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FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

12.1. Noções introdutórias

Com o objetivo de dinamizar a atividade jurisdicional, o poder constituinte originário institucionalizou atividades profissionais (públicas e privadas), atribuindo-lhes o status de funções essenciais à Justiça, tendo estabelecido suas regras nos arts. 127 a 135 da CF/88: Ministério Público (arts. 127 a 130), Advocacia Pública (arts. 131 e 132), Advocacia (art. 133) e Defensoria Pública (art. 134).

12.2. Ministério Público

12.2.1. Histórico

12.2.1.1. Origens remotas

Há muita divergência doutrinária sobre o surgimento do Ministério Público, chegando alguns a apontar a sua forma inicial há mais de quatro mil anos, na figura do magiaí, funcionário real no Egito Antigo, que tinha o dever de proteger os cidadãos do bem e reprimir, castigando, os “rebeldes”.

Outros, ainda, identificam o surgimento do Ministério Público na Antiguidade Clássica, na Idade Média ou até no direito canônico.

Divergências à parte, a maioria da doutrina aceita, com mais tranquilidade, o seu surgimento na figura dos Procuradores do Rei do direito francês (Ordenança de 25.03.1302, de Felipe IV, “o Belo”, Rei da França), que prestavam o mesmo juramento dos juízes no sentido de estarem proibidos de exercer outras funções e patrocinar outras causas, senão as de interesse do Rei.

Como bem expõe Mazzilli, “a Revolução Francesa estruturou mais adequadamente o Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantias a seus integrantes. Foram, porém, os textos napoleônicos que instituíram o Ministério Público que a França veio a conhecer na atualidade. Inegável é a influência da doutrina francesa na história do Ministério Público, tanto que, mesmo entre nós, ainda se usa frequentemente a expressão parquet, para referir-se à instituição”.1

Não obstante a influência francesa, temos de ressaltar a importância do direito português sobre a origem do Ministério Público no Brasil, notadamente as Ordenações Afonsinas (1447), Manuelinas (1514) e Filipinas (1603).

Conforme anotam Araujo e Nunes Jr., “no Brasil, fazendo menção ao Procurador dos Feitos da Coroa e ao Promotor de Justiça, o Alvará de 7 de março de 1609, que criou o Tribunal de Relação da Bahia, foi a primeira legislação a abordar a função de Ministério Público”.2

Passemos, então, a analisar a evolução do Ministério Público especialmente nas Constituições brasileiras, destacando-se, no quadro abaixo, a sua previsão “topológica” (em termos de disposição no texto constitucional), chegando ao coroamento na CF/88, pela qual se instituiu total desvinculação dos Poderes, declarando ser instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incum­bindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, com autonomia funcional, administrativa e financeira.

CONSTITUIÇÕES

PREVISÃO TOPOLÓGICA

1824

não fez menção ao MP, mas apenas ao Procurador da Coroa e Soberania Nacional

1891

previsão muito tímida, disciplinando apenas regras para a designação do PGR, dentre membros do STF e, assim, a alocação dentro do título do Poder Judiciário

1934

posicionamento fora dos Poderes, adquirindo status constitucional e estabelecido como órgão de cooperação nas atividades governamentais

1937

retrocesso durante o período ditatorial. Tratamento esparso e vago com algumas regras sobre o PGR no capítulo do Poder Judiciário

1946

redemocratização. Avanço. Previsão em título especial e próprio, distinto dos Poderes e, assim, não estando atrelado a nenhum deles

1967

novamente a previsão do MP, retrocedendo o texto anterior que lhe dava título especial, foi estabelecida no capítulo do Poder Judiciário

EC n. 1/69

alterando o texto anterior, houve o posicionamento do MP no capítulo do Poder Executivo

1988

o MP chega fortalecido no novo ordenamento, ganhando previsão em título próprio, desatrelado dos Poderes e como uma das funções essenciais à Justiça

12.2.1.2. Constituição de 1824

Apesar de não haver menção ao Ministério Público no texto do Império, o seu art. 48 fez a previsão do Procurador da Coroa e Soberania Nacional, que tinha a atribuição de acusação nos crimes que não pertencessem à Câmara dos Deputados.

Durante o Império, contudo, algumas leis fizeram referência mais específica ao Promotor Público, destacando-se, dentre outros:

1830 Código Criminal: no art. 132, falava-se em atribuição de acusação do Promotor para os crimes ali especificados;

1832 Código do Processo Criminal: em diversas passagens se fez previsão do Promotor Público. Dentre outras atribuições, no seu art. 37, § 1.º, estava prevista a de denunciar os crimes públicos e policiais e acusar os delinquentes perante os jurados, assim como os crimes de reduzir à escravidão pessoas livres, cárcere privado, homicídio, ou a tentativa dele, ou ferimentos, com as qualificações dos arts. 202, 203 e 204 do Código Criminal; e roubos, calúnias, injúrias contra o Imperador, membros da Família Imperial, contra a Regência e cada um de seus membros, contra a Assembleia Geral e contra cada uma das Câmaras.

12.2.1.3. Constituição de 1891

Antes mesmo da Constituição de 1891, a partir da Proclamação da República, o Decreto n. 848, de 11.10.1890, ao organizar a Justiça Federal, fez menção ao Ministério Público, pela primeira vez, como instituição. Vejamos:

1890 art. 22 do Decreto n. 848: ao tratar do Ministério Público, destacou a atuação do Procurador-Geral da República, competindo-lhe: a) exercer a ação pública e promovê-la até o final em todas as causas da competência do Supremo Tribunal; b) funcionar como representante da União, e em geral oficiar e “dizer de direito” em todos os feitos submetidos à jurisdição do Supremo Tribunal; c) velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devem ser aplicados pelos juízes federais; d) defender a jurisdição do Supremo Tribunal e a dos demais juízes federais; e) fornecer instruções e conselhos aos procuradores seccionais e resolver consultas destes, sobre matéria concernente ao exercício da Justiça Federal.

A Constituição de 1891, por sua vez, de maneira muito tímida, tratou do Procurador-Geral da República, na Seção III do Título I, que disciplinava o Poder Judiciário.

Essa previsão topológica tinha uma razão de ser. De acordo com o art. 58, § 2.º, o Procurador-Geral da República era designado pelo Presidente da República dentre os membros do Supremo Tribunal Federal.

De modo geral, as atribuições do PGR deveriam ser definidas na lei, havendo apenas uma previsão na Constituição, qual seja, a possibilidade de requerer, de ofício e a qualquer tempo, a revisão criminal (art. 81).

12.2.1.4. Constituição de 1934

Na Constituição de 1934, o Ministério Público adquire verdadeiro status constitucional, não tendo sido a sua previsão atrelada ao Judiciário (conforme o texto de 1891), mas como órgão de cooperação nas atividades governamentais (Seção I do Capítulo VI do Título I), destacando-se as seguintes regras (arts. 95 a 98):

Organização por lei: o Ministério Público era organizado na União, no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados, pelas leis locais.

PGR — nomeação sem a necessidade de fazer parte do Judiciário: o Chefe do MPF nos Juízos comuns era o Procurador-Geral da República, de nomeação do Presidente da República, com aprovação do Senado Federal (sabatina) dentre cidadãos com os requisitos estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema.

Remuneração e demissão ad nutum: em termos de remuneração, o PGR tinha os mesmos vencimentos dos Ministros da Corte Suprema, sendo, porém, demissível ad nutum.

Chefes do Ministério Público no Distrito Federal e nos Territórios: referidos Chefes eram de livre nomeação do Presidente da República dentre juristas de notável saber e reputação ilibada, alistados eleitores e maiores de 30 anos, com os vencimentos dos Desembargadores.

Concurso público e estabilidade: os membros do Ministério Público Federal que serviam nos Juízos comuns eram nomeados mediante concurso e só perdiam os cargos, nos termos da lei, por sentença judiciária, ou processo administrativo, no qual lhes era assegurada ampla defesa.

Comunicação de decisão ao Senado Federal na hipótese de inconstitucionalidade: o PGR tinha, ainda, a atribuição de, quando a Corte Suprema declarasse inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, comunicar a decisão ao Senado Federal para os fins do art. 91, n. IV, e bem assim à autoridade legislativa ou executiva de que tivesse emanado a lei ou o ato.

ADI interventiva: conforme já estudamos, a ADI interventiva surgiu no texto de 1934, tendo por exclusivo legitimado o PGR.

Outras atribuições: de modo geral, as atribuições do Ministério Público estavam previstas em lei. Houve, contudo, além das já mencionadas: a) a possibilidade de requerer a revisão dos processos findos em matéria criminal, inclusive os militares e eleitorais; b) a competência para interpor recurso extraordinário na Corte Suprema contra as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instância quando ocorresse diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um destes Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal.

Impedimentos dos Procuradores-Gerais: os Chefes do Ministério Público na União e nos Estados não podiam exercer qualquer outra função pública, salvo o magistério e os casos previstos na Constituição, sob pena de perda do cargo.

Previsão de MP Militar e Eleitoral: o Ministério Público, nas Justiças Militar e Eleitoral, era organizado por leis especiais, e tinha na Justiça Eleitoral as incompatibilidades que referidas leis especiais prescrevessem.

Regra do “quinto constitucional”: nos termos do art. 104, § 6.º, da Constituição, na composição dos Tribunais superiores eram reservados lugares, correspondentes a 1/5 do número total, para serem preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos de lista tríplice, organizada na forma do § 3.º.

12.2.1.5. Constituição de 1937

Durante a Ditadura de Getulio Vargas houve total retrocesso em relação ao Ministério Público enquanto instituição, havendo tratamento esparso e vago na Constituição, destacando-se:

Procurador-Geral da República: o PGR era o Chefe do Ministério Público Federal e funcionava junto ao STF (a previsão topológica foi dentro do capítulo do “Poder Judiciário”). O PGR era de livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo recair a escolha em pessoa que reunisse os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Recurso ordinário: houve a previsão de o Ministério Público poder interpor recurso ordinário nas hipóteses de decisões de última ou única instância denegatórias de habeas corpus.

Regra do “quinto constitucional”: na composição dos Tribunais superiores, 1/5 dos lugares era preenchido por advogados ou membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, organizando o Tribunal de Apelação uma lista tríplice.

Representação da Fazenda Pública: o art. 109, parágrafo único, estabeleceu que a lei regularia a competência e os recursos nas ações para a cobrança da dívida ativa da União, podendo cometer ao Ministério Público dos Estados a função de representar em Juízo a Fazenda Federal.

Crime comum e de responsabilidade: a Carta estabeleceu que o PGR seria processado e julgado pelo STF nas hipóteses de crime comum e de responsabilidade.

12.2.1.6. Constituição de 1946

Com a redemocratização o Ministério Público ganha especial destaque na Constituição de 1946, disciplinado em título especial (o Título III, separado dos Poderes e tratando, exclusivamente, da carreira do MP). São as seguintes e principais regras:

Tribunal Federal de Recursos (TFR) e “regra do terço” (art. 103, caput): o TFR, com sede na Capital federal, era composto de 9 Juízes, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, sendo 2/3 entre magistrados e 1/3 entre advogados e membros do Ministério Público, com os requisitos do art. 99.

Regra do “quinto constitucional” em âmbito estadual (art. 124, V): na composição de qualquer Tribunal estadual, 1/5 dos lugares era preenchido por advogados e membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, com dez anos, pelo menos, de prática forense. Para cada vaga, o Tribunal, em sessão e escrutínio secretos, votava lista tríplice. Escolhido um membro do Ministério Público, a vaga seguinte era preenchida por advogado;

MPU organizado por lei (art. 125): a organização do Ministério Público da União, junto à Justiça Comum, à Militar, à Eleitoral e à do Trabalho se dava por meio de lei. Posteriormente, a EC n. 16/65 estabeleceu que a lei organizaria o Ministério Público da União junto aos órgãos judiciários federais.

PGR — Chefe do MPF (art. 126): o PGR era o Chefe do Ministério Público federal. O Procurador, nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre cidadãos com os requisitos indicados no artigo 99, era demissível ad nutum.

Representação da União (art. 126, parágrafo único): a União era representada em Juízo pelos Procuradores da República, podendo a lei cometer esse encargo, nas Comarcas do interior, ao Ministério Público local.

