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Empurrão vs. empurrãozinho
para a revolução industrial verde


Os primeiros dias na ARPA-E foram uma loucura. A primeira meia dúzia de funcionários teve de expedir o primeiro pedido e foi inundada com 3700 pedidos para suas 37 primeiras dotações, que derrubaram o sistema de computadores. Mas eles atraíram uma equipe absurdamente genial: um especialista em termodinâmica da Intel, um professor de engenharia elétrica do MIT, um investidor em energia limpa que também era professor do MIT . O diretor, Arun Majundar, tinha dirigido o instituto de nanotecnologia de Berkeley. Seu adjunto, Eric Toone, era professor de bioquímica da Duke e empreendedor. Arun gostava de dizer que aquilo era uma família; prefiro pensar que era um Projeto Manhattan de 400 milhões de dólares enfiado em um estímulo de 800 bilhões de dólares.

Michael Grunwald (in Andersen, 2012)

O sucesso da apple ajuda a ilustrar como a revolução da tecnologia da comunicação e informação foi resultado dos investimentos do Estado e criou uma nova infraestrutura global de alta tecnologia e muitas das tecnologias fundamentais que puderam estimular o sucesso de empresas como a Apple. Em compensação, a “revolução industrial verde” impulsionada pelos esforços do Estado em todo o mundo deveria ser vista como uma tentativa de transformar uma das maiores infraestruturas já existentes: a infraestrutura energética. Os enormes custos irrecuperáveis da infraestrutura energética requerem não apenas suporte para novas tecnologias e empresas inovadoras, mas também apoio constante para os mercados nos quais essas tecnologias competem (Hopkins e Lazonick, 2012).

Não podemos influenciar o surgimento de empresas e tecnologias “verdes” inovadoras ou transformar os mercados de energia sem políticas dirigidas tanto para o lado da demanda quanto da oferta, uma vez que elas influenciam tanto a estrutura quanto a função dos mercados ou o investimento de empresas que estão tentando crescer ou fazer a transição para setores de tecnologia verde. Em termos gerais, as políticas voltadas para o lado da demanda são normas ambientais com impacto sobre os padrões de consumo de energia. As políticas voltadas para o lado da oferta são focadas no modo como a energia é gerada e distribuída, e influenciam a inovação em tecnologia e sua rápida adoção. Esses dois pontos são críticos, pois a política voltada para o lado da demanda pode ajudar a estabelecer uma direção tecnológica (para o que serve a tecnologia?) que também inclui apoio para soluções (baixos teores de carbono/sem carbono e renováveis). Exemplos de políticas voltadas para o lado da demanda incluem Renewable Portfolio Standards [Normas de Energia Renovável], metas de redução de gases de efeito estufa, metas de intensidade de energia (uma medida de uso de energia por unidade do PIB ), novos padrões de construção ou até mesmo um “imposto de carbono”. Cada uma delas visa padrões de consumo de energia e estabelece uma demanda pela redução da poluição, aumento da energia limpa ou melhora da eficiência do sistema de energia. As políticas voltadas para o lado da oferta poderiam incluir créditos fiscais, subsídios, empréstimos, concessões ou outros benefícios financeiros para tecnologias específicas, esquemas de preço favoráveis (como as tarifas “feed-in ”), contratos de P&D e financiamento para descoberta e desenvolvimento de inovações etc. Tais políticas dão sustentação às tecnologias complementares e oferecem uma solução para as políticas do lado da demanda.

No entanto, há centenas, se não milhares, de políticas energéticas relevantes sendo implantadas atualmente em todo o mundo, algumas das quais existem há décadas. Elas ocorrem em nível internacional, nacional, estatal e local. Mas todos os países mencionados neste capítulo têm contado com políticas voltadas para demanda e suprimento para turbinar o desenvolvimento da indústria verde (com resultados bastante diferentes). Muitos dos que escrevem a respeito de política energética esquecem que até que turbinas eólicas e painéis solares fotovoltaicos (foco do capítulo 7) possam produzir energia a um custo igual ou inferior ao dos combustíveis fósseis, provavelmente continuarão a ser tecnologias marginais que não conseguem acelerar a transição tão necessária para aliviar a mudança do clima. Entender como as empresas transformam os mecanismos de apoio do governo em produtos de baixo custo e alto desempenho por meio do processo de inovação normalmente é o “elo perdido” nas discussões de política energética, e esse elo perdido pode acabar não só com nosso desejo de promover uma transição energética — mas fazê-lo com investimentos high-road em inovação. O apoio do Estado para as energias limpas deve continuar até que elas superem a vantagem dos custos irrecuperáveis das tecnologias existentes, e em alguns casos esses custos irrecuperáveis levam um século.

É por isso que grande parte deste capítulo se concentra nos mecanismos de apoio do lado da oferta (embora eu examine também políticas cruciais do lado da demanda). No ambiente das políticas atuais, muitos países vêm implementando as finanças públicas agressivamente com o objetivo de promover a indústria verde — e esse é o apoio mais direto possível para o desenvolvimento dos negócios. É também um “impulso” melhor para o desenvolvimento industrial verde, considerando que as políticas atuais voltadas para o lado da demanda pressupõem, em última análise, que um “setor privado dinâmico” irá responder prontamente a um pedido para a redução da poluição ou mais energias renováveis. Não apenas isso, mas as políticas do lado da demanda não incluem necessariamente disposições para o cumprimento de metas com “recursos domésticos” ou desenvolvimento econômico local. 1 As políticas do lado da demanda são cruciais e sua importância é real — especialmente para sinalizar o potencial do futuro mercado —, porém muitas vezes elas se tornam apelos para a mudança e, como as políticas do lado da oferta, são vulneráveis às mudanças nas administrações políticas. Para ser bem-sucedidas, elas precisam enfrentar a incerteza e o custo das inovações exigidas para atingir as metas. 2

Políticas do lado da oferta são importantes para pôr o discurso em prática, financiando as empresas direta ou indiretamente por meio do subsídio do crescimento do mercado de longo prazo, esperando que ele acelere a formação de empresas inovadoras que possam fazer a revolução industrial verde. Dado o sucesso dessas políticas e, além disso, o sucesso e ampliação das fontes de energia renováveis, como a energia eólica e a solar, a oportunidade para que “redes elétricas inteligentes” organizem redes de fornecimento de energia é criada e estabilizada. Digo criada porque a natureza intermitente da energia renovável terá de ser gerenciada mais de perto. Digo estabilizada porque a necessidade (“demanda”) de tecnologia de redes elétricas inteligentes será maior nos países que mais avançarem na integração da energia renovável em suas redes elétricas. Em outras palavras, o sucesso na transformação de nosso sistema de energia está repleto de mudanças industriais coletivas e complementares, mas tratar com seriedade a energia renovável é um passo importante e necessário para trazer a tecnologia da energia para o século XXI .

Assim, este capítulo examina as perspectivas de uma nova revolução tecnológica baseada em inovações que enfrentam as mudanças climáticas. Começo com uma breve discussão sobre os fatores que atraem o interesse para o desenvolvimento de uma economia verde. A segunda parte introduz abordagens adotadas por diferentes países para construir uma economia “verde”, com o duplo objetivo de recuperação quanto a atual recessão econômica e de minimização dos problemas ambientais. Alguns países, como China e Alemanha, estão avançando em setores de tecnologia limpa com estruturas políticas coerentes que incluem medidas ligadas à demanda e à oferta coordenadas por uma visão “verde” abrangente. Outros países, como os Estados Unidos, Reino Unido e alguns retardatários europeus estão implantando estratégias desiguais com uma abordagem “começa-para” em relação a iniciativas verdes que produzem quando muito resultados duvidosos.

A abordagem ambivalente adotada pelos Estados Unidos é examinada em detalhes na terceira parte, que mostra como iniciativas governamentais contraditórias impedem o pleno desenvolvimento de um setor de energia limpa, restringindo os investimentos e protelando a implantação de novas tecnologias energéticas. A abordagem americana é importante porque representa um caso paradigmático, em que o compromisso financeiro histórico do setor público é desafiado por iniciativas governamentais ambíguas: por um lado, está tentando dar um “pequeno empurrão” no desenvolvimento de tecnologias verdes estimulando o capital de risco a assumir o papel de liderança; por outro, os Estados Unidos também estão tentando “abrir caminho” financiando projetos de P&D e iniciativas de implantação. Enquanto isso, os atuais esforços para apoiar o crescimento da produção se transformaram em um argumento clássico contrário à “escolha de vencedores” em vez de um exame de como o Estado pode financiar mais ativamente o necessário desenvolvimento da cadeia de suprimentos. Os Estados Unidos adotaram uma abordagem “financiar tudo”, com a esperança de que uma inovação energética disruptiva, que também pode ser “verde”, surja mais cedo ou mais tarde nos laboratórios, e que o capital financeiro decida financiar start-ups para viabilizar comercialmente e difundir amplamente essas tecnologias inovadoras. Isso não tem acontecido porque o desenvolvimento de muitas tecnologias limpas exige compromissos financeiros de longo prazo, do tipo que o capital de risco não está disposto ou não é capaz de assumir. A quarta parte encerra com a análise das diferentes abordagens nacionais discutidas na segunda e na terceira parte.

