Nilson Araújo de Souza
O objetivo deste artigo é examinar a economia do período do regime ditatorial instaurado no Brasil em 1964 e da transição política que se inaugura a partir do fim desse regime em 1985. O trabalho desdobra-se em cinco partes. Analisa-se primeiro o padrão de reprodução do capital consolidado durante a ditadura de 1964. A segunda parte dedica-se ao estudo das contradições econômicas então desenvolvidas e da crise delas decorrentes. Na terceira, analisa-se a primeira resposta à crise por meio de um programa econômico baseado na substituição de importações no setor produtor de meios de produção. A quarta seção examina o momento em que, a partir do agravamento da crise mundial, muda-se a estratégia da política econômica interna e promove-se a adesão ao receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI). Por fim, estuda-se a tentativa de promover mudanças na economia por meio de um programa de combate à inflação que, simultaneamente, garantia o crescimento da economia e a melhoria na distribuição de renda.
O objetivo central das forças hegemônicas que patrocinaram o regime ditatorial instaurado em 1964 era deter o processo de mudança inaugurado em 1930, cujo momento culminante deu-se no governo João Goulart. E, como decorrência, criar as condições institucionais para o desenvolvimento de um “novo” padrão de reprodução do capital, que teria como características fundamentais o fortalecimento dos laços de dependência externa e a superexploração da força de trabalho[1].
Assim, o regime chefiado inicialmente pelo marechal Castelo Branco adotou um programa econômico que, sob o pretexto de combater a inflação, visava, de fato, criar as condições institucionais para a expansão do capital estrangeiro no país[2]. Estavam à frente da equipe econômica Roberto Campos, como ministro do Planejamento, e Octávio Gouveia de Bulhões, como ministro da Fazenda. Essa equipe coordenou a formulação de um plano de governo denominado Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg).
Na área de combate à inflação, destacam-se três tipos de medidas, todas destinadas a restringir a demanda, vista pela nova equipe econômica como responsável pela pressão dos preços. Na política fiscal, ao mesmo tempo que adotou medidas orientadas a elevar a receita pública, o governo atuou na contenção de seus gastos. Na política creditícia, o governo, além de limitar o crédito do Banco do Brasil, optou por um controle estrito da expansão primária de meios de pagamento[3].
Outra importante frente de “combate à inflação” consistiu na contenção salarial[4]. E foi assim que, entre as primeiras providências adotadas pelo novo governo, encontram-se aquelas relacionadas à repressão ao movimento operário, destacando-se a prisão de importantes líderes sindicais, a intervenção nos principais sindicatos[5] e a desarticulação do Comando Geral dos Trabalhadores, entre outras. A isso se somaram um endurecimento da legislação trabalhista – especialmente através da virtual proibição do direito de greve em 1964[6] –, a política de contenção salarial decretada em 1965[7] e as medidas adotadas em 1966 que eliminavam a estabilidade no emprego[8].
Ainda que aparecesse como medida de combate à inflação, a nova política trabalhista, na realidade, respondia a necessidades de mais longo prazo do novo padrão econômico. A contenção salarial levaria ao aumento da taxa de lucro exigida para a retomada dos investimentos internos e o retorno à esfera internacional de parte do lucro aqui extraído. Tentava, ademais, criar as condições institucionais e políticas para garantir a continuidade da acumulação do capital nos moldes de um padrão de reprodução com maior abertura ao capital estrangeiro. Isto porque criaria um “ambiente de confiabilidade” para os investimentos estrangeiros, que havia desaparecido com o aguçamento das lutas que vinham ocorrendo desde antes do golpe. Além disso, com a diminuição do salário real, aumentavam-se as possibilidades de repatriamento do capital estrangeiro, gerando-se a concentração de renda exigida para a ampliação da demanda interna para seus produtos suntuários. Para completar, o governo eliminou os obstáculos à penetração do capital estrangeiro através da derrogação da lei de remessa de lucros[9].
As medidas de corte aprofundaram as tendências recessivas que vinham já desde antes e, com altos e baixos, persistiriam até 1967. Em 1965, chegou a haver uma recessão industrial, com a produção caindo 4,7%; em 1967, depois de relativa melhora em 1966, o ritmo de crescimento industrial foi extremamente baixo: 2,2%. Mas as novas medidas lograram uma vitória rápida no terreno da inflação[10. Até 1967 a taxa de lucro continuou baixando. Por conseguinte, além de seguir reduzindo-se a taxa de investimento[11], ampliava-se a capacidade ociosa do aparato produtivo[12].
Apesar das vantagens concedidas ao capital estrangeiro, seu ingresso, ainda que haja incrementado um pouco em relação a 1962-1963, não atingiu o nível esperado, nem sequer conseguindo alcançar as cifras registradas em 1956-1961[13]. Em lugar de investir-se no país, o capital estrangeiro evadia-se. E, ao mesmo tempo que o investimento direto estrangeiro não subia, aumentavam significativamente as remessas de lucros para o exterior[14].
As grandes corporações transnacionais e as agências internacionais de crédito estavam esperando pelo fim da crise econômica e pela estabilização do novo regime para poderem aumentar sua participação na economia brasileira. Mas a persistência da crise, agravada pela política de aumento de impostos e das tarifas públicas, pelo corte do crédito, do gasto público e do salário, bem como a imposição das leis de exceção, ensejaram a mobilização de distintos setores da sociedade, desde pequenos e médios empresários até assalariados das camadas médias e de base e estudantes.
Foi nesse contexto que, nas eleições de 1965 para governadores de estado, o novo regime sofreu sua primeira derrota importante, quando candidatos da oposição ganharam as eleições no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. O governo reagiu extinguindo os partidos políticos existentes e permitindo a criação de apenas duas agremiações partidárias: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), apoiadora do regime, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), para abrigar os políticos contrários ao governo.
Em 1967, houve uma mudança no governo: saiu Castelo Branco e entrou seu ministro do Exército, Arthur da Costa e Silva[15]. Simultaneamente, Roberto Campos, então chefe da política econômica, foi substituído por Delfim Netto. O ano de 1967 foi ao mesmo tempo um ano de flexibilização da política econômica[16] e de criação de novos instrumentos políticos coercitivos[17].
Mesmo assim, ocorreram em 1968 três fatos importantes na luta democrática: o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves[18] e a decisão do Congresso de evitar sua cassação; a Passeata dos Cem Mil, como ficou conhecida a marcha dos estudantes em junho daquele ano, no Rio de Janeiro; as greves de Contagem (MG), em abril, e de Osasco (SP) em julho[19]. O governo aproveitou o episódio Márcio Moreira Alves para fechar o Congresso, cassar mandatos dos parlamentares mais ativos contra o regime e consolidar novos instrumentos repressivos, como o Ato Institucional n. 5, que concedia poderes ditatoriais ao presidente da República.
Para completar o endurecimento do regime, seu núcleo hegemônico, que naquele momento era maioria no alto-comando das Forças Armadas, aproveitou-se da doença do marechal Costa e Silva para decretar seu impedimento e impedir também que seu vice, Pedro Aleixo, assumisse a presidência, constituindo em seu lugar uma Junta Militar. Iniciou-se então o processo de consolidação da ditadura, fechando assim o espaço para a luta política legal, tanto no terreno parlamentar quanto no da mobilização de massa.
O que estava subjacente a esse processo era a vitória, dentro do regime ditatorial, dos setores mais comprometidos com o padrão de reprodução dependente. E só aí foi que esse padrão econômico, que vinha penetrando na realidade nacional desde a segunda metade dos anos de 1950, encontrou as condições para sua consolidação.
Após o afastamento de Costa e Silva, a maioria do alto-comando, dominada pelo núcleo favorável ao capital estrangeiro e ao alinhamento automático com os Estados Unidos, escolheu o chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI), general Emílio Garrastazu Médici, para chefiar o regime.
No período que se abre em 1968 e se estende até 1973, houve uma expansão acelerada da economia nacional[20, que a equipe econômica da época batizou de “Milagre Brasileiro”. A rigor, como veremos, as causas principais do crescimento acelerado do período podem ser encontradas no processo anterior de desenvolvimento – portanto, no período em que a característica independente predominou na economia nacional. A predominância da dependência externa na economia brasileira a partir de então não significou a destruição dos elementos nacionais desenvolvidos anteriormente, mas sua incorporação, ainda que subordinada, ao novo padrão de desenvolvimento.
Entre essas características nacionais, podemos destacar o investimento público, as empresas estatais, as medidas protecionistas, o processo de substituição de importações, os mecanismos oficiais de financiamento de empresas nacionais, a legislação de proteção ao trabalho e o desenvolvimento do mercado interno, entre outras. Uma demonstração cabal do significado do processo anterior no período do “Milagre” é o fato de que a etapa da reanimação, que vai de 1968 a 1970, deveu-se basicamente à utilização de capacidade ociosa – portanto, à utilização de capacidade produtiva gerada anteriormente.
Outro fato que demonstra o papel dos elementos nacionais desenvolvidos anteriormente ao crescimento acelerado do pós-1968 refere-se ao papel do investimento público no período, particularmente das empresas estatais. O crescimento anual médio da formação bruta de capital fixo do setor público foi de 17,3% no período 1970-1974, e foram as estatais que alavancaram o investimento público[21].
Ao processo desencadeado pela utilização dos fatores nacionais agregaram-se novos, desenvolvidos como exigência do padrão de reprodução dependente e que, ao elevarem a taxa geral de lucro da economia, favoreceram a arrancada para o crescimento, possibilitando manter e mesmo acelerar a expansão. Para a arrancada da economia, a nova equipe contou com a significativa queda do salário real e o consequente aumento da rentabilidade das empresas, resultante da política econômica implementada de 1964 a 1967[22].
Contribuiu também para a expansão econômica do período a forte ampliação do crédito. Depois do período inicial de restrição do crédito, o novo regime lançou um arsenal de medidas para ampliá-lo: nos últimos anos da década de 1960, o crédito ao setor privado aumentou, em termos reais, a uma taxa média anual de 21,4%, e o crédito das financeiras cresceu a uma taxa de 45,6% ao ano no período 1964-1970[23]. Outro fator que operou no sentido de expandir a atividade econômica no período foi a melhoria das exportações: enquanto de 1963 a 1967 cresceram a uma taxa média anual ao redor de 7%, saltaram para 18% ao ano no período 1968-1970[24]. Cresceram ainda mais rapidamente as exportações industriais, determinando uma brusca elevação de sua participação na pauta de exportação: elevou-se de 14,7% em 1968 para 19,4% em 1970, segundo critério de classificação adotado por Suzigan[25].
A expansão intensa de uma economia baseada no aperto salarial haveria de requerer o transbordamento do mercado interno como condição para a manutenção do crescimento acelerado. Mas esse transbordamento, além de “necessário” para garantir a expansão do setor produtor de bens de consumo popular – cujo mercado interno era estrangulado pela redução do poder de compra do salário –, só se viabilizou graças à política agressiva de exportações adotada pelo governo brasileiro à época. Nesse período, o essencial da política governamental de exportações consistiu em formular e implementar todo um arsenal de incentivos especiais, principalmente fiscais e creditícios, à exportação de determinados produtos[26].
Todos esses fatores, ao permitirem uma redução dos custos e uma maior rotação do capital, haveriam de ensejar a elevação da taxa geral de lucro, ou pelo menos deter sua tendência ao descenso, que ocorria desde o início da crise dos anos de 1960. Esse fato ensejou a intensificação do investimento na produção: a parte do produto nacional líquido destinada ao investimento em capital fixo aumentou de quase 12% em 1967 para, aproximadamente, 15% em 1968-1969 e para pouco mais de 20% em 1970[27].
Consolidado o regime ditatorial a partir de 1968 – ou seja, debelada a ação das forças sociais e políticas que se opunham ao capital estrangeiro, elevada a taxa de lucro e iniciada a reanimação da economia –, os capitais estrangeiros, impulsionados pela formação de capitais excedentes no centro, principalmente sob a forma de eurodólares, voltaram a adentrar agressivamente na economia brasileira sob suas várias formas: a) sob a forma de investimento direto, elevaram-se de uma média anual de US$ 54,2 milhões em 1962-1966 para uma de US$ 106 milhões em 1967-1970[28]; b) sob a forma de empréstimos e financiamentos, cresceram de uma média anual de US$ 318,8 milhões no primeiro período para uma de US$ 714 milhões no segundo[29].
