MULHERES INDÍGENAS, MULHERES DE LUTA: TERRA, EDUCAÇÃO E RESISTÊNCIA
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Juliana Salles Machado
Isabele Soares Parente
Jozileia Daniza Jacodsen
Marcelo Gonzalez Fagundes
Introdução
No geral, eu acho que nós, mulheres, nós estamos vivendo, assim, um momento muito especial. Nós estamos sendo protagonistas da história. A iniciativa de todas as lutas ali, dos enfrentamentos, né? Está sendo das mulheres. Então, nós, mulheres indígenas, não ficamos de fora disso, né? Hoje, dentro do movimento indígena, na maioria das organizações, né, as mulheres estão assumindo. Claro, não é fácil, né? A gente aí, todo mundo aí sabe que o Brasil é ainda um país machista, né? (GUAJAJARA, 2018)
A fala transcrita acima é de Sônia Guajajara, a primeira mulher indígena a concorrer à vice-presidência no Brasil. Candidata nas eleições de 2018 pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), Sônia integra a crescente mobilização pelos direitos e pela representatividade dos povos indígenas nos espaços institucionais. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (2019), em 2018, houve um crescimento de 56,47% no número de candidatos autodeclarados indígenas nas eleições nacionais, totalizando 133 candidaturas registradas em 24 estados, número recorde na história do país.
Dessas candidaturas, 23 foram de mulheres indígenas, que concorreram às vagas de vice-presidente, deputada estadual e federal, e ao senado. Dentre elas, Joênia Wapichana, filiada à Rede Sustentabilidade, foi a primeira indígena eleita deputada federal no Brasil pelo estado de Roraima, sendo a oitava candidata mais votada no estado, com 8.491 votos. Em Santa Catarina, Kerexu Yxapyry, do povo Mbya Guarani, também disputou ao cargo de deputada federal e obteve 10.252 votos. Embora apenas Joênia Wapichana, das 23 candidatas, tenha sido eleita para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados em 2019, a mobilização das mulheres em torno das pautas indígenas é crescente, resultado de anos de luta pelo direito à voz nos espaços institucionais.
As histórias dos povos indígenas no Brasil são marcadas por diversas
violências, genocídios e expropriações de terra ocorridas ao longo do tempo, mas também pelas constantes lutas e resistências desses povos. Essas narrativas, no entanto, vêm sendo historicamente abafadas e silenciadas por diversos motivos, dentre eles a omissão do Estado, quando não sua própria ação direta no sentido de possibilitar ou facilitar a ocorrência desses crimes. É o caso da ditadura no Brasil, um dos períodos de forte violações de direitos humanos contra indígenas no país.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), publicado em 2014, afirma que ao menos 8.350 indígenas foram mortos entre 1964 a 1985, resultado de ações diretas dos agentes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e, posteriormente, da Fundação Nacional do Índio (KEHL, 2014, p. 199). Dentre as diversas atrocidades cometidas nesse período que chegaram a ser divulgadas, destacam-se os massacres, torturas, esbulho de terras, contaminação proposital dos indígenas por doenças contagiosas e a remoção forçada de seus territórios.
Assim como afirma a psicanalista Maria Rita Kehl (2014), responsável por coordenar os estudos sobre as violações aos direitos indígenas no período investigado pela CNV, é preciso entender que os crimes cometidos não foram esporádicos nem resultados acidentais; pelo contrário, as violações “[...] são sistêmicas, na medida em que resultam diretamente de políticas estruturais de Estado, que respondem por elas, tanto por suas ações diretas quanto pelas suas omissões” (KEHL, 2014, p. 204).
Desse modo, no presente capítulo buscamos contribuir, ainda que inicialmente, para uma compreensão sobre a abrangência das ações de um Estado ditatorial na vida dos povos indígenas no Brasil, além de trazer à luz as formas de protagonismo e estratégias de resistência desses povos, destacando as ações das mulheres, que exerceram um papel fundamental frente à violência e à luta pela retomada das terras.
Para isso, apresentaremos um breve relato sobre a história do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) para introduzir, em seguida, alguns dos inúmeros casos de abuso e violência recorrentes que levaram à sua extinção, em 1967, aliada à publicação do Relatório Figueiredo. Se as violências praticadas durante a década inicial da ditadura brasileira aplicam-se para todos os povos indígenas, entre as mulheres podemos ver como essa violência também está atrelada (e muitas vezes justificada) à reiterada imagem sexualizada das mulheres indígenas, aliada também ao discurso de seu “primitivismo”.
Evidenciaremos, ainda, estratégias e ações diretas do Estado para
promover o esbulho de terras indígenas na década de 1970, exemplificando, entre outros casos, o processo sofrido pelos Kaingang que, como veremos, não foi único. E é justamente na esteira da problemática das terras que vemos surgir as estratégias políticas de proteção aos povos indígenas – e por que não dizer de sua opressão? –, tão sagazmente subvertidas em ferramentas jurídicas para sua própria sobrevivência e resistência.
Finalmente, pretendemos analisar como a educação foi utilizada como ferramenta especificamente das mulheres indígenas na luta pela resistência. Em seguida, trataremos do papel que elas assumiram na retomada de terras indígenas, além do modo pelo qual, nos anos 1980, essa luta se desenvolveu conjuntamente ao direito à construção e à expressão da própria identidade, em uma tentativa tanto de desconstruir estereótipos e preconceitos tão enraizados na sociedade brasileira quanto de reforçar a necessidade de representação indígena nas instituições e espaços públicos e políticos.
SPI, corrupção e Relatório Figueiredo
O SPI, inicialmente denominado Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), foi o primeiro órgão estatal dedicado aos indígenas, criado em 1910, pelo Decreto n.º 8.072, e extinto em 1967. Sua origem está ligada ao Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, que, a partir de 1908, propôs a criação de uma agência indigenista no país (FREIRE, s/d).
Consolidando-se em meio aos ideais positivistas presentes nas primeiras décadas da República, o SPI tinha por finalidade a execução da política indigenista no Brasil, inserindo os indígenas na sociedade nacional por meio do trabalho, com o intuito de “civilizá-los”, além de possibilitar o acesso e a produção de bens nas terras indígenas. Em relação à metodologia aplicada pelo SPI, os indígenas eram classificados de acordo com o tipo de assentamento e “civilização” e inseridos em um projeto civilizatório, baseado em um modelo evolucionista (FREIRE, s/d).