Financiando uma revolução industrial verde

Em primeiro lugar, o que é uma “revolução industrial verde”? Existem muitas formas de conceituar uma revolução industrial verde, mas a premissa básica é que o atual sistema industrial global deve ser radicalmente transformado em um outro que seja ambientalmente sustentável. A sustentabilidade exigirá uma transição energética que coloque tecnologias de energia limpa não poluentes na linha de frente. Ela nos afasta da dependência dos combustíveis fósseis e nucleares, que são finitos, favorecendo fontes de combustíveis “infinitos” — os combustíveis “renováveis” originários do sol. A construção de um sistema industrial sustentável também requer tecnologias para materiais recicláveis, técnicas avançadas de gestão de resíduos, aprimoramento das práticas agrícolas, medidas de eficiência energética mais fortes em todos os setores e infraestruturas de dessalinização da água (para lidar com escassez de água e recursos hídricos, por exemplo). Sem dúvida, qualquer revolução industrial verde terá de transformar os setores econômicos existentes atualmente e criar novos. É uma direção que continua sem um ponto de parada muito claro, mas com um benefício público crescente, na medida em que evita a destruição do planeta. Essa é uma questão complementar ao trabalho de Perez (2002, 2012), no qual se argumenta que o “verde” não é uma revolução, mas a “implementação” integral da revolução de TI em todos os setores da economia — transformando áreas como a obsolescência de produtos, tornando a “manutenção” em uma área de alta tecnologia em vez de área periférica de baixa tecnologia.

Intimamente associado à necessidade de uma revolução industrial verde está o problema da mudança do clima, uma crise ambiental global que afeta todos nós e que é resultado direto dos atuais centros das principais atividades econômicas. A mudança do clima é causada pela emissão de gases de efeito estufa, e a maior parte desses gases é um subproduto das tecnologias de produção de energia dominantes (alimentadas principalmente por carvão, cada vez mais por gás natural, mas também por petróleo) que movem as economias modernas. Sendo assim, a geração de energia é um setor no qual a inovação e a mudança são urgentemente necessárias para que se possa evitar os piores impactos da mudança do clima. O leque de opções disponíveis para os formuladores de políticas é amplo, dado que a emissão de gases de efeito estufa pode ser administrada ou evitada com tecnologia, decreto, ou por meio de regulamentações econômicas complexas que incentivam ou desestimulam decisões no nível individual ou empresarial.

Dado que as infraestruturas e tecnologias de combustíveis fósseis foram incorporadas às sociedades modernas, criando um efeito “carbon lock-in ” (Unruh, 2000), este capítulo usa a tecnologia limpa como exemplo paradigmático de tecnologia que precisa ser amplamente implantada para que a revolução industrial verde tenha sucesso. As energias solar e eólica, que não emitem poluentes durante sua operação, são duas tecnologias exemplares de energia limpa com anos de história e que são examinadas cuidadosamente no próximo capítulo. As energias eólica e solar são tecnologias que oferecem amplas oportunidades para o inovador setor de TI . A TI também se beneficia com a “direção” proporcionada pelas iniciativas de energia limpa. Como fontes de energia tipicamente “difusas” e “intermitentes”, as energias solar e eólica se beneficiaram com o que Madrigal (2011, p. 263) descreve como “jogar software no problema”: aumentar a produtividade e a confiabilidade dos projetos de energia eólica e solar com modelagem computacional avançada, gestão da produção de energia e monitoramento remoto. Os investimentos em uma “rede elétrica inteligente” são feitos para digitalizar sistemas de energia modernos a fim de otimizar a flexibilidade, o desempenho e a eficiência das tecnologias limpas e ao mesmo tempo oferecer opções de gerenciamento avançado para os operadores da rede elétrica e usuários finais. Essa flexibilidade e controle não são diferentes do tipo que surgiu com as redes de comunicação digitalizadas. A revolução das tecnologias de informação e comunicação que criou a comunicação digital não apenas gerou novas oportunidades comerciais (por meio da internet, por exemplo), como também forneceu uma plataforma valiosa para a produção, reunião, acesso e disseminação de conhecimento de todas as formas. Com tempo e ampla implantação, a rede elétrica inteligente poderia mudar a maneira como pensamos a respeito da energia, criar novas oportunidades comerciais e melhorar a economia da energia renovável gerando novas ferramentas para otimizar o gerenciamento da oferta de energia e a resposta à demanda.

Para começar a revolução industrial verde e lidar com a questão da mudança do clima precisamos mais uma vez de um Estado ativo que assuma a grande incerteza dos estágios iniciais, temida pelo setor empresarial. Ainda assim, apesar do burburinho que cerca a “tecnologia limpa” como se fosse a “nova fronteira econômica”, e a “revolução verde” como se fosse a terceira “Revolução Industrial”, existe pouca coisa realmente nova no que diz respeito às tecnologias limpas. A história das energias eólica e solar, por exemplo, remonta a muito mais de cem anos (e pode ir ainda mais longe se considerarmos a exploração não elétrica das fontes de energia). Embora a Revolução Industrial muitas vezes seja resumida à história da máquina a vapor e dos combustíveis fósseis (Barca, 2011), no passado contamos com o que hoje seria considerada energia hidrelétrica, eólica e de biomassa. 3 Apesar de nossa experiência passada e do conhecimento atual das tecnologias de energia “limpa”, o apoio do governo para fazer com que a energia limpa seja parte dominante do mix energético tem sido historicamente inexistente ou oscilante. A falta de foco e de comprometimento com um futuro de tecnologia limpa é o que impede uma transformação mais rápida da infraestrutura de combustíveis fósseis em infraestrutura de energia limpa.

Mas existe uma luz no fim do túnel. Neste início do século XXI , inúmeros governos ao redor do mundo assumiram mais uma vez a liderança para aumentar o volume de P&D de muitas tecnologias limpas, como as energias eólica e solar, e têm sido grandes os esforços para montar redes elétricas inteligentes. Eles também subsidiam e apoiam o crescimento dos principais fabricantes que concorrem pela liderança do mercado nacional e mundial. Por fim, esses governos implantam políticas e instrumentos financeiros para estimular o desenvolvimento estável de mercados competitivos para a energia renovável. Como aconteceu com o desenvolvimento de outras indústrias, tais como a biotecnologia e TI , o setor privado só tem entrado no jogo depois que iniciativas governamentais bem-sucedidas absorveram a maior parcela de incerteza e não há risco algum no desenvolvimento de novas energias.

A indústria “verde” ainda está em seus estágios iniciais: caracteriza-se tanto pela incerteza tecnológica quanto de mercado. Ela não se desenvolverá “naturalmente” por meio das forças do mercado, em parte devido à infraestrutura energética incrustada, mas também devido a uma falha dos mercados no sentido de valorizar a sustentabilidade ou punir o desperdício e a poluição. Diante de tantas incertezas, o setor empresarial permanecerá distante até que os investimentos mais arriscados e de capital mais intensivo sejam feitos, ou até que surjam políticas sistemáticas e coerentes. Como aconteceu nos estágios iniciais das indústrias de TI , biotecnologia e nanotecnologia, existem poucas indicações de que o setor empresarial sozinho entraria no novo setor “verde” e promoveria seu avanço sem uma política governamental forte e ativa. Assim, enquanto um “pequeno empurrão” talvez incentive alguns empreendedores a agir, a maioria dos empresários precisará de sinais mais fortes para justificar seu envolvimento com a inovação da tecnologia limpa. Somente políticas de longo prazo podem diminuir a incerteza da transformação de uma atividade essencial em tecnologia limpa. Na verdade, nenhuma outra indústria high-tech foi criada ou transformada com um “empurrãozinho”. O mais provável é que seja necessário um empurrão bem forte.

Perspectivas nacionais para o desenvolvimento econômico verde

Existem diferenças na maneira como os países estão reagindo ao desafio de desenvolver uma economia verde. Esta parte do capítulo mostra como algumas nações estão usando os gastos com estímulos pós-crise como forma de direcionar os investimentos governamentais para indústrias de tecnologia limpa mundiais com dois objetivos: (a) proporcionar crescimento econômico e (b) minimizar as mudanças do clima. Enquanto alguns países assumem a liderança, outros vão ficando para trás. Como os investimentos em inovação são cumulativos e os resultados “dependem do histórico” (as inovações de hoje dependem das inovações de ontem), é provável que os líderes que estão surgindo dessa corrida continuem a ser líderes por muitos anos ainda. Em outras palavras, os que agirem primeiro desfrutarão de uma vantagem inédita.

Gráfico 14. Investimento global em energia renovável (em bilhões de dólares)

FONTE : Frankfurt School of Finance and Management (2012).