A reanimação econômica iniciada em 1968 pôde converter-se em expansão acelerada a partir de 1971 por duas razões básicas: de um lado, porque, como vimos anteriormente, houve uma aceleração do investimento público, que desde 1968 crescia na frente do investimento privado e avançou ainda mais no começo da década seguinte (o investimento do conjunto do setor público cresceu a 17,3% ao ano no período 1970-1974 e o das estatais, a 21,8%), e, de outro, porque também houve uma aceleração do investimento privado, que já vinha crescendo desde 1968, mas experimentou novo impulso no começo dos anos de 1970 (cresceu a 15,8% ao ano de 1970 a 1974)[30. Como consequência, a taxa da FBCF seguiu aumentando: pulou de 22,3% em 1970 para 24,2% em 1974[31].
A desaceleração da economia brasileira iniciada no segundo semestre de 1974, acompanhando o movimento da economia mundial, não representou apenas a reversão de um ciclo econômico de curto prazo. Representou, na verdade, a emergência de uma crise estrutural, que refletiu o esgotamento do padrão de reprodução dependente que se consolidara no Brasil a partir do fim dos anos de 1960. Como bem definiram Francisco de Oliveira e Frederico Mazuchelli[32], o modelo entrou em agonia. No entanto, a primeira explicação oficial limitou-se a atribuir a crise ao aumento do preço do petróleo. Numa análise mais abrangente, veremos que, sob o impacto da crise mundial que se alastrou a partir de 1974[33], eclodiu no Brasil o conjunto das contradições que caracterizavam o padrão dependente vigente.
Uma primeira contradição diz respeito ao significado do capital estrangeiro no país: ao mesmo tempo que ingressava no território nacional com o objetivo de produzir para o mercado interno – portanto, impossibilitado de gerar divisas estrangeiras –, necessitava dessas divisas para remeter lucros e juros para sua origem, engendrando a vulnerabilidade externa da economia[34].
O capital estrangeiro, pressionado pela queda da taxa de lucro nos países centrais e pelo excesso de dólares no mercado financeiro internacional[35], intensificou fortemente essa entrada, sob suas várias formas, no período de expansão acelerada da economia (1971-1973)[36]. O capital estrangeiro sob forma de investimento aportou no Brasil com essa compulsão, sobretudo porque a economia brasileira, graças à forte queda do salário real, podia proporcionar-lhe uma taxa de lucro superior à que obteria em outros países[37]. Além de aumentar fortemente seu peso na economia brasileira, o capital estrangeiro comandava o setor mais dinâmico da economia: o de bens duráveis. Desenvolvia-se também o controle financeiro “desde fora”, através dos empréstimos e financiamentos, e que se expressava na rápida elevação da dívida externa[38]. Essa era a situação do Brasil no momento em que eclodiu a crise mundial, de 1973 para 1974.
A partir de 1973, começaram a escassear os eurodólares, como consequência do auge econômico mundial, e em todos os centros financeiros internacionais se elevaram significativamente as taxas de juros[39]. Quem deflagrou esse processo foi o governo estadunidense, que necessitava de dólares para fechar seus enormes déficits na balança comercial. A elevação dos custos financeiros, além de provocar o estrangulamento externo da economia, exercia um efeito depressivo sobre a taxa “líquida” de lucro, na medida em que implicava transferência para o exterior de uma parte maior da renda produzida internamente[40.
Assim, o esgotamento do padrão econômico se manifestou, inicialmente, no âmbito das contas externas: diante da crise mundial, o país passou a ter dificuldades crescentes de fazer face aos encargos externos gerados por um passivo externo crescente. Mas, ao remeter para o exterior uma parcela crescente da renda gerada internamente, esse padrão provocou, no âmbito interno, a queda sustentada da taxa geral de lucro[41].
Uma segunda contradição está relacionada às consequências da superexploração da força de trabalho. Ao mesmo tempo que, para atrair o capital estrangeiro e gerar mercado para o setor produtor de bens de consumo suntuário (IIb), o padrão dependente pagava salários abaixo dos níveis de subsistência, estreitava o mercado interno para o setor produtor de consumo popular (IIa), forçando-o a depender cada vez mais do mercado externo. O padrão dependente de reprodução do capital não apenas forçou a queda do salário real[42]. Os trabalhadores de base, além disso, ganhavam abaixo do nível de subsistência, caracterizando o que Marini designou de superexploração do trabalho[43].
A redução do salário real, ao mesmo tempo que incrementava o lucro empresarial, restringia o mercado interno para o setor da indústria que produz bens consumidos pelos trabalhadores (setor IIa). As restrições à expansão desse setor só não o levaram a um estancamento graças ao desafogo possibilitado pelo mercado externo. As exportações de alimentos e bebidas quase triplicaram entre 1970 e 1973, ao passo que as exportações de têxteis e vestuários multiplicaram-se por mais de dez[44]. Vimos anteriormente que foi criado um arsenal de incentivos fiscais e creditícios para estimular as exportações desses setores.
Porém, a irrupção da crise internacional na virada de 1973 para 1974 mudou essa situação. Uma das principais consequências da crise mundial foi a restrição do comércio internacional. Já em 1974 se reduzia o volume das exportações brasileiras[45]. As exportações industriais seguiram crescendo, mas as de bens não duráveis tiveram seu montante reduzido, isto é, justamente o setor produtivo que, como se examinou antes, mais dependia de mercado externo foi o que teve suas possibilidades de exportação reduzidas pela crise mundial[46]. A sobreprodução do setor provocou a posterior queda de seu ritmo de expansão econômica e inclusive seu estancamento[47].
A terceira contradição diz respeito ao crescimento desproporcionado do setor produtor de bens de consumo duráveis (IIb), alavancado pelo ingresso do capital estrangeiro e beneficiado pelo processo de concentração de renda. O pagamento de um salário abaixo das necessidades de sobrevivência da família trabalhadora era um requisito fundamental da expansão acelerada desse setor. E se durante todo o período do “Milagre” crescera a uma taxa média anual de 23,8%[48], o setor requeria a superexploração por duas razões básicas, que devemos relembrar neste ponto: a) porque, sendo um setor sob o controle estrangeiro, demandava uma taxa de lucro mais elevada do que a média, a fim de garantir simultaneamente a remessa de lucro para sua matriz no exterior e o reinvestimento interno; b) porque a superexploração servia de base para a concentração de renda, necessária à elevação do padrão de consumo das camadas dos níveis mais altos de renda[49], que garantia a expansão dos mercados desse setor; com isso, suas empresas podiam vender seus produtos a preços elevados, favorecendo, por essa via, a elevação de sua taxa de lucro.
Tal mercado se expandiu ainda mais com a política de financiamento ao consumo adotada pelo governo na época, através da implementação das financeiras[50. Foi essa expansão acelerada do setor IIb que garantiu, em grande parte, a continuidade da expansão econômica entre 1971 e 1973. Mas esse período de bonança se esgotou a partir de 1974. Além do efeito depressivo que a queda da taxa geral de lucro provocou sobre os investimentos no setor, desencadearam-se no período vários mecanismos que afetaram negativamente suas condições de demanda.
Em primeiro lugar, com a ligeira melhora, em 1974 e 1975, do salário real do pessoal ligado à produção, foi desativado parte do mecanismo de transferência aos assalariados médios, e assim foi que, já a partir de 1973, os salários reais desses setores começaram a crescer menos do que antes, principalmente no caso dos assalariados médios[51]. Tal situação se agravou ainda mais em face da política de restrição ao crédito ao consumidor adotada pelo governo[52]. Além disso, as camadas médias da população encontravam-se então com uma parte significativa de seus salários, agora estancados, comprometida com o pagamento de dívidas contraídas no período anterior[53], o que diminuía a parcela do dinheiro que podiam destinar ao consumo. Pode-se, pois, conjeturar que a expansão do consumo para o setor IIb perdeu o dinamismo anterior.
Como consequência, a taxa de lucro do setor declinou. Ainda se considerarmos as maiores empresas, que normalmente têm melhores condições de enfrentar uma queda da taxa geral de lucro, dado seu poder de monopólio, observa-se que a taxa de lucro para os diversos ramos do setor IIb começou a ser reduzida desde 1974[54]. Caíram ou desaceleram, como consequência, os investimentos[55] e a produção do setor[56].
Uma quarta contradição se relaciona ao insuficiente peso econômico do setor I da economia, que produz bens de capital (máquinas e equipamentos) e bens intermediários (insumos básicos e matérias-primas). O padrão dependente, ao limitar as possibilidades de crescimento do setor I, provocava o aumento das importações desses produtos. E apesar de sua forte expansão no período de expansão acelerada da economia[57], a baixa dimensão inicial de que partiu[58] limitava sua capacidade de atender à demanda de meios de produção correspondente ao intenso ritmo de investimento que o país viveu entre 1971 e 1973. Explica-se, pois, por que persistiu a alta de seus preços durante todo o auge econômico e também por que continuaram elevando-se, a preços crescentes, as importações desses bens. Ao provocar a elevação dos custos industriais, tal fato contribuiu para a diminuição da taxa geral de lucro da economia.
Vários fatores ensejaram a elevação desses custos. Em primeiro lugar, a elevada taxa de crescimento no auge da economia determinou que as compras de matérias-primas, bens intermediários e bens de capital, tanto importados quanto de produção doméstica, continuassem crescendo[59]. E, pior ainda, os preços desses bens importados, que já vinham se elevando antes e haviam crescido mais ainda em 1973, experimentaram forte aceleração em 1974[60. Manifestava-se aí parte da vulnerabilidade externa engendrada pela economia dependente.
A intensa demanda de matérias-primas no período também promoveu a elevação de seus preços internamente[61], dado que sua produção interna não conseguia acompanhar o ritmo da demanda no momento de auge. Os dados indicam, portanto, que, pressionados por todos esses fatores, os gastos de capital com meios de produção sofreram um incremento de 1973 a 1974 em um índice equivalente ao dos três anos anteriores, de 1970 até 1973[62]. A queda da taxa de lucro provocou a diminuição do ritmo de investimento desde 1974, aprofundando em 1975. Esta, por sua vez, haveria de expressar-se na redução do ritmo de crescimento das compras de bens de capital e matérias-primas, produzidos pelo setor I. Portanto, a tendência seria cair o ritmo de crescimento da produção desse setor, ou até mesmo a queda da produção em si[63].
Em resumo, na conjuntura de 1974-1975 esgotou-se o padrão de reprodução do capital que vinha se desenvolvendo no Brasil. A combinação dos efeitos internos da crise mundial com a irrupção das contradições internas geradas pela inserção subordinada da economia repercutiu no estrangulamento das contas externas e na queda da taxa de lucro, provocando a queda do investimento[64] e do ritmo de crescimento da produção[65].
O fim do “Milagre”, isto é, o esgotamento da economia dependente, provocou igualmente o esgotamento do regime político construído para viabilizar sua expansão no Brasil. As contradições sociais e políticas, nascidas no bojo da crise econômica, repercutiram no interior do regime, levando ao seu esgotamento. Abriu-se então um longo período (1974-1984) em que o regime ditatorial foi perdendo força – e até mesmo se modificando – e foram se fortalecendo as forças da democracia.
Esse processo foi deflagrado por dois fatos importantes. A escolha do presidente que iria governar a partir de 1974 e as eleições legislativas daquele ano condensaram simultaneamente o início das divisões no interior do regime e a intensificação das lutas democráticas. Esse processo ajudou a fortalecer, dentro das Forças Armadas, as correntes mais identificadas com uma postura autônoma, na época lideradas, em grande medida, pelos irmãos generais Orlando e Ernesto Geisel e que, durante um bom período, haviam participado de forma secundária do regime. Aproveitando-se dessas divisões, os liberais do MDB radicalizaram sua oposição ao regime. Formou-se, então, entre os liberais mais ativos e certos setores da esquerda o “bloco dos autênticos”.
Esse partido fez em 1974 uma campanha mais dura contra o governo. Para condensar essa nova postura, lançou a candidatura de seu presidente, Ulysses Guimarães, para disputar no “colégio eleitoral” a indicação presidencial com o candidato oficial do regime, general Ernesto Geisel, recaindo a escolha sobre este último.