As ações do SPI, no entanto, foram marcadas por contradições ao seu objetivo inicial. Em 1950, as inúmeras denúncias contra o Serviço de Proteção aos Índios por irregularidades na administração das terras indígenas, venda ilegal de madeira e constantes massacres começaram a obter repercussão no país, motivando a abertura de vários inquéritos administrativos entre as décadas de 1950 e 1960. Em sua dissertação de mestrado, Elena Guimarães nos apresenta alguns dos documentos que
comprovam as denúncias ao Ministério da Agricultura, bem como a carta de exoneração de Darcy Ribeiro, em 1956, na qual critica a permanência de funcionários suspeitos de cometerem irregularidades no quadro do SPI (GUIMARÃES, 2015, p. 47).
Em 1967, por ordem do Ministro do Interior, Jáder de Figueiredo Correia, Procurador do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), foi nomeado para presidir a comissão para investigar as irregularidades no SPI. Em 20 de março de 1968, o Ministro, General Albuquerque Lima, apresentou em uma entrevista coletiva no Rio de Janeiro os resultados obtidos no Relatório Figueiredo, como ficou conhecido o documento (GUIMARÃES, 2015, p. 51-52). Segundo Guimarães, em 1968, no entanto, com a instauração do Ato Institucional n.º 5, o Relatório foi “esquecido” e, posteriormente, dado como perdido, apesar da pressão internacional sobre o governo brasileiro para explicar as violações aos direitos humanos dos povos indígenas, visto que o Brasil já havia ratificado a Declaração Universal de Direitos do Homem na Organização das Nações Unidas (GUIMARÃES, 2015, p. 53). O documento foi redescoberto pelo pesquisador Marcelo Zelic em 2012, no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.
Em meio aos diversos efeitos negativos para a imagem do país que foram produzidos pela divulgação nacional e internacional dos crimes, o Serviço de Proteção aos Índios foi, então, extinto em 1967, dando origem à Fundação Nacional do Índio (Funai), com a promessa de punir os funcionários envolvidos nos processos administrativos e de devolver as terras indígenas usurpadas (DAVIS, 1978 apud
GUIMARÃES, 2015, p. 54).
Mas como isso afetava as mulheres indígenas? Conforme mostraremos no tópico abaixo, as práticas de violência institucionalizadas pelo SPI contra os povos indígenas não excluíam suas mulheres. Sobre estas recaíam ainda outras agressões, relacionadas a seu corpo, sua sexualidade e como a sociedade “branca” patriarcal forjava sua imagem e silenciava sua identidade.
As faces da violência: a narrativa da sedução e do “primitivismo”
A violência contra os povos indígenas na América do Sul, e especialmente no Brasil, é recorrente quando falamos sobre o período colonial e as relações de trabalho nos séculos XVI, XVII e XVIII. Esse processo de colonização foi marcado por diversas atrocidades, e, na região sul do Brasil, esteve associado com a ocupação dos vales pela migração europeia na
região, no século XIX (WITTMAN, 2007; SANTOS, 1973). Além disso, é durante esse processo que são criadas as milícias, os chamados bugreiros
, e que se concretiza uma política nacional de extermínio (WITTMAN, 2007), como forma de liberação dos territórios do interior do país para o desenvolvimento da agricultura (SANTOS, 1973). Nessas práticas, muitas mulheres indígenas e crianças eram sequestradas e levadas para instituições religiosas da região ou, ainda, no caso das crianças, estas poderiam ser adotadas por colonos alemães mais eminentes que buscavam provar a aptidão indígena para seu projeto civilizatório – como na história dramática de Korikrã, narrada por Wittman (2007) e Wolff (2003).
Apesar de as dúvidas sobre os indígenas possuírem ou não “alma” e de o questionamento acerca de sua “humanidade” (isto é, se poderiam ser considerados como seres igualmente humanos) se situarem principalmente nos séculos XVI e XVII, os estereótipos e preconceitos decorrentes dessas questões foram levados adiante na história, resultando, no século XX, em convicções sociais que incapacitavam os indígenas e os esvaziavam de suas capacidades humanas (LASMAR, 1999, p. 146).
A suposta incapacidade dos povos indígenas é parte do processo de construção de uma narrativa que define a vida dessas pessoas como “atrasada” e “primitiva”, em oposição à “civilização” colonial, o que contribuiu para a reprodução da falsa ideia de que eles não ofereceram resistência à colonização, tida como “natural” e justificável. No caso das mulheres indígenas, esse processo foi ainda mais marcante, pois não apenas as privou da humanidade, como também as representava como “lascivas”, “sexualmente incontroláveis”, e, por isso, responsáveis pela aproximação entre indígenas e brancos (LASMAR, 1999, p. 147).
A posição das mulheres indígenas a partir de sua apropriação sexual por homens brancos é documentada em diversos contextos nacionais, muitas vezes sendo chamadas de “crime de sedução”. Como exemplo, podemos citar um ofício do chefe substituto da I.R/5 do SPI ao subdelegado regional em Mato Grosso, no dia 3 de novembro de 1966, em que informa sobre o crime de “sedução” sofrido pela adolescente indígena Caiuá Jussara, do Posto Indígena Benjamin Constant, e requer providências
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Dezessete dias depois, em 21 de novembro de 1966, vemos um novo ofício do chefe substituto comunicando o desaparecimento da adolescente. A jovem Caiuá Jussara, de 14 anos de idade (presumidamente), teria desaparecido da sede da Inspetoria Regional, após a denúncia de ter sido “seduzida” por Alaôr Fioravanti Duarte, encarregado do Posto Indígena Burití
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O caso de Jussara não é único, assim como também não o é a posição de seu algoz. Os documentos analisados durante a pesquisa que baseia este capítulo revelam que os encarregados dos postos indígenas foram os principais responsáveis pelas violências praticadas contra os indígenas. O abuso sexual desses inspetores sobre jovens e adultas indígenas se repetiu em diversos estados e reservas indígenas brasileiras, sendo normalmente atrelado a outras formas de violência, como espancamento, tortura, assassinato e desaparecimento.