Entretanto, o fracasso de alguns governos em transmitir uma “visão” e realmente “impulsionar” a tecnologia limpa está afetando a quantidade de investimentos feitos. Países que adotam uma política “irregular” em relação à tecnologia limpa não conseguirão estimular investimentos suficientes para alterar suas “pegadas de carbono”, nem devem esperar gestar os líderes da tecnologia limpa do futuro. Um exemplo de país que caminha para um “grande empurrão” é a China; a Alemanha também é pioneira entre os países europeus. Os Estados Unidos têm mostrado tendências contraditórias, com o Estado fazendo grandes investimentos iniciais em tecnologias verdes. No entanto, agindo sem uma visão e objetivos claros, e sem um comprometimento de longo prazo com várias tecnologias fundamentais, os americanos não conseguiram fazer mudanças significativas em seu mix energético. O Reino Unido também está ficando para trás. 4

Nos Estados Unidos, o pacote de estímulos de 2009 — American Recovery and Reinvestment Act — reservou 11,5% de seu orçamento para investimentos em tecnologia limpa, menos do que a China (34,3%), França (21%) ou Coreia do Sul (80,5%), porém mais do que o Reino Unido (6,9%). Em julho de 2010 o governo da Coreia do Sul anunciou que dobraria seus gastos com pesquisas em tecnologia verde para o equivalente a 2,9 bilhões de dólares em 2013 (quase 2% do PIB anual), o que significa que entre 2009 e 2013 terá gasto um total de 59 bilhões de dólares nesse tipo de pesquisa. O gráfico 14 mostra que a Europa, os Estados Unidos e a China dominaram os investimentos globais em energia renovável entre 2004 e 2011. Na Europa, os investimentos foram liderados pela Alemanha. Não se sabe como a crise da zona do euro afetará os investimentos, mas a tendência recente tem sido de aumentar os investimentos globais.

O gráfico 15 mostra também que, na Europa, os investimentos governamentais em P&D em energia diferem bastante, com Reino Unido, Espanha e Irlanda gastando menos do que os Estados Unidos e muitos outros países asiáticos e europeus. O problema é que o setor empresarial não está preenchendo a lacuna. No Reino Unido, o investimento total de 12,6 bilhões de libras em 2009-10 é, segundo o Public Interest Research Centre (2011, p. 5), “menos de 1% do PIB do Reino Unido; metade do que a Coreia do Sul investe anualmente em tecnologia verde e menos do que o Reino Unido gasta atualmente em móveis em um ano”.

Além dos gastos com P&D , os bancos de investimento estatais estão assumindo um papel de liderança no desenvolvimento de tecnologia verde em alguns países emergentes. Na China, os investimentos feitos pelo Banco de Desenvolvimento Chinês (BDC ) são fundamentais para seu sucesso em energia solar. Depois de 2010, o BDC ofereceu 47 bilhões de dólares para cerca de quinze dos principais fabricantes de painéis solares voltaicos para financiar suas necessidades de expansão atuais e futuras, embora as empresas tenham sacado aproximadamente 866 milhões de dólares em 2011 (Bakewell, 2011). A pronta expansão das empresas fabricantes de painéis solares, viabilizada pelo financiamento público, consolidou de maneira veloz os fabricantes chineses como importantes atores da cena internacional. Com isso, eles conseguiram reduzir o custo dos painéis solares fotovoltaicos tão rapidamente que muitos responsabilizam os chineses pelas inúmeras falências dos fabricantes americanos e europeus (no caso da Solyndra, examinado a seguir, a situação foi exacerbada pela saída do capital de risco original).

Gráfico 15. Gastos governamentais com P&D em ener gia em % do PIB em treze países, 2007

FONTE : UK Committee on Climate Change (2010, p. 22).

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES ) brasileiro aprovou um crédito de mais de 4,23 bilhões de dólares em 2011 para o financiamento de tecnologia limpa (Fried, Shukla e Sawyer, 2012, p. 5). Na área de biotecnologia, o BNDES tem se concentrado no financiamento de empresas que passaram pelo estágio do “Vale da Morte”. O Vale da Morte é a fase do processo de inovação que ocorre entre a validação de um conceito e a realização de todos os testes e a aprovação (ver gráfico 2). Muitas empresas morrem durante esse período devido à falta de financiamento, o que faz do financiamento público uma alternativa fundamental. O compromisso do BNDES com a tecnologia limpa é um sinal promissor.

Nas próximas seções deste capítulo examinamos rapidamente as abordagens contrastantes assumidas na China, no Reino Unido e nos Estados Unidos para tentar impulsionar o desenvolvimento da tecnologia limpa e da energia renovável. O exemplo americano será examinado mais profundamente na seção seguinte.

O plano quinquenal “verde” da china

Diante da reação dos mercados europeu e americano (por meio da guerra comercial iniciada por empresas concorrentes e tarifas apoiada pelo governo) ao sucesso de sua nascente indústria de painéis solares na redução de preços, a China optou por rever sua meta doméstica de desenvolvimento de energia solar para 20 GW até 2015 — em uma época em que existem apenas 3 GW s no país (Patton, 2012). Se conseguir atingir a meta dentro do cronograma, a China provavelmente se tornará o segundo maior mercado de energia solar do mundo, desenvolvendo tanta em três anos quanto a Alemanha em uma década. Complementando essas metas estão as tarifas feed-in regionais, que fixam o preço da energia produzida por meio de projetos de energia eólica e solar em termos mais favoráveis (Landberg, 2012). Outros incentivos asseguram aos desenvolvedores de energia chineses a recuperação dos custos das tecnologias atuais em sete anos, e a geração de retornos por décadas, enquanto os fabricantes continuam a melhorar as tecnologias (C. Liu, 2011). A meta chinesa de 100 GW de energia eólica até 2015 e de 1000 GW até 2050 é outro objetivo agressivo para promover o desenvolvimento econômico e reduzir as emissões de carbono (Y. Liu, 2012). É como uma “viagem à Lua” na comparação com outros países, pois 1000 GW de energia eólica equivaleria a aproximadamente toda a capacidade das redes elétricas inteligentes dos Estados Unidos ou da Europa atualmente, que estão entre as maiores da Terra. Até agora, as metas chinesas só têm sido revistas para cima, sugerindo que amplas oportunidades para a indústria doméstica continuarão a existir no futuro próximo.

O 12o plano quinquenal chinês (2011-5) é visionário e ambicioso, e seu objetivo é investir 1,5 trilhão de dólares (ou 5% do PIB ) em várias indústrias: tecnologias eficientes e ecológicas, biotecnologia, nova geração de TI s, produção avançada, novos materiais, combustíveis alternativos e carros elétricos. A estratégia mais abrangente desses investimentos é adotar uma abordagem “circular” do desenvolvimento econômico que coloque a sustentabilidade em primeiro lugar, diretriz que define o controle da poluição e do desperdício como formas de vantagem competitiva (Mathews et al., 2011). Acompanhando os investimentos no desenvolvimento industrial estão metas de redução da intensidade da energia, controle de emissões e desenvolvimento renovável (uma combinação de políticas do lado da demanda e da oferta). Martinot e Junfeng (2007, p. 11) destacaram as metas para uma redução de 30% na intensidade energética chinesa entre 1995 e 2004, e a meta adicional para reduzir em mais 20% até 2010. A China continuará com políticas para reduzir a poluição energética, pois é o maior emissor de CO 2 do mundo (Hopkins e Lazonick, 2012). 5 Segundo a Climate Works, o 12o plano quinquenal “marca a primeira vez em que a China incorporou formalmente o abrandamento das mudanças climáticas em sua estratégia econômica fundamental” (2011, pp. 2-4), apesar de também ter buscado reduzir a poluição e as emissões em seu 11o plano quinquenal.

Reconhecendo que a vantagem competitiva do futuro depende tanto da gestão eficiente dos recursos como da redução do desperdício e da poluição, a estratégia de “desenvolvimento verde” chinês está redefinindo a noção de como o desenvolvimento econômico “ideal” transcorre com medidas agressivas do lado da demanda e da oferta. Os planos chineses, favoráveis para ambas as partes, fazem do “lucro” e do “ambiente” objetivos complementares em vez de compensações (como geralmente são tratados em muitas economias ocidentais). O resultado é que a China continua a dominar o setor de aquecimento de água com energia solar, energia eólica, e está preparada para continuar não apenas a ser o principal fabricante de painéis solares fotovoltaicos, mas também a se tornar seu principal mercado.

Em resumo, a China agora prioriza as tecnologias limpas como parte de uma visão estratégica e compromisso de longo prazo com o crescimento econômico. Apesar de já fornecer bilhões de dólares para o financiamento de novos projetos de energia renovável, ela está na verdade apenas começando a investir seriamente em tecnologia eólica e solar (Lim e Rabinovitch, 2010).