Regra do concurso público e as garantias da estabilidade e da inamovibilidade (art. 127): os membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Territórios ingressavam nos cargos iniciais da carreira mediante concurso. Após 2 anos de exercício, não podiam ser demitidos senão por sentença judiciária ou mediante processo administrativo, sendo-lhes facultada a ampla defesa. Outra garantia era a inamovibilidade, a não ser mediante representação motivada do Chefe do Ministério Público, com fundamento em conveniência do serviço.

MP em âmbito estadual — carreira (art. 128): nos Estados, o Ministério Público será também organizado em carreira, observados os preceitos do art. 127 e mais o princípio de promoção de entrância a entrância.

EC n. 16/1965: referida emenda trouxe importantes previsões, por exemplo: a) conforme já estudado no capítulo sobre controle, referida emenda instituiu, pela primeira vez no direito brasileiro, o sistema de controle concentrado, por meio de representação a ser ajuizada exclusivamente pelo Procurador-Geral da República; a antiga “regra do terço” para a composição foi alterada em relação ao TFR. Pela nova regra, o TFR passou a ser composto de 13 juízes, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, sendo 8 dentre magistrados e 5 dentre advogados e membros do Ministério Público, todos com os requisitos do art. 99.

Crime comum (STF) e de responsabilidade (Senado Federal): inovando, mantendo a previsão de julgamento do PGR por crime comum no STF (art. 101, I, “b”), a Constituição estabeleceu que o julgamento por crime de responsabilidade seria de competência do Senado Federal (art. 62, II).

12.2.1.7. Constituição de 1967

De modo geral, todas as regras estabelecidas no texto de 1946 foram repetidas na Constituição de 1967, como as referentes ao concurso público, estabilidade, inamovibilidade etc.

O art. 138, § 2.º, conservou a previsão de que a União seria representada em Juí­zo pelos Procuradores da República, podendo a lei cometer esse encargo, nas Comarcas do interior, ao Ministério Público local.

A grande distinção foi a alocação topográfica, com inegável retrocesso, já que não mais prevista a carreira do MP em título especial e exclusivo.

A Constituição de 1967 inseriu o Ministério Público dentro do capítulo do Poder Judiciário, na Seção IX do Capítulo VIII.

12.2.1.8. Emenda Constitucional n. 1/69

A EC n. 1/69 manteve o Ministério Público atrelado aos Poderes. Contudo, em vez de inseri-lo em seção dentro do capítulo do Judiciário, como fazia a Constituição de 1967, fixou a carreira do MP no capítulo do Poder Executivo (Seção VIII do Capítulo VII), tendo referida alocação permanecido na EC n. 7/77.

Basicamente, todas as regras em relação ao concurso público, estabilidade, inamovibilidade, Chefia do MPF pelo PGR, participação no TFR, “regra do quinto” etc. foram preservadas.

A representação judicial da União também continuou nas mãos do Ministério Público Federal (cf. Lei n. 1.341/51 Lei Orgânica do Ministério Público da União, que veio a ser substituída pela LC n. 75/93), sendo que o art. 95, § 2.º, da EC n. 1/69 expressamente disciplinou que, nas comarcas do interior, a União poderia ser representada pelo Ministério Público estadual.

A EC n. 1/69, em seu art. 94, estabeleceu, ainda, que lei organizaria o MPU junto aos juízes e tribunais federais, bem como o MP Estadual seria organizado em carreira por lei estadual.

Mantendo essa regra de organização do MP Estadual por lei estadual, a EC n. 7/77 inovou ao prescrever que lei complementar federal, de iniciativa do Presidente da República, estabeleceria normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público Estadual.

A título de informação, referida regulamentação se deu pela LC n. 40, de 14.12.81, lembrando que, com a promulgação do texto de 1988, o entendimento a que se chegou foi no sentido de não mais se exigir para referida regulamentação a modalidade de lei complementar, em razão da falta de previsão no art. 61, § 1.º, II, “d”.

Isso porque, do ponto de vista material, e já estudamos esse assunto no capítulo sobre o processo legislativo (cf. item 9.14.2.2.1), toda vez que o constituinte quiser que a matéria seja regulamentada por lei complementar, deverá fazer pedido expresso. Não havendo declarada previsão e não sendo hipótese das outras espécies normativas, pelo campo residual, chegou-se à conclusão de que a matéria deve ser regulamentada por lei ordinária.

Nesse sentido, a Lei n. 8.625, de 12.02.93, instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LONMP) e dispôs sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, além de dar outras providências.3

12.2.1.9. Constituição de 1988

O texto de 1988 consagrou a evolução do Ministério Público, separando-o dos Poderes e o alocando no capítulo que trata das funções essenciais à Justiça (Seção I do Capítulo IV do Título IV).

Em verdadeira consagração, o MP foi elevado à posição de instituição permanente e desatrelado, de vez, da representação judicial da União, tanto é que, de maneira categórica e enérgica, o art. 129, IX, expressamente vedou a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas, ficando essa atribuição nas mãos da advocacia pública.

A CF/88, em seu art. 131, caput, fez a previsão expressa da Advocacia-Geral da União, instituição que, diretamente ou por meio de órgão vinculado, passou a representar a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Cabe observar, apesar das novas regras, que, por força do art. 29, caput, do ADCT, a representação judicial da União manteve-se afeta ao Ministério Público Federal até o advento da LC n. 73/93.

12.2.2. Definição e investidura (“quarentena de entrada”)

De acordo com o art. 127, caput, da CF/88, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.4

Regulamentando a CF/88, foram editados os seguintes diplomas legais:

Lei n. 8.625, de 12.02.1993: Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados (iniciativa reservada ao Presidente da República, na forma da parte final do art. 61, § 1.º, II, “d”, CF/88);

Lei Complementar n. 75, de 20.05.1993: Lei Orgânica do Ministério Público da União (de caráter federal e não nacional, como a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), dispondo sobre a organização, atribuição e estatuto do Ministério Público da União (Ministério Público Federal — arts. 37-82; Ministério Público Militar — arts. 116-148; Ministério Público do Trabalho — arts. 83-115 e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios — arts. 149-181, todos independentes entre si);5

Leis complementares estaduais: cada Estado elabora a sua. Assim, de acordo com o edital do concurso público estadual, o candidato atento deverá estudar a respectiva lei orgânica.

Significando importante garantia constitucional, as funções do Ministério Público só poderão ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.

Nos termos do art. 129, § 3.º, da CF/88, o ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, 3 anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomea­ções, a ordem de classificação.

De maneira bastante acertada, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Res. n. 87/2012-CNMP estabelecendo que a comprovação do período de 3 anos de atividade jurídica deverá ser documentada e formalizada para o ato da posse do candidato aprovado em todas as fases do concurso público, e não com o ato de mera inscrição definitiva no respectivo certame. Isso porque a expressão “ingresso” deve ser interpretada como sinônimo de investidura, que somente se efetivará com a posse no cargo.

Alertamos, contudo, que o STF, em sentido diverso, ao analisar as regras para a Magistratura, assim estabeleceu: “a comprovação do triênio de atividade jurídica exigida para o ingresso no cargo de juiz substituto, nos termos do inciso I do art. 93 da Constituição Federal, deve ocorrer no momento da inscrição definitiva no concurso público” e não na posse (RE 655.265, Rel. orig. Min. Luiz Fux, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, j. 13.04.2016).

12.2.3. Organização do Ministério Público na CF/88 — art. 128, I e II, e MP Eleitoral

12.2.3.1. Organização do Ministério Público da União e Estadual

Cap12_Figura01

Como se vê, o art. 128, I, tratou do MP da União, enquanto o art. 128, II, do MP dos Estados.

No mesmo sentido em que no organograma do Judiciário se fala em “justiça comum” e “justiça especializada”, também aqui se observa um Ministério Público que atua na “justiça comum”, no caso, tanto a Federal (MPF — art. 109, nas matérias de competência da Justiça Federal) como a Estadual (MP Estadual), bem como aquele que atua perante os ramos especializados da Justiça Federal, quais sejam, o MPT, o MPM e também na Justiça Eleitoral, com as suas particularidades, como se verá no item seguinte.

Cumpre notar que, apesar de no âmbito federal existir uma carreira própria do Ministério Público para atuação perante a Justiça Militar da União, qual seja, o MPM (art. 128, I, “c”), no âmbito estadual, seja em primeiro grau (Auditorias Militares, que correspondem às Varas na Justiça Comum), seja no TJ ou no TJM onde houver (SP, MG e RS — art. 125, § 3.º, da CF/88), a atuação dar-se-á por membro do MP Estadual, não havendo uma carreira própria e específica de Ministério Público Militar Estadual. Trata-se de Promotoria de Justiça especializada com atuação perante a Auditoria Militar.

Por sua vez, não obstante haja ampla aproximação entre Estados e o DF, a previsão do MP do DF e dos Territórios como ramo do MP da União se justifica já que, segundo o art. 21, XIII, ele será organizado e mantido pela União.

12.2.3.2. MP Eleitoral

O MP Eleitoral não tem estrutura própria, e a sua formação, como se percebe pelo quadro abaixo, é mista, sendo composto de membros do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público Estadual (MPE).6-7

MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

Órgãos do MPE

Grau de jurisdição

Matéria de competência originária

Procurador-Geral Eleitoral (PGR)

Vice-Procurador-Geral Eleitoral (integram o MPF)

TSE

Eleição presidencial

Procuradores Regionais Eleitorais (integram o MPF)

TREs

Juízes auxiliares6

Eleições federais, estaduais e distritais

Promotores Eleitorais (integram o MP Estadual)

Juízes eleitorais

Juntas eleitorais7

Eleições municipais

Observa-se que não há na Constituição a previsão da carreira específica do Ministério Público Eleitoral. Aliás, o texto, além de ser silente no art. 128, não tratou do assunto em nenhuma passagem da Carta.

Diante dessa lacuna e da importância da função eleitoral do MP, vozes na doutrina sustentam, com razão, a criação, por emenda, de uma carreira própria do MP Eleitoral que, no caso, pertenceria ao ramo do MPU, modificando, portanto, o art. 128.

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, com precisão, observa que “... a importância que as questões eleitorais têm ganhado na sociedade brasileira serve de contínua recomendação para que essa nova instituição seja criada. Seria um novo ramo do Ministério Público da União, tendo em vista o caráter federal de que se reveste toda a Justiça e o Direito Eleitoral”.8

Portanto, podemos falar que a função eleitoral, desempenhada pelo Ministério Público, tem natureza federal e é o que se depreende do art. 78 da LC n. 75/93 ao dispor que as funções eleitorais do Ministério Público Federal perante os Juízes e Juntas Eleitorais serão exercidas pelo Promotor Eleitoral, que é integrante do MP Estadual.

Diante desse regramento, conclui Gonçalves que, “quando atuam como órgãos eleitorais, os Promotores de Justiça o fazem como Ministério Público Federal, estando sujeitos à legislação que rege o parquet federal”.9

Nesse sentido, o art. 72 da LC n. 75/93 estabeleceu ser competência do Ministério Público Federal o exercício, no que couber, perante a Justiça Eleitoral, das funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral.

Ou seja, também em primeira instância a lei fixou que a atribuição é do MPF, sendo que, por expressa previsão normativa (art. 78), essa função é exercida pelo MP Estadual.

O art. 37, I, da LC n. 75/93, na mesma linha, prescreve que o Ministério Público Federal exercerá as suas funções nas causas de competência dos Tribunais e Juízes Eleitorais.

12.2.4. Chefe do Ministério Público

12.2.4.1. Procurador-Geral da República

O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de 35 anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 anos,10 permitida mais de uma recondução, sem qualquer limite (art. 128, § 1.º). No entanto, para cada nova recondução o procedimento e os requisitos deverão ser observados, já que a recondução é uma nova nomeação.

O Procurador-Geral da República poderá ser destituído pelo próprio Presidente da República, dependendo, contudo, de prévia autorização da maioria absoluta do Senado Federal (art. 128, § 2.º — novidade, já que, anteriormente, a escolha e a exoneração davam-se ad nutum pelo Presidente da República). A regra aqui é diferente da dos Estados e do DF e Territórios, pois o Chefe do MPU (PGR) poderá ser destituído pelo próprio Executivo, após prévia autorização do Legislativo. Os Chefes dos MPs dos Estados e do DF e Territórios (Procurador-Geral de Justiça) são destituídos pelo próprio Legislativo na forma da lei complementar respectiva (art. 128, § 4.º), e não pelo Executivo.