A anticandidatura de Ulysses, que, além de pregar o retorno das liberdades democráticas, denunciava o forte processo de concentração de renda que então se verificava, contribuiu decisivamente para a conquista do apoio popular. E assim ocorreu a primeira grande derrota eleitoral da ditadura: nas eleições para senador, o MDB conquistou 16 das 22 vagas disputadas nacionalmente, o que correspondia a 13 milhões de votos contra 7,5 milhões para o partido que sustentava a ditadura, a Aliança Renovadora Nacional (Arena).
A crise econômica, o início de divisão no interior do regime, sua crescente perda de apoio social e o avanço das lutas democráticas ensejaram o deslocamento de forças dentro do bloco dominante, isolando o núcleo que defendia maior abertura ao capital estrangeiro e fortalecendo as correntes nacionalistas dentro do regime, que conseguiram conquistar uma correlação de forças favorável à escolha do general Geisel para suceder o general Médici na presidência.
Formularam um projeto que tinha dois componentes básicos: no âmbito político, pregavam a “distensão lenta, gradual e segura”, que procuraria manter um regime autoritário, mas abrindo maiores canais de participação para o empresariado nacional; no âmbito econômico, elaboraram o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que visava enfrentar a crise da dependência a partir do fortalecimento da economia nacional, tendo como eixo a substituição de importações em setores básicos da economia, alavancada pelo Estado.
Como a crise se manifestara inicialmente – como sempre ocorre numa economia dependente – através do estrangulamento do balanço de pagamentos, os autores do II PND perceberam que o ataque deveria começar pelo front externo. Por isso, o objetivo central dos investimentos programados pelo II PND, como estabeleceu o ministro do Planejamento e principal responsável pelo plano, João Paulo dos Reis Velloso, era garantir a “substituição de importações e, se possível, abrir novas frentes de exportação”[66].
Os setores que o II PND estabelecia como prioritários para realizar a substituição de importações eram precisamente aqueles cujas compras externas estavam pressionando a pauta de importações: bens de capital (incluindo navios), insumos básicos e combustíveis. Ao mesmo tempo, buscava-se a “consolidação de uma economia moderna, mediante a implantação de novos setores, a criação e adaptação de tecnologias”[67]. Entre essas novas tecnologias, destacavam-se a de informática (fortalecida pela reserva de mercado e a criação da estatal Cobra) e a de aeronáutica (Embraer).
Esse processo implicava alterar a estrutura produtiva brasileira, que vinha privilegiando a produção de bens de consumo duráveis. Em entrevista à revista Exame, o então ministro da Indústria e do Comércio, Severo Gomes, declarou: “Algumas atividades industriais, como a indústria automobilística, por exemplo, deixarão de merecer atenção prioritária [...]. Não é hora de estimular o crescimento de uma grande faixa de indústrias produtoras de bens de consumo duráveis”[68].
Por isso, conforme apontou Antônio Barros de Castro, a nova política escolhia superar a atrofia dos setores produtores de insumos básicos e de bens de capital. Ocorre, porém, que o atraso relativo desses setores constitui o próprio estigma, no plano industrial, do subdesenvolvimento. Nesse sentido, reiteramos, o II PND se propunha a superar, conjuntamente, a crise e o subdesenvolvimento[69].
Tratava-se, pois, de um programa cuja implementação haveria de se chocar com o caráter subordinado da economia nacional. Devia-se, na sua visão, combinar a ação das empresas estatais com incentivos fiscais e financeiros a empresas privadas nacionais[70. Mas o centro estava nas estatais, conforme constatou o professor Carlos Lessa: “Ainda que o II PND não o diga, [a nova política] colocava no centro do palco da industrialização brasileira a grande empresa estatal”[71].
Apesar da crise mundial e das pressões externas, a implementação do II PND produziu resultados muito favoráveis na economia brasileira. A formação bruta de capital fixo (FBCF), mesmo em meio à crise mundial, seguiu crescendo a uma taxa elevada[72], assim como os investimentos totais, devido, sobretudo, à preservação de um elevado ritmo de expansão dos investimentos estatais, particularmente do setor produtivo estatal (SPE)[73]. Esse processo levou a um aumento da participação do SPE no conjunto da FBCF de 15,1% em 1974 para 20,8% em 1979[74]. O investimento privado, no entanto, experimentou forte desaceleração no período[75]. Sua performance só não foi pior porque o financiamento público e os incentivos fiscais programados pelo II PND viabilizaram importantes investimentos nas áreas da indústria de base. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) foram os instrumentos fundamentais dessa política.
O centro da ação do governo Geisel, dentro dessa estratégia de substituição de importações no setor I, foi o fortalecimento das empresas estatais e o financiamento público de empresas nacionais. Portanto, foi o apoio estatal, sobretudo, que promoveu o desenvolvimento do setor I naquele período, mesmo numa situação em que o restante da economia era pressionado para baixo. Busatto proporciona uma série de dados que revelam um crescente processo de substituição de importações tanto nos ramos de insumos básicos (siderurgia, fertilizantes, metais não ferrosos, petroquímicas) como nos de bens de capital[76]. Expressão disso foi o fato de que, apesar de a economia seguir crescendo, diminuíram as importações de bens de capital e de matérias-primas e insumos básicos (exceto petróleo)[77].
O resultado foi que, apesar da crise mundial, o PIB brasileiro experimentou um ritmo de crescimento anual de 6,8% de 1974 a 1980, abaixo do período do “Milagre”, mas dentro da trajetória histórica que vinha desde 1930 com a consolidação do processo de industrialização no país. Ao mesmo tempo, revelando o importante processo de substituição de importações, o coeficiente de importações de manufaturados diminuiu violentamente na oferta total de manufaturados, baixando de 11,9% em 1974 para 6,8% em 1979.
Em resumo, o que impediu que o fim do “Milagre” despencasse de imediato numa profunda crise, como ocorreu em outros países da região, foi o processo de substituição de importações na área de bens de produção, viabilizado pelos investimentos e financiamentos públicos realizados no contexto do II PND.
Deflagrada formalmente por Eugênio Gudin, que escrevera na época o artigo “O gigantismo das empresas estatais”, e levada adiante pelos órgãos da grande imprensa, em particular o jornal O Estado de S. Paulo[78], desenvolveu-se uma forte campanha contra a presença do Estado na economia. Segundo o jornal, tratava-se de um “processo sutil que um dia poderá obrigar-nos a reconhecer que a economia brasileira é uma economia socialista”[79]. Não houve desestatização na época, o que revelou a força social e política do projeto nacional em andamento (II PND), mas a campanha não foi inócua. Ela teve um duplo efeito: desacelerar o ritmo de implementação do II PND e forçar a concessão de determinadas vantagens para o capital estrangeiro e as empresas do setor IIb[80.
Enquanto isso, o processo de “abertura política” enfrentava várias crises: o assassinato, pelos órgãos de segurança do Exército em São Paulo, do jornalista Vladimir Herzog (1975); o lançamento precoce da candidatura presidencial de “linha dura” do general Sílvio Frota (1977); a rejeição, por parte do Congresso Nacional, de uma emenda constitucional que devolvia algumas prerrogativas ao Poder Judiciário (1977); a saída do governo do principal representante do empresariado nacional, o ministro da Indústria e Comércio Severo Gomes, e a assinatura de um manifesto por parte de alguns dos seus representantes mais reconhecidos (1978); e as jornadas grevistas vanguardeadas pelos metalúrgicos do ABC paulista (1978-1979).
O exame dessas várias crises pode levar à conclusão de que se o governo havia conseguido controlar seus “radicais”, como costumava dizer Geisel, não alcançara o mesmo resultado com o crescente sentimento de oposição que tomava conta do país. O processo sucessório ocorreu em meio a essas várias crises da abertura política. Enquanto se aprofundavam esses conflitos, chegava a época da escolha do novo presidente.
O general Geisel apresentou o nome do general João Baptista Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações e supostamente comprometido com seu projeto de institucionalização. A oposição, personificada no MDB[81] e apoiada por setores empresariais descontentes, propôs uma candidatura alternativa, com o compromisso de avançar mais rapidamente no projeto de “abertura” e no programa econômico condensado no II PND: a do general nacionalista Euler Bentes. Na disputa no “colégio eleitoral”, o regime ainda teve forças para impor seu candidato, apesar de sua crescente debilidade.
Mesmo sem vencer no “colégio eleitoral”, o avanço da oposição conseguiu arrancar importantes conquistas do regime: além da derrota da “linha dura”, criou condições para que os “institucionalistas”, mesmo antes da posse do novo general-presidente, avançassem rapidamente no projeto de “abertura”, abrandando a Lei de Segurança Nacional e extinguindo o Ato Institucional n. 5, que eram seus principais instrumentos de coerção.
Para reunir o apoio necessário à escolha do novo presidente, Geisel teve de fazer tantas concessões que terminou por optar pelo general João Baptista Figueiredo, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), um nome que não estava inteiramente comprometido com seu projeto, sobretudo o econômico, condensado no II PND.
Foi assim que, diante das primeiras dificuldades, seu governo acabou escolhendo um caminho oposto ao trilhado pelo II PND e adotou o “ajuste estrutural”, isto é, o aumento da subordinação externa da economia, o que levou a uma violenta recessão desde fins de 1980 até o começo de 1984 e inaugurou um longo período de estagnação da economia nacional, hoje conhecido como o período das “décadas perdidas”.
O general Figueiredo assumiu o poder num momento em que a economia brasileira estava em franco processo de aceleração. Mas, ao mesmo tempo, o cenário internacional tornava-se mais adverso. Em fins de 1979, apareciam os primeiros sinais de uma nova recessão mundial, que duraria até 1982. E, como sempre, os governos e as corporações dos países centrais tentaram mais uma vez descarregar o peso de sua crise sobre os países mais débeis. E usaram, para tanto, os mecanismos costumeiros.
De 1978 em diante, a taxa de juros internacional não parou de crescer[82]. Como consequência, o pagamento de juros pelo Brasil aumentou de US$ 2,7 bilhões no primeiro ano para US$ 10,5 bilhões no último[83]. Por sua vez, as relações de troca do Brasil com o resto do mundo, que haviam atingido seu ponto máximo em 1977 – índice 100 –, daí em diante só despencaram, atingindo um índice de 54 em 1982, o que indica uma queda de 46% no período[84]. Isso ocorreu não apenas em função da elevação do preço do petróleo, como se costuma noticiar, mas também porque os países centrais conseguiram impor o aumento dos preços de seus produtos numa proporção muito superior ao dos exportados pela periferia. Além disso, a partir de 1980 forçaram para baixo os preços das commodities brasileiras exportadas, que caíram 26% de 1980 para 1982[85].
Uma primeira consequência desse duplo choque de juros e de relações de troca foi o violento aumento do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que pulou de US$ 6,9 bilhões em 1978 para US$ 16,3 bilhões em 1982[86]. Isso sem contar a amortização de dívida, que subiu de US$ 5,4 bilhões para US$ 8,2 bilhões no mesmo período[87]. Os encargos da dívida, que representavam 64% das exportações no primeiro ano, subiram para 97% no último[88].
O violento crescimento que a dívida externa experimentou no período[89] não se deveu, portanto, à necessidade de financiamento interno, mas à exigência de cobertura desse crescente déficit nas contas externas provocado pela política dos países centrais. Além disso, em função da transferência de recursos para o exterior, da queda da taxa de lucro interna e da desaceleração dos investimentos privados, a inflação começou a se acelerar. Com o aumento da vulnerabilidade[90 e da sangria externas, a pressão pela subida dos preços internos aumentou mais ainda[91].
Após um conflito entre o ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, e o da Agricultura, Antônio Delfim Netto, sobre como enfrentar essa situação, terminou triunfando a posição deste último, que assumiu o comando da economia, à frente do Ministério do Planejamento. Depois de uma fase inicial em que, ao menos no plano das intenções anunciadas, a equipe de Delfim procurava conciliar o combate à inflação com a manutenção do crescimento da economia[92], passaram a prevalecer as políticas de corte recessivo. Mas, já nessa etapa, o centro das medidas anti-inflacionárias foi o corte no investimento das estatais. Segundo Coutinho e Reichstul, entre outubro de 1979 e maio de 1980,
Finalmente, em junho de 1980, foram implantados cortes efetivos (15% de redução sobre os volumes orçados em fevereiro, que já haviam sido corroídos pela aceleração da inflação). Esses cortes redundaram numa queda geral dos investimentos das empresas públicas (– 19% em 1980) e, pela primeira vez, os investimentos do Setor Produtivo Estatal (SPE) foram significativamente reduzidos em termos reais (– 11%)[93].