A abordagem “começa-para” do Reino Unido em relação às iniciativas verdes

A fraqueza da abordagem do Reino Unido em relação aos investimentos verdes é condizente com o padrão mais amplo fixado pelos países da UE em relação aos desafios econômicos atuais. Um relatório da Ernst & Young (2011, p. 2) descreveu um investimento mundial recorde de 243 bilhões de dólares em 2010 em “tecnologia limpa” (incluindo investimentos públicos e privados como tarifas feed-in para projetos de energia solar), mas observa que o “mercado está em fluxo” (ou seja: os sinais não são claros) diante das condições financeiras desafiadoras, com grandes variações de investimento pelas várias geografias e tecnologias. 6

Apesar da promessa feita pelo primeiro-ministro britânico em 2010 de chefiar “o governo mais verde de todos os tempos” (Randerson, 2010), o Reino Unido na verdade cortou os gastos de programas implantados, recuando nos investimentos em tecnologias verdes. Em 2010-1, foram cortados 85 milhões de libras do orçamento do Departamento de Energia e Mudança Climática, incluindo 34 milhões de libras de programas de apoio às energias renováveis. Além disso, foi feito um corte de 40% no orçamento de 2011 da Carbon Trust e uma redução de 50% para a Energy Saving Trust. Somando-se a isso a relutância em garantir fontes de financiamento para o desenvolvimento de tecnologia verde no longo prazo — incluindo o não cumprimento da garantia de subsídios para os carros elétricos além de um ano e prometendo rever a estrutura da tarifa feed-in em 2012 —, o Reino Unido não criou um ambiente ideal para o investimento verde (uma revisão de abril de 2011 já havia cortado pela metade a tarifa feed-in de instalações comerciais acima de 50 KW a fim de financiar o prometido apoio a pequenas instalações residenciais). Também não foram comprovados os efeitos de iniciativas anteriores: o orçamento do Reino Unido de abril de 2009 tentou acelerar a redução de emissões na geração de energia exigindo que a captura e armazenamento de carbono fosse instalada em todas as novas usinas movidas a carvão (e instalada em todas as usinas existentes até 2014); mas segundo o House of Commons Energy and Climate Change Committee, isso poderia resultar em novo aumento da geração de energia a gás em vez de investimentos substanciais na tecnologia de captura e armazenamento de carbono. Esse exemplo mostra como políticas equivocadas não conseguem estimular a inovação, neste caso, em tecnologias de captura e armazenamento de carbono. Essa situação é ainda mais problemática por favorecer as centrais elétricas a gás, aprofundando a dependência de combustíveis fósseis da matriz energética no Reino Unido.

O fato de o empresariado investir apenas quando existem sinais evidentes de retornos futuros indica que esses países que embaralham demais esses sinais desestimulam o investimento ou o deixam escapar. Tanto a Vestas (da Dinamarca) quanto a General Electric (GE , dos Estados Unidos) aludiram à falta de sinais políticos claros no Reino Unido como razão para cancelar seus planos de desenvolvimento e produção de energia eólica em terra e no mar. 7 Sarah Merrick, da Vestas (Bakewell, 2012), comentou que “é bastante difícil ver se há muita visibilidade em termos do que poderá acontecer além do final da OR [obrigação renovável]”, o que torna “muito difícil para os investidores tomar decisões [sic] de longo prazo”. Os investidores não podem tomar decisões comerciais de longo prazo baseados em políticas governamentais de curto prazo.

A principal iniciativa da coalizão governamental do Reino Unido foi criar um banco de investimento verde para oferecer financiamento do tipo Seedcorn para tecnologias verdes, com base na noção de que a revolução verde pode ser comandada pelo setor empresarial. Basta um empurrãozinho ou incentivos do Estado. Isso está errado (nenhuma outra revolução tecnológica ocorreu dessa forma), e os níveis atuais de financiamento são muito insignificantes para causar qualquer impacto. A iniciativa do banco de investimento verde mostra que não aprenderam as lições das revoluções tecnológicas anteriores: investimentos ativos comandados pelo Estado deixam o país em “primeiro lugar” e colhem retornos futuros crescentes. Enquanto a China disponibiliza 47 vezes mais dinheiro do que as empresas de energia solar conseguem usar, a Grã-Bretanha está às voltas com “dinheiro de mentira”.

O governo do Reino Unido costuma apresentar os investimentos “verdes” como uma concessão do crescimento, com o argumento de que durante uma crise econômica os formuladores de políticas devem se concentrar em estratégias claras de investimento, e não nas arriscadas. Ainda assim, o ritmo lento do desenvolvimento verde em todo o mundo é precisamente o que poderia torná-lo um catalisador do crescimento econômico. Dado que a inovação significa ter as conexões certas na economia e depois comissionar tecnologias específicas, poder-se-ia argumentar contra subvenções e subsídios diretos do governo, independentemente de sua finalidade. A falta de apoio governamental, nesse sentido, não seria problemática se houvesse forças inovadoras surgindo em outro lugar, como no setor privado. Mas isso não está acontecendo.

Nações como o Reino Unido, que chegou a ser visto como um país que estava compensando o atraso na última década, correm o risco de ficar para trás na questão das tecnologias verdes. No futuro, se o padrão atual persistir, o Reino Unido provavelmente importará esse tipo de tecnologia em vez de produzi-la.

Estados Unidos: uma abordagem ambígua em relação às tecnologias verdes

Podemos encontrar uma pista do que é necessário para acelerar a “revolução” verde nos Estados Unidos, onde as iniciativas financiadas pelo governo estão ocupadas tentando entender o que funcionou nas revoluções tecnológicas anteriores. Mas apesar de os Estados Unidos terem conseguido conectar e alavancar a academia, a indústria e o empresariado no empurrão que deu para as tecnologias verdes (historicamente com o Departamento de Energia e mais recentemente com a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Energia, ou ARPA-E ), seu desempenho tem sido irregular. Como um dos “primeiros” países a incentivar seriamente as energias solar e eólica na década de 1980 (as primeiras células solares de silício cristalino foram inventadas pelos americanos na década de 1950), os Estados Unidos não conseguiram manter seu apoio e viram a Europa, o Japão e agora a China assumirem a liderança. Pior, os Estados Unidos não conseguiram alterar seu mix energético de forma significativa, consolidando sua posição há décadas como líder mundial na emissão de CO 2. Com capacidade inovadora de altíssimo nível, a maior economia do mundo e uma rede elétrica inteligente gigantesca, os Estados Unidos têm tudo para puxar uma revolução da tecnologia limpa, mas não fazem isso. No contexto da campanha eleitoral de 2012, o desenvolvimento da energia limpa estava mais uma vez enfrentando grande incerteza e a possibilidade real de perder o apoio governamental em um momento crítico. 8 Jeffrey Immelt, CEO da GE , descreve a atual estrutura da indústria de energia americana e a falta de uma política energética como “estupidez”, calculando que outros países já estão dez anos à frente em termos de economia verde (Glader, 2010).

Prós e contras do modelo americano

Empurrãozinho com o capital de risco

Uma das principais razões para o desenvolvimento irregular dos Estados Unidos tem sido a grande dependência do capital de risco (CR ) para “dar um empurrãozinho” no desenvolvimento de tecnologias verdes. O país é o capital do CR do mundo da tecnologia limpa, com 7 bilhões de dólares investidos em 2011 contra 9 bilhões investidos mundialmente. O Jumpstart Our Business Startups Act (JOBS Act) de 2012 tenta oferecer ao CR riscos de investimento ainda menores, relaxando as exigências de relatórios financeiros das empresas “menores” (aquelas com receita anual inferior a 1 bilhão de dólares). Também legaliza o “crowd funding ”, o que significa que os investidores podem recrutar uma gama mais ampla de investidores (e pessoas físicas) quando tornam as empresas públicas. Como isso pode gerar crescimento do nível de emprego — quando parece feito para garantir que os investidores possam colher retornos substanciais em pequenas empresas que agenciam tecnologias do governo — é difícil saber. Por um lado, menos transparência e “informação” sobre as jovens empresas aumentam os riscos dos investidores de todos os demais tipos. Por outro lado, poderia melhorar o comprometimento do capital de risco com pequenas empresas, dado que o risco se estende por uma gama mais variada de investidores. Mas se a luta das empresas de tecnologia limpa atuais é evidente, o crescimento da empresa no longo prazo e consequentemente o crescimento do nível de emprego são muito mais sensíveis ao apoio governamental de longo prazo do que os retornos da oferta pública inicial [IPO ] (o alvo habitual do CR ). Além disso — como no caso da energia solar, por exemplo —, o CR já mostrou que os investidores do capital de risco são “capitalistas impacientes”: eles não estão interessados em bancar os riscos e os custos do desenvolvimento tecnológico por um longo período. Os recursos financeiros que o capital de risco pode alocar também têm limites.

Como algumas tecnologias limpas ainda estão em estágios muito iniciais, quando a “incerteza knightiana” é a mais alta, o financiamento do capital de risco se dirige às apostas mais seguras, e não à inovação radical necessária para que o setor transforme a sociedade e atinja o duplo objetivo de promover o crescimento econômico e abrandar a mudança climática. Ghosh e Nanda (2010, p. 9) afirmam que só o dinheiro do setor público está financiando atualmente os projetos de tecnologia limpa mais arriscados e de capital mais intensivo — aqueles que estão no canto superior direito do gráfico 16. O financiamento do capital de risco está concentrado principalmente nas áreas mostradas no canto inferior esquerdo do gráfico. Isso é muito problemático, uma vez que mostra que o capital de risco não busca os setores de tecnologia limpa que são ao mesmo tempo inovadores e necessitam de capital intensivo. A menos que o governo amenize as restrições aos investidores ou faça seus próprios investimentos, essas áreas importantes continuarão a sofrer com a falta de investimento e de desenvolvimento.