Exemplos disso são os casos de funcionários do SPI denunciados no Relatório Figueiredo. Boanerges Fagundes de Oliveira, acusado de “sedução” de mulheres indígenas na Ilha do Bananal, em Tocantins, também foi considerado suspeito por incitação de suicídio de uma funcionária, além de roubo e embriaguez, dentre outros crimes
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. Djalma Mongenot foi acusado de “defloramento” da indígena Terena, do Posto Indígena Ipegue, em Campo Grande, Mato Grosso
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Há ainda o caso do funcionário Flávio de Abreu, que, dentre seus vários crimes, destacam-se sequestros, cárcere privado e torturas, chegando a forçar indígenas a espancarem suas próprias mães e a trocar uma mulher indígena por um fogão de barro
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. Chamam atenção também as práticas de uma funcionária do SPI, Elita Ferreira Simões, acusada de espancar duas mulheres indígenas e de ser responsável pelo desaparecimento de uma delas no Posto Indígena Vanuíre, em Campo Grande, Mato Grosso
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Os crimes de estupro e rapto eram frequentes contra as mulheres indígenas, que também não escapavam das sessões de espancamento e tortura, como documentado em 20 de janeiro de 1967, no Relatório da Delegacia Regional de Pernambuco, que narra o espancamento de indígenas por parte de policiais em Petrolândia. No documento, constam as agressões por parte dos policiais às mulheres indígenas, dentre elas uma gestante
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No Sul, também foi intensa a violência praticada por funcionários do SPI nas terras indígenas, anteriormente designadas reservas. Um dos casos mais marcantes é o de Eduardo Hoerhan, funcionário do SPI que fundou a reserva Ibirama-Xokleng, em 1914. Seus atos de violência contra mulheres e homens Laklãnõ Xokleng foram descritos por diversos autores, como Wittman (2007) e Santos (1973) e, mais recentemente, pelos próprios indígenas, no documentário “Aqueles que contam histórias” (2014), em que são trazidas à tona denúncias sobre Hoerhan e suas ações, como, por exemplo, a prática de treinar tiros com alvos humanos vivos.
Diante dos casos aqui citados, bem como do Relatório Final da CNV e do Relatório Figueiredo, corroboramos a afirmação anteriormente citada da psicanalista Maria Rita Kehl de que os crimes cometidos diretamente por oficiais do Estado não foram simplesmente casos isolados ou resultados acidentais, mas sim ações sistemáticas, em prol de uma política nacional de extermínio que buscou e busca a posse dos territórios indígenas para favorecer o desenvolvimento agropecuário no país.
O esbulho de terras
Em sua dissertação de mestrado sobre as trajetórias e lutas das mulheres Kaingang pela retomada de suas terras, a pesquisadora e antropóloga indígena Joziléia Jacodsen nos mostra que desde a década de 1900 o povo Kaingang luta pela demarcação de seus territórios. Segundo Jacodsen, a perseguição aos indígenas e às suas terras desde o século XIX motivou o estado do Rio Grande do Sul a prestar auxílio para o Governo Federal para demarcar os territórios Kaingang e, assim, foram demarcados 12 toldos no período: Ligeiro, Ventarra, Caseiros, Votouro, Carreteiro, Guarita, Lagoão, Faxinal, Inhacorá, Serrinha e dois toldos em Nonoai (JACODSEN, 2016, p. 34-35).
Por meio de uma reportagem do jornal Correio do Povo
, publicada em 1908, Jacodsen nos indica que a luta pela demarcação encontrou voz inicialmente nos caciques da Serrinha e de Nonoai (que antes formavam uma única aldeia), que denunciaram ao Presidente do Estado, Carlos Barbosa, a constante perseguição e tentativa de desalojamento que seus povos estavam sofrendo. As violações foram ouvidas pelo então Presidente do Estado, que ordenou a demarcação da área. Em 1911, o toldo Serrinha foi, então, demarcado, com uma área total de 11.950 hectares (JACODSEN, 2016, p. 35-36).
Ao longo dos anos, no entanto, essa área foi sendo drasticamente reduzida. Em 1922, foi aprovado o Decreto n.º 3.004, exigindo agilidade na demarcação dos toldos e passando para os estados (entes federativos) a responsabilidade pela demarcação e proteção dos territórios indígenas. É a partir daí, de acordo com a antropóloga, que teve início o maior esbulho sofrido pelo povo Kaingang na Serrinha (JACODSEN, 2016, p. 37).
Em 1941, época do Estado Novo, a administração dos territórios indígenas passou a ser responsabilidade apenas da União. Nesse momento, o governador do Rio Grande do Sul, Osvaldo Cordeiro de Freitas, antes de realizar a devolução, reduziu os toldos, amparado pelo Regulamentos de
Terras e pelo argumento de que a transferência de terras do Estado para a União iria possibilitar o desmatamento e venda ilegal de madeira pelos agentes do SPI. Assim, dos 11.950 hectares iniciais, a Serrinha ficou com apenas 4.724 hectares do seu território, uma área que também já estava ocupada por posseiros (JACODSEN, 2016, p. 38).
O esbulho ainda se perpetuou nas gestões seguintes. A decisão do Governador Osvaldo Cordeiro foi oficializada pelo governador posterior, Walter Jobim, que criou, em 1949, a Reserva Florestal da Serrinha. Com a criação da Reserva, o povo Kaingang foi sendo gradualmente expulso dos seus territórios pelos colonos e, em 1958, a área voltou a ser reduzida, resultando no “desaparecimento” da Serrinha. Nas palavras de Jacodsen,
No relatório do MPF (1997, p. 66), consta que, no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, o então governador Ildo Meneguetti autorizou o Estado a vender a área de 6.624 hectares de terra no norte do território, no dia 06 de janeiro de 1958, em um local chamado Serrinha, por meio da Lei nº 3.381, que autoriza o governo estadual a lotear e vender as terras. O que é mais absurdo: aquela, que fora a área demarcada, passou a ter então 1.060 hectares, uma redução bem considerável. Levando-se em conta que a área inicial era de 11.950 hectares, temos uma redução de 10.890 hectares em 20 anos. Essa redução foi o último suspiro antes do desaparecimento. As famílias indígenas já não suportavam mais tantas barbáries que aconteciam na sua terra, que estava totalmente intrusada.
[...]
As famílias indígenas que ainda restavam foram expulsas, carregadas em caminhões e levadas para o toldo de Nonoai, porque a porção de terra que restou foi facilmente tomada pelos colonos, que utilizaram todos os métodos de violência contra os indígenas. Muitas famílias fugiram a pé para as aldeias em que tinham parentes (JACODSEN, 2016, p. 41-42).
