento mais.” Ninguém sabia o que o almirante tinha suportado desde 1933. Ele murmurou a respeito de um nó se apertando e, então, forçou-se a assumir uma expressão de normalidade. Juntos, eles se dirigiram ao restaurante para encontrar o inimigo num lauto banquete.
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Canaris sentou-se e fez um gesto de cabeça para Kaltenbrunner. Müller sentou-se ao lado de Canaris. Todos conversaram como velhos amigos. O jantar surreal deu a sensação de uma trégua entre gregos e troianos. Quando terminou, a guerra recomeçou. Nos meses seguintes, Müller voltou ao Vaticano, e o papa voltou a se tornar um conspirador ativo, pois os conspiradores aceleraram seus planos para eliminar Hitler antes que ele pudesse eliminá-los.
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