As empresas de tecnologia limpa, como as de biotecnologia, podem enfrentar inúmeros desafios enquanto tentam fazer a transição do resultado do estágio de P&D para a produção comercial. Além disso, a quantidade de capital necessário para atingir a economia de escala geralmente é mais alta do que a dos setores de TI (origem da riqueza do capital de risco). Na verdade, o capital de risco foi atraído para a tecnologia limpa por causa do apoio do governo e praticamente todos os seus investimentos têm sido feitos em tecnologias consolidadas , algumas das quais já estavam colhendo os benefícios de décadas de desenvolvimento (Bullis, 2011). 9

Gráfico 16. Subsetores do capital de risco dentro da energia limpa

FONTE : Ghosh e Nanda (2010, p. 9).

O sucesso de empresas como a First Solar (ver o próximo capítulo) nos Estados Unidos, por exemplo, foi construído ao longo de várias décadas, nas quais o capital de risco entrou em um estágio relativamente tardio e saiu logo depois de concluída a primeira oferta pública inicial (IPO ) das ações. A maior parte do risco do investimento na First Solar foi bancada pelo governo americano, que apoiou o desenvolvimento e a comercialização de sua inovadora tecnologia solar de película fina, chegando a ponto de ajudar no desenvolvimento do processo de fabricação.

Além disso, incentivos estatais e federais dão bilhões para apoiar o estabelecimento e o crescimento de um mercado doméstico para os painéis solares fotovoltaicos para que empresas como a First Solar possam conquistar uma parcela do mercado e atingir economias de escala. A combinação de apoio público e a posição atual da First Solar como principal fabricante de películas finas e painéis solares fotovoltaicos faz com que seu sucesso esteja praticamente garantido, e é difícil imaginar como uma companhia dessas possa falir, desde que o investimento público continue.

A impaciência do capital de risco: como a Solyndra se queimou com seus investidores 10

O exemplo da Solyndra ilustra como a súbita saída do capital de risco pode arruinar as perspectivas de desenvolvimento de tecnologias inovadoras de empresas que também tiveram o apoio dos contribuintes. A Solyndra era a queridinha entre as empresas de tecnologia limpa e foi a primeira a obter uma garantia de empréstimo como parte do programa de empréstimos de 37 bilhões garantido pelo ARRA . A gestão do programa ficou a cargo do diretor executivo do Loan Programs Office do Departamento de Energia, Jonathan Silver, ex-investidor e ex-gerente de fundos de hedge, que começou a trabalhar no Departamento de Energia em 2009. A Solyndra, fabricante de painéis solares CIGS (seleneto de cobre, índio e gálio), recebeu 527 milhões de dólares do programa e investiu em uma nova fábrica, mais automatizada, que iria aumentar a produção e a economia de escala. A empresa acreditava que sua tecnologia de painéis solares fotovoltaicos CIGS representaria uma economia significativa depois da explosão do preço do silício em 2008, ingrediente básico dos painéis solares de silício cristalino (C-Si) que dominavam o mercado.

Mudanças no mercado global de energia solar impediram que a Solyndra capitalizasse seus investimentos. Antes que a empresa pudesse explorar a economia de escala gerada pelo aumento da capacidade de produção, o preço do silício bruto despencou. O custo dos painéis solares fotovoltaicos C-Si também caiu ainda mais drasticamente do que o previsto, como resultado do desenvolvimento e do investimento por parte dos chineses nessa tecnologia. A despeito do apoio do governo e do 1,1 bilhão de dólares dos investidores, a Solyndra foi à falência no outono de 2011. Todos as partes interessadas estavam apostando no sucesso da empresa, não no fracasso, e ainda assim, para os críticos, a Solyndra se tornou um símbolo da ineficiência do governo em termos de investimento em tecnologia arriscada e incompetência para “escolher vencedores”.

Os investidores do capital de risco foram os principais financiadores da Solyndra e, como todos os investidores desse tipo, aguardavam ansiosamente a oferta pública inicial (IPO ), uma fusão ou aquisição para lhes fornecer a “saída” para seu investimento. Qualquer uma dessas “saídas” permite que eles convertam em dinheiro as ações que recebem em troca do investimento em determinada empresa. O melhor cenário é o que traz retornos financeiros vultosos obtidos por meio dos ganhos de capital com a venda das ações em vez de um retorno para o investimento criado pelo fluxo de caixa das operações. Mas uma “saída” bem-sucedida nem sempre é possível em mercados cercados pela incerteza, como provou a Solyndra. Quando os principais investidores abandonaram seu investimento de 1,1 bilhão de dólares, mil empregos desapareceram, e um empréstimo governamental garantido de 535 milhões de dólares foi desperdiçado. Em vez de manter o curso, os investidores da Solyndra abandonaram o navio. 11

A ironia é que o apoio do governo sempre torna empresas como a Solyndra mais atraentes para os investidores, que andam atrás do “capital paciente” do Estado e reagem aos seus sinais. A conclusão que podemos tirar é que o governo deveria se concentrar exclusivamente no desenvolvimento das tecnologias mais arriscadas ou, como argumentam alguns (Kho, 2011), que o capital de risco “não é para fábricas” (mesmo com uma garantia de empréstimo do governo). Mas isso também não está acontecendo. Com efeito, os Estados Unidos enfrentam a reação dos republicanos contra o programa de garantia de empréstimos, dando a entender que acreditam que o governo não deveria fazer nada para promover a comercialização das tecnologias limpas. 12

Agora falida, segundo Bathon (2012), a Solyndra só conseguirá reembolsar todos os que investiram na empresa se ganhar o processo de 1,5 bilhão que moveu contra as empresas chinesas que responsabiliza por seu fracasso. A Solyndra alega que os chineses baixaram os preços dos painéis solares a patamares prejudiciais para eles mesmos e para seus concorrentes, e também que as empresas chinesas se beneficiaram injustamente da ajuda do governo. A gritante hipocrisia da ação judicial não pareceria ofensiva se fosse uma oportunidade, para o público americano, de comparar o fracasso da política de energia solar americana ao sucesso das políticas chinesas. Em vez de se ocupar com os meandros da política e a dinâmica do setor, os analistas da indústria têm preferido salientar os esforços americanos para proteger suas empresas de painéis solares criando uma guerra comercial contra os chineses.

Mesmo depois da venda de seus principais ativos, incluindo as instalações de sua sede e fábrica (construída em 2010) no valor de 300 milhões de dólares, restaram apenas cerca de 71 milhões de dólares para os investidores da empresa — incluindo os contribuintes (ver Wood, 2012). Os empregados demitidos receberão 3,5 milhões e o governo, 27 milhões de dólares pelo empréstimo inadimplente. Enquanto isso, a empresa controladora da Solyndra, a 360 Degree Solar Holdings (criada pelos investidores e pelo Departamento de Defesa durante uma reestruturação financeira em fevereiro de 2011), poderá embolsar 341 milhões em créditos tributários futuros caso encontre investimentos rentáveis. Em outras palavras, os contribuintes continuam a subsidiar os investidores até muito tempo depois de a empresa fechar suas portas.

O capital impaciente pode destruir companhias que prometem oferecer às massas tecnologia financiada pelo governo, mas os críticos sempre se voltam para o governo como origem do fracasso em vez de examinarem o comportamento da esperta comunidade empresarial, sempre ávida por lucros, levando a esse fracasso ao pular do navio, limitar seu comprometimento total ou exigir retornos financeiros acima de todas as considerações. Se o capital de risco não está interessado em indústrias de capital intensivo, ou em construir fábricas, o que exatamente está oferecendo em termos de desenvolvimento econômico? Seu papel deveria ser visto pelo que é: limitado. E, o mais importante, as dificuldades enfrentadas pela crescente indústria da tecnologia limpa deveriam chamar a atenção para a necessidade de maior apoio político, e não menos, dado que os modelos de financiamento existentes favorecem os investidores, e não o interesse público.

Empurrando com o DoE e a ARPA-E

A incapacidade do capital de risco para oferecer o necessário apoio de longo prazo para o desenvolvimento de inovações radicais vem sendo compensada há décadas pelos programas governamentais. O Departamento de Energia foi criado em 1978 para unir várias agências governamentais e dezessete laboratórios nacionais, formalizando a inovação energética como busca permanente do governo em resposta às constantes crises mundiais nesse setor. Por meio dessa rede ampla, o DoE financiou inúmeras iniciativas de apoio às tecnologias limpas, tanto no lado da demanda quanto da oferta, com seus orçamentos anuais de vários bilhões de dólares. 13 Isso inclui 3,4 bilhões e 1,2 bilhão de dólares em financiamento de P&D para energia solar e eólica entre 1992 e 2012 (dólar de 2011). Embora se possa argumentar que os Estados Unidos financiaram a energia nuclear e os combustíveis fósseis em patamares muito mais elevados, para nosso propósito é mais importante reconhecer que a influência do DoE pode ser vista na história das principais empresas de energia eólica e solar americanas. A colaboração com a indústria é frequente nos Estados Unidos, e a gama de apoio oferecido pelo DoE inclui subvenções, contratos e empréstimos, P&D e acesso a uma vasta base de conhecimento por meio do financiamento de pesquisas universitárias e colaborações público-privadas em todo o país.