A violência praticada contra os indígenas nesse processo consistia em uma prática que se tornara comum em diversos contextos sob o regime ditatorial brasileiro, conforme denunciado no Relatório Figueiredo. No processo de remoção dos indígenas de suas terras, muitos eram mantidos em cárcere privado e eram torturados e espancados, sistematicamente, no que à época chamavam de “tronco”, nome que se assemelha aos castigos utilizados para pessoas negras escravizadas até o século XIX no Brasil.
O “tronco” era, todavia, o mais encontradiço de todos os castigos, imperando na 7ª Inspetoria. Consistia na trituração do tornozelo da vítimas [SIC], colocado entre duas estacas enterradas juntas em
ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente.
Tantos sofreram os índios na peia e no “tronco” que, embora o Código Penal capitule como crime a prisão em cárcere privado, deve-se saudar a adoção dêsse delito como um inegável progresso no exercício da “proteção ao índio”.
Sem ironia pode-se afirmar que os castigos de trabalho forçado e de prisão em cárcere privado representavam a humanização das relações Índio-SPI (RELATÓRIO FIGUEIREDO. Proc. n.º 4.483/68. v. XX. Fl. 4913).
A violência consistia, portanto, em uma estratégia política voltada à redução dos povos indígenas em pequenos territórios, liberando, assim, suas áreas tradicionais para a colonização agrícola e obrigando seus corpos ao trabalho forçado nas plantações e empreendimentos do Estado. O medo e a violência favoreciam o silenciamento das ações sofridas por eles perante a sociedade nacional e instâncias internacionais.
Políticas de proteção, políticas de opressão
Com a extinção do SPI, a missão da Fundação Nacional do Índio (Funai) era a integração indígena na sociedade nacional, numa tentativa explícita de torná-los trabalhadores rurais. Vê-se, nesse momento, a máxima de que os indígenas precisavam evoluir até serem integrados, reiterando a visão positivista e eurocêntrica de progresso com os moldes desenvolvimentistas, urbanos, agrícolas e masculinos. A estratégia política imbricada nessa estrutura que surgia em período ditatorial era a tutela, isto é, os índios eram tidos legalmente como relativamente incapazes e, portanto, precisavam de um órgão que pudesse tomar as decisões sobre o seu presente e futuro por eles.
As mudanças na política indigenista, marcadas em 1967 pela promulgação da Constituição da República de 1967 e pelo fim do SPI e criação da Funai, determinava uma nova postura diante da questão das terras indígenas. No texto da constitucional era mantido o reconhecimento a posse das terras habitadas pelos “silvícolas” e a nulidade dos títulos que incidiam sobre essa terra, que passam a constituir como bens da União, retirando, assim, dos estados a prerrogativa de delimitação desses territórios. Se, como vimos anteriormente, a violência contra os povos indígenas já estava presente nas últimas décadas, nesse momento ela foi potencializada, aliada às retiradas forçadas desses povos de suas terras. Em todo o Brasil, eram constantes os casos de chacinas contra a população
indígena.
O aumento da violência sobre esses povos levou, no Sul do Brasil, entre os Kaingang, à criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa, em 24 de outubro de 1968, criada para investigar o conflito entre indígenas Kaingang e posseiros na Terra Indígena de Nonoai. No mesmo ano, o parecer final da CPI foi aprovado e se tornou a Resolução n.º 1.605, reafirmando o direito de posse e propriedade dos indígenas sobre suas terras e toldos. No entanto nenhuma medida efetiva foi tomada nesse sentido; ao contrário, a retirada dos indígenas de suas terras continuou de forma violenta.
O período do final dos anos 1960 foi marcado pela retirada forçada de pessoas indígenas de suas terras de maneira violenta, pela apropriação das terras indígenas para implantação agrícola e pela criação dos chamados “reformatórios” indígenas em pelo menos dois locais no Brasil, sendo o mais conhecido deles o Reformatório Krenak, em Minas Gerais. Segundo publicação do CIMI, datada de 2012,
O reformatório Krenak começou a funcionar em 1969, em uma área localizada dentro do extinto Posto Indígena Guido Marlière. Suas atividades eram comandadas por agentes da Polícia Militar mineira, que, à época, recebeu a incumbência de gerir as terras indígenas daquele estado por meio de um convênio com a recém-criada Fundação Nacional do Índio (Funai).
Num boletim informativo da Funai de 1972, encontramos uma das poucas menções oficiais a respeito do local, qualificando-o como uma experiência de “reeducação de índios aculturados que transgridem os princípios norteadores da conduta tribal, e cujos próprios chefes, quando não conseguem resguardar a ordem na tribo, socorrem-se da Funai visando restaurar a hierarquia nas suas comunidades” (CAMPOS, 2012, p. 8).
A memória desses lugares sombrios ainda é silenciada e muito pouco se sabe sobre eles. Os dados disponíveis indicam que eram locais criados pelo governo, afastados e isolados do contato com as cidades, para onde eram forçadamente levados em sigilo indígenas de diversos povos e regiões brasileiras. Lá, eles eram torturados e treinados para torturar uns aos outros, além de haver casos de assassinato, segundo indicado por indígenas que sobreviveram ao reformatório. Os “métodos reeducacionais” da instituição “[...] incluíam indígenas açoitados e arrastados por cavalos”. (PORANTIM, 2012, p. 8).
Mas as violências praticadas sobre os povos indígenas não ocorreram sem resistência. Em 1969, foi criada a União das Nações Unidas Indígenas,
que representou a primeira tentativa de articulação nacional para a defesa da cultura indígena. Essa articulação entre os povos teve um importante papel para a consagração dos Direitos dos Índios, nas discussões sobre a Constituinte e, finalmente, para a redação final da Constituição de 1988.
Essa articulação nacional inédita deu força aos povos que buscavam, já no início da década de 1970, a retirada de posseiros, brancos e arrendatários de suas terras em diversas regiões do Brasil. Em muitos casos, porém, indígenas foram obrigados a trabalhar como peões ou diaristas nas terras dos agricultores/colonos/invasores para permanecerem no seu território, como ocorreu nas terras indígenas Kaingang.