Em relação ao subsídio do Procurador-Geral da República de que tratam os arts. 39, § 4.º; 127, § 2.º; e 128, § 5.º, I, “c”, da CF/88, a Lei n. 11.144/2005, nos mesmos termos e limites da Lei n. 11.143/2005 (que fixou os subsídios dos Ministros do STF — teto do funcionalismo), estabeleceu que o subsídio mensal do Procurador-Geral da República seria de R$ 21.500,00 a partir de 1.º.01.2005 e, a partir de 1.º.01.2006, de R$ 24.500,00, correndo as despesas resultantes da aplicação da lei à conta das dotações orçamentárias consignadas ao Ministério Público da União.

Tendo em vista o aumento de 5% fixado pela Lei n. 12.042, de 08.10.2009, a partir de 1.º.09.2009, o subsídio mensal do PGR passou a ser de R$ 25.725,00, prevendo-se, na referida lei, um novo aumento de 3,88% a partir de 1.º.02.2010, quando atingiu o valor de R$ 26.723,13.

Finalmente, as Leis ns. 12.770/2012 e 13.092/2015 estabeleceram novos valores para o subsídio do Procurador-Geral da República. Vejamos:

R$ 28.059,29: a partir de 1.º.01.2013;

R$ 29.462,25: a partir de 1.º.01.2014; e

R$ 33.763,00: a partir de 1.º.01.2015.

12.2.4.2. Procurador-Geral de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios

Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seus Procuradores-Gerais, que serão nomeados pelo Chefe do Poder Executivo (Governador para os Estados e Presidente da República para o chefe do MP do DF e Territórios) para mandato de 2 anos, permitida uma única recondução. O Chefe do Ministério Público, nesta hipótese, designa-se Procurador-Geral de Justiça — PGJ (art. 128, § 3.º).

Em relação ao Procurador-Geral de Justiça dos Estados, o art. 9.º da Lei n. 8.625/93 determina que a lista tríplice será formada pelo próprio MP, na forma da lei respectiva de cada Estado, mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira.11 A destituição do PGJ dos Estados será implementada pela Assembleia Legislativa local, por deliberação de sua maioria absoluta, na forma da lei orgânica do respectivo Ministério Público.12

Já em relação ao Procurador-Geral de Justiça do DF e Territórios, o art. 2.º, parágrafo único, da Lei n. 8.625/93 dispõe que a organização, atribuições e estatuto do MP do DF e Territórios serão objeto da Lei Orgânica do MP da União, qual seja, da LC n. 75/93.

Essa vinculação à União é natural, visto que, a teor dos arts. 21, XIII, e 22, XVII, da CF/88, compete à União organizar e manter o MP do DF e Territórios.

O art. 156, caput, da LC n. 75/93 estatui que o Procurador-Geral de Justiça do DF e Territórios será nomeado pelo Presidente da República (e não Governador do DF ou de Territórios) dentre integrantes de lista tríplice elaborada pelo Colégio de Procuradores e Promotores de Justiça, para mandato de 2 anos, permitida uma recondução, precedida de nova lista tríplice.

Concorrerão à lista tríplice os membros do MP do Distrito Federal com mais de 5 anos de exercício nas funções da carreira e que não tenham sofrido, nos últimos 4 anos, condenação definitiva ou não estejam respondendo a processo penal ou administrativo.

Em relação à destituição, o art. 128, § 4.º, da CF/88 estabelece que o PGJ do DF e Territórios será destituído por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei complementar. A LC é a de n. 75/93, que, em seu art. 156, § 2.º, dispõe: “o Procurador-Geral poderá ser destituído, antes do término do mandato, por deliberação da maioria absoluta do Senado Federal, mediante representação do Presidente da República”. Cuidado: não é pela Câmara Legislativa do DF, e sim, enfatize-se, pela maioria absoluta do SF!

Cabe alertar, contudo, que, para o grande mestre José Afonso da Silva, a destituição do PGJ do DF e Territórios “... depende de deliberação do Poder Legislativo que, como órgão da União, é o Congresso Nacional”, não aceitando somente uma das Casas, que, conforme apontado, é o Senado Federal.

Dessa forma, para as provas, é importante saber essa renomada opinião, mas, na medida em que o art. 128, § 4.º, da CF/88 estabelece que o procedimento de destituição implementar-se-á nos termos da lei complementar, que, no caso, é a de n. 75/93, orientamos adotar a regra de seu art. 156, § 2.º, qual seja, como visto, o PGJ do DF e Territórios será destituído pela maioria absoluta do Senado Federal.

Por fim, uma dúvida pode surgir. E em caso de vacância do cargo, o novo Procurador-Geral assume pelo tempo que resta para completar os 2 anos (mandato-tampão) ou cumpre um novo “mandato” de 2 anos completos?

O novo Procurador-Geral deve cumprir os 2 anos, vale dizer, um novo período completo de 2 anos, já que, segundo José Afonso da Silva, não se trata de mandato, mas sim de investidura a tempo certo. E o STF já decidiu que: “por ofensa ao § 3.º do art. 128 da CF — que fixa em dois anos o mandato dos Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal —, o Tribunal, julgando procedente a ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República, declarou, na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado da Bahia (LC estadual n. 11/96), a inconstitucionalidade das disposições que previam, no caso de vacância do cargo de Procurador-Geral de Justiça, a eleição e nomeação de novo Procurador-Geral para que completasse o período restante do mandato de seu antecessor. ADI 1.783-BA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 11.10.2001 (ADI 1.783)” (Inf. 245/STF, de 08 a 12.10.2001).

Outra questão já decidida pelo STF está relacionada à impossibilidade de se exigir prévia aprovação da indicação do nome do PGJ pela maioria absoluta do Legislativo local, sob pena de ferir o art. 128, § 3.º, da CF/88, que traz como única exigência a lista tríplice, na forma da lei, devendo o Chefe do Executivo nomear um dentre os integrantes da lista (cf. ADI 1.228-MC/AP, DJU de 02.06.1995; ADI 1.506-SE, DJU de 12.11.1999; ADI 1.962-RO, Rel. Min. Ilmar Galvão, 08.11.2001, e, mais recentemente, ADI 3.727, Rel. Min. Ayres Britto, j. 12.05.2010, Plenário, DJE de 11.06.2010).

12.2.4.3. Procurador-Geral do Trabalho

Nos termos dos arts. 87 e 88 da LC n. 75/93 (que dispõe sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União), o Procurador-Geral do Trabalho será o Chefe do Ministério Público do Trabalho, nomeado pelo PGR, dentre membros da Instituição, com mais de 35 anos de idade e de 5 anos na carreira, integrante de lista tríplice escolhida mediante voto plurinominal, facultativo e secreto, pelo Colégio de Procuradores,13 para um mandato de 2 anos, permitida uma recondução, observado o mesmo processo. Caso não haja número suficiente de candidatos com mais de 5 anos na carreira, poderá concorrer à lista tríplice quem contar mais de 2 anos na carreira.

A sua exoneração, antes do término do mandato, será proposta ao PGR pelo Con­selho Superior,14 mediante deliberação obtida com base em voto secreto de 2/3 de seus integrantes.

12.2.4.4. Procurador-Geral da Justiça Militar

Já os arts. 120 e 121 da LC. n. 75/93 prescrevem que o Procurador-Geral da Justiça Militar será o Chefe do Ministério Público Militar, nomeado pelo PGR, dentre integrantes da Instituição, também com mais de 35 anos de idade e de 5 anos na carreira, escolhidos em lista tríplice mediante voto plurinominal, facultativo e secreto, pelo Colégio de Procuradores,15 para um mandato de 2 anos, permitida uma recondução, observado o mesmo processo. Caso não haja número suficiente de candidatos com mais de 5 anos na carreira, poderá concorrer à lista tríplice quem contar mais de 2 anos na carreira.

A sua exoneração antes do término do mandato será proposta ao PGR pelo Conselho Superior,16 mediante deliberação obtida com base em voto secreto de 2/3 de seus integrantes.

12.2.4.5. Procurador-Geral Eleitoral

Conforme vimos, o art. 73 da LC n. 75/93 consigna que o Procurador-Geral Eleitoral é o próprio PGR que exerce as funções do Ministério Público nas causas de competência do TSE.

Por sua vez, o Vice-Procurador-Geral Eleitoral será designado pelo Procurador-Geral Eleitoral, que o substituirá em seus impedimentos e exercerá o cargo em caso de vacância, até o provimento definitivo.

Ainda, além do Vice-Procurador-Geral Eleitoral, o Procurador-Geral Eleitoral poderá designar, por necessidade de serviço, membros do Ministério Público Federal para oficiarem, com sua aprovação, perante o TSE.

12.2.4.6. Procurador Regional Eleitoral

Incumbe ao Procurador-Geral Eleitoral (que é o PGR, reforçamos) designar o Procurador Regional Eleitoral em cada Estado e no Distrito Federal, juntamente com o seu substituto, dentre os Procuradores Regionais da República no Estado e no Distrito Federal, ou, onde não houver, dentre os Procuradores da República vitalícios, para mandato de 2 anos, podendo ser reconduzido uma vez.

Na prática, buscando dar maior legitimidade — apesar da inexistência de previsão normativa —, vêm sendo realizadas eleições no âmbito do MPF para a escolha dos 2 nomes (candidatos a Procurador Regional Eleitoral e o seu substituto) e, normalmente, sem ter essa obrigação, o PGR vem escolhendo os integrantes da chapa mais votada.

De acordo com o art. 76, § 2.º, da LC n. 75/93, o Procurador Regional Eleitoral poderá ser destituído, antes do término do mandato, por iniciativa do Procurador-Geral Eleitoral, anuindo a maioria absoluta do Conselho Superior do Ministério Público Federal.17

Compete ao Procurador Regional Eleitoral exercer as funções do Ministério Público nas causas de competência do Tribunal Regional Eleitoral respectivo, além de dirigir, no Estado, as atividades do setor.

Nesse sentido, a Res. n. 30/2008 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), traçando parâmetros para a indicação e a designação de membros do Ministério Público para exercer função eleitoral em 1.º grau, estabeleceu competir tal atribuição ao Procurador Regional Eleitoral, com base em indicação do Chefe do Ministério Público local, qual seja, com base na indicação do Procurador-Geral de Justiça (PGJ).

Essa incumbência conferida ao Procurador Regional Eleitoral de designar os membros do Ministério Público estadual que atuarão junto à Justiça Eleitoral, na forma do art. 79 da LC n. 75/93, foi declarada constitucional pelo STF no julgamento da ADI 3.802 (j. 10.03.2016, pendente a publicação do acórdão).

Finalmente, cumpre observar que o Procurador-Geral Eleitoral poderá designar, por necessidade de serviço, outros membros do MPF para oficiar, sob a coordenação do Procurador Regional, perante os TREs.

12.2.4.7. Novas perspectivas em relação à nomeação do PGR

A “PEC Paralela do Judiciário” (PEC n. 358/2005, que voltou à CD, já aprovada, como 29-A, no SF), modificando o art. 128, § 1.º, explicita que o PGR deva ser oriundo do MPF (tendo em vista as atribuições especializadas dos MPs do Trabalho e Militar e a atuação limitada a uma unidade da Federação do MP do DF e Territórios) e permite, diferentemente da regra atual, apenas uma recondução.

Essa informação é importante para as provas (oral e escrita — para demonstrar conhecimento), mas ainda depende de aprovação em 2 turnos da CD.

12.2.5. Princípios institucionais

12.2.5.1. Regras gerais

O art. 127, § 1.º, da CF/88 prevê como princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

unidade: sob a égide de um só Chefe, o Ministério Público deve ser visto como uma instituição única, sendo a divisão existente meramente funcional. Importante notar, porém, que a unidade se encontra dentro de cada órgão, não se falando em unidade entre o Ministério Público da União (qualquer deles) e o dos Estados, nem entre os ramos daquele;

indivisibilidade: corolário do princípio da unidade, em verdadeira relação de logicidade, é possível que um membro do Ministério Público substitua outro, dentro da mesma função, sem que, com isso, exista alguma implicação prática. Isso porque quem exerce os atos, em essência, é a instituição “Ministério Público”, e não a pessoa do Promotor de Justiça ou Procurador;

independência funcional: trata-se de autonomia de convicção, na medida em que os membros do Ministério Público não se submetem a nenhum poder hierárquico no exercício de seu mister, podendo agir, no processo, da maneira que melhor entenderem. A hierarquia existente restringe-se às questões de caráter administrativo, materializada pelo Chefe da Instituição, mas nunca, como dito, de caráter funcional. Tanto é que o art. 85, II, da CF/88 considera crime de responsabilidade qualquer ato do Presidente da República que atentar contra o livre exercício do Ministério Público.