O apoio do DoE para a pesquisa em energia limpa se expandiu consideravelmente durante a administração Obama. Com a aprovação do ARRA , o DoE alocou mais de 13 bilhões de dólares para o desenvolvimento de tecnologias de energia limpa e modernização da infraestrutura energética, reduzindo ao mesmo tempo o desperdício e facilitando a transição para maior sustentabilidade. Em 2009, o DoE destinou 377 milhões de dólares em financiamento para 46 novos centros de pesquisa ligados ao departamento, chamados Energy Frontier Research Center (EFRC ), em universidades, laboratórios nacionais, organizações sem fins lucrativos e empresas privadas de todo o país. Em um período de cinco anos, o DoE comprometeu um total de 777 milhões de dólares nessa iniciativa. A escala do financiamento mostra o comprometimento do DoE para fazer com que invenções variadas alcancem a maturidade tecnológica, passando depois ao estágio de produção e ampla implantação. Além disso, centenas de milhões de dólares estão sendo alocados para empresas (por meio de financiamentos e programas de empréstimo) para auxiliar a expansão das instalações de produção de painéis solares, baterias para carros elétricos e projetos de biocombustível, junto com programas voltados especificamente para o avanço da implantação de painéis solares fotovoltaicos em casas e empresas. Essas iniciativas recentes representam uma enorme expansão do gasto do governo para adaptar a inovação à economia civil.

ARPA-E — inovação revolucionária

A Agência de Projetos de Pesquisa Avançada — Energia (ARPA-E ) foi criada com o America Competes Act de 2007 e financiada pelo ARRA de 2009. Calcada no modelo da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA ) do Departamento de Defesa, sua diretriz era “focar na indústria transformadora ‘não convencional’ que a indústria não apoiaria devido aos altos riscos, mas cujo sucesso poderia trazer grandes benefícios para o país” (Advanced Research Projects Agency — Energy, “About”, s.d.). Como já dissemos, a DARPA é hoje um programa multibilionário, descrito como um força inovadora há mais de cinquenta anos, realizando pesquisas fundamentais que criaram as bases da internet, do Windows da Microsoft, dos aviões Stealth e do GPS , usando o que Erica Fuchs descreve como um sistema baseado na governança de baixo para cima (Fuchs, 2009, p. 65; ver também o capítulo 5, sobre os produtos da família iOS da Apple).

Uma ideia radical por trás da DARPA é o fato de que a agência não apenas conta, como tolera o fracasso. Fuchs atribui o sucesso da DARPA às suas características organizacionais. Os gestores do programa — pesquisadores de nível internacional — têm total autonomia e liberdade para assumir os riscos do desenvolvimento tecnológico. As atividades dos pesquisadores ocorrem paralelamente às atividades regulares de pesquisa governamental, acadêmica ou industrial. Isso não tem nada a ver com “escolher vencedores e perdedores”; trata-se do governo assumindo a liderança em P&D que não são encampados pelos setores empresariais avessos ao risco ou por agências como o DoE, muito pressionadas para produzir resultados. No entanto, as atividades da DARPA visam atender às necessidades de segurança nacional, que não são tão questionadas quanto as da DARPA-E , cuja missão é investir em tecnologias energéticas de alto risco que são muito incipientes para atrair o investimento do setor privado. Com efeito, a necessidade da agência e as divergências a respeito do que é “muito incipiente” continuarão a ser tema de debate. Também é interessante analisar até onde o fato de a DARPA atuar sob a bandeira da “segurança nacional” em vez do “desempenho econômico” contribui para o encobrimento do Estado como um ator-chave da economia. Pode ser que uma solução para a ARPA-E seja atuar sob a bandeira da “segurança energética”.

Como a DARPA , a ARPA-E não cria sua própria agenda de pesquisa; em vez disso, convida pesquisadores da academia e da indústria a explorar ideias de alto risco, estabelecendo uma agenda por meio da colaboração e do conhecimento coletivo de possibilidades e tecnologia de ponta. O financiamento dos projetos vem do governo e do empresariado, indicando que sua agenda de P&D atrai inúmeros investidores (Hourihan e Stepp, 2011). A expectativa é que a oportunidade de realizar pesquisas de alto risco e altamente inovadoras “atrairá muitas das mentes mais brilhantes dos Estados Unidos — cientistas e engenheiros experientes, principalmente estudantes e jovens pesquisadores, incluindo empreendedores”. O site da ARPA-E afirma que sua organização “deve ser horizontal, ágil e enxuta, capaz de manter por longos períodos aqueles projetos cuja promessa permanece real, e eliminar os programas que não se mostrem tão promissores quanto se imaginava”. Com foco na expansão da rede, a agência também foi criada para desenvolver “uma nova ferramenta que preencha a lacuna entre a pesquisa básica em energia e o desenvolvimento/inovação industrial”. Em 2012 ela gastará 270 milhões de dólares em projetos de energia de alto nível. Mas esse valor é inferior aos 400 milhões de dólares recebidos em 2010 e está muito longe do bilhão de dólares destinado à DARPA (Malakoff, 2012).

A lista de projetos atuais da ARPA-E inclui a produção de protótipos de tecnologia elétrica potencialmente inovadora, ou tecnologia que permite a “transformação” da infraestrutura energética (Advanced Research Projects Agency — Energy, “Mission Statement”, s.d.). Os cientistas são livres para explorar as inovações em energia sem a expectativa de que todas as ideias funcionem ou produzam valor comercial imediato. Em suma, ela preenche a lacuna criada pelos interesses comerciais muito avessos ao risco para investir em tecnologias energéticas de amanhã dadas as incertezas de hoje.

Embora os investimentos ativos, no estilo DARPA , conduzam mais rapidamente ao crescimento do que as políticas de “não ingerência”, o problema é escolher a “direção” dos investimentos, pois elas podem ser determinadas por agendas criadas pela indústria ou pela academia. O risco é ter uma predisposição no sentido de uma trajetória de qualidade inferior (“dependência do caminho”) em vez de uma trajetória radicalmente nova baseada no verdadeiro gosto pelo risco, em tecnologias revolucionárias e um comportamento de “cientista maluco”. Fazer P&D de produto para os militares também é diferente de fazer P&D de produto para o mercado de energia, dominado por algumas das maiores e mais poderosas empresas do planeta, pouco voltadas para a inovação, principalmente porque sua matéria-prima (gás e eletricidade) não tem uma verdadeira diferenciação de produto, apesar de gerada por diferentes tecnologias. Por isso, o preço é fator decisivo na maioria dos casos. As empresas que desenvolveram e que controlam as tecnologias de energia existentes têm enormes custos irrecuperáveis, que aumentam o risco representado pela inovação. Por fim, a indústria de energia tende a se desenvolver privilegiando a estabilidade e a confiabilidade do sistema energético em detrimento da rápida adoção de novas tecnologias (Chazan, 2013).

As novas tecnologias energéticas alteram os meios pelos quais a energia é produzida, e o custo da energia que produzem costuma ser mais alto do que o das tecnologias tradicionais quando outros fatores (como o impacto ambiental) não são calculados ou custeados pelos produtores de energia. Os pesquisadores militares recebem uma “incumbência” clara que precisam cumprir sem se preocupar muito ou quase nada com os custos, já que o governo “não se importa” com preços e pode agir como o líder em aquisição de inovação. No campo energético, o conflito continuará centrado no que cada país prevê como estratégia para atender às suas necessidades energéticas futuras, bem como objetivos sociais e econômicos antagônicos, tais como maximizar o potencial exportador ou priorizar a emissão zero de carbono.

Os Estados Unidos adotaram uma abordagem do tipo “financiar tudo” com a esperança de que mais cedo ou mais tarde surjam tecnologias energéticas inovadoras e economicamente viáveis. O problema de usar a mudança do clima como justificativa básica para investir em tecnologias energéticas é que essa não é a única questão ambiental importante hoje. É também uma questão que pode ser parcialmente “resolvida” com a ajuda de tecnologias não renováveis, como a energia nuclear e o sequestro de carbono. É realmente isso que desejamos? A implantação de recursos destinados a facilitar o processo de inovação deve ocorrer aliada à coragem de fixar uma direção tecnológica e segui-la. Deixar que o “mercado” fixe essa direção só garante que a transição energética será adiada até que o preço dos combustíveis fósseis atinjam preço estratosféricos.

Impulsionando — não adiando — o desenvolvimento verde

A história dos investimentos americanos em inovação, da internet à nanotecnologia, mostra que foi fundamental para o governo ter os pés tanto na pesquisa básica quanto na aplicada. Os laboratórios do National Institute of Health (NIH ), responsável por 75% dos medicamentos mais radicais, realizam pesquisas aplicadas. Em ambos os casos, o governo faz o que o setor privado não está disposto a fazer. O financiamento do Estado faz as coisas acontecerem. Os 10 bilhões de dólares injetados no NIH pelo ARRA estão, segundo Michael Grunwald, “impulsionando descobertas fantásticas na pesquisa do câncer, Alzheimer, em genômica e muito mais” (Andersen, 2012). Por isso, a suposição de que se pode deixar a pesquisa aplicada para o setor empresarial e que isso irá gerar inovação não tem muita base de sustentação (e pode inclusive privar alguns países de descobertas importantes). A questão é: qual pesquisa aplicada será feita e quem irá fazer?