Ainda no contexto do Sul, houve diversas tentativas de reocupação das terras de Nonoai pelos Kaingang. No entanto, para evitar a ocupação, o governo, por intermédio do Escritório de Terras do município, vendeu as áreas para agricultores da região. No mesmo período, na terra indígena Ibirama, a situação dos Laklãnõ Xokleng não era muito melhor, tendo a Funai concedido às madeireiras locais a exploração de madeira no território indígena, além da cessão de áreas de plantio para colonos dentro da área anteriormente demarcada como reserva indígena.
Apesar da breve articulação nacional no final da década de 1960, vemos na década de 1970 uma diminuição das ações do movimento indígena nacional no que diz respeito à reorganização territorial. Há, no entanto, nesse período, a aprovação do Estatuto do Índio, Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que formalizou os procedimentos a serem adotados pela Funai, cuja missão seria proteger e assistir as populações indígenas, além de demarcar as terras indígenas e ser responsável pelo processo de regularização fundiária.
Apesar do discurso protecionista, o “Estatuto do Índio”, promulgado durante o governo militar, segundo Albert (2005, p. 201-202), teria por fim facilitar a implementação de projetos de desenvolvimento de interesse do governo dentro das terras indígenas. Para o autor, apesar da alegação de proteção, essa nova regulamentação visava instituir mecanismos legais de expropriação. Com isso, o governo garantia a possibilidade legal de deslocar indígenas sob a justificativa da “segurança nacional”, ou ainda da necessidade de executar trabalhos públicos, como o ainda tão polêmico direito à exploração mineral para projetos de interesse público, sem contar o tão utilizado direito da Funai de organizar colônias agrícolas com mão de obra indígena (ALBERT, 2005, p. 202).
Ainda segundo o autor, tais intenções estavam por trás de uma retórica
de “proteção” legal desses povos, retórica necessária diante de uma crescente e internacional ideologia indigenista, aliado ao já conhecido posicionamento da igreja católica e às agências financiadoras mundiais (ALBERT, 2005, p. 202).
Chama atenção especialmente como o movimento indígena, apesar dos planos iniciais do governo em sua promulgação, utilizou-se do Estatuto para suas próprias demandas legais e para a legitimação de suas lutas. Nesse sentido, outro aspecto fundamental para a compreensão do Estatuto do Índio é o novo regime territorial, que, segundo Albert,
[...] granting them rights to the occupation and exclusive usufruct of specific collective spaces taking the form of restricted lands called áreas (categorizes as “reserves”, “parks”, “agricultural colonies”, or “indigenous territories”) while the state was assigned ownership prerrogatives and the responsibility for defining the boundaries and guaranteeing the integrity of such lands (ALBERT, 2005, p. 202)
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Desde a promulgação da nova Constituição de 1988, o Estatuto está sendo revisto, principalmente no que tange à retirada das políticas de tutelagem e assimilação, assim como a inserção de demandas atuais como o debate acerca da propriedade intelectual e todas as problemáticas relativas à questão ambiental. Contudo Albert ressalta que esse processo de emenda ainda não estaria completo, sendo, portanto, o Estatuto de 1973 ainda “valid as long as they do not contradict those of the Constitution”
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(ALBERT, 2005, p. 203).
As mulheres indígenas e a educação como luta
Enquanto os conflitos sobre a terra tomam conta de grande parte do cenário acerca do movimento indígena e seus atritos com a sociedade nacional, vemos na década de 1970 surgir uma nova estratégia de resistência e luta liderada em grande parte pelas mulheres indígenas. O tema é tratado por Jozileia Jacodsen (2016), que ressalta como o ingresso das mulheres indígenas nos cursos de formação de educadoras foi sendo apropriado por elas como estratégia de formação de novas lideranças femininas e empoderamento e resistência frente à estrutura nacional mais ampla.
É sabido que a educação escolar em terras indígenas fazia parte do projeto assimilacionista nacional da época, assim como também é sabido que o papel das mulheres indígenas sempre foi classificado como secundário na estrutura patriarcal da sociedade nacional, que tratou de eleger lideranças
indígenas masculinas como interlocutores no contato intercultural. Assim como na sociedade nacional de maneira geral, foi imputado às mulheres o papel de professoras e/ou educadoras como um dos poucos caminhos profissionais possíveis naquele contexto histórico.
O mesmo ocorreu entre as mulheres indígenas que foram colocadas, muitas vezes forçadamente, como educadoras e/ou monitoras em cursos bilíngues. Enquanto esse papel dado às mulheres no período não é novidade, Jacodsen (2016) chama a atenção para como as mulheres subverteram o papel que lhes fora atribuído e o transformaram em estratégia de resistência. Temos, aqui, um fenômeno semelhante àquele debatido por Albert (2005) com relação ao Estatuto do Índio, no qual a ferramenta construída como forma de “aprisionamento”, ou, nesse caso, de “assimilação” à sociedade nacional, é subvertida em forma de resistência cultural e ferramenta a partir da qual os direitos à diferença cultural passam a ser defendidos.
Nesse contexto, a narrativa de Andila Kaingang, trazida por Jacodsen (2016), mostra-nos a consciência dessa nova forma de luta pelas mulheres indígenas. A memória data de 1973, época em que estava no curso de monitores bilíngues, cuja proposta inicial era a de dar continuidade à política do assimilacionismo, utilizando os professores bilíngues para acelerar o processo de aprendizado (JACODSEN, 2016, p. 167). Nas palavras de Andila,
Uma força dentro de mim que não queria morrer me dizia: “Você não pode desanimar, as coisas vão mudar, não vai continuar assim. Esta formação que vocês estão fazendo e que estão pagando um preço muito alto não favorecerá apenas aqueles que anseiam vê-los desaparecer, mas ao povo de vocês também” (INÁCIO, 2015 apud
JACODSEN, 2016, p. 167).