Os cortes dos gastos públicos, do crédito, dos meios de pagamento e do salário real não conseguiram debelar o processo inflacionário[94], mas, com os cortes no investimento e no consumo final, deflagrou-se a mais profunda e longa recessão da história recente do Brasil, ao mesmo tempo que inaugurava-se as duas “décadas perdidas”. Em 1981, estimativas dão conta de que a formação bruta de capital fixo caiu 10%[95] e o PIB, 4,25%. A produção industrial caiu cerca de 9%. Apesar das medidas anti-recessivas adotadas ao final de 1981[96], a formação bruta do capital fixo caiu 7% em 1982, e o PIB conseguiu crescer apenas 0,9%. Em 1983, a recessão voltou a se agravar: o PIB caiu 3% e a produção industrial, 6%[97].
Logo no começo do governo Figueiredo, com a intensificação da luta democrática, houve três importantes conquistas democráticas: a anistia aos perseguidos políticos, a devolução de algumas prerrogativas do Congresso e a garantia de eleições diretas para governador em 1982. Mas, ao mesmo tempo, temeroso da vitória do PMDB nas eleições de 1980 e 1982, o governo decretou a extinção desse partido, abrindo a possibilidade de criação de novos partidos, e suspendeu as eleições municipais de 1980. Nas eleições de 1982, ocorreu o que o regime temia: a oposição teve maioria de votos, fazendo maioria na Câmara dos Deputados e conquistando os governos dos principais estados da federação, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Na virada de 1982 para 1983, depois das eleições, a crise brasileira atingiu seu momento mais dramático, com o país entrando em estado de insolvência externa – ou seja, sem possibilidades de “honrar seus compromissos externos”. Chegou-se à situação em que simplesmente não se tinha mais com que pagar as dívidas vencidas e as que começavam a vencer. A situação piorou porque, após a moratória mexicana, decretada em 1982, os bancos internacionais deixaram de emprestar novos recursos ou de renovar seus empréstimos aos demais países da América Latina. Isso levou o governo brasileiro a enveredar pelo caminho que se tornara inevitável: o da renegociação da dívida externa. Só que o fez nos termos do FMI, o que significa não só a perda de qualquer capacidade de formular política econômica própria, mas também a exigência de adoção de políticas que levariam inevitavelmente a uma forte recessão.
Este foi o suicídio do regime ditatorial. Abriu-se ali um intenso período de luta política no país, em que, de um lado, o governo editava um “pacote econômico” atrás do outro (acompanhado de “cartas de intenções” firmadas com o FMI), apenas para vê-los rejeitados pelo Congresso Nacional em face à forte pressão popular; e, de outro, crescia rapidamente a mobilização popular, ao mesmo tempo que ampliavam-se as divisões no interior do regime, com o deslocamento de forças cada vez mais numerosas para o campo da oposição.
O primeiro “pacote” foi anunciado logo depois das eleições de 1982. Após negociação com o FMI, o governo brasileiro assumiu o compromisso de aplicar o “receituário” daquela instituição – essa era a condição para renegociar a dívida com os bancos privados. O objetivo principal da aplicação desse “receituário”, ainda que declarado como combate à inflação, era gerar saldos comerciais destinados ao pagamentos dos encargos da dívida externa.
A partir de então, o governo editaria quatro decretos-leis[98] e assinaria três cartas de intenção com o FMI[99], todos concentrados em medidas de contenção da demanda, como corte do gasto público, do crédito e do salário. Mas destacavam-se as medidas de corte dos investimentos das estatais e dos salários reais. Os decretos-leis concentravam-se no corte do salário. O arrocho fiscal, monetário, creditício e salarial, deflagrado pelo primeiro “pacote”, empurrou a economia para baixo: o PIB teve uma queda de 3% em 1983, e a produção industrial caiu 5,7%[100. Enquanto isso, acelerou-se violentamente a escalada inflacionária: a taxa anual, medida pelo IGP da FGV, subiu de 99,7% em 1982 para 211% em 1983[101].
Os principais integrantes da equipe econômica do governo estavam convencidos de que o reajuste salarial era a mais importante correia de transmissão da inflação; por isso, para combater a inflação, propugnavam a derrubada do salário real, sob a forma de “desindexação”. Assim, editou-se o decreto-lei n. 2012, depois substituído pelo 2024, que determinava que os reajustes salariais seriam inferiores ao índice de inflação. Mas a ampla mobilização sindical que culminou na primeira greve geral do período ditatorial, a 21 de julho de 1983, garantiu a derrota, no Congresso, desse “pacote-arrocho”.
Apesar de seu crescente isolamento, o governo não recuou. Em julho daquele ano, um novo “pacote” foi baixado, corporificado no decreto-lei n. 2045, o que deixou mais do que evidente que o eixo central da política imposta pelo FMI era o arrocho do salário. Depois de haver retirado os 10% sobre o INPC na correção dos salários mais baixos e de haver praticado o expurgo desse índice, o novo decreto cortava 20% do INPC na correção de todos os salários. Ao mesmo tempo, o governo assinava a terceira “carta de intenções” com o FMI. Mas o Congresso, assim como fizera com o decreto-lei n. 2024, também derrubou o 2045. Contribuíram para isso as amplas mobilizações que, em 30 de setembro de 1983, os trabalhadores realizaram em todo o país.
A reação do governo foi a edição de novo decreto de arrocho salarial, o 2064, acompanhado de “medidas de emergência”. O essencial da política econômica foi incluído no novo decreto-lei. Assim, o seu julgamento pelo Congresso e pela opinião pública era o mesmo que colocar a política econômica do governo no banco dos réus. Depois de ampla resistência por parte dos trabalhadores e de setores empresariais, bem como da oposição no Congresso e de setores da própria base do governo, este substituiu o decreto-lei 2064 pelo 2065, que atenuou o arrocho sobre quase todas as faixas salariais. Mas o essencial do chamado “decretão” seguiu sendo o aperto salarial. Alegando que havia redistribuído melhor os sacrifícios e que havia atenuado o arrocho sobre os salários, o governo terminou conseguindo aprovar o decreto-lei n. 2065 no Congresso, mas o fez à custa de um enorme desgaste.
A partir dali, se iniciaria a campanha das Diretas Já, que daria fim ao regime ditatorial um ano depois[102]. Foram as maiores manifestações populares da história do país até então. A emenda das Diretas Já, embora não tenha sido aprovada pelo quórum qualificado de dois terços, foi amplamente vitoriosa ao receber o apoio de 62% da Câmara Federal[103]. Essa vitória serviu de base para que a Aliança Democrática, que se constituiu em torno do PMDB e da Frente Liberal[104], se dispusesse a disputar o governo no próprio terreno que o regime construíra para se perpetuar – o “colégio eleitoral”. A mobilização nacional que precedeu a decisão do “colégio”[105], sob a bandeira do “Muda Brasil”, garantiu a vitória, a 15 de janeiro de 1985, por cerca de 70% dos votos, aos candidatos da Aliança Democrática, Tancredo Neves e o senador José Sarney, respectivamente para presidente e vice-presidente da República[106].
O governo da “Nova República” instaurou-se em 15 de março de 1985. No entanto, o presidente Tancredo Neves não chegaria a tomar posse. Acometido de grave doença abdominal, teve de internar-se e sofrer a primeira intervenção cirúrgica na noite de 14 de março, poucas horas antes do momento da posse. Morreria 39 dias depois. Em seu lugar, assumiria o vice-presidente eleito, José Sarney.
Em sua primeira etapa, que durou até a edição do Programa de Estabilização Econômica, conhecido como Plano Cruzado, o governo Sarney concentrou o essencial da sua atividade nas tarefas destinadas a desmontar a máquina autoritária que servira de base institucional para o regime. Foi assim que se acabou com o “colégio eleitoral”, instituindo-se eleição direta para presidente da República. Convocaram-se eleições diretas para as capitais e municípios caracterizados como “áreas de segurança nacional”[107] e convocou-se, para eleger-se a 15 de novembro de 1986, a Assembleia Nacional Constituinte.
No entanto, na esfera econômica, ainda que tenha adotado algumas medidas emergenciais[108], o governo não realizava as mudanças prometidas. A principal explicação para isso reside no fato de que tendia a concentrar-se na economia a resistência dos grupos mais poderosos que se beneficiavam do padrão de desenvolvimento então vigente, por isso tudo haveriam de fazer para não perder esses privilégios.
Esses grupos de resistência contavam, além disso, com um poderoso polo de apoio no interior do próprio governo, representado pela equipe do então ministro da Fazenda, Francisco Dornelles. Essa equipe esposava uma concepção econômica que, no essencial, se igualava à política econômica que vinha sendo adotada pela ditadura. Tratava-se, para ela, de prosseguir a política de corte dos gastos públicos e de aperto monetário e creditício. Ou seja, devia-se continuar a política de “ajuste” imposta pelo FMI.
Estabeleceu-se, naturalmente, o confronto dessa concepção com o profundo anseio de mudança da nação e com a orientação expressa do presidente Sarney, corporificada principalmente na equipe da Secretaria de Planejamento (Seplan), encabeçada pelo ministro João Sayad, a quem o presidente incumbira a responsabilidade de elaborar o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I PND-NR). Já na apresentação do plano, assumia-se: “Este é um plano de reformas, de crescimento econômico e de combate à pobreza”.
Criou-se, assim, uma situação em que nem a equipe do Ministério da Fazenda conseguia implementar sua política ortodoxa, nem a Seplan lograva imprimir a nova orientação, já esboçada nas primeiras notas do I PND-NR, editadas em maio de 1985. Ou seja, nem se mantinha a situação anterior, nem se realizavam as mudanças. Dado o potencial explosivo da situação econômica herdada, esse impasse poderia levar ao retorno da recessão[109] ou à ameaça de hiperinflação[110. Agravada pela continuidade do pagamento dos juros da dívida externa, o resultado haveria de ser o retorno da chama inflacionária, que voltou moderadamente em julho, com inflação de 8,9%, para explodir nos 14% em agosto. Essa foi a gota d’água para a queda do ministro Dornelles e toda sua equipe.
Assumiu então o ministro Dilson Funaro, empresário nacionalista de São Paulo que formou uma nova equipe, identificada com as mudanças e com a linha que vinha sendo pregada pela equipe da Seplan. Estabeleceu-se então um mínimo de unidade de pensamento e ação na área econômica do governo, e este pôde, a partir de então, trabalhar numa nova direção na questão econômica[111].
A partir de agosto de 1985, a nova equipe econômica dedicou-se a formular uma nova política econômica e a realizar esforços no sentido de conter a chama inflacionária e manter o crescimento da economia. A ênfase passou a ser, claramente, o crescimento econômico. O combate à inflação, sob a nova orientação, devia se dar sem prejuízo do crescimento. Antes de apresentar o novo plano, a equipe econômica implementou um conjunto de medidas destinadas à reativação da demanda, tais como a redução dos juros e o aumento da liquidez, do crédito, dos gastos públicos e do salário real. O objetivo era reanimar a produção mediante a ocupação de capacidade ociosa.
Assim, estimuladas por essa intensa recuperação do mercado interno e contando com crédito abundante e mais barato, as empresas avançaram rapidamente na ocupação de sua capacidade ociosa e aumentaram significativamente sua produção em 1985. A economia no seu conjunto (PIB) cresceu 7,8% e a produção industrial o fez a 8,3%. Foi o maior crescimento depois de 1980. Mas a inflação ainda não havia sido domada.
Para enfrentá-la – e inspirado no I PND-NR –, o governo baixou, a 28 de fevereiro de 1986, o decreto-lei n. 2283, depois substituído pelo de n. 2284, que instituía o Programa de Estabilização Econômica, também conhecido como Plano Cruzado, em função da nova moeda que criava. Tentou-se assim combater a inflação, pela primeira vez em nossa história, sem recorrer ao aperto do salário, do gasto público, da moeda e do crédito, como recomenda a ortodoxia monetarista, mas, ao contrário, abrindo verdadeira guerra contra a especulação financeira e comercial.