Um “empurrãozinho” nas economias não irá favorecer a explosão de uma “revolução verde”. Os países que se agarram à falsa ideia de que o investimento do governo tem uma espécie de ponto de equilíbrio natural com o setor empresarial perderão a oportunidade de aproveitar uma transição energética histórica ou serão obrigados a importá-la. Na verdade, as atividades governamentais e empresariais costumam se sobrepor. Os negócios de tecnologia limpa, como a maioria dos negócios, estão propensos a requerer subsídios e P&D realizado pelo governo em seus respectivos setores. Já disse que o capital de risco e os “empreendedores” respondem ao apoio governamental, que escolhe as tecnologias nas quais vai investir, mas raramente focam no longo prazo.

A tão necessária revolução verde apresenta um sério problema: dada a aversão ao risco do setor empresarial, os governos precisam manter o financiamento da pesquisa por ideias radicais que levem à revolução industrial verde. Os governos têm um papel de liderança a desempenhar no apoio ao desenvolvimento de tecnologias limpas além dos estágios de protótipos até sua viabilização comercial. Para alcançar a “maturidade” tecnológica é preciso mais apoio para preparar, organizar e estabilizar um “mercado” saudável, em que o investimento tenha uma margem de risco razoavelmente baixa e o lucro seja possível. Muitas das ferramentas para que isso seja feito já estão implantadas em todo o mundo, mas onde a estratégia, as ferramentas e os impostos são abundantes, a vontade política costuma ser o recurso crítico mais escasso. Sem a coragem e o comprometimento das economias mais ricas, que são também algumas das maiores poluidoras, a retirada do apoio a tecnologias fundamentais em períodos economicamente difíceis talvez seja uma receita para o desastre.

A verdadeira coragem está naqueles países que usam os recursos do governo para dar um “empurrão” sério nas tecnologias limpas, comprometendo-se com objetivos e financiamento para a realização de tarefas aparentemente impossíveis. Coragem é a tentativa da China de construir um mercado do tamanho da rede elétrica dos Estados Unidos e Europa para as turbinas eólicas até 2050 e aumentar seu mercado de painéis solares fotovoltaicos em 700% em apenas três anos. Coragem é também a entrada dos bancos de desenvolvimento nos setores em que os bancos comerciais têm dúvidas, promovendo o desenvolvimento, o crescimento das empresas e um retorno do investimento para os contribuintes que é mais fácil de rastrear. É importante que o dinheiro dos impostos seja rastreável na promoção de tecnologias e geração de retornos. O sucesso aumenta as probabilidades de apoio a outra rodada de investimentos arriscados e gera mais visibilidade para o papel positivo que o governo pode ter ao promover a inovação.

Se alguns governos europeus deixaram claro o valor das políticas de longo prazo no apoio a P&D e implantação de mercados, os Estados Unidos por sua vez mostraram como a manutenção de um estado de incerteza pode levar à perda de oportunidades (no próximo capítulo damos exemplos de tecnologias de energia solar e eólica). Os Estados Unidos chegaram até aqui sem adotar um plano nacional energético de longo prazo que priorize a energia renovável, recusando-se também a reduzir ou deixar de apoiar tecnologias energéticas mais maduras, delegando a tarefa de determinar o rumo com os estados. Empresas como a Vestas e a GE não se furtam a apontar como mudanças na política, tais como o vencimento de subsídios fundamentais para a energia renovável nos Estados Unidos ou a “falta de visão” no Reino Unido, irão alterar suas decisões de investimento em detrimento dos países anfitriões. Os planos para novas fábricas e atividades de desenvolvimento são cancelados ou transferidos para outros países nos quais as perspectivas são mais promissoras. A liderança do Estado nesses países que “oscilam” acaba limitando os recursos disponíveis para tecnologias limpas até o surgimento de uma nova crise de energia quando o governo federal resolve agir.

Os Estados Unidos (e outros) talvez aprendam com o exemplo de outros países que criaram bancos de desenvolvimento que podem ter maior controle sobre atividades de desenvolvimento e crescimento das empresas em estágios mais avançados. Voltados em grande medida para o financiamento de projetos de energia renovável, alguns bancos de desenvolvimento também usam sua influência para dar oportunidades aos fabricantes de investir no crescimento das cadeias de abastecimento interno. O retorno desses empréstimos fornece um benefício mais visível para os contribuintes e promove o crescimento do emprego com maior segurança, principalmente porque os bancos de desenvolvimento podem atender aos interesses do público.

A importância do capital paciente: financiamento público e bancos de desenvolvimento estatais

As tecnologias limpas avançadas (como todas as tecnologias radicais) têm muitos obstáculos a superar. Alguns deles podem estar relacionados ao desenvolvimento técnico (como melhorar ou inventar técnicas de produção), outros se devem às condições do mercado ou da concorrência. No caso das fontes de energia renovável, como a eólica e solar, a ampla aceitação social ou a necessidade de fornecer energia por um preço inferior ao que é possível para outras empresas e tecnologias também é um grande obstáculo (Hopkins e Lazonick, 2012). Os mercados de energia residencial, comercial e de rede elétrica em que elas competem estão sujeitos ao apoio governamental instável ou inadequado. Considerando esses desafios, o risco financeiro do apoio a uma empresa até que ela consiga chegar ao estágio da produção em massa, dominar uma fatia do mercado e atingir a economia de escala, reduzindo o custo unitário, é grande demais para a maioria dos fundos de capital de risco (ver Hopkins e Lazonick, 2012, p. 7). Os investidores do capital de risco também não se dispõem a participar de desenvolvimentos tecnológicos que não levem à bem-sucedida oferta pública de ações (IPO ), fusão ou aquisição. Dessas possibilidades de “saída” é que eles tiram seus lucros. Apesar de haver muita especulação por trás de todas as decisões de investimento do capital de risco, eles não investem nada sem um forte empurrão do governo na forma de um desenvolvimento tecnológico específico. Na verdade, na falta de um modelo de investimento apropriado, o capital de risco relutará para fornecer o “capital paciente” necessário para o pleno desenvolvimento de inovações radicais.

No jogo da inovação, é essencial que o financiamento seja “paciente” e consiga aceitar o fato de que a inovação tem um alto grau de incerteza e demora bastante (Mazzucato, 2010). O capital paciente pode adotar várias formas. A política alemã de tarifa feed-in é uma boa forma de “capital paciente público” apoiando o crescimento de longo prazo dos mercados de energia renovável. Em compensação, a disponibilidade mas também incerteza frequente que cerca os créditos fiscais nos Estados Unidos e no Reino Unido são uma forma de “capital impaciente”, que não ajudou a indústria a decolar. O capital paciente mais visível disponibilizado para os desenvolvedores e fabricantes de tecnologia renovável veio dos investimentos financiados pelo Estado ou “bancos de desenvolvimento”. Segundo o Global Wind Energy Council (GWEC ):

O que mais diferencia os bancos de desenvolvimento das instituições de empréstimo do setor privado é a capacidade que os bancos de desenvolvimento têm de assumir mais riscos relacionados a aspectos políticos, econômicos e geográficos. Além disso, como eles não são obrigados a pagar dividendos a investidores privados, os bancos de desenvolvimento assumem riscos mais altos do que os bancos comerciais para atender a inúmeros objetivos para o “bem público” nacional ou internacional. Some-se a isso o fato de não existir financiamento de longo prazo do setor privado para um período de maturidade de mais de dez anos. (Fried, Shukla e Sawyer, 2012, p. 6)

O papel e o âmbito dos bancos de desenvolvimento vão além do simples financiamento de projetos. Eles podem estabelecer condições para o acesso ao seu capital, em uma tentativa de maximizar o valor econômico ou social de seu país natal. A maioria dos bancos de desenvolvimento procura investir em áreas de maior valor social e se dispõe a fazer empréstimos arriscados que são evitados pelo setor comercial. Além disso, enquanto esses bancos apoiam o consumo de energia renovável, eles também podem apoiar a fabricação. Os bancos de desenvolvimento são financistas flexíveis e podem destinar quantias significativas para projetos de energia renovável, que podem representar um investimento tão arriscado quanto o capital aplicado na produção de novas tecnologias. 14

Como observamos nos Estados Unidos, o capital de risco entra com o financiamento para cobrir a transição da empresa para a produção comercial, mas com frequência não consegue fornecer o capital necessário ou não se dispõe a fazer isso caso o IPO , fusão ou aquisição sejam postergados ou evitados pela incerteza do mercado. Os bancos comerciais também podem considerar as pequenas empresas de tecnologia limpa ou projetos de energia renovável arriscados demais e por isso não se pode esperar que preencham a lacuna do investimento. Isso acontece porque os investidores comerciais e institucionais não “veem” a tecnologia — eles veem os retornos (ou a falta deles) gerados por uma carteira de risco administrada por um período de tempo. Por isso, os bancos de desenvolvimento podem oferecer oportunidades de financiamento do crescimento de empresas estratégicas como aquelas da indústria verde e os mercados aos quais elas atendem.

Portanto, o financiamento público (como o que é oferecido pelos bancos de desenvolvimento do Estado) é superior ao do capital de risco e dos bancos comerciais por ser “paciente” e comprometido, dando tempo às empresas para que superem as incertezas engendradas pela inovação. Os bancos de desenvolvimento, principalmente mas não apenas nos países emergentes como China e Brasil, estão se revelando cruciais não só para os empréstimos “contracíclicos” — cruciais sobretudo em períodos de recessão —, mas também no apoio à inovação em tecnologia limpa, altamente incerta e de capital intensivo. Além disso, o retorno obtido possibilita um círculo virtuoso que premia o uso do dinheiro do contribuinte de forma direta, ao mesmo tempo em que cria outros benefícios indiretos (como bens públicos).