12.2.5.2. O Ministério Público estadual pode postular autonomamente perante o STF, assim como apresentar sustentação oral, sem que se exija a ratificação pelo PGR?

O STF analisou, em um primeiro momento, a legitimidade autônoma ou não do MP Estadual para o ajuizamento de reclamação constitucional perante o STF (art. 102, I, “l”, da CF/88), nos autos da Rcl 7.358, na qual se analisava o suposto descumprimento da Súmula Vinculante 9 pelo TJ/SP.18

A discussão surgiu a partir do voto da Rel. Min. Ellen Gracie que, em razão do art. 46 da LC n. 75/93, entendeu que o PGR teria a atribuição exclusiva para atuação perante o STF.

O citado art. 46 determina ser incumbência do Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao STF, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.

Contudo, o Min. Marco Aurélio, em divergência, sustentou que, como o MP Estadual havia atuado na 1.ª e na 2.ª instâncias, não teria sentido retirar a atribuição para o ajuizamento de reclamação do parquet estadual.

Ao final, referida questão de ordem foi resolvida por 6 x 4, concluindo o STF, nos termos da divergência aberta, pelo reconhecimento da legitimidade autônoma do MP Estadual para a propositura de reclamação perante o STF, sem a necessidade de requerimento junto ao PGR, que, no caso, atuaria não como parte, mas como custos legis (lembramos que o Novo CPC não usa mais a expressão “fiscal da lei”, prevista no art. 83, caput, do revogado CPC/73, passando a falar em “fiscal da ordem jurídica”).19

Outro argumento trazido pelo Min. Cezar Peluso foi a constatação de que o art. 46 da LC n. 75/93, que determina ser incumbência do Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao STF, encontra-se dentro de seção que trata apenas do MPF, não se podendo, assim, exigir a aplicação da referida regra quando o MP Estadual for parte (Rcl 7.358).

Alertamos que esse entendimento firmado para o MP Estadual não deve ser aplicado em relação aos ramos do MPU (MPF, MPT, MPM e MP do DF e Territórios), cujo Chefe é o PGR (art. 128, § 1.º, CF/88). Vejamos decisão expressa em relação ao MPT:

“EMENTA: Ausência de legitimidade do MPT para atuar perante a Suprema Corte. Atribuição privativa do Procurador-Geral da República. (...) Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao STF, nos termos do art. 46 da LC 75/93. Existência de precedentes do Tribunal em casos análogos. O exercício das atribuições do MPT se circunscreve aos órgãos da Justiça do Trabalho, consoante se infere dos arts. 83, 90, 107 e 110 da LC 75/93. Agravo regimental interposto pelo MPT contra decisão proferida em reclamação ajuizada nesta Casa. Processo que não está sujeito à competência da Justiça do Trabalho, mas sim do próprio STF, motivo por que não pode o MPT nele atuar, sob pena de usurpação de atribuição conferida privativamente ao Procurador-Geral da República” (Rcl 4.453-MC-AgRAgR e Rcl 4.801-MC-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 04.03.2009, Plenário, DJE de 26.03.2009).20

Finalmente, em momento seguinte, a Corte ampliou o entendimento exposto acima (em relação à reclamação constitucional) e deixou claro que “o Procurador-Geral da República não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (art. 128, § 1.º), a Chefia do Ministério Público da União. O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante o STF, em recursos e processos nos quais o próprio Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação processual”, podendo, inclusive, promover sustentação oral (RE 593.727, j. 14.05.2015).

12.2.6. Princípio do promotor natural

Além de ser julgado por órgão independente e pré-constituído, o acusado também tem o direito e a garantia constitucional de somente ser processado por um órgão independente do Estado, vedando-se, por consequência, a designação arbitrária, inclusive, de promotores ad hoc ou por encomenda (art. 5.º, LIII, e art. 129, I, c/c o art. 129, § 2.º).21

Na doutrina o tema foi bastante debatido, chegando alguns autores a defendê-lo antes mesmo da atual Constituição, destacando-se, pioneiramente, Hugo Nigro Mazzilli, Jaques de Camargo Penteado, Clóvis A. Vidal de Uzeda e Paulo Cesar Pinheiro Carneiro.

A CF/1988 assegura que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5.º, LIII).

Depois de muito debate, a Suprema Corte aceitou a ideia de promotor natural, recomendando-se a discussão no leading case, que foi o HC 67.759.

Em referido julgamento, o Min. Celso de Mello estabeleceu que “o postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuísticas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse princípio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e predeterminados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável” (HC 67.759, Rel. Min. Celso de Mello, j. 06.08.92, Plenário, DJ de 1.º.07.93).

Em outro julgado, o Min. Celso de Mello, de maneira interessante, asseverou que “a consagração constitucional do princípio do Promotor Natural significou o banimento de ‘manipulações casuísticas ou designações seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição’ (HC 71.429/SC), em ordem a fazer suprimir, de vez, a figura esdrúxula do ‘acusador de exceção’ (HC 67.759/RJ). O legislador constituinte, ao proceder ao fortalecimento institucional do Ministério Público, buscou alcançar duplo objetivo: (a) instituir, em favor de qualquer pessoa, a garantia de não sofrer arbitrária persecução penal instaurada por membro do Ministério Público designado ‘ad hoc’ e (b) tornar mais intensas as prerrogativas de independência funcional e de inamovibilidade dos integrantes do ‘Parquet’. A garantia da independência funcional, viabilizada, dentre outras, pela prerrogativa da inamovibilidade, reveste-se de caráter tutelar. É de ordem institucional (CF, art. 127, § 1.º) e, nesse plano, acentua a posição autônoma do Ministério Público em face dos Poderes da República, com os quais não mantém vínculo qualquer de subordinação hierárquico-administrativa” (HC 102.147, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 16.12.2010, DJE de 03.02.2011).

Buscando sistematizar, a doutrina avança e, conforme ensina Carneiro, a garantia do promotor natural passa, necessariamente, por quatro exigências básicas:

“pessoa investida no cargo de promotor;

existência de órgão de execução;

lotação por titularidade e inamovibilidade do promotor do órgão de execução, ressalvadas as hipóteses legais de substituição e remoção;

definição em lei das atribuições do cargo”.22

Nelson Nery Junior, por seu turno, partindo da ideia de promotor natural, ao tratar das equipes especializadas de investigação do Ministério Público observa que “... criadas com o objetivo de melhor distribuir a promoção da justiça pelo Parquet, são salutares e devem ser mantidas. Entretanto, seus componentes deverão ser Promotores de Justiça com cargo fixo e com atribuições designadas na lei, de sorte a respeitar-se o princípio do promotor natural e a garantia da inamovibilidade de que goza o membro do Ministério Público. Entender-se o contrário, retirando do órgão do Parquet atribuição para funcionar na equipe especializada, seria o mesmo que negar-lhe a inamovibilidade, garantida pela Constituição Federal. Os promotores de justiça de equipes especializadas não podem ser designados e removidos ao alvitre do Procurador-Geral de Justiça”.23

Veja, finalmente, lembrando que o tema deverá ser aprofundado nos livros de direito penal e processual penal, interessante aplicação do princípio do promotor natural na jurisprudência do STF:

A) Pedido de arquivamento dos autos do inquérito policial por um promotor de justiça e oferta da denúncia por outro

“EMENTA: (...) Crime de homicídio qualificado. Alegação de violação ao princípio do promotor natural e de ausência de justa causa para o oferecimento da denúncia. Inexis-tência de constrangimento ilegal. Nenhuma afronta ao princípio do promotor natural há no pedido de arquivamento dos autos do inquérito policial por um promotor de justiça e na oferta da denúncia por outro, indicado pelo Procurador-Geral de Justiça, após o Juízo local ter considerado improcedente o pedido de arquivamento. A alegação de falta de justa causa para o oferecimento da primeira denúncia foi repelida pelo Tribunal de Justiça estadual, sendo acatada tão somente a tese de sua inépcia. Não se pode trancar a segunda denúncia, quando descritos, na ação penal, comportamentos típicos, ou seja, quando factíveis e manifestos os indícios de autoria e materialidade delitivas. (...)” (HC 92.885, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 29.04.2008, DJE de 20.06.2008).

B) Ocorrência de opiniões colidentes manifestadas, em momentos sucessivos, por procuradores de justiça oficiantes no mesmo procedimento recursal

Em outro interessante julgado, o STF teve de enfrentar a seguinte situação: após interposição do recurso em sentido estrito, determinado procurador de justiça emitiu parecer pela impronúncia. Contudo, na sessão de julgamento, outro procurador de justiça se manifestou pelo improvimento do recurso e confirmação da sentença de pronúncia.

Diante disso, o STF admitiu a ocorrência de opiniões colidentes nos seguintes termos:

“EMENTA: (...). Ocorrência de opiniões colidentes manifestadas, em momentos sucessivos, por procuradores de justiça oficiantes no mesmo procedimento recursal. Possibilidade jurídica dessa divergência opinativa. Pronunciamentos que se legitimam em face da autonomia intelectual que qualifica a atuação do membro do Ministério Público. Situação que não traduz ofensa ao postulado do promotor natural. Significado dos princípios constitucionais da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público. ‘Habeas corpus’ parcialmente conhecido e, nessa parte, indeferido” (HC 102.147, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 16.12.2010, DJE de 03.02.2011).

Deve-se deixar claro que o STF não passou a admitir a imotivada designação de promotores para atuarem, por encomenda, em casos específicos.

Na parte conclusiva de seu voto, o Min. Celso de Mello observa que o princípio do Promotor Natural impede o arbitrário afastamento do membro do Ministério Público do desempenho de suas atribuições nos procedimentos em que ordinariamente oficie (ou em que deva oficiar), exceto:

“por relevante motivo de interesse público”;

“por impedimento ou suspeição”;

“por razões decorrentes de férias ou de licença”.

C) Designação, pelo Procurador-Geral de Justiça, de outro promotor, com a concordância do promotor de justiça titular, para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele

O art. 10, IX, “f”, da Lei n. 8.625/93 (LONMP) estabelece ser competência do Procurador-Geral de Justiça designar membros do Ministério Público para assegurar a continuidade dos serviços, em caso de vacância, afastamento temporário, ausência, impedimento ou suspeição de titular de cargo, ou com consentimento deste.

Nesta última hipótese (“consentimento deste”), o art. 24 da LONMP estabelece que o Procurador-Geral de Justiça poderá, com a concordância do Promotor de Justiça titular, designar outro Promotor para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele.

Diante do que foi amplamente exposto, entendemos conveniente que esse ato de designação seja motivado e dentro de critérios de razoabilidade, reprimindo substituições imotivadas ou por inaceitável e combatida encomenda.

Assim, parece correta a decisão do STF que validou a substituição de promotor titular, recém-promovido para determinada promotoria, em razão da complexidade do feito, com 14 volumes e diversos incidentes, e pelo fato de o indicado ter atuado como promotor de justiça originário/natural do caso quando exercia as suas atribuições na referida comarca do julgamento:

“EMENTA: (...). No caso, a designação prévia e motivada de um promotor para atuar na sessão de julgamento do Tribunal do Júri da Comarca de Santa Izabel do Pará se deu em virtude de justificada solicitação do promotor titular daquela localidade, tudo em estrita observância aos artigos 10, inc. IX, alínea ‘f’, parte final, e 24, ambos da Lei n. 8.625/93. Ademais, o promotor designado já havia atuado no feito quando do exercício de suas atribuições na Promotoria de Justiça da referida comarca” (HC 103.038, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11.10.2011, 2.ª Turma, DJE de 27.10.2011).

D) Propositura da ação penal nos casos previstos no art. 105, I, “a”, da CF/88, pelo Procurador-Geral da República perante o STJ. Possibilidade de delegação dessa competência a Subprocurador-Geral da República

Esse tema é muito interessante, e o STF chegou a analisar se seria possível atribuir ao PGR atuação perante outros tribunais, que não a Suprema Corte, por meio de ato infraconstitucional.

Ao que se percebe pela análise do caso concreto, a atribuição ao PGR para a propositura da ação penal perante o STJ nas hipóteses do art. 105, I, “a”, deu-se nos termos do art. 48, II, da LC n. 75/93, assim como a possibilidade de delegação dessa atribuição, nos termos do parágrafo único do referido art. 48.