De acordo com o decreto-lei, a correção monetária sobre os títulos da dívida pública e o conjunto dos ativos financeiros ficaria totalmente extinta pelo tempo de duração do programa. Esse era o caminho para a desindexação da economia[112]. Durante a vigência do programa, mesmo que houvesse alguma incidência inflacionária, nenhum contrato poderia ter cláusula de correção monetária (à exceção da poupança dos trabalhadores, acumulada nas cadernetas de poupança ou no FGTS e no PIS/Pasep). Além disso, os contratos com correção monetária celebrados antes da edição do programa teriam seus valores convertidos à nova moeda, de acordo com uma tabela estabelecida.
Com o fim da correção monetária, os aumentos de preços do passado não mais seriam automaticamente transferidos para o futuro. Desmontava-se, assim, o mecanismo formal que sancionava a autoalimentação da inflação, isto é, a chamada inércia inflacionária. Mas a desmontagem completa desse mecanismo seria viabilizada pelo congelamento dos preços. O choque do congelamento, ao empurrar a inflação para zero, quebraria a inércia, isto é, a tendência das empresas a repassar automaticamente para o futuro os aumentos de preços do passado.
O congelamento de preços permitia manter domada a fera inflacionária até que medidas mais profundas de combate à inflação fossem adotadas – ou seja, até que suas raízes fundamentais fossem eficazmente combatidas. Não há dúvida, portanto, de que o congelamento era a medida central do programa de estabilização. E, precisamente para garantir sua efetivação, o governo convocou a população através do próprio decreto-lei: “Qualquer cidadão poderá e todo servidor público deverá informar às autoridades competentes sobre infrações à norma de congelamento de preços e prática de sonegação do produto, em qualquer parte do território nacional”[113].
Pela primeira vez em nossa história, a execução de uma política econômica dependia, no essencial, da ação da população mobilizada. Além de convocado para garantir o programa, o povo também foi amplamente beneficiado por ele. O primeiro benefício adveio do próprio congelamento de preços, pois a inflação tem sido uma das principais armas de confisco salarial em nosso país.
Mas o programa, mais do que isso, adotou uma série de mecanismos de melhoria e proteção dos rendimentos do trabalhador. Os salários foram protegidos através dos seguintes mecanismos: a) preservação do poder de compra médio do semestre anterior à reforma econômica; b) concessão de um “abono” de 8% sobre esse poder de compra do conjunto dos salários e de pouco mais de 15% sobre o do salário mínimo; c) adoção da escala móvel de salário, que previa o reajuste automático sempre que a inflação atingisse 20% num ano; d) preservação dos dissídios coletivos.
O Dieese constatou que houve melhoria substancial do salário real em 1986: cresceu 17,2% na Grande São Paulo. Assim, mesmo sendo um plano de combate à inflação, o Plano Cruzado provocou um efeito redistributivo de renda a favor dos mais pobres, ao contrário do que costumava ser feito nos planos de estabilização anteriores.
Também contrariando a “lógica” dos planos anteriores, que geravam recessão, o Plano Cruzado ajudou a dinamizar a atividade econômica, não apenas por haver injetado mais poder de compra na economia, mas também por haver proporcionado mais crédito, a custo mais baixo, para as empresas usarem como capital de giro. Como elas ainda contavam com capacidade ociosa, podiam inicialmente atender ao aumento da demanda sem necessariamente terem que aumentar sua capacidade produtiva. O resultado foi o crescimento do PIB em 7,5% e da produção industrial em 11,7% em 1986, empurrando para baixo a taxa de desemprego: pesquisa do Dieese na Grande São Paulo indicou queda de 12,5% em 1985 para 9,8% em 1986[114].
No entanto, a batalha contra a inflação e pela retomada do desenvolvimento ainda não estava ganha. O Plano Cruzado, ao congelar os preços e desindexar a economia, desmontou o mecanismo de autoalimentação do processo inflacionário, mas, caso persistissem suas “causas primárias”, ela poderia retornar tão logo fosse levantado o congelamento, ou mesmo poderia atropelá-lo. Além disso, a economia estava entrando no terceiro ano de expansão sem a realização dos investimentos necessários ao aumento da capacidade produtiva[115], o que estava levando ao esgotamento da capacidade ociosa gerada durante a recessão de fins de 1980 ao começo de 1984. Era, portanto, também necessária a adoção de um programa que promovesse o investimento produtivo.
E o governo já tinha um diagnóstico e uma solução para o duplo problema do crescimento e da inflação. Na equipe econômica, apesar de divergências, prevalecia a posição expressa no I PND da Nova República, a de que na origem do problema inflacionário brasileiro estava a dívida externa. Em meados de março de 1986, durante reunião com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e banqueiros estadunidenses, o ministro João Sayad assim sintetizou essa posição:
Para garantir simultaneamente o combate à inflação e o crescimento econômico, o governo brasileiro entende, contudo, ser indispensável resolver, em caráter definitivo, o problema da dívida externa [...] [A] redução da excessiva transferência de recursos para o exterior constitui elemento indispensável à consolidação do equilíbrio financeiro do setor público, à retomada dos investimentos e, portanto, à sustentação do crescimento no médio e longo prazos.
O próprio presidente Sarney, na mensagem que enviou ao Congresso Nacional, em 1o de março de 1986, já havia declarado: “Para evitar a exacerbação das pressões que se originam das implicações internas da dívida externa, o governo decidiu agir no sentido de reduzi-las – unilateralmente, se necessário”.
Mas não se resolveu o principal “caroço” (jargão usado pela equipe econômica na época) da economia, que era a dívida externa, tampouco foi levado adiante um programa de alavancagem dos investimentos. As consequências começaram a se fazer sentir já no meio do ano, através das pressões inflacionárias[116].
A equipe econômica tinha fortes divergências sobre como enfrentar o retorno da inflação. O único acordo alcançado refletiu-se na edição, a 22 de julho de 1986, do chamado “Cruzadinho”, que criou o empréstimo compulsório. Instituiu-se então uma alíquota de 30% sobre os preços dos automóveis e dos combustíveis (gasolina e álcool), o que significou igual aumento desses preços. Mas a inflação, depois de manifestar-se sob a forma de desabastecimento, começou também a retornar de maneira mais aberta. E continuou subindo no segundo semestre[117].
Simultaneamente, como era de se esperar, o crescimento da produção não apenas passou a absorver internamente produtos que antes eram destinados ao mercado externo como a demandar mais produtos importados, particularmente bens de produção. Esse processo acabou com o superávit comercial[118]. Isso se deveu tanto a uma queda das exportações, de 35%, quanto a um aumento das importações da ordem de 40%[119].
Esse fato revelou a impossibilidade de compatibilizar o crescimento da economia com o pagamento dos encargos financeiros da dívida externa. O governo brasileiro só pôde realizar essa compatibilização no segundo semestre de 1986 à custa de uma espetacular queima de reservas cambiais. Segundo Funaro, elas caíram de cerca de US$ 8 bilhões na época da decretação do Plano Cruzado para US$ 4 bilhões um ano depois[120.
Ao mesmo tempo em que ocorriam essas tensões na área econômica, o povo brasileiro se preparava para eleger, a 15 de novembro de 1986, os governadores dos estados (incluindo os deputados estaduais) e o Congresso Nacional, que também funcionaria como Assembleia Nacional Constituinte. Seriam as eleições mais importantes depois da instauração do governo da “Nova República”. O partido hegemônico no governo, o PMDB, conseguiu capitalizar as conquistas do Plano Cruzado e saiu amplamente vitorioso[121].
Mas nem bem se fecharam as urnas e, a 21 de novembro de 1986, o governo baixou um pacote que ficou conhecido como “Cruzado II”, que veio enterrar de vez a curta e inédita experiência de combate à inflação com engajamento popular, crescimento econômico e distribuição de renda[122]. Ao aumentar os preços de alguns produtos e serviços importantes, o governo estava sinalizando para os demais setores – que viviam situação semelhante – que também poderiam reajustar seus preços. E foi isso o que ocorreu. A inflação que estava represada rompeu o dique[123].
Logo depois, a 10 de fevereiro, parte da diretoria do Banco Central se demitiria, incluindo seu presidente, Fernão Bracher, e o diretor Pérsio Arida. Enquanto isso, como as reservas cambiais estavam se esvaindo, o governo, por proposta de Funaro, decretou a moratória dos juros a 20 de fevereiro. Mas, a partir dali, a equipe do Cruzado começou a desfazer-se e Sarney iniciou a recomposição de sua equipe econômica basicamente com pessoas de filiação monetarista. Sayad pediu demissão no dia 17 de março de 1987 e Funaro e sua equipe, a 20 de abril. Com a queda da equipe do Cruzado, a política econômica adotada foi, crescentemente, fazendo retornar a prática do dogma monetarista. O primado da estabilidade monetária voltou a preponderar sobre o do desenvolvimento. Ensaiou-se, também, a privatização das empresas públicas e a maior abertura da economia aos produtos importados.
Esse caminho se consumou por meio dos dois planos econômicos que, ainda no governo Sarney, seriam implementados a partir da saída da equipe do Cruzado: o Plano Bresser, baixado pelo novo ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser Pereira, em 12 de junho de 1987, e o Plano Verão, editado por seu sucessor, Mailson da Nóbrega, que fora um dos mais ortodoxos membros da equipe de Delfim Netto, em 14 de janeiro de 1989, tinham em comum o congelamento temporário dos salários, o corte do gasto público e a forte elevação dos juros[124]. Os preços também foram formalmente congelados, mas depois de se haver autorizado o reajuste de tarifas e preços de vários serviços e produtos. Os salários, que, no primeiro plano, seriam reajustados, após o período de congelamento, pela Unidade Referencial de Preços (URP), ficaram sujeitos a uma suposta livre negociação no segundo. Este plano, por sua vez, ensaiou uma nova reforma monetária, através da qual se instituiu o cruzado novo (NCz$). Mas a inflação, ao invés de ceder, entrou em rota de hiperinflação[125].
Ao mesmo tempo que apertava a economia, Mailson deflagrava um processo de abertura comercial e de desestatização que seria retomado e radicalizado na década seguinte durante os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. A “reforma tarifária” de 1988-1989, além de iniciar a derrubada das tarifas de importação[126], aboliu vários regimes especiais de importação que protegiam alguns setores da economia e unificou os tributos incidentes sobre importações.
Mailson também deu sequência às ações do governo Sarney na área da privatização do patrimônio público. Em 28 de abril de 1985, o governo já editara o decreto n. 91.991, mas foi o decreto n. 95.886, de 29 de março de 1988, que definiu melhor o que seria privatizado. Para completar, no Plano Verão, de janeiro de 1989, e no Plano de Emergência, de agosto do mesmo ano, foi listado um conjunto de empresas que seriam objeto de privatização, nos setores siderúrgico, petroquímico, de fertilizantes, de transportes, de mineração, além de outros de menor importância[127].
O balanço feito no final dos anos de 1980 consagrou a designação de “década perdida” para o período. Apesar de haverem sido transferidos para o exterior, sob a forma de juros, US$ 150 bilhões de 1980 a 1989, a dívida externa aumentou no período de US$ 64,2 bilhões para US$ 115,10 bilhões[128]. Em função da adoção de políticas voltadas a conter a economia para pagar os serviços dessas dívidas, a taxa média de crescimento do PIB foi de apenas 2,9% por ano no período[129], menos da metade da taxa histórica (7%). O PIB per capita ao final da década era apenas 2% maior, em termos reais, do que no início[130, isto é, a economia estagnou ao longo da década. A produção industrial em 1989 só era 11,46% maior do que em 1980[131].
A concentração de renda também se agravou: o índice de Gini, que mede o grau de concentração de renda, subiu de 0,59 para 0,64[132]. O número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza aumentou de 29,5 milhões para 39,2 milhões, passando de 24,8% da população em 1980 para 27,2% em 1990[133]. Enquanto isso, a participação do setor financeiro na renda nacional subiu de 7,8% em 1980 para 19,5% em 1989[134].
Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se implementava uma política econômica que reforçava o padrão dependente de reprodução do capital, que entrara em agonia com a crise estrutural deflagrada na década de 1970, a Constituinte elaborava uma Constituição que consagrava importantes aspectos de autonomia econômica.