De fato, como mostramos nos capítulos anteriores, o Estado e o empresariado historicamente têm sido parceiros no processo de desenvolvimento econômico e tecnológico. Entretanto, sem governos dispostos a assumir uma parcela fundamental do risco, da incerteza e dos custos do desenvolvimento tecnológico revolucionário, o empresariado provavelmente não o realizaria por sua própria conta. 15 Os riscos financeiros e tecnológicos do desenvolvimento da energia renovável são altos demais para o capital de risco em virtude da dimensão e da duração dos riscos técnicos para além da tradicional validação do conceito. Mesmo quando se consegue a validação do conceito, a produção na escala necessária para ser considerada lucrativa pode não ser viável. O problema fundamental é que o capital de risco procura obter retornos não realistas em termos de tecnologias de capital intensivo, que ainda são muito “incertas” tanto em termos de produção quanto de distribuição (demanda). O retorno especulativo possível na revolução das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC ) não é uma “regra” a ser aplicada a todas as outras indústrias de alta tecnologia.

Historicamente, diferentes tipos de políticas governamentais tiveram papéis importantes na origem de muitas tecnologias verdes. Para ilustrar essa questão, no próximo capítulo examinamos a história de duas tecnologias de energia renovável: as turbinas eólicas e os módulos fotovoltaicos solares.


1 . Os estados americanos, por exemplo, muitas vezes conseguem “negociar” créditos de energia renovável (REC s) ou converter benefícios ambientais em valores negociáveis. Os REC s permitem que os estados atinjam suas metas por meio da compra de REC s, e não com a mudança efetiva da infraestrutura energética. Apesar de ser bom para atingir as metas, não há garantia de que isso será alcançado com as empresas ou cadeias de fornecimento do Estado, deixando de lado muitos dos benefícios econômicos de “tornar-se verde”.

2 . Martinot (2013, p. 9) mostra que as metas de desenvolvimento sustentável são um indicador útil para localizar os países que buscam mais agressivamente uma agenda de energia renovável/redução de carbono: “Cento e vinte países têm vários tipos de metas políticas para ações de longo prazo de energia renovável, incluindo uma meta vinculativa de 20% para a União Europeia”, enquanto países como “a Dinamarca (100%), a Alemanha (60%)” e a China estão indo mais longe no sentido de uma transição verde, para o mais tardar em “2030 ou 2050”.

3 . Alguns exemplos incluem os moinhos de água, os moinhos de vento, as velas, a queima da madeira para aquecimento ou máquina a vapor. A força animal é outra importante fonte de energia usada pelos humanos no passado, ajudando a produção agrícola e fornecendo o principal meio de transporte.

4 . Outros países da União Europeia que parecem estar avançando são Finlândia, França, Dinamarca e Noruega, enquanto a Irlanda e a Espanha parecem estar ficando para trás na promoção do desenvolvimento econômico verde.

5 . A China també assinou o Protocolo de Kyoto em 1998 e o ratificou em 2002. Os Estados Unidos são o único país que assinou (em 1998), mas nunca ratificou o protocolo.

6 . O relatório mostra que a China recebe a maioria dos investimentos, seguida pelos Estados Unidos, com países da Europa lutando para equilibrar os compromissos financeiros com tecnologias limpas de desenvolvimento contra o gerenciamento dos déficits nacionais.

7 . Os sinais obscuros incluem as reiteradas mudanças nas politicas de tarifas feed-in , que minaram a confiança e o crescimento da indústria solar, e a decisão de criar um Banco de Investimentos Verde com capital limitado e sem planos de financiamento até 2015.

8 . Uma questão polêmica para a indústria eólica foi, por exemplo, o vencimento do crédito fiscal de produção. Prorrogado até 2013, venceu no final desse ano. Apesar de ter sido criado em 1992, as ameaças frequentes de vencimento do crédito fiscal de produção têm contribuído para os altos e baixos em seus ciclos de desenvolvimento, em vez de permitir que funcione como sinal de compromisso de longo prazo com a energia eólica.

9 . Inovações mais graduais em eficiência energética parecem ter prioridade sobre os biocombustíveis de ponta ou tecnologias de energia solar avançadas. No caso das turbinas eólicas, o capital de risco tem ignorado completamente essa tecnologia, dando a entender que nem sempre se identifica ou se interessa por tecnologias que, já em 2012, se tornaram importantes líderes do setor energético e primeira escolha de muitos países interessados no desenvolvimento de energia renovável.

10 . Esta seção se baseia no texto de William Lazonick e Matt Hopkins, “There Went the Sun: Renewable Energy Needs Patient Capital”. Huffingtonpost.com (2011). Disponível em: <http://www.huffingtonpost.com/william-lazonick/there-went-the-sun-renewa_b_978572.html > . Acesso em: 12 abr. 2013.

11 . A Solyndra não é a única empresa a falir quando a comunidade empresarial perde a paciência ou tolerância ao risco. A Intel criou a Spectrawatt, sua divisão de painéis solares, em 2008, e investiu 50 milhões de dólares na empresa. Depois a Spectrawatt recebeu 32 milhões de dólares em financiamento estatal e federal para incentivar seu crescimento em Nova York. A Spectrawatt deveria começar a fabricar células solares fotovoltaicas C-Si e multi-C-Si em 2010 (Anderson, 2011). A empresa foi prejudicada por um lote de componentes defeituosos, pelo aumento da concorrência dos chineses e pela recusa de seus investidores em injetar mais 40 milhões de dólares para manter seu funcionamento (Chu, 2011).

12 . As questões levantadas pelo capital impaciente no financiamento de empresa de tecnologia limpa não são intransponíveis, mas a resposta cínica dos formuladores de políticas conservadoras tem sido a H. R. 6213, ou “No More Solyndras Act”, patrocinada por Fred Upton (representante de Michigan) e outros 21 congressistas republicanos. A lei, aprovada pelo Congresso em setembro de 2012, por 245 a 161 votos, ainda não foi levada adiante; seu objetivo é acabar com o programa de empréstimo garantido do Departamento de Defesa, eliminado qualquer apoio desse tipo no futuro para tecnologias limpas. Essa lei também ignora a falta de comprometimento da comunidade empresarial com recursos para a tecnologia limpa nas últimas décadas. A “investigação” liderada pelos republicanos no caso da Solyndra tem sido usada como justificativa para um ataque aos investimentos em energia limpa de maneira mais ampla, pois o programa prevê apoio para usinas nucleares, fabricantes de automóveis, projetos de energia renovável etc.

13 . É preciso observar que existem muitas outras agências federais que afetam a inovação energética nos Estados Unidos. Uma delas é o Departamento de Defesa (DoD), que gastará anualmente 10 bilhões de dólares em energia renovável até 2030 segundo estimativas recentes (ver Korosec, 2011). Como acontece com muitas outras agências federais, está comprometido com exigências cada vez mais rigorosas em relação à eficiência energética e distribuirá os recursos entre inúmeros setores de tecnologia limpa, como a energia eólica, solar e hidrelétrica, biocombustível e armazenamento de energia. Um projeto de painéis fotovoltaicos com 2 bilhões de dólares do DoD já está em andamento em Fort Irwin, Califórnia (Proebstel e Wheelock, 2011). A Defense Logistics Agency, ligada ao DoD e à DARPA , alocou 100 milhões de dólares do orçamento de 3 bilhões da agência para inúmeras aplicações da energia limpa na área militar (ver Levine, 2009). Como um dos maiores consumidores de energia do governo, gastando aproximadamente 4 bilhões de dólares anuais com sua necessidade energética, e com várias vezes a metragem quadrada combinada do Walmart, a influência do DoD sobre o desenvolvimento e a penetração de muitas tecnologias limpas terá um impacto de longo prazo sobre seu sucesso (ver serdp.org).

14 . Aproximadamente 40 bilhões de dólares foram destinados pelos bancos de desenvolvimento entre 2007 e 2010 a uma grande variedade de projetos de energia renovável. Tecnologias de energia eólica, solar e biomassa foram as maiores beneficiárias do financiamento de bancos de desenvolvimento nos últimos anos; segundo o GWEC , os projetos de energia eólica receberam mais de 50% do financiamento oferecido pelos bancos de desenvolvimento em 2010.

15 . É por isso que em 2010 o American Energy Innovation Council (AEIC ) começou a pedir que os Estados Unidos triplicassem os gastos com tecnologia limpa, passando para 16 bilhões de dólares com o adicional de mais 1 bilhão para a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada — Energia (ARPA-E ). Isso daria um alívio para o “armário vazio” de onde algumas das empresas mais ricas do planeta tiram tecnologia para colocar no mercado. A alegação de que o armário está vazio é duvidosa, pois existem muitas tecnologias limpas que não precisam de bilhões de dólares adicionais para integrar as soluções energéticas atuais. Mas as implicações são claras: os investimentos comerciais virão em seguida se o governo der o primeiro passo. Ver Lazonick (2011b; 2012, p. 38).