Dessa forma, diante da previsão normativa, a legitimidade ad processum do PGR para subscrever a denúncia em ação penal originária perante o STJ dar-se-á para processar e julgar, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos TJs dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos TCs dos Estados e do Distrito Federal, os dos TRFs, dos TREs e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou TCs dos Municípios e os do MPU que oficiem perante tribunais.

A constitucionalidade dessa atribuição foi discutida nos autos da ADI 2.913, ajuizada, à época, pelo então PGR Cláudio Fonteles.

Entre os argumentos expostos, estava a previsão de atuação do PGR somente perante o STF, conforme arts. 36, III; 102, I, “b”, e 102, VI, todos da CF/88.

Alegava-se que eventual fixação de atribuição para atuar perante outro tribunal que não o STF deveria dar-se por meio de explícita previsão constitucional ou por emenda à Constituição, conforme os termos da EC n. 45/2004 que estabeleceu a competência do PGR para o ajuizamento do IDC (Incidente de Deslocamento de Competência) perante o STJ (art. 109, § 5.º, da CF/88).

Contudo, em referido julgamento, o STF, por maioria, entendeu ser perfeitamente­ possível a ampliação de atribuições do PGR nos termos do art. 128, § 5.º, da CF/88, qual seja, por meio de lei complementar, notadamente, pela LC n. 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.

Assim, de acordo com o art. 48, II, parágrafo único da referida LC n. 75/93, incumbe ao Procurador-Geral da República propor perante o STJ a ação penal, nos casos previstos no art. 105, I, “a”, da CF/88, podendo tal competência ser delegada a Subprocurador-Geral da República.

Confira a decisão do STF que, por 7 x 2, reconheceu a constitucionalidade do art. 48, II, parágrafo único, da LC n. 75/93:

“EMENTA: (...). AMPLIAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES POR LEI COMPLEMENTAR. CONSTITUCIONALIDADE. 1. São constitucionais o inc. II e o parágrafo único do art. 48 da LC n. 75/93, que atribuem ao PGR a competência para propor, no STJ, a ação penal prevista no art. 105, I, ‘a’, da Constituição da República, além de permitirem a delegação dessa competência a Subprocurador-Geral da República. 2. ADI julgada improcedente” (ADI 2.913, Rel. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, j. 20.05.2009, Plenário, DJE de 24.06.2011). Cf., também, HC 84.630, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.12.2005, 1.ª Turma, DJ de 25.08.2006. No mesmo sentido, cf.: HC 84.468 e HC 84.488, Rel. Min. Cezar Peluso, 1.ª Turma, STF, j. 07.02.2006.

12.2.7. Garantias do Ministério Público

12.2.7.1. Garantias institucionais

12.2.7.1.1. Autonomia funcional

A autonomia funcional, inerente à Instituição como um todo e abrangendo todos os órgãos do Ministério Público, está prevista no art. 127, § 2.º, da CF/88, no sentido de que, ao cumprir os seus deveres institucionais, o membro do Ministério Público não se submeterá a nenhum outro “poder” (Legislativo, Executivo ou Judiciá­rio), órgão, autoridade pública etc. Deve obediência, apenas, à Constituição, às leis e à sua própria consciência.

12.2.7.1.2. Autonomia administrativa

A autonomia administrativa consiste na capacidade de direção de si próprio, autogestão, autoadministração, um governo de si. Assim, o Ministério Público poderá, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira, enfim, sua organização e funcionamento (cf. art. 127, § 2.º).24

12.2.7.1.3. Autonomia financeira

Pela garantia institucional da autonomia financeira, ao Ministério Público assegurou-se a capacidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, podendo,­ autonomamente, administrar os recursos que lhe forem destinados (cf. art. 127, § 3.º).

Assim como fixado para a Magistratura e já estudado (art. 99, §§ 3.º, 4.º e 5.º), a EC n. 45/2004 regulamentou o procedimento de encaminhamento da proposta orçamentária do Ministério Público e solução em caso de inércia. Proibiu, outrossim, a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites fixados na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 127, §§ 4.º, 5.º e 6.º).

12.2.7.2. Garantias dos membros do Ministério Público

12.2.7.2.1. Vitaliciedade

Adquire-se a vitaliciedade após a transcorrência do período probatório, ou seja, 2 anos de efetivo exercício do cargo, tendo sido admitido na carreira mediante aprovação em concurso de provas e títulos (art. 128, § 5.º, I, “a”). A garantia da vitaliciedade assegura ao membro do Ministério Público a perda do cargo somente por sentença judicial transitada em julgado.25

12.2.7.2.2. Inamovibilidade

Em razão da garantia da inamovibilidade, o membro do Ministério Público não poderá ser removido ou promovido, unilateralmente, sem a sua autorização ou solicitação. Excepcionalmente, contudo, por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público (no caso, o Conselho Superior do Ministério Público26), por voto da maioria absoluta de seus membros, desde que lhe seja assegurada ampla defesa, poderá vir a ser removido do cargo ou função (art. 128, § 5.º, I, “b”, modificado pela EC n. 45/2004).

12.2.7.2.3. Irredutibilidade de subsídios

É assegurada ao membro do Ministério Público (art. 128, § 5.º, I, “c”, da CF/88)a garantia da irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4.º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI; 150, II; 153, III; 153, § 2.º, I. Como vimos ao comentar a irredutibilidade dos magistrados, o subsídio dos membros do Ministério Público não poderá ser reduzido, lembrando que está assegurada a irredutibilidade nominal, não se garantindo a corrosão inflacionária.27

12.2.7.3. Impedimentos imputados aos membros do Ministério Público (vedações)

De acordo com os arts. 128, § 5.º, II, § 6.º; e 129, IX, os membros do Ministério Público não poderão:

receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;

exercer a advocacia.28

Em relação ao exercício da advocacia devemos observar que essa proibição não é absoluta.

O art. 29, § 3.º, do ADCT estabeleceu que o membro do Ministério Público poderia optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, desde que admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta.

Resta investigar, então, como era o regime anterior, quando da promulgação do texto, em relação à referida vedação:

Ministério Público Estadual: por expressa previsão do art. 24, § 2.º, da LC n. 40/81, os membros do MP Estadual estavam expressamente proibidos de advogar;

Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios: o art. 60 da LC n. 40/81 determinava aplicar-se à organização do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, no que coubesse, as normas constantes na referida Lei. Assim, no caso, aplicando-se a vedação constante do art. 24, § 2.º, em relação aos membros do MP Estadual, pode-se concluir que os membros do MP do DF e dos Territórios também estavam proibidos de advogar;

Ministério Público Federal, da Justiça do Trabalho e junto à Justiça Militar: os dispositivos normativos que disciplinavam a carreira do MPU (Lei n. 1.341/51 — Lei Orgânica do Ministério Público da União, que veio a ser substituída pela LC n. 75/93 e Lei n. 6.788/80; Decreto n. 40.359/56 — MPT e Decreto n. 73.173/73 — MPM) não traziam essa expressa vedação, exceto na hipótese de contrariar os interesses da União ou da Fazenda Nacional.

Podemos afirmar, então, que a vedação não era em relação a todo o Ministério Público, mas apenas para o MP Estadual e para o MP do DF e dos Territórios.

Portanto, os membros do MPU junto à Justiça Comum (MPF), à Militar (MPM) e à do Trabalho (MPT), com a exceção dos integrantes do MP do DF e dos Territórios, podiam advogar, já que não havia expressa vedação.

Cabe referir, conforme os considerandos da Res. n. 16/2006 do CNMP, “que o Supremo Tribunal Federal já havia decidido, em abril de 1987, que a proibição de advogar, nos termos da Lei Complementar n. 40/81 e Decreto-lei n. 2.627/85, aplicava-se, integralmente, aos membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, inexistindo, no caso, violação de direito adquirido, uma vez que não há direito adquirido a regime jurídico (AgRg 117.625-3, Rel. Ministro Moreira Alves)”.

O tema, por sua vez, foi regulamentado pelo CNMP, nos termos da citada Res. n. 16/2006 (ao dar nova redação ao art. 1.º da Res. n. 8/2006): “somente poderão exercer a advocacia com respaldo no § 3.º do art. 29 do ADCT da Constituição de 1988, os membros do Ministério Público da União que integravam a carreira na data da sua promulgação e que, desde então, permanecem regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil. O exercício da advocacia, para os membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios está, incondicionalmente, vedado, desde a vigência do artigo 24, § 2.º, da Lei Complementar n. 40/81”, além, é claro, conforme visto, da proibição em relação aos membros do Ministério Público Estadual.

É de lembrar que, na dicção do art. 2.º da Res. n. 8/CNMP, além dos impedimentos e vedações previstos na legislação que regula o exercício da advocacia pelos membros do Ministério Público, quando puderem advogar, estes não poderão fazê-lo nas causas em que, por força de lei ou em face do interesse público, esteja prevista a atuação do Ministério Público, por qualquer dos seus órgãos e ramos (Ministérios Públicos dos Estados e da União).

Finalmente — e o tema será aprofundado quando tratarmos da AGU —, no regime jurídico anterior, os membros do MPF exerciam, além de outras atribuições, a representação judicial da União.

Com o novo texto, os membros do MPF ficaram proibidos de representar a União, mas, por força do art. 29, caput, do ADCT, eles continuaram, temporariamente, a exercer a advocacia, representando judicialmente a União, até que fosse editada a Lei Complementar n. 73/93.

participar de sociedade comercial, na forma da lei;

exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

exercer atividade político-partidária; sem qualquer exceção, nos termos da restrição trazida pela EC n. 45/2004, ao alterar a redação do art. 128, § 5.º, II, “e” (cf. Res. n. 5/2006 do CNMP);

A Res. TSE n. 22.095/2005 (DJ de 24.10.2005, p. 89, nos termos da Res. TSE n. 22.045/2005) previu ser imediata a aplicação da EC n. 45/2004 e sem ressalvas, abrangendo aqueles que adentraram nos quadros do Ministério Público tanto antes quanto depois da referida emenda à Constituição. Também o art. 13 da Res. TSE n. 22.156/2006 estabeleceu que os magistrados, os membros dos Tribunais de Contas e os do Ministério Público devem filiar-se a partido político e afastar-se definitivamente de suas funções até 6 meses antes das eleições.

Em sentido contrário, porém, destacamos julgado do TSE (decisão monocrática do Min. Cezar Peluso) que entendeu pela não aplicação da regra da EC n. 45/2004, que veda o exercício de atividade político-partidária aos membros do MP, por força do art. 29, § 3.º, do ADCT, àqueles que ingressaram na carreira antes da promulgação da CF/88.

Destacamos o caso particular do RO 1.070, requerido por Fernando Capez no TSE, que confirmou a sua candidatura pela coligação PSDB/PFL em eleição na qual obteve 95.101 votos no pleito de 2006 para o exercício do mandato de Deputado Estadual (SP).29

Contra referido acórdão, foi interposto, em 14.10.2008, pelo Ministério Público Eleitoral, o RE 594.154. Tendo em vista que o mandato de deputado estadual a que se referia a candidatura impugnada iniciou-se em 1.º.01.2007 e teve fim em 31.12.2010, o recurso perdeu seu objeto, sendo, portanto, julgado prejudicado (art. 21, IX, do RISTF). Fernando Capez foi reeleito para nova legislatura, com término previsto para 31.12.2014.

Ainda, é de mencionar o interessante caso da Promotora de Justiça licenciada Maria do Carmo, que, considerada inelegível, teve seu registro de candidatura indeferido pela Justiça Eleitoral, pois, apesar de estar tentando a reeleição, encontraria vedação no art. 128, § 5.º, II.

Contudo, tendo participado das eleições municipais de 2008 para a Prefeitura de Santarém (PA), obteve 77.458 votos, que equivalem a 52,81% dos votos válidos. O STF, por 6 x 4, deu provimento ao RE 597.994 interposto e validou o registro de sua candidatura, estabelecendo, assim, um interessante precedente:

“Não há, efetivamente, direito adquirido do membro do Ministério Público a candidatar-se ao exercício de novo mandato político. O que socorre a recorrente é o direito, atual — não adquirido no passado, mas atual — a concorrer a nova eleição e ser reeleita, afirmado pelo artigo 14, § 5.º, da Constituição do Brasil. Não há contradição entre os preceitos contidos no § 5.º do artigo 14 e no artigo 128, § 5.º, II, ‘e’, da Constituição do Brasil. (...)” (RE 597.994, Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, j. 04.06.2009, DJE de 28.08.2009).