A Constituinte, ao escrever o capítulo da ordem econômica, adotou, sem dúvida, suas decisões mais importantes. Foi assim que se estabeleceu, claramente, a diferenciação entre empresa nacional e empresa estrangeira; definiu-se que a proteção especial do Estado só poderia recair sobre a primeira; instituiu-se a possibilidade de reserva de mercado em setores estratégicos; determinou-se a nacionalização da prospecção e da exploração dos recursos do subsolo; proibiram-se os contratos de “risco” na prospecção e exploração do petróleo – garantindo, constitucionalmente, o monopólio da Petrobras; estabeleceu-se a reciprocidade no transporte marítimo internacional; e definiu-se o caráter nacional da Marinha mercante brasileira.
[1] Ver, a respeito, Ruy Mauro Marini, Dialética da dependência (Petrópolis, Vozes, 2000).
[2] É evidente que deveria ser debelado o processo inflacionário, já que a inflação atingiu 92% em 1964, mas o objetivo central do programa era remover os obstáculos ao ingresso do capital estrangeiro.
[3] Cf. “Evolução recente da economia brasileira”, Desenvolvimento e Conjuntura, Confederação Nacional da Indústria, ano XI, n. 4, abr. 1967, p. 34.
[4] De 1964 a 1967, o salário mínimo real em São Paulo caiu 22%, cf. Dieese, Salário mínimo, São Paulo, abr. 1979, p. 8-9; no mesmo período, o salário real mais frequente para as diversas categorias sindicais de São Paulo, incluindo os metalúrgicos, caiu em 26%, segundo os reajustes decretados pela Justiça do Trabalho, cf. Fundação Getulio Vargas, Conjuntura Econômica: estatísticas básicas, Rio de Janeiro, v. 26, nov. 1972. Dados extraídos de Dieese, “Dez anos de política salarial”, Estudos Socioeconômicos, São Paulo, n. 3, ago. 1975, p. 64.
[5] Em 1964, houve 456 intervenções em sindicatos e, no ano seguinte, outras 358; cf. Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, “Liberdade e democracia só com unicidade sindical”, em Hora do Povo, 22 ago. 2003.
[6] Foram impostos tantos obstáculos à deflagração de uma greve que esse direito tornou-se praticamente inexistente.
[7] A nova legislação, além de suspender a livre negociação de salários entre trabalhadores e patrões, trasladando os reajustes salariais para o interior do aparato estatal, sancionava financeiramente aos patrões que concedessem aumentos salariais superiores aos fixados pelo governo; cf. Dieese, “Dez anos de política salarial”, cit.
[8] Referência ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
[9] A lei aprovada em 1962 e sancionada em 1964 (4131) estabelecia em 10% o limite de remessa de lucro sobre o capital estrangeiro registrado e não considerava os reinvestimentos como capital estrangeiro; a nova lei (4390) elevou o limite não tributável para 12%, mas passou a considerar os reinvestimentos como capital estrangeiro, o que fazia aumentar significativamente esse limite.
[10 A taxa anual caiu de 91,8% em 1964 para 65,7% em 1965; 41,3% em 1966 e 30,4% em 1967. Cf. Marcelo de Paiva Abreu (org.), A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana (Rio de Janeiro, Campus, 1990); inflação medida pelo IGP-DI da Fundação Getulio Vargas.
[11] A parte do produto nacional líquido destinada ao investimento líquido em capital fixo reduziu-se de 14,05% em 1964 para 11,88% em 1967. A taxa de formação bruta do capital fixo caiu, no mesmo período, de 20,10% para 18,05%; cf. IBGE, Anuário estatístico, vários números; Fundação Getulio Vargas, Conjuntura econômica, vários números.
[12] Cálculos alternativos revelam um descenso da capacidade utilizada do aparato produtivo industrial de 87% em 1964 para 73% em 1967, ou de 85% para 76%; ver Regis Bonelli e Pedro S. Malan, “Os limites do possível: notas sobre o balanço de pagamentos e indústria nos anos 70”, Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, Ipea, ago. 1976, p. 379.
[13] A soma do “investimento” direto estrangeiro com empréstimos e financiamentos teve a seguinte evolução: 1956-1961 – US$ 521 milhões; 1962-1963 – US$ 365 milhões; 1964-1966 – US$ 378 milhões; cf. Banco Central do Brasil, Relatório anual, vários números.
[14] Isso fez com que essas remessas superassem o IDE em US$ 164 milhões em 1964; em US$ 199 milhões em 1965; em US$ 217 milhões em 1966; e em US$ 237 milhões em 1967. Ver Caio Prado Junior, História econômica do Brasil (14. ed., São Paulo, Brasiliense, 1971), p. 317.
[15] A mudança de presidente respondia a uma política da ditadura: para manter certa legalidade (ou dar essa aparência) ao regime, supunha-se a mudança periódica do chefe do Executivo, que sempre deveria ser um militar. A mudança, ainda que pautada pela alta oficialidade militar, dava-se mediante eleições indiretas por um “colégio eleitoral”, formado pelo Congresso Nacional e por delegados escolhidos pelas Assembleias Legislativas estaduais.
[16] Deu-se por terminada a fase mais dura do combate à inflação, já que se havia conseguido certa vitória nesse campo, e se inicia uma fase de liberalização do crédito. Para adotar essa nova política econômica, Costa e Silva recusou-se a endossar um “acordo” com o FMI.
[17] Promulga-se uma nova Constituição, uma nova lei de imprensa e uma nova Lei de Segurança Nacional, todas elas altamente restritivas às liberdades políticas. Ao mesmo tempo, regulava-se o que eram considerados “delitos subversivos”, aumentava-se o poder do Executivo e debilitava-se o Legislativo, que ficava somente com certo poder de pressão; cf. Leôncio Basbaum, História sincera da República (4. ed., São Paulo, Alfa-Ômega, 1975-1976), t. 4, p. 181-2.
[18] O deputado havia pedido, por ocasião das comemorações do 7 de Setembro, que as companheiras dos oficiais militares fizessem um boicote aos maridos em função do silêncio que eles estariam mantendo sobre as violências praticadas nos “porões do regime”.
[19] Em Participação e conflito industrial: Contagem e Osasco, 1968 (São Paulo, Cebrap, 1972), Francisco Weffort analisa essas duas greves; ver especialmente o caderno 5. Conferir também uma crítica ao trabalho de Weffort publicada na revista Contraponto, Niterói, Centro de Estudos Noel Nutels, ano 1, n. 1, nov. 1976-jul. 1978; e entrevistas publicadas pela revista Escrita (Ensaio), São Paulo, ano III, n. 6, 1980, especialmente p. 20-42.
[20 Podemos dividir esse período em dois subperíodos: o de reanimação da economia, de 1968 a 1970, quando o PIB cresceu a uma taxa média anual de 10%, e o de expansão acelerada, de 1971 a 1973, quando o PIB cresceu a uma taxa anual média de 13%; cf. Banco Central do Brasil, Relatório, cit.
[21] Seu crescimento anual médio no período 1970-1974 foi de 21,8%; cf. Luciano G. Coutinho e Henri Philippe Reichstul, “Investimento estatal 1974-1980: ciclo e crise”, em Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e Renata Coutinho (org.), Desenvolvimento capitalista no Brasil (São Paulo, Brasiliense, 1983), p. 45-6.
[22] De 1964 a 1968, a produtividade na indústria brasileira aumentou em 23%, ao passo que o salário real mais frequente em São Paulo baixou em 28%; no mesmo período, o salário real dos metalúrgicos paulistas baixou em 25% e o salário mínimo real, em 35%; cf. Dieese, “Dez anos de política salarial”, cit., p. 35, 43 e 64; Dieese, Salário mínimo, cit., p. 8-9.
[23] Maria da Conceição Tavares, Da substituição de importações ao capitalismo financeiro (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1973), p. 228, 230-2.
[24] Cf. Banco Central do Brasil, Boletim, vários números; Relatório, vários números.
[25] Cf. Wilson Suzigan et al., Crescimento industrial no Brasil: incentivos e desempenho recente (Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1974), relatório de pesquisa n. 26, p. 156.
[26] Para o ano de 1972 e somente para as manufaturas, Marini cita um cálculo feito por Pinto Bueno Neto em “Export of Manufactured Goods, Effects of Incentives of Formations of Selling Prices”, em Brazilian Business, jan. 1973, que estimou o efeito teórico dos incentivos à exportação sobre a redução de preço no mercado internacional; o resultado dos incentivos, segundo essa estimativa, seria uma redução de 53,8% no preço de venda, se comparado ao preço no mercado externo com o preço vendido no mercado interno; cf. Ruy Mauro Marini, “La acumulación capitalista mundial y el subimperialismo”, Cuadernos Políticos, n. 22, Cidade do México, Era, abr.-jun. 1977, p. 39.
[27] Cf. IBGE, Anuário Estatístico, vários números; Fundação Getulio Vargas, Conjuntura Econômica, vários números.
[28] E esse processo não se deu, necessariamente, pela instalação de nova capacidade produtiva pelas empresas estrangeiras. Ao contrário, sua raiz principal é a aquisição de empresas brasileiras por empresas estrangeiras. Uma evidência disto é que, entre 1966 e 1970, 52% das transnacionais estadunidenses que se estabeleceram no país o fizeram mediante compra de empresas locais (das quais mais de 80% eram nacionais); essa cifra se elevou a 61% no período de 1971-1973; cf. Carlos von Doellinger e Leonardo C. Cavalcanti, Empresas multinacionais na indústria brasileira (Rio Janeiro, Inpes/Ipea, 1975), relatório de pesquisa n. 29, p. 129.
[29] Banco Central do Brasil, Relatório anual, vários números.
[30 Henri Philippe Reichstul e Luciano G. Coutinho, “Investimento estatal 1974-1980: ciclo e crise”, em Luiz Gonzaga M. Belluzzo e Renata Coutinho (orgs.), Desenvolvimento capitalista no Brasil, cit., p. 46.
[31] Ibidem, p. 42.
[32] Francisco de Oliveira e Frederico Mazuchelli, “Padrões de acumulação, oligopólios e Estado no Brasil (1950-1976)”, em Francisco de Oliveira, A economia da dependência imperfeita (Rio de Janeiro, Graal, 1977).
[33] Para uma análise dessa crise, ver nosso Ascensão e queda do império americano (São Paulo, CPC-Umes/Mandacaru, 2001), especialmente cap. 4.
[34] Ver Francisco de Oliveira e Frederico Mazuchelli, “Padrões de acumulação, oligopólios e Estado no Brasil (1950-1976)”, cit.
[35] Ver nosso Ascensão e queda do império americano, cit., especialmente cap. 4.
[36] Sob a forma de investimento direto, a média anual se elevou de US$ 106 milhões no período 1967-1970 para US$ 543 milhões no período 1971-1973, tendo alcançado pouco mais de US$ 1 bilhão nesse último ano; sob a forma de empréstimos e financiamentos, a média aumentou de US$ 714 milhões no primeiro período para US$ 3,6 bilhões no segundo, com um montante de US$ 4,5 bilhões no último ano; cf. Banco Central do Brasil, Relatório anual, vários números.
[37] “Assim, em 1971 o capital americano investido no Brasil obteve uma taxa de lucro de 14,3%, contra 12,3% obtido na Colômbia, 13,4% na Venezuela, 11,9% no Peru, 8% no México e somente 6,6% na Argentina. Em 1972, a taxa de lucro alcançada pelo capital americano chegou a 18,1% no Brasil, contra 12,5% na Colômbia, 14,5% na Venezuela, 12,1% no Peru, 11,9% no México e 4,7% na Argentina”; dados da Hanson’s American Letter, reproduzidos em “EUA: lucros (pequenos?) na América Latina”, Opinião, ano 3, n. 52, 10 nov. 1973, citado em Paul Singer, A crise do “Milagre”, cit., p. 84.
[38] Esta subiu de US$ 3,3 bilhões em 1967 para US$ 17,9 bilhões em dezembro de 1974; cf. Banco Central do Brasil, Boletim, vários números; Relatório Anual, vários números.
[39] Grande parte dos créditos no mercado internacional era contraída a taxas de juros flexíveis, ou seja, quando aumentava a taxa, esta passava a incidir não só sobre os novos empréstimos, mas também sobre os já contraídos.
[40 A remessa anual de juros para o exterior dobrou do período 1970-1972 para 1973-1974, saltando de uma média de US$ 298 milhões para US$ 583 milhões, voltando a duplicar de 1974 para 1975 – aumentou de US$ 652,4 milhões para US$ 1,44 bilhão. Cf. Banco Central do Brasil, Relatório, vários números; Boletim, vários números.