A crescente inserção das mulheres indígenas nos sistemas educacionais brasileiros, além do gradativo fortalecimento do movimento indígena nacional, pode ser medido pela repercussão que o tema começou a ter na mídia em diversas regiões brasileiras. Citamos como exemplo casos que podem ser observados desde o Paraná, por meio dos trabalhos organizados pelo Clube da Mulher de Campo do Paraná em apoio às mulheres indígenas (FRANCIOSI, 1970), até o Nordeste, com a publicação de matérias em jornais da época que veicularam notícias sobre a abertura de uma exposição de cerâmicas indígenas em Pernambuco, fruto da mobilização das mulheres pela venda de sua arte
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Mobilização nacional e a luta
pela terra
Entre 1974 e 1983, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) apoiou a realização de 16 assembleias nacionais de povos indígenas, dentre elas a Primeira Assembleia Nacional de Líderes Indígenas, realizada na Missão Anchieta, em Diamantino, no Mato Grosso. Nesse período, os povos indígenas de diversas regiões do Brasil passaram a contar com a forte presença do CIMI para uma articulação nacional entre os povos frente ao governo e aos ataques da sociedade nacional de uma maneira geral. Para Albert (2005), a multiplicação dos conflitos interétnicos e territoriais teria impulsionado o crescimento do movimento nacional indígena motivados pela demarcação de seus territórios. Segundo o autor, a “questão indígena” ganhou visibilidade no contexto brasileiro principalmente em função da questão territorial – o chamado “problema das terras indígenas”.
Com o aumento da visibilidade indígena frente à sociedade, foram criadas diversas organizações indígenas na segunda metade da década de 1970. No Sul, o fortalecimento nacional desses povos foi sentido quando, em 1975, foi criado um grupo de trabalho pelo Incra, Funai e Governo do Estado para apurar a situação dos indígenas na fronteira entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina com os colonos invasores. O crescimento e fortalecimento desses povos no Sul levou, em 1978, à expulsão violenta de colonos na Reserva Indígena de Nonoai. Segundo Jacodsen,
A situação se deu em decorrência do ingresso prévio dos colonos nas aldeias indígenas o que gerou muitos conflitos, especialmente porque, após a expulsão dos antigos Kaingang da aldeia Serrinha (1950-1960), os invasores passaram a ingressar na Reserva Florestal e na Reserva Indígena de Nonoai, o que levou ao desfecho violento no final da década de 1970, com a expulsão dos colonos daquela área, organizada e levada ao efeito pelos indígenas no ano de 1978 (JACODSEN, 2016, p. 58).
Na década de 1980, houve a consolidação da mobilização nacional indígena iniciada anos antes. São criadas e mantidas redes de parcerias entre os povos indígenas, ONGs e indigenistas, além do próprio Cimi, que continua tendo uma atuação representativa na articulação da mobilização nacional. Os encontros realizados consolidaram a articulação indígena nacional e formaram uma preparação para a atuação das lideranças indígenas na formulação da Constituição de 1988.
A consolidação dessa articulação se deu com a fundação da União das Nações Indígenas (UNI), que buscou uma articulação permanente e de caráter nacional entre os diversos povos do território nacional. Parcerias
entre indígenas, antropólogos e indigenistas se fortaleceram, e ainda hoje o Cimi continua tendo um papel importante, principalmente enquanto articulador entre esses agentes.
A partir de meados da década de 1980, as organizações indígenas locais ganharam maior destaque, dando suporte às necessidades de cada região e povo, fazendo com que a UNI perdesse força. No Sul, em terras Kaingang, a mobilização indígena obteve uma vitória já em 1985, com o encerramento do grupo de trabalho que indicou ao Incra, Funai e Estado a retirada dos colonos das terras ocupadas, reassentando e reintegrando a posse aos indígenas.
Uma demonstração da conquista da mobilização e resistência indígena aconteceu entre o período de 1985 a 1988, na inserção das lideranças indígenas nos debates sobre as Constituintes, a redação do Capítulo VII na Promulgação da Constituição Federal e dos artigos, especialmente os artigos 231 (e seus incisos) e 232, que tratam da sobrevivência física e cultural indígena, normativa que até hoje rege os direitos indígenas. Segundo Albert (2005, p. 204), com a constituição de 1988 e a reabertura democrática de 1989, um novo decreto de 1991 reafirmou o papel da Funai na demarcação das terras indígenas e, assim, abriu espaço para a participação indígena.
Nesse sentido, retomamos e reafirmamos uma discussão proposta por Albert (2005), para quem a legitimação das lutas indígenas no espaço público em escalas nacional e internacional ocorreu pela apropriação indígena das leis e símbolos dominantes na sociedade. Denominado pelo autor como um modo de “sincretismo estratégico”, esse “hibridismo discursivo” adotado pelos povos indígenas e consolidado em sua articulação nacional e internacional se tornou uma “[...] structural condition for expression in the Indian movement”
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(ALBERT, 2005, p. 205).
Aqui, há dois pontos cruciais no argumento desse autor para compreendermos esse processo cultural e político: o primeiro se refere à oposição entre a grande diversidade cultural entre os povos indígenas e as variadas formas de interação histórica e social delas com os chamados “brancos” e a homogeneização criada pelo Estatuto do Índio e reafirmada pela constituição de 1988. Há uma dupla atribuição do estado sobre os povos, no que tange a uma noção de “territorialidade abstrata” e “indianidade genérica” (ALBERT, 2005, p. 207).
Já o segundo ponto é fundamental para compreendermos o primeiro sem recair em uma perspectiva colonialista que reproduz o indígena como vítima de um processo histórico. O argumento de Albert (2005, p. 208) nos
leva à lembrança de que a atribuição de identidade nunca pode ser reduzida à imposição de identidade.
As mulheres indígenas, por elas mesmas
Em uma matéria intitulada “Domésticas e lavradoras, as injustiçadas”, publicada em 1985 pelo
Jornal do Commercio
(RJ), encontramos a apresentação de líderes feministas que expressaram a importância da participação das indígenas na mobilização pelos direitos das mulheres – tema que chama a atenção, pois coloca as mulheres indígenas como protagonistas na luta pelos seus direitos
116
.
Esse protagonismo apontado pelas feministas não indígenas se torna visível um ano depois, com a publicação do texto “Os problemas dos índios, por eles mesmos”, de Eliane Potiguara, publicado no jornal
Mulherio
(SP), em 1986
117
. O texto representa um marco importante na luta das mulheres indígenas pelo direito à fala e à representatividade.
A partir de então encontramos uma mudança na documentação relativa às mulheres indígenas, pois se até a década de 1970 a maior parte esteve voltada aos crimes e abusos sexuais sobre as mulheres indígenas, na década de 1980 vemos a formação de uma narrativa crítica que questiona os estereótipos associados às mulheres indígenas pela sociedade branca nacional, tema que foi tratado, por exemplo, no texto “A índia e o olho do branco”, de Norma Telles, publicado no jornal
Mulherio
(SP), em 1987
118
, denunciando a visão estereotipada pela qual as mulheres indígenas eram retratadas nos livros didáticos.