Finalmente, destacamos o julgamento da ADFP 388, em 09.03.2016, pelo qual o STF estabeleceu interpretação conforme à Constituição no sentido de que membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos, fora do âmbito da Instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério, declarando a inconstitucionalidade da Resolução n. 72/2011 do CNMP, e determinando a exoneração dos ocupantes de cargos em desconformidade com a interpretação fixada, no prazo de até 20 dias após a publicação da ata de julgamento.

O caso concreto se referia à nomeação de Procurador de Justiça do Estado da Bahia que ingressou na carreira depois da CF/88, para o cargo de Ministro da Justiça.

Em razão desse entendimento, o CNMP editou a Res. n. 144/2016 (DECNMP de 06.07.2016), revogando expressamente a Resolução CNMP n. 72/2011 e restaurando a vigência dos arts. 2.º, 3.º e 4.º da Res. n. 5/2006. Essa vedação não alcança os membros do MP que integravam o Parquet em 5 de outubro de 1988 e que tenham manifestado a opção pelo regime anterior.

receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos 3 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração (quarentena), nos termos do art. 128, § 6.º, introduzido pela EC n. 45/2004;

exercer a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

12.2.7.4. Abrangência das garantias e impedimentos

As garantias e vedações apresentadas não têm aplicação integral, na medida em que o art. 29, § 3.º, do ADCT prevê a possibilidade de opção pelo regime anterior, no tocante às garantias e vantagens, na hipótese de o membro do Ministério Público ter sido admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data da aludida promulgação.30

Assim, ou o membro do Ministério Público escolhia submeter-se às novas regras traçadas pela CF/88 (por nós já apontadas as garantias e vedações), ou escolhia o regime jurídico anterior, em que existia a regra do concurso público, da estabilidade (podendo ser demitidos ou por sentença judiciária, ou em virtude de processo administrativo em que se lhes facultasse a ampla defesa) e da inamovibilidade, a não ser mediante representação do Procurador-Geral, com fundamento em conveniência do serviço (art. 138, § 1.º, da Constituição de 1967).

12.2.8. Funções institucionais do Ministério Público

As funções institucionais do Ministério Público estão contempladas no art. 129 da CF/88. Trata-se de rol meramente exemplificativo, uma vez que seu inciso IX estabelece que compete, ainda, ao Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade. Assim, suas funções podem ser exemplificadas como segue:

titularidade e monopólio da ação penal pública, na forma da lei, com a única exceção prevista no art. 5.º, LIX, que admite ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal (sem, contudo, observe-se, retirar a titularidade da ação penal pública do Ministério Público);31

zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.32 Lembrar que a legitimação acima referida para a ação civil pública não impede a dos outros legitimados, conforme se observa pelo art. 5.º da Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública);

promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição;

defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no art. 128;

requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

exercer outras funções33 que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Cabe ressaltar que referidas funções institucionais só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do Chefe da Instituição.

Seguindo a regra adotada para a Magistratura, pela Reforma do Judiciário, o ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, 3 anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de classificação (cf. Resoluções ns. 14/2006,34 24/2007, 40/2009, 57/2010 e 87/2012 do CNMP, bem como análise no item 11.4 deste estudo).

Outrossim, em nítida aproximação com a carreira da Magistratura, o art. 129, § 4.º, dispõe que, no que couber, aplica-se ao Ministério Público o disposto no art. 93 (tema já estudado no item 11.4).

Finalmente, na busca da celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII), o art. 129, § 5.º, estabelece que a distribuição de processos no Ministério Público será imediata.

12.2.9. A teoria dos “poderes implícitos” e o poder de investigação criminal pelo MP. A investigação criminal não é exclusividade da polícia (devendo ser observados alguns parâmetros)

Conforme estudamos no item 3.8 deste trabalho, segundo a teoria dos poderes implícitos, quando o texto constitucional outorga competência explícita a determinado­ órgão estatal, implicitamente, pode-se interpretar, dentro de um contexto de razoabilidade e proporcionalidade, que a esse mesmo órgão tenham sido dados os meios necessários para a efetiva e completa realização dos fins atribuídos.

A grande questão que se coloca, então, é se o poder de investigação seria exclusivo ou não da polícia.

Em julgado pioneiro, a 2.ª Turma do STF, ao analisar a temática dos poderes investigatórios do MP, entendeu que a denúncia poderia ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo próprio Parquet, não havendo necessidade de prévio inquérito policial.

Nesse sentido, não se reconheceu violação ao art. 144, § 1.º, I e IV, que, segundo o STF, deve ser harmonizado com as funções atribuídas ao MP, nos termos do art. 129, I, VI, VIII, IX, da CF/88. A atuação do MP, dessa forma, aperfeiçoaria a persecução penal (RE 535.478, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 28.10.2008, DJE de 21.11.2008).35

O Min. Gilmar Mendes, por seu turno, em julgado posterior, também da 2.ª Turma, reafirmou ser legítimo o poder de investigação pelo MP (art. 129, CF/88; art. 5.º, CPP; art. 8.º, LC n. 75/93), devendo, contudo, haver vigilância e controle (o que se verifica mesmo em relação à atividade exercida pela Polícia).

No caso concreto, estabeleceu alguns condicionamentos: “a atuação do Parquet deve ser, necessariamente, subsidiária, ocorrendo, apenas, quando não for possível, ou recomendável, se efetivem pela própria polícia, em hipóteses específicas, quando, por exemplo, se verificarem situações de lesão ao patrimônio público, de excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais (v.g. tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão, corrupção), de intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito” (RHC 97.926, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 02.09.2014, 2.ª T., DJE de 29.09.2014).

Quando prolatadas referidas decisões pela 2.ª Turma/STF, ainda não havia decisão final e específica pelo Pleno sobre essa importante questão dos poderes de investigação do MP de modo exclusivo, e não complementar a eventual prova produzida pela Polícia. Existem diversas ações diretas no STF aguardando o julgamento de mérito (cf., por exemplo, as ADIs 2.943, 3.309, 3.317, 3.318, 3.329, 3.337 e 3.806 — pendentes) e que tendem a seguir o entendimento firmado no RE 593.727.36

Esse último foi julgado pelo Pleno, afirmando a seguinte tese: “o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei n. 8.906/94, art. 7.º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV37 e XIX), sem prejuízo da possibilidade — sempre presente no Estado Democrático de Direito — do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (SV n. 14), praticados pelos membros dessa Instituição” (RE 593.727, j. 14.05.2015, DJE de 08.09.2015).

A cláusula que outorga ao MP o monopólio da ação penal pública e o controle externo sobre a atividade policial legitimaria referido entendimento no sentido de se reconhecer o poder investigatório do MP, destacando-se:

o MP não poderá presidir o inquérito policial, função precípua da autoridade policial;

a função investigatória do MP deve ser tida como excepcional e não uma atividade ordinária;

essa excepcionalidade legitima a atuação do Parquet em casos de abuso de autoridade, prática de delito por policiais, crimes contra a Administração Pública, inércia dos organismos policiais ou procrastinação indevida no desempenho de investigação penal;

deve haver a fiscalização (por parte do Poder Judiciário) da legalidade dos atos investigatórios, assim como o estabelecimento de exigências de caráter procedimental e a observância dos direitos e garantias assegurados a toda pessoa sob investigação — inclusive em matéria de preservação da integridade de prerrogativas profissionais dos advogados (cf. Inf. 785/STF).

Em nosso entender, a posição fixada mostra-se bastante razoável, na medida em que não se pode inferir que haja exclusividade na investigação criminal da polícia. Quando o art. 144, § 1.º, IV, dispõe ser exclusividade da polícia federal exercer as funções de polícia judiciária da União, o texto objetivou afastar essa atividade de outros órgãos policiais.

A possibilidade de investigação pelo MP, conforme apontado, decorreria de sua atribuição de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (art. 129, I), assim como das atribuições estabelecidas nos incisos VI e VIII do art. 129 da CF/88, apresentando-se como atividade totalmente compatível com as suas finalidades institucionais. Resta aguardar se o Plenário do STF vai seguir esse entendimento no julgamento das ADIs mencionadas (e nos parece que sim).

Para efeito de aprofundamento, cf. a Res. n. 13/CNMP, de 02.10.2006 (alte­rada pela Res. n. 111/2014), que regulamenta o art. 8.º da LC n. 75/93, e o art. 26 da Lei n. 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, além de dar outras providências.

Todo esse entendimento não deve sofrer qualquer alteração mesmo com o advento da Lei n. 12.830/2013, que dispôs sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia.

12.2.10. Conselho Nacional do Ministério Público

12.2.10.1. Regras gerais e composição

O art. 130-A, introduzido pela EC n. 45/2004 e regulamentado pela Lei n. 11.372/2006, prevê a criação do Conselho Nacional do Ministério Público, composto de 14 membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de 2 anos, admitida uma recondução, sendo:

o Procurador-Geral da República, que o preside, parecendo razoável, assim como entendemos em relação ao Ministro Presidente do STF no tocante ao CNJ, que o PGR deve ser considerado membro nato do CNMP, não havendo sentido a sua sabatina pelo Senado Federal (aplicação analógica do art. 103-B, § 2.º, e discussão no item 11.13.4);

quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras;

três membros do Ministério Público dos Estados;

dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça;

dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Os membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão indicados pelos respectivos Ministérios Públicos, na forma da lei.

Conforme indicado acima, a regulamentação do art. 130-A se deu pela Lei n. 11.372/2006.

12.2.10.2. Escolha dos membros do Ministério Público da União

Apenas recordando, dispõe o art. 128, I, “a”-“d”, que o MPU se divide em Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM) e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

Nos termos do art. 1.º, caput, da Lei n. 11.372/2006, os membros do CNMP oriundos do Ministério Público da União (MPU) serão escolhidos pelo Procurador-Geral de cada um dos ramos, a partir de lista tríplice composta de membros com mais de 35 anos de idade, que já tenham completado mais de 10 anos na respectiva Carreira.

Essas listas tríplices serão elaboradas pelos respectivos Colégios de Procuradores do MPF, do MPT e do MPM, e pelo Colégio de Procuradores e Promotores de Justiça do MPDFT.

O nome escolhido pelo Procurador-Geral de cada um dos ramos será encaminhado ao Procurador-Geral da República, que o submeterá à aprovação do Senado Federal (sabatina), pela maioria absoluta e para um mandato de 2 anos, admitida uma recondução.

12.2.10.3. Escolha dos 3 membros do Ministério Público dos Estados

De acordo com o art. 2.º da Lei n. 11.372/2006, os membros do CNMP oriundos dos Ministérios Públicos dos Estados serão indicados pelos respectivos Procu­radores-Gerais de Justiça, a partir de lista tríplice elaborada pelos integrantes da carreira de cada instituição, composta de membros com mais de 35 anos de idade, que já tenham completado mais de 10 anos na respectiva carreira.

Os Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, em reunião conjunta especialmente convocada e realizada para esse fim, formarão lista com os 3 nomes indicados para as vagas destinadas a membros do Ministério Público dos Estados, a ser submetida à aprovação do Senado Federal, para, também, sabatina pela maioria absoluta de seus membros, para mandato de 2 anos, admitida uma recondução.

12.2.10.4. A sabatina no Senado Federal e a falta de critérios para a indicação dos demais membros do Conselho que não os oriundos da carreira do Ministério Público

Os nomes indicados, na conformidade do quadro a seguir, deverão, com exceção do PGR (em nossa interpretação, membro nato), passar por uma sabatina no Senado Federal e, se aprovados pela maioria absoluta de seus membros, serão nomeados pelo Presidente da República (art. 84, XIV e XXVII, c/c o art. 130-A, caput).

O procedimento da sabatina está regulamentado pela Res. n. 7/2005-SF, que define as normas para a apreciação das indicações.

De acordo com o seu art. 2.º, todos os indicados serão sabatinados pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em datas a serem fixadas pelo seu Presidente, observando-se os prazos regimentais, o qual opinará pela aprovação ou rejeição da indicação e, em seguida, submeterá a indicação à decisão do Plenário.

Como se disse, pela regra constitucional, o nome indicado deverá ter a aprovação da maioria absoluta dos membros do Senado Federal (Plenário).