[41] Um levantamento da revista Exame revelou que a rentabilidade sobre o patrimônio líquido caiu de 16% em 1974 para 13,3% em 1975.
[42] Enquanto de 1970 a 1973 a produtividade do trabalho industrial no país aumentou em 14% e, em São Paulo, em 21% 1970 a 1973, o salário mínimo real caiu 15%, os salários reais mais frequentes em São Paulo baixaram 13% e o salário real dos metalúrgicos de São Paulo caiu em 12%. Para a produtividade no Brasil e o salário mais frequente em São Paulo e o dos metalúrgicos, ver Dieese, “Dez anos de política salarial”, Estudos Sócio-Econômicos, n. 3, ago. 1975, São Paulo, p. 35, 43 e 64; para a produtividade em São Paulo, cf. Domingos Zurron Ocio, Evolução dos salários e ordenados (São Paulo, Eaesp-FGV, 1976), mimeo, p. 15; para o salário mínimo, cf. Dieese, Salário mínimo, São Paulo, abr. 1979, p. 8-9, quadro.
[43] Estamos designando de superexploração do trabalho o pagamento de um salário insuficiente para sustentar a família do trabalhador. O conceito foi formulado por Ruy Mauro Marini, em Dialética da dependência (Petrópolis, Vozes, 2000), especialmente parte 2, cap. 3. As várias manifestações da superexploração – aumento da jornada de trabalho e a incorporação de novos membros da família ao mercado de trabalho sem correspondente aumento do salário; aumento da intensidade do trabalho; pagamento de um salário abaixo do valor da força de trabalho – foram analisadas em nosso livro Economia brasileira contemporânea: de Getulio a Lula (São Paulo, Atlas, 2009), cap. 4 e 5.
[44] Cf. Banco Central do Brasil, Boletim, n. 8, v. 14, ago. 1978, p. 238.
[45] O quantum das exportações, depois de ter aumentado de um índice de 135 em 1972 para 155 em 1973, caiu para 151 em 1974. Cf. Fundação Getulio Vargas, Conjuntura Econômica, cit., vários números (base: 1970 = 100).
[46] O quantum exportado de não duráveis caiu de 177 em 1973 para 166 em 1974 (base: 1970 = 100). Os correspondentes preços em dólares aumentaram em 12%, semelhante à desvalorização da moeda no período; ver Fundação Getulio Vargas, Conjuntura econômica, cit. (base: 1970 = 100).
[47] Os ramos de não duráveis cresceram a 5,2% em 1974 e a 2,4% em 1975. Se tomarmos os ramos de têxtil, vestuário, calçados e tecidos, em 1974 a produção encolheu em 2,9% e em 1975 só cresceu 3,2%; o ramo de produtos alimentícios cresceu a 5,4% em 1974, mas estancou em 1975. Para não duráveis, ver Regis Bonelli e Pedro S. Malan, “Os limites do possível”, cit., p. 372; para os ramos de têxtil, vestuário, calçados e tecidos, ver Fundação Getulio Vargas, Conjuntura econômica, cit.
[48] No período de reanimação econômica (1968-1970), os ramos representativos do setor IIb conseguiram crescer a uma taxa superior à correspondente ao período de auge para o conjunto da economia (1971-1973), ainda que nesse último período tenham crescido a taxas elevadíssimas: 26% anual para o primeiro período contra 22% para o segundo (média aritmética calculada com base nos dados levantados pelo IBGE e publicados em Regis Bonelli e Pedro S. Malan, “Os limites do possível”, cit., p. 372).
[49] Em São Paulo, enquanto os assalariados de base mantiveram seu salário médio real estabilizado entre 1970 e 1973, os salários maiores (acima de Cr$ 10 mil) aumentaram, em termos reais, em aproximadamente 20%. Cálculos feitos a partir de tabela publicada em Domingo Zurron Ocio, Evolução dos salários e ordenados, cit., p. 16. Para obter os índices reais, os salários nominais foram deflacionados pelo índice de custo de vida de São Paulo levantado pela Fipe-USP.
[50 O crédito das financeiras (basicamente destinado ao financiamento ao consumo) cresceu a uma taxa real média anual de 45% entre 1968 e 1970, e de 43% entre 1971 e 1973, cf. Banco Central do Brasil, Relatório, vários números. O valor foi deflacionado de acordo com o índice de disponibilidade interna (coluna 2), Fundação Getulio Vargas, Conjuntura Econômica, cit.
[51] Os assalariados mais bem remunerados (que ganhavam entre Cr$ 10 mil e Cr$ 35 mil em 1975), que tiveram seus salários reais médios aumentados a uma taxa média anual acima de 7% entre 1970 e 1972, só avançaram 4,41% em 1973 e 5,69% em 1974; ao mesmo tempo, os assalariados médios (que ganhavam entre Cr$ 4.900 e Cr$ 10 mil), e cujos salários reais médios vinham aumentando cerca de 10% ao ano entre 1970 e 1972, tiveram seus salários estancados em 1973, com uma pequena elevação de 3% em 1974. Esses dados se referem aos assalariados da indústria paulista, que, certamente, sintetizava o movimento da economia nacional no período; cf. Domingo Zurron Ocio, Evolução dos salários e ordenados, cit., p. 16.
[52] Com a política de restrição ao crédito adotada pelo governo a partir de 1974, o crédito concedido pelas financeiras (basicamente destinado ao financiamento ao consumo de bens duráveis) reduziu-se, em termos reais, em 3% em 1974 e só aumentou em 7% em 1975; cf. Banco Central do Brasil, Relatório, vários números. Dados deflacionados segundo o índice de disponibilidade interna (coluna 2) da Fundação Getulio Vargas.
[53] Em 1971-1972, os que ganhavam acima de 10 salários mínimos na cidade de São Paulo tinham mais de 15% de seu orçamento comprometido com o pagamento de prestações; cf. J. R. Wells, “Subconsumo, tamanho de mercado e padrões de gastos familiares no Brasil”, Estudos Cebrap, n. 17, 1976, p. 49 (fonte original: “Orçamentos familiares na cidade de S. Paulo. 1971-1972”, São Paulo, IPE, 1971-1972). Dada a intensificação do crédito ao consumidor depois desse período, é provável que em 1973-1974 o comprometimento com prestações tenha aumentado ainda mais.
[54] No caso da indústria automobilística, a relação entre lucro líquido e patrimônio líquido caiu de 15,5% em 1973 para 10,2% em 1974 e para 5,6% em 1975; e, no caso do setor eletroeletrônico, as taxas caíram de 25,8% para 21,4%, e depois para 16,2%; cf. “Melhores e maiores”, Exame, set. 1977.
[55] O investimento fixo no ramo de material elétrico e de comunicação reduziu em 3,9% em 1974 e em 4,8% em 1975; no ramo de material de transporte (no qual se inclui a indústria automobilística), seguiu crescendo, mas a uma baixíssima taxa, se comparada com o período anterior: 6,5% em 1974 e 8,2% em 1975; cf. Regis Bonelli e Dorothea Werneck, “Desempenho industrial: auge e desaceleração nos anos 70”, em Wilson Suzigan (org.), Indústria: política, instituições e desenvolvimento (Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1978), p. 189-90.
[56] O setor de bens duráveis, depois de ter crescido a taxas acima de 20% entre 1970 e 1973 e 17,3% em 1974, despencou para 2,1% em 1975, ou seja, praticamente teve sua produção estancada no último ano; cf. Regis Bonelli e Pedro S. Malan, “Os limites do possível”, cit., p. 37.
[57] Entre 1971 e 1973, a indústria de bens de capital cresceu a uma taxa média anual de 25% e a de bens intermediários, a quase 16%; cf. idem.
[58] Segundo cálculos de Maria Conceição Tavares, a participação em 1970 no valor da transformação industrial dos ramos de mecânica, equipamentos elétricos, equipamentos de transporte, metalurgia e material de construção era próxima aos 20%; ver seu Da substituição de importações ao capitalismo financeiro, cit., p. 64.
[59] O valor das matérias-primas e materiais auxiliares importados experimentou uma elevação de US$ 2,369 bilhões em 1973 para US$ 6,081 bilhões em 1974; cf. Banco Central do Brasil, Boletim, v. 15, n. 1, jan. 1979. Isto se deveu a certo aumento da quantidade importada, mas sobretudo ao aumento dos preços; ver Fundação Getulio Vargas, Conjuntura econômica, cit.
[60 O preço das matérias-primas aumentou de um índice de 106 em 1972 para 268 em 1974; o dos bens intermediários evoluiu de 108 para 250; e o de bens de capital, de 107 para 121; ver Fundação Getulio Vargas, Conjuntura Econômica, cit. (base: 1970 = 100).
[61] O índice de preços (já deflacionado pelo índice de disponibilidade interna da FGV) dos produtos ferro, aço e derivados, que já subira de 131 em 1970 para 203 em 1973, subiu novamente para 282 em 1974 (idem; base: 1970 = 100).
[62] A relação entre os gastos em meios de produção com os gastos em salário, que já havia subido de 15,25 em 1970 para 17,61 em 1973, pulou para 19,95 em 1974; cf. Nilson Araújo Souza, Economia brasileira contemporânea, cit., apêndice.
[63] O subsetor de bens de capital, que havia crescido a uma taxa de 31% em 1973 e a 13,4% em 1974, só o fez a 5,9% em 1975; o de bens intermediários cresceu, respectivamente, a 14,2%, 6,7% e 4,1%. Para papel e papelão, ver Fundação Getulio Vargas, Conjuntura econômica, cit. Retrospecto anual da economia brasileira, 1976 (dados originais do IBGE). Para bens de capital e bens intermediários, ver Regis Bonelli e Pedro S. Malan, “Os limites do possível”, cit., p. 372 (dados primários do IBGE e elaborados pelo Ipea/Inpes).
[64] O investimento no conjunto da indústria de transformação chegou a cair 11,54% em 1975; ver José Serra, “Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira no pós-guerra”, em Luiz Gonzaga M. Belluzzo e Renata Coutinho (orgs.), Desenvolvimento capitalista no Brasil, cit., p. 99. A situação só não foi mais grave porque o investimento público acelerou, crescendo 17,8% em 1975 contra 17,3% no período 1970-1974; cf. Henri Philippe Reichstul e Luciano G. Coutinho, “Investimento estatal 1974-1980: ciclo e crise”, cit., p. 46.
[65] Houve uma forte redução do ritmo de expansão da atividade econômica, com o estancamento de vários setores importantes: o PIB, que crescera 13,9% em 1973 e 9,8% em 1974, só se expandiu 5,7% em 1975; a indústria de transformação desacelerou de 15,8% para 7,6% e depois 3,8%. Para o conjunto da indústria e o PIB, ver Banco Central do Brasil, Relatório, vários números; a produção do ramo de material elétrico, de comunicação e de material de transporte só cresceu 0,5% em 1975; a de têxtil, 2,3%; e a de produtos alimentícios, 0,1%; cf. Fundação Getulio Vargas, “Retrospecto anual da economia brasileira”, Conjuntura econômica, 1976.
[66] João Paulo dos Reis Velloso, Brasil: a solução positiva (São Paulo, Abril/TEC, 1977), p. 124, citado em Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza, A economia brasileira em marcha forçada (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985), p. 37, nota 31.
[67] Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza, A economia brasileira em marcha forçada, cit., p. 30.
[68] Citado em ibidem, p. 33, nota 23.
[69] Idem.
[70 João Paulo dos Reis Velloso, Brasil: a solução positiva, cit., p. 124, citado em Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza, A economia brasileira em marcha forçada, cit., p. 37.
[71] Carlos Lessa, A estratégia de desenvolvimento 1974-1976: sonho e fracasso (Rio de Janeiro, Faculdade de Economia e Administração da UFRJ, 1978), p. 96, tese, citado em Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza, A economia brasileira em marcha forçada, cit., p. 38.
[72] 1974: 18,1%, 1975: 14,8%, 1976: 2,3%, 1977: – 2,3%, 1978: 7,2%, 1979: 5,4%, 1980: 10,3%. Neste caso, usou-se como deflator o Índice Geral de Preços; cf. Henri Philippe Reichstul e Luciano Coutinho, “Investimento estatal 1974-1980: ciclo e crise”, cit., p. 42.
[73] 1975: 20,4%, 1976: 10,2%, 1977: 12,9%, 1978: 20,2%, 1979: 6,2%; cf. ibidem, p. 46.