Essa mudança de olhares sobre as mulheres indígenas e seu protagonismo social também chamam atenção no Paraná de 1987, como exposto na nota “Mulheres lutam contra regime de Stroessner”, publicada no
Correio de Notícias
(PR)
119
. O texto apresenta a mobilização das mulheres na luta contra as ditaduras na América Latina, enfatizando o modo abusivo como as mulheres indígenas ainda eram tratadas.
É no período da década de 1980 que vemos também a associação mais evidente das mulheres indígenas na luta pela terra, entendida por elas como um retorno à terra ou uma retomada, como historicamente ficaram conhecidos esses movimentos. Nesse sentido, traremos para discussão a biografia de uma mulher indígena que esteve à frente do movimento de retomada de suas terras, Maria Barbosa (Irepxi
), uma Apinajé que teve papel significativo na luta pelo processo de demarcação.
Liderança respeitada e reconhecida, Irepxi
articulou a mobilização e a
mobilidade dos Apinajé na luta pelo reconhecimento de parte do que é hoje a Terra Indígena Apinayé, localizada no norte do atual estado do Tocantins, pautada pela significação ancestral que ela e seu grupo familiar estabeleciam com esse território. Ela nasceu na antiga aldeia Cocal, na década de 1920, mas mudou-se na década de 1950 para a aldeia São José. Segundo Nimuendajú (1983), que visitou a aldeia em 1928 e 1937, esta constituía-se de apenas 3 casas.
Na década de 1940, essa aldeia foi abandonada por conta de uma epidemia de malária. Os remanescentes da população mudaram-se para a aldeia Gato Preto e depois para a aldeia São José. Em maio de 1984, em meio à luta pela demarcação, Irepxi
fundou a aldeia Cocalinho, próxima à antiga localização da aldeia Cocal. Ali viveu algum tempo antes de retornar para a aldeia São José. No início dos anos 2000, fundou a aldeia Buriti Cumprido, na região da aldeia Cocalinho, onde viveu até sua morte.
Rocha (2001), que realizou pesquisa sobre as relações de gênero entre os Apinajé, entre os anos 1999 e 2000, teve Maria Barbosa como interlocutora. Nesse momento, Irepxi
(Maria Barbosa) vivia na aldeia São José, que concentrava mais da metade dos cerca de mil habitantes da terra indígena. A aldeia abrigava expressivas lideranças femininas, e Irepxi
destacou-se devido à sua atuação na luta pela demarcação do território Apinajé.
Rocha (2001) fala da participação de Maria Barbosa, de sua filha Neide e de Teresinha em reuniões com representantes governamentais por ocasião da demarcação da terra indígena. Em meio a um conflituoso processo de identificação, Irepxi
compôs a delegação Apinajé, que visitou diferentes povos indígenas em busca de apoio na luta pela terra. Em fins de 1984, já contavam com o apoio dos Krahô, Xerente e Kanela. Em princípio de 1985, conseguiram a adesão dos Txucarramãe, incluindo o próprio Raoni, que somados aos outros iniciaram o “mutirão de auto-demarcação” (CARELLI, 1984). Segundo os Apinajé, a atuação de Irepxi
foi fundamental para a inclusão da região do Cocal na área demarcada.
Assim como ela, muitas outras mulheres indígenas estiveram presentes nas lutas nas chamadas retomadas de terra em diversas regiões do país. O fim da década de 1980 é marcado, portanto, pela consolidação da conquista de fala das mulheres indígenas, que nesse momento afirmam uma identidade própria, fortalecendo, assim, uma articulação nacional e dando visibilidade às suas lutas e conquistas frente à sociedade “branca” e aos homens indígenas. O feito é tal que, em 1989, temos o I Encontro da Mulher Indígena, realizado no Parque Nacional do Xingu, que tem repercussão
nacional e é objeto de nota em vários jornais regionais, como o Jornal do Commercio (AM), que destacava a fala de Eliane Potiguara, coordenadora do Grupo Mulher – Educação Indígena (Grumin) –, um passo decisivo para a conquista das mulheres indígenas pelo direito à fala
120
.
É também nesse âmbito que vemos a inserção das mulheres indígenas no meio acadêmico ganhar maior visibilidade, como o trabalho da antropóloga Suzana Primo dos Santos, indígena Karipuna, sobre o qual encontramos uma notícia publicada em 1989 pelo jornal
O Liberal
(PA), apresentando os estudos da antropóloga sob o título “Em busca da identidade perdida”
121
.
Considerações finais
Segundo nos lembra Silveira (2018), em sua recém defendida tese de doutorado acerca das mulheres indígenas (tema ainda tão pouco abordado no debate acadêmico),
[...] é possível dizer que a mulher indígena sempre transitou nas esferas periféricas na vida social, e assim ainda é usualmente retratada: estão nos bastidores preparando toda a comida para as grandes cerimônias, cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos (pescar, caçar e derrubar a mata para fazer roça são atividades e espaços do masculino), acompanhando a família em eventuais expedições na mata ou seguindo o marido em viagens à cidade, seja para este resolver problemas da comunidade ou mesmo para obter gêneros e artigos “de fora” que lhes interessam, ou ainda quando há necessidade de intervenção médica, que só é possível encontrar no mundo urbano (SILVEIRA, 2018, p. 34-35).
Esse retrato da margem por inúmeras vezes é reiterado tanto na escrita e na pesquisa acadêmica quanto – e principalmente – vivenciado nos corpos das mulheres indígenas em suas aldeias e terras e nas cidades. Ao longo das três décadas enfocadas neste capítulo, vemos que as mulheres indígenas foram (e muitas vezes ainda o são) alvos da violência praticada e/ou consentida tanto pelo estado quanto pela sociedade por meio de práticas de tortura, abusos sexuais e remoção compulsória de suas terras.
Apesar dos abusos praticados nessa relação entre indígenas e não indígenas, foram a criação, o fortalecimento e a resistência do movimento indígena, aliados ao protagonismo de suas mulheres, que fizeram com que passassem de objetos a sujeitos de sua própria história. Mas é importante compreendermos como essa objetificação se construiu para entendermos melhor, tanto como ela foi negada e subvertida pelas mulheres indígenas
quanto como ela silenciosamente persiste nas entrelinhas de nossas vidas e lutas contemporâneas.