Havendo rejeição de qualquer nome pelo Plenário do Senado Federal será oficiado à autoridade máxima do órgão ou instituição competente para a indicação, a fim de que novo nome seja apresentado no prazo improrrogável de 15 dias.

Os critérios para a escolha dos membros que compõem o CNMP foram regulamentados apenas para os membros do Conselho oriundos do Ministério Público (cf. art. 130-A, § 1.º, da CF/88 e Lei n. 11.372/2006).

Inexiste, contudo, critério normativo para a indicação dos demais membros que não sejam os oriundos do Ministério Público, no caso pelo STF, STJ, CFOAB, CD e SF (vide quadro infra).

Entendemos imprescindível haver uma definição normativa da indicação de todos os membros, especialmente em razão da importância que referido Conselho vem assumindo.

De toda forma, as indicações de nomes deverão ser acompanhadas de amplos esclarecimentos sobre o candidato e instruídas com os seguintes documentos (art. 5.º da Res. n. 7/SF-2005):

curriculum vitae do indicado no qual conste, detalhadamente, sua qualificação, formação acadêmica e experiência profissional;

informação do indicado de que não é cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, de membro ou servidor do Poder ou instituição responsável por sua indicação, salvo, no caso de servidor, se for ocupante de cargo de provimento efetivo e, observada esta condição, não servir junto à autoridade a que esteja vinculado pelo parentesco mencionado;

declaração sobre eventual cumprimento de sanções criminais ou administrativo-disciplinares, bem como acerca da existência de procedimentos dessa natureza instaurados contra o indicado;

declaração do indicado de que não é membro do Congresso Nacional, do Poder Legislativo dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou cônjuge, companheiro ou parente, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, de membro desses Poderes.

12.2.10.5. Esquematização gráfica sobre a indicação dos membros do CNMP

O quadro abaixo esquematiza a indicação dos membros que compõem o Conselho Nacional do Ministério Público, destacando-se as seguintes regras:

art. 103-A, I: será presidido pelo PGR;

art. 103-A, § 3.º: escolherá um Corregedor Nacional dentre os membros do Ministério Público;

art. 130-A, § 4.º: o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, muito embora não seja membro do CNMP, oficiará junto ao Conselho.

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12.2.10.6. Corregedor Nacional

O Corregedor Nacional será eleito pelo Conselho dentre os membros do Ministério Público que o integram, observando-se as seguintes regras (art. 17 do RICNMP — Res. n. 92/2013):

mandato: 2 anos, vedada a recondução;

eleição: pelo voto secreto, na sessão imediatamente posterior à vacância do cargo, sendo eleito o candidato escolhido pela maioria absoluta. Não sendo alcançada a maioria absoluta, os dois candidatos mais votados concorrerão em segundo escrutínio, proclamando-se vencedor, em caso de empate, o mais antigo no Conselho;

posse: imediatamente após a proclamação do resultado da eleição;

mandato: expirará juntamente com seu mandato de Conselheiro;

funções: serão exercidas pelo Corregedor Nacional em regime de dedicação exclusiva, ficando afastado do órgão do Ministério Público a que pertence.

Competem ao Corregedor Nacional, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei ou pelo Regimento Interno do CNMP (cf. art. 18 do RICNMP), as seguintes (art. 130-A, § 3.º, da CF/88):

receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares;

exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral;

requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições;

requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.

12.2.10.7. Atribuições do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)

É da competência do Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe (art. 130-A, § 2.º, I a V, da CF/88):

zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

zelar pela observância do art. 37 da Constituição Federal e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas;

receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros38 do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de 1 ano;

elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI.

Interessante destacar o Enunciado n. 8, de 04.04.2014, do CNMP, afastando a atuação do Conselho em relação a questões de caráter meramente individual, tendência essa também verificada no CNJ e por orientação do STF.

Nesse sentido, ficou expresso não caber “ao Conselho Nacional do Ministério Público o exame de pretensões que ostentem natureza meramente individual, que não ultrapassem o interesse subjetivo das partes envolvidas, mostrando-se desprovidas de repercussão geral para a sociedade ou para o Ministério Público”.

Pelo enunciado, “pressupõe-se a repercussão geral da demanda que esteja relacionada a função eminentemente institucional do Ministério Público ou que tenha natureza disciplinar dos seus membros”.

O referido enunciado, buscando afastar qualquer surpresa, já que se tratava de alteração da orientação estabelecida até então, determinou que a sua aplicação somente se daria para os feitos protocolizados no Conselho após a sua publicação, que ocorreu no DOU de 02.05.2014.

12.2.10.8. Pode o CNMP fixar novo teto remuneratório dos membros e servidores do Ministério Público diferente do estabelecido na CF/88?

Não.

A Res. n. 15, de 04.12.2006, do CNMP alterou o teto remuneratório dos membros do MP de 90,25% para 100% do subsídio de Ministros do STF.

O PGR ajuizou a ADI 3.831 atacando a referida Res. n. 15/2006 do CNMP, que, conforme visto, alterando os arts. 1.º e 2.º da Res. n. 9/2006 e o art. 2.º da Res. n. 10/2006, ambas do CNMP, equiparava o teto remuneratório dos membros e servidores do Ministério Público da União e dos Estados aos dos Ministros do STF.

Em julgamento cautelar, o STF entendeu que a Res. n. 15/2006 citada, “... a princípio, ofende os arts. 37, X, XI, § 12, e 130-A, § 2.º, todos da CF, porquanto não observa o princípio da legalidade específica para a definição dos valores a serem pagos a título de remuneração ou subsídio dos agentes públicos, bem como extrapola os limites tanto de subsídio e remuneração previstos para os membros e servidores do Ministério Público dos Estados — 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do STF — quanto de competência do CNMP” (ADI 3.831-MC/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, 15.12.2006 — Inf. 452/STF).

A Suprema Corte, em 04.06.2007, tendo em vista a revogação da Res. n. 15/2006, pela Res. n. 17/2007, declarou prejudicada a ADI.

12.2.10.9. O CNMP tem competência para realizar controle de constitucionalidade no exercício de suas atribuições?

O tema ainda não foi enfrentado pelo Plenário do STF (pendente), mas devemos destacar a orientação da 1.ª Turma do STF não admitindo o controle de constitucionalidade pelo CNMP, mesmo que no caso concreto e de modo incidental.

“O Conselho Nacional do Ministério Público não ostenta competência para efetuar controle de constitucionalidade de lei, posto consabido tratar-se de órgão de natureza administrativa, cuja atribuição adstringe-se ao controle da legitimidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público federal e estadual (art. 130-A, § 2.º, da CF/88). Precedentes (MS 28.872 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno; AC 2.390 MC-REF, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno; MS 32.582 MC, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 3.367/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno)” (MS 27.744, j. 14.04.2015, DJE de 08.06.2015).

Parece-nos, contudo, que, no caso concreto, de modo incidental, desde que se trate de ato flagrantemente inconstitucional, o CNMP poderia declarar a inconstitucionalidade de lei ou do ato normativo, em verdadeiro controle difuso e na linha do estabelecido para o TCU, nos termos da S. 347/STF (lembramos que esse tema também está em discussão no STF — cf. item 11.13.5.3).

12.2.10.10. Outras regras

O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil terá assento e voz no Plenário, podendo se fazer representar em suas sessões por membro da Diretoria do Conselho Federal da entidade (art. 4.º, parágrafo único, do RICNMP).

Leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público.

Destacamos, ainda, a competência do Senado Federal para processar e julgar os membros do Conselho nos crimes de responsabilidade e a competência do STF para julgar as ações contra o Conselho (arts. 52, II, e 102, I, “r”).

Finalmente, em relação às infrações penais comuns, assim como já visto em relação ao CNJ, a competência será fixada individualmente, de acordo com o cargo de origem de cada membro do Conselho, lembrando que a PEC Paralela da Reforma do Judiciário (PEC n. 358/2005), que precisa ainda ser aprovada, estabelece a competência do STF, mas isso, como se disse, depende de aprovação pelo CN.

12.2.11. Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (art. 130)

O art. 130 estatui que aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura estabelecidas para o Ministério Público, como instituição, aqui já estudadas por nós.

Referida instituição será organizada por lei orgânica própria e de iniciativa do Tribunal de Contas, sendo materializada por meio de lei ordinária.

Diferentemente, apenas para fazer o contraponto, o art. 128, § 5.º, estatui que leis complementares (e não leis ordinárias) da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais (e já vimos que também e facultativamente ao Presidente da República — art. 61, § 1.º, II, “d” — cf. item 9.13.3.7.1), estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público.

Portanto, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas está estruturalmente ligado ao Tribunal de Contas da União ou do Estado (ou do Município, onde houver), e não ao Ministério Público da União, ou dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios, devendo ser entendido como uma instituição autônoma.39

Conforme já estudamos, “o Ministério Público especial junto aos Tribunais de Contas — que configura uma indiscutível realidade constitucional — qualifica-se como órgão estatal dotado de identidade e de fisionomia próprias que o tornam inconfundível e inassimilável à instituição do Ministério Público comum da União e dos Estados-membros. Não se reveste de legitimidade constitucional a participação do Ministério Público comum perante os Tribunais de Contas dos Estados, pois essa participação e atuação acham-se constitucionalmente reservadas aos membros integrantes do Ministério Público especial, a que se refere a própria Lei Fundamental da República (art. 130). O preceito consubstanciado no art. 130 da Constituição reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro, que preferiu não outorgar, ao Ministério Público comum, as funções de atuação perante os Tribunais de Contas, optando, ao contrário, por atribuir esse relevante encargo a agentes estatais qualificados, deferindo-lhes um status jurídico especial e ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem subjetiva, a possibilidade de atuação funcional exclusiva e independente perante as Cortes de Contas” (ADI 2.884, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20.05.2005 — cf., também, ADI 3.192, Rel. Min. Eros Grau, j. 24.05.2006, DJ de 18.08.2006).

Conforme já destacamos no item 9.15.5, no julgamento da Consulta n. 0.00.000.000843/2013-39, formulada pela Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)entendeu que o Ministério Público de Contas (MPC) e seus membros estão sujeitos ao seu controle administrativo, financeiro e disciplinar:

“Consulta respondida positivamente para reconhecer ao Ministério Público de Contas a natureza jurídica de órgão do Ministério Público brasileiro e, em consequência, a competência do CNMP para zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos respectivos membros e pela garantia da autonomia administrativa e financeira das unidades, controlando os atos já praticados de forma independente em seu âmbito, e adotando medidas tendentes a consolidar a parcela de autonomia de que ainda carecem tais órgãos” (j. 07.08.2013 — tema pendente de análise pelo STF).

Apesar da resposta dada pelo CNMP, muito embora tenha sido afirmado que o MPC apresenta natureza jurídica de órgão do MP brasileiro, não poderá haver o aproveitamento de membros de uma carreira na outra, como já vinha decidindo o STF.

Cabe lembrar que essa decisão proferida pelo CNMP serviu, entre outros fundamentos, para o encaminhamento da PEC n. 42/2013-SF (pendente), que propõe a alteração do art. 130-A para deixar claro que o MPC e os seus membros se sujeitam ao controle do CNMP.

CUIDADO: o então Senador da República Pedro Taques, relator da PEC, encaminhou ofício ao CNMP solicitando a manifestação sobre a referida proposta de alteração da Constituição.

Diante desse requerimento, o Conselho editou a Nota Técnica n. 5, de 28.01.2015 (DOU de 25.02.2015 — processo n. NT 0.00.000.000008/2014-80), revendo a decisão proferida em 2013 que estabelecia estar o Ministério Público de Contas sujeito à competência do CNMP, seguindo, inclusive, a nota técnica PGR/SRI n. 004/2013, de 28.10.2013, emitida pelo PGR, todas no sentido de expressar a contrariedade à alteração da Constituição nos termos da referida proposta que não altera a redação do art. 128.

O CNMP, contudo, deixa clara, na nota técnica, a possibilidade de “manifestação favorável caso o Ministério Público de Contas seja plena e expressamente integrado ao regime constitucional previsto para o Ministério Público, com a sua inclusão nos segmentos previstos no art. 128 da Constituição, inclusive com o acréscimo de parágrafos para explicitar a sua organização, o seu funcionamento e a sua forma de escolha e destituição das suas chefias, além da previsão de lei complementar instituindo-lhe um estatuto, em que seja assegurada a sua autonomia funcional, administrativa, orçamentária, financeira e disciplinar, sem qualquer submissão ao Tribunal de Contas junto ao qual atue”.