[74] Ibidem, p. 45.
[75] Depois de crescer 15,8% de 1970 a 1974, o fez 6,8% no biênio 1975-1976 e, se excluirmos 1978 (quando teve um importante crescimento de 12,5%), praticamente estagnou em 1977 e 1979; cf. ibidem, p. 46.
[76] Cézar Busatto, La crisis del imperialismo y sus consecuencias sobre la reproducción del capital y la inserción mundial de la economía brasileña (Cidade do México, División de Estudios Superiores de la Unam-FNE, 1979), p. 269-71, dissertação de mestrado.
[77] As importações de bens de capital caíram desde 1975: US$ 3,9 bilhões em 1975, US$ 3,6 bilhões em 1976 e US$ 3,1 bilhões em 1977. Quanto às matérias-primas e insumos básicos (fora petróleo), as importações começaram a baixar a partir de 1974: US$ 4 bilhões em 1974, US$ 3,1 bilhões em 1975, US$ 2,6 bilhões em 1976 e US$ 2,7 bilhões em 1977; cf. Banco Central do Brasil, Boletim, v. 15, n. 1, jan. 1979.
[78] O Estadão publicou uma série de onze reportagens, de fevereiro a março de 1975, intitulada “Os caminhos da estatização”.
[79] Citado em Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza, A economia brasileira em marcha forçada (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985), p. 41.
[80 O governo começou a realizar no exterior uma série de encomendas que, a princípio, estavam destinadas à produção nacional; em seguida, adotou medidas de incentivos às exportações de bens de consumo duráveis; por fim, adotou medidas de readaptação de aparelho produtivo e de tipo fiscal, para beneficiar o setor de duráveis.
[81] O MDB estava revigorado por mais uma vitória nas eleições majoritárias de 1978: ainda que não tenha feito maior número de senadores, obteve mais votos do que o partido oficialista.
[82] 10,9% em 1978, 13,3% em 1979, 15,5% em 1980, 19,6% em 1981 e 19,5% em 1982. Cf. Francisco L. Lopes, “A crise do endividamento externo: alguns números e suas consequências”, em Pérsio Arida (org.), Dívida externa, recessão e ajuste estrutural: o Brasil diante da crise (2. ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983), p. 99.
[83] Idem.
[84] Carlos Manuel Peláez, O cruzado e o astral (São Paulo, Atlas, 1986), p. 46.
[85] Ibidem, p. 44.
[86] Ibidem, p. 56.
[87] Ibidem, p. 40.
[88] Idem.
[89] A dívida bruta subiu de US$ 32 bilhões em 1977 para US$ 81,3 bilhões em 1983; ver Paulo Nogueira Batista Jr., “International Financial Flows to Brazil since the Late 1960s: An Analysis of Debt Expansions and Payment Problems”, World Bank Discussion Papers, Washington, D. C., Banco Mundial, n. 7, mar. 1987.
[90 A relação dívida/PIB subiu de 18,2% em 1977 para 43,6% em 1983; enquanto isso, a relação dívida/exportação cresceu no mesmo período de 246,3% para 387,8%; cf. Werner Baer, A economia brasileira (2. ed., trad. Edite Sciulli, São Paulo, Nobel, 2002), p. 122.
[91] Depois de vários anos estabilizada, a taxa de inflação acelerou a partir de 1979: medida pela IGP, depois de haver permanecido entre 30% e 40% anuais entre 1974 e 1978, subiu para 76,8% em 1979 e 110,2% em 1980; cf. Fundação Getulio Vargas, Conjuntura econômica, cit.
[92] As primeiras medidas econômicas vieram a público em um discurso do general Figueiredo, de 7 de dezembro de 1979.
[93] Reichstul e Coutinho, cit., p. 48.
[94] Ao contrário, a inflação, medida pelo IGP, subiu inicialmente de 76,8% em 1979 para 110,2% em 1980; baixou um pouco para 95,2% em 1981 para, novamente, subir para 99,7% em 1982.
[95] Regis Bonelli, “Investimento e emprego face a desequilíbrios externos e internos”, cit., p. 137.
[96] Depois do aperto anterior, Delfim Netto, de olho nas eleições de 1982, que escolheriam os governadores de estado e elegeriam o Congresso Nacional que serviria de “colégio eleitoral” para a escolha do próximo presidente da República, declarou, então, que “o espaço para que o país volte a crescer já foi construído”. Por isso, adotou várias medidas de reativação econômica, como maiores incentivos às exportações, recursos para a construção civil e créditos para a agricultura, maiores facilidades de crédito para a compra de bens de consumo duráveis e para capitalização das empresas.
[97] Os dados de PIB e de produção industrial foram extraídos de Fundação Getulio Vargas, Conjuntura Econômica, vários números.
[98] O decreto-lei n. 2012, depois substituído pelo de n. 2024; rejeitado pelo Congresso Nacional, o governo editaria posteriormente os de n. 2045, 2064 e 2065.
[99] A primeira foi assinada em fevereiro de 1983; portanto, logo após as eleições de novembro de 1982.
[100 Ernane Galvêas, A saga da crise (Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1985), p. 133, quadro 39.
[101] Fundação Getulio Vargas, Conjuntura Econômica, cit.
[102] Inaugurada pelo comício de 12 de janeiro de 1984 em Curitiba, a “Caravana das Diretas” rodou todo o Brasil e, a 16 de abril, faria o comício de encerramento da campanha no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. A Polícia Militar estimou o público presente em 1,5 milhões de pessoas, mas os jornais chegaram a publicar a cifra de 2 milhões.
[103] Votaram a favor 298 deputados, com 65 votos contra, 3 abstenções e 113 ausências.
[104] A Frente Liberal fora constituída pelos membros do Grupo Participação, que se desprendera do partido oficial.
[105] Deflagrada pelo comício de Goiânia com mais de 500 mil pessoas e encerrada, a 3 de janeiro de 1985, no grande comício do Recife, que ficou conhecido como o Comício dos Guararapes, a campanha de rua reuniu milhões de pessoas em Belém, João Pessoa, Maceió, São Paulo e Salvador, além de outras capitais brasileiras; cf. Hora do Povo, 9 jan. 1985, p. 3.
[106] Dos 686 votos do “colégio eleitoral”, 480 foram dados a Tancredo Neves e 180 a Paulo Maluf, além de 17 abstenções e 9 ausências. Sarney, que renunciara à presidência do PDS para integrar a Frente Liberal, fora indicado para compor a chapa com Tancredo.
[107] Num total de 25 capitais e 176 municípios, nos quais, depois de duas décadas de jejum, realizaram eleições diretas a 15 de novembro de 1985.
[108] Extinguiu o decreto-lei n. 2065 e adotou medidas práticas tendentes à melhoria do salário real, como o aumento do salário mínimo acima da inflação, além de outras medidas, como um programa de emergência de combate ao desemprego e à fome; o aumento da verba para a educação, mediante destinação de 13% da receita tributária da União e 25% da dos estados e municípios para a Educação; medida tendente a baixar a parcela da prestação habitacional nos gastos familiares, ao lado da equivalência salarial; a eliminação ou redução do Imposto de Renda sobre os mais pobres: quem ganhava até cinco salários mínimos deixou de pagar esse imposto.
[109] No começo de 1985, a economia já começava a entrar em fase de desaceleração.
[110 A inflação do último trimestre da ditadura (janeiro-março de 1985) projetava uma taxa anual de 293%.
[111] Os economistas que passaram a preponderar na área econômica foram os chamados “economistas de oposição”, ligados academicamente à Unicamp e politicamente ao PMDB. Os principais deles eram João Manoel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo.
[112] Observa-se aí uma diferença substancial em relação aos programas econômicos impostos pelo FMI, nos quais desindexação significa fim da correção automática dos salários, isto é, perda do poder de compra do salário; no Plano Cruzado, significou fim da correção automática dos ganhos do capital financeiro especulativo.
[113] Governo Federal da Presidência da República, Decreto-lei n. 2283, 22 fev. 1986 (depois substituído pelo decreto-lei n. 2284).
[114] Esses dados correspondem à taxa de desemprego total, que soma o desemprego “aberto” com o “oculto”.
[115] A taxa de investimento, que baixara da média de 26,8% do PIB na década de 1970 para a faixa de 16% no período 1983-1985, subiu para apenas 17,7% em 1986 (dados da década de 1970 e para o período 1983-1985, calculados com base em Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza, A economia brasileira em marcha forçada, cit., p. 147, tabela 7, e p. 199, tabela 2; e para 1986, cf. IBGE).
[116] Medida pelo Índice Geral de Preços da Fundação Getulio Vargas, a inflação, que havia sido negativa em março e abril (– 1% e – 0,58, respectivamente), voltou sorrateiramente, ainda que de forma tímida, a partir de maio: 0,32% em maio, 0,53% em junho e 0,63% em julho, cf. Dieese/Sistema Serve.
[117] 0,63% em julho, 1,33% em agosto, 1,09% em setembro, 1,39% em outubro, 2,46% em novembro; índice medido pelo IGP (disponibilidade interna), da Fundação Getulio Vargas, cf. Dieese/Sistema Serve.
[118] Sua média mensal, que durante os seis primeiros meses do Plano Cruzado situou-se em torno de US$ 1,1 bilhão, converteu-se em déficit a partir de outubro, atingindo a cifra de US$ 218 milhões em dezembro; cf. Fundação Getulio Vargas, FGV/Dados.
[119] Idem.
[120 Alex Solnik, Os pais do Cruzado contam por que não deu certo (Porto Alegre, L&PM, 1987), p. 57. Sarney diria, mais tarde, que, no momento da moratória, que seria decretada em março de 1987, elas não passavam de US$ 2,8 bilhões; cf. entrevista por ele concedida à revista Época, 29 set. 2003, p. 28.
[121] Elegeu os governadores de todos os estados, à exceção do pequeno estado de Sergipe, e 53% dos deputados federais, além de 38 das 49 vagas disputadas para o Senado naquele ano, isto é, 77%. Com isso, assumiria o comando da Constituinte e, portanto, da elaboração da nova Carta Magna a partir de fevereiro de 1987.
[122] Belluzzo, que foi um dos autores do Cruzado II, admitiria mais tarde que “o melhor era não ter feito, nesse período, o Cruzado II”, cf. Alex Solnik, Os pais do Cruzado contam por que não deu certo, cit., p. 101.
[123] A taxa mensal de inflação, que fora de 2,46% em novembro, subiu para 7,56% em dezembro, 12,04% em janeiro, 14,11% em fevereiro, 15% em março, 20,08% em abril, 27,58% em maio. Cf. Índice Geral de Preços (disponibilidade interna) da Fundação Getulio Vargas (Dieese/Sistema Serve).
[124] A taxa de juros reais do Banco Central, que fora negativa em 1986 e 1987 (– 0,4% e – 8,8%, respectivamente), foi de 7,3% ao ano em 1988 e 43,4% em 1989. Taxa do overnight deflacionada pelo IGP-DI Centrado da FGV; cf. Banco Central do Brasil, Relatório anual, elaboração Dieese/Sistema Serve.
[125] Subiu de 416% em 1987 para 933% em 1988 e 1.764% em 1989.
[126] A tarifa média de importação caiu de 51,3% para 37,4%.
[127] Nessa lista, encontravam-se empresas como a Usiminas, a Acesita, a Açominas, a CST, a Petroquisa, a Petrobras Distribuidora, a Cobra, a Datamec, a Ultrafértil e a Fosfertil, entre outras; ver Conselho Federal de Desestatização, Projeto abertura de capital.
[128] César Benjamin e Tânia Bacelar Araújo, Brasil: reinventar o futuro (Rio de Janeiro, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro, 1995), p. 91.
[129] Dados originais do IBGE, organizados por MDIC-Secex-Depla.
[130 Passara de US$ 2.999 para US$ 3.062, em dólares constantes de 1991; cf. César Benjamin e Tânia Bacelar Araújo, Brasil: reinventar o futuro, cit., p. 92.
[131] Dados do IBGE; extraídos de Dieese/Sistema Serve.
[132] Fundação Getulio Vargas, FGV/Dados.
[133] Fundação Getulio Vargas, FGV/Dados. Cf. César Benjamin e Tânia Bacelar Araújo, Brasil: reinventar o futuro, cit., p. 105.
[134] Dados do IBGE.