Como apresentamos no decorrer do capítulo, ainda na década 1960, as mulheres indígenas eram consideradas “lascivas” e “passivas”, isto é, eram vistas, de maneira geral, como objetos passíveis de exploração sexual, sendo sua suposta passividade entendida como consentimento e justificativa para a continuidade da exploração e colonização de seu povo e cultura.
Nesse sentido, nosso objetivo foi, portanto, mostrar os caminhos que muitas mulheres indígenas trilharam para a conquista de sua fala nessa sociedade que continua a buscar seu silenciamento. Vemos, ao longo da década de 1970 e principalmente na década 1980, as mulheres indígenas se apropriarem das ferramentas não indígenas de luta, especialmente a educação, a língua portuguesa e a palavra escrita para construírem seus próprios espaços de visibilidade e resistência.
De objetos passam a sujeitos na década de 1980, assumindo, assim, sua própria fala. E como autoras, artistas e lideranças, constroem sua própria imagem e história perante a sociedade. Chama particular atenção suas atuações frente à luta pela terra, principal eixo das relações com os não indígenas, no que tange tanto às demandas indígenas passadas quanto às contemporâneas.
Enquanto vemos nos anos 1990 a consolidação do movimento indígena nacional e suas expoentes regionais, foi nas duas últimas décadas dos anos 2000 que vimos o chamado “empoderamento da mulher indígena”, título do último encontro da Semana dos Povos Indígenas realizado no Xingu em abril de 2018 (SILVEIRA, 2018, p. 48). Nesse cenário recente, vemos a mobilização das mulheres indígenas formando organizações políticas institucionalizadas, resultado da segunda metade de 1990, e que atualmente possuem representação Municipal, Estadual e Federal em âmbitos diversos do governo.
Essa representatividade é fruto de seu próprio protagonismo histórico e de sua capacidade de lutar e resistir a todos os tipos de violência que foram alvo desde a invasão branca neste país. Nas palavras de Kaxuyana e Silva:
Embora sempre acompanhando seus maridos ou pais nas discussões dos movimentos indígenas desde a década de 1980, somente há alguns anos as mulheres indígenas passaram a se organizar como movimentos femininos para discutir questões de gênero, o que também para elas ainda é um tema muito recente e pouco claro, inclusive em termos conceituais, porque apesar de estarem discutindo entre mulheres, acabam discutindo as
políticas gerais voltadas para a comunidade. Na maioria das vezes suas demandas são para as questões de saúde e da educação indígena, sem se aterem propriamente para o enfoque de gênero. (KAXUYANA; SILVA, 2008, p. 38 apud
SILVEIRA, 2018. p. 40).
No Brasil, como buscamos evidenciar ao longo do capítulo, a luta das mulheres indígenas assumiu cada vez mais importância no cenário social e político nacional. As cada vez mais presentes associações e coletivos de mulheres indígenas têm mostrado caminhos distintos na conquista de seus direitos. Alguns autores têm apontado esse crescente fortalecimento como um florescimento de uma vertente de feminismo indígena no Brasil, em consonância com o chamado feminismo comunitário dos países latino-americanos. No entanto o termo não é consensual entre as mulheres indígenas no Brasil. Em 2016, a participação indígena no 13.º Mundos de Mulheres e 11.º Fazendo Gênero, ocorrido em Florianópolis, chamou particular atenção nesse cenário. Lideranças mulheres indígenas Kaingang, Laklãnõ Xokleng, Juruna, Piratapuia, Apurinã, Huni Kuin, entre outros povos, reúnem-se no evento e trazem para reflexão temas como saúde, violência, direitos humanos, educação e o assunto mais presente entre as reflexões indígenas nacionais, as demarcações de terra. À diante de uma marcha de mais de 8.000 mil mulheres, esse grupo de lideranças indígenas impôs a força de suas vozes e fez ecoar pelas ruas da cidade a sua presença.
O ativismo político das mulheres indígenas assume no cenário nacional contornos particulares que se, por um lado, podem ser entendidos a partir de uma conjuntura política mais ampla, na qual se inserem também os chamados “feminismos comunitários” e a suas “lutas pela despatriarcalização, a decolonialidade e o antineoliberalismo no contexto do mundo atual globalizado” (SACAVINO, 2016, p. 100), por outro calcam-se em suas experiências vividas, nos processos particulares de opressão de seus povos e nas trajetórias históricas vividas em suas terras e lutas. Dificilmente visto como um movimento homogêneo, a luta atual das mulheres indígenas tem uma trajetória distinta do feminismo comunitário que nasce na Bolívia, no ano 2003, e atualmente pode ser visto também no Chile, Argentina, México, Colômbia e Guatemala, e que tem em Julia Paredes um de seus principais expoentes (SACAVINO, 2016, p. 100). Contudo, apesar das diferenças, podemos concordar com Sacavino que as lutas das mulheres indígenas no Brasil
[…] se constroem nas brechas de resistências e insurgências possíveis ao sistema hegemônico, e que suas propostas e enfoques epistêmicos outros, desde seus próprios lugares de enunciação, criam conhecimentos e práticas desde o Sul. Tendo presente, como
afirma Walsh (2016 p. 72), que o decolonial não vem de cima, mas de baixo, das margens e das fronteiras, das pessoas, das comunidades, dos movimentos, dos coletivos que desafiam, interrompem e transgridem as matrizes do poder colonial. (SACAVINO, 2016, p. 101).
A força das mulheres indígenas e sua luta nos duros anos da ditadura militar no Brasil as colocaram, como já nos apontava Sônia Guajajara, como protagonistas da sua própria história. Cabe-nos agora refletir sobre a complexidade desse processo, que não pode ser simplificado apenas à luta, nem pela crítica feminista branca, nem exclusivamente ao movimento indígena “neutro”, isto é, supostamente sem gênero. Encerramos, assim, com as palavras de Puyr Tembé sobre o que as mulheres indígenas querem hoje:
Queremos acabar com os estigmas que envolvem a mulher indígena. Não somos apenas belas e exóticas. Não fazemos apenas artesanato e trabalhos manuais. Em muitos casos, comandamos tribos, somos responsáveis pelas plantações, cuidamos da roça e dos filhos e ainda tomamos decisões que, mais tarde, serão a palavra final em uma discussão (TEMBÉ, 2018, s/p apud
SILVEIRA, 2018, p. 48).
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