12.3. Advocacia pública

12.3.1. A distorção corrigida pela EC n. 19/98

O texto de 1988 abre uma seção própria, dentro do capítulo das funções essenciais à Justiça, para tratar da advocacia pública e explicita regras para a Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal.

O constituinte originário denominou equivocadamente a Seção II do Capítulo IV do Título IV, em sua redação original, ao se referir apenas a Advocacia-Geral da União.

Isso porque, além de a Seção conter informações sobre os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, o entendimento de advocacia pública deve englobar, naturalmente, os advogados das autarquias e fundações.

Tanto é assim que o art. 29, caput, do ADCT estabeleceu que, enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal,40 a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuariam a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

Essa distorção veio a ser corrigida pela EC n. 19/98, que alterou o nome da referida Seção para Advocacia Pública, de maneira acertada, agora.

Não houve previsão explícita de Procuradorias Municipais, podendo, naturalmente e desde que observadas as regras constitucionais, a matéria ser tratada nas Constituições Estaduais, Leis Orgânicas e legislação própria.41

12.3.2. O advogado público pode exercer a advocacia fora das atribuições do respectivo cargo?

Diante da timidez do constituinte de 1988 em relação à Seção da Advocacia (timidez perto do detalhamento da Seção que tratou do Ministério Público), muitas regras foram destinadas ao legislador infraconstitucional, motivo por que os concurseiros (“ilustres guerreiros”) deverão estudar, de modo aprofundado, as leis orgânicas de cada carreira, sobretudo, no âmbito da Administração Federal (direta, autárquica e fundacional) (área jurídica) as de:

Advogado da União;

Procurador da Fazenda Nacional;

Procurador Federal;

Procurador do Banco Central do Brasil.

Para se ter ideia da dimensão do regramento por norma infraconstitucional, indaga-se, por exemplo (e isso mostra a particularidade de cada carreira, devendo o estudo ser desenvolvido de acordo com a necessidade de cada um), se seria possível o advogado público advogar fora da carreira. Ou seja, será que um advogado público pode exercer a advocacia fora das atribuições do respectivo cargo?

Em âmbito constitucional, nada consta. Assim, cabe às leis de organização de cada carreira disciplinar a matéria.

A título de informação, as duas únicas previsões proibindo a advocacia fora das atribuições institucionais foram estabelecidas para a defensoria pública (que, apesar de ser pública, não pode ser colocada no conceito de advocacia pública, pois não atua em nome de ente estatal, mas do hipossuficiente — cf. art. 134, § 1.º) e para o Ministério Público, com as ressalvas já apresentadas (art. 128, § 5.º, II, “b”, da CF/88 e art. 29, caput, e § 2.º, do ADCT, bem como o item 12.2.7.3), que também está longe de ser alocado como advocacia pública, especialmente em razão do alargamento de suas funções no novo ordenamento, da sua evolução e de sua consagração como instituição permanente e verdadeiro advogado da sociedade.

Portanto, teoricamente, e desde que não haja proibição legal (visto que não houve previsão constitucional), os advogados públicos poderão advogar fora das atribuições institucionais desde que não violem os interesses da pessoa de direito público em relação à qual pertençam. Assim, resta investigar o que disciplinou a lei para cada carreira. Vejamos:

ADVOGADOS PÚBLICOS

PODEM EXERCER A ADVOCACIA FORA DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS?

ADVOGADOS DA UNIÃO

NÃO

art. 28, I, da LC n. 73/93

PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL

NÃO

os Procuradores da Fazenda Nacional são considerados membros da Advocacia-Geral da União

arts. 2.º, § 5.º, e 28, I, da LC n. 73/93

PROCURADORES FEDERAIS

NÃO

os Procuradores Federais são advogados públicos vinculados à Advocacia-Geral da União

arts. 2.º, § 3.º, 17 e 28, I, da LC n. 73/93

art. 38, § 1.º, I, da MP n. 2.229-43, de 06.09.2001 (em vigor por força do art. 2.º da EC n. 32/2001)

PROCURADORES DO BANCO CENTRAL DO BRASIL

NÃO

os Procuradores do Banco Central são advogados públicos vinculados à Advocacia-Geral da União

arts. 2.º, § 3.º, 17 e 28, I, da LC n. 73/93

art. 17-A, I, da Lei n. 9.650/98 (incluído pela MP n. 2.229-43, de 06.09.2001, em vigor por força do art. 2.º da EC n. 32/2001)

PROCURADORES DOS ESTADOS

DEPENDE

conforme visto, como não há previsão constitucional, a definição ficou ao encargo das Constituições Estaduais e leis orgânicas. Não havendo proibição, poderão advogar

PROCURADORES DO DF

SIM

não há vedação, seja na Lei Orgânica do DF, seja na LC n. 395/2001 (lei distrital que organiza a Procuradoria-Geral do Distrito Federal)

cuidado: o art. 28, III, do Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94) estabelece que a advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, em relação aos ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público

PROCURADORES DE MUNICÍPIOS

DEPENDE

conforme visto, como não há previsão constitucional, a definição ficou ao encargo das Constituições Estaduais e leis orgânicas. Não havendo proibição, poderão advogar

12.3.3. Assessoramento, amplitude vinculativa dos pareceres jurídicos e a responsabilização dos advogados públicos

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello classifica os pareceres em facultativos, obrigatórios e vinculantes:42

parecer facultativo: “consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, sem que qualquer norma jurídica determine sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio. Por outro lado, fica a seu critério adotar, ou não, o pensamento do órgão consultivo. Consiste, destarte, em exercício de poder discricionário quanto ao pedido, e à efetivação do ato relativamente ao parecer. Este, portanto, externamente, não tem relevância jurídica, salvo se o ato a ele se reportar”. Ou seja, o parecer só integrará a decisão se for indicado como seu fundamento, passando, então, a corresponder à própria motivação;

parecer obrigatório: “consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, em virtude de preceito normativo que prescreve sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio. Constituem a consulta e o parecer fases necessárias do procedimento administrativo. (...). O ato praticado sem dito pronunciamento estará eivado de vício de nulidade, por desrespeito a solenidade essencial. A obrigação, entretanto, é só de pedir o parecer, jamais de segui-lo, de emanar o ato ativo ou de controle segundo sua manifestação. O desrespeito ao parecer não invalida o ato; poderá, quando muito, se injustificável a orientação em contrário, sujeitar o órgão ativo ou de controle às consequências de responsabilidade administrativa, após regular apuração”;

parecer conforme ou vinculante: “é o que a Administração Pública não só deve pedir ao órgão consultivo, como deve segui-lo ao praticar ato ativo ou de controle. Encerra regime de exceção, e só se admite quando expressamente a lei ou o regulamento dispõem nesse sentido. O ato levado a efeito em desconformidade com o parecer se tem como nulo”. Como exemplo, podemos citar a decisão da administração sobre o pedido de aposentadoria por invalidez que tem de seguir exatamente a conclusão do médico oficial.

A advocacia pública, vale repetir, de modo geral, tem tanto o papel de representação judicial como de consultoria e assessoramento dos entes e entidades da administração direta e indireta.

Em relação ao assessoramento, importante distinção foi feita pelo Min. Joaquim Barbosa no tocante à vinculação ou não dos pareceres jurídicos e da responsabilização do advogado público. Vejamos:43

consulta facultativa: “... a autoridade não se vincula ao parecer proferido, sendo que seu poder de decisão não se altera pela manifestação do órgão consultivo”;

consulta obrigatória: “... a autoridade administrativa se vincula a emitir o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou contrário, e se pretender praticar ato de forma diversa da apresentada à consultoria, deverá submetê-lo a novo parecer”;

obrigação de decidir à luz de parecer vinculante em razão de previsão legal: “... essa manifestação de teor jurídico deixa de ser meramente opinativa e o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir”;

responsabilização: “(...) II. No caso de que cuidam os autos, o parecer emitido pelo impetrante não tinha caráter vinculante. Sua aprovação pelo superior hierárquico não desvirtua sua natureza opinativa, nem o torna parte de ato administrativo posterior do qual possa eventualmente decorrer dano ao erário, mas apenas incorpora sua fundamentação ao ato. III. Controle externo: É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa...”.

Assim, em referido precedente (que data de 09.08.2007), o Min. Relator entendeu que, sendo o parecer opinativo, não haverá vinculação do advogado público.

Porém, lendo o acórdão, afirma Joaquim Barbosa que se o parecer for vinculante “partilha do poder decisório” (...) “e assim, em princípio, o parecerista pode vir a ter que responder conjuntamente com o administrador, pois ele é também administrador nesse caso” (fls. 285 e 286 do acórdão — grifamos).

Com o máximo respeito, na linha da manifestação de Carlos Britto no mesmo acórdão, não concordamos que o parecerista, pelo simples fato de atuar no processo administrativo, se transforme em administrador.

Ainda, em razão das garantias de independência que devem ser asseguradas aos advogados públicos para que não sofram pressões políticas, a nosso ver essa responsabilização não pode ser automática.

Em nosso entender, e a matéria precisa ser mais bem definida pelo STF, a responsabilização dependeria de demonstração de erro grosseiro, falta grave, má-fé, sob pena de se esvaziar a amplitude que devem ter os pareceres jurídicos das consultorias.

Para Di Pietro, a responsabilização “... não se justifica se o parecer estiver adequadamente fundamentado; a simples diferença de opinião — muito comum na área jurídica — não pode justificar a responsabilização do consultor. Não é por outra razão que o parecer isoladamente não produz qualquer efeito jurídico; em regra, ele é meramente opinativo”.44

Nesse sentido, existe importante precedente do STF, anterior ao julgamento do referido MS 24.631, pelo qual a Corte não admite a automática responsabilização solidária do advogado público ao emitir parecer jurídico, o que parece ser, naturalmente, o melhor entendimento (matéria pendente de aprofundamento pelo STF):

“EMENTA: (...). Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa (...). II — O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 32. III — Mandado de Segurança deferido” (MS 24.073, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 06.11.2002, Plenário, DJ de 31.10.2003).

12.3.4. Contempt of Court: a multa do art. 14, parágrafo único, do CPC/73 e os advogados públicos — ADI 2.652. CPC/2015 — avanço na linha da decisão do STF

O art. 14, parágrafo único, do CPC/73, introduzido pela Lei n. 10.358, de 27.12.2001, buscou estabelecer mecanismos para evitar o contempt of court (bem diferente do sistema norte-americano, que inspirou a regra).

No fundo, procura-se encontrar uma forma de fazer cumprir, com exatidão, os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Para tanto, optou-se pela possibilidade de o juiz fixar multa, de até 20% do valor da causa, em caso de violação do art. 14, V, do CPC/73, que, contudo, não será aplicada aos advogados.

A dúvida consistia em saber se a não aplicação da multa se restringia aos advogados que se sujeitam exclusivamente ao Estatuto da OAB, ou também aos advogados públicos, até porque a literalidade da redação dava a entender que a regra era exclusiva dos advogados não públicos. Confira:

“Art. 14, V: São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a 20% do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado”.

A falta de uma vírgula depois da palavra “ressalvados” dava a entender que seriam apenas os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, lembrando que os advogados públicos se sujeitam às suas leis orgânicas e, também, mas não somente, aos estatutos da OAB.

Todavia, o STF deu interpretação conforme a Constituição, sem redução de texto, e fixou que a ressalva do art. 14, parágrafo único, do CPC/73 “... alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos” (Inf. 307/STF). Nesse sentido:

“EMENTA: Impugnação ao parágrafo único do art. 14 do CPC/73, na parte em que ressalva ‘os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB’ da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. Violação ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profissão. Interpretação adequada, para afastar o injustificado discrímen. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para, sem redução de texto, dar interpretação ao parágrafo único do art. 14 do CPC/73 conforme a CF e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos”.45

Esse correto entendimento estabelecido pelo STF está preservado e explicitado no CPC/2015 (Lei n. 13.105/2015). De acordo com o art. 77, § 6.º, aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2.º a 5.º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.

12.3.5. Pareceres e Súmula da Advocacia-Geral da União

O art. 39 da LC n. 73/93 considera privativo do Presidente da República o direito de submeter assuntos ao exame do Advogado-Geral da União, inclusive para seu parecer.

Os pareceres do Advogado-Geral da União são por ele submetidos à aprovação do Presidente da República (arts. 39 a 44 da LC n. 73/93):

parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial: “vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento”;

parecer aprovado, mas não publicado: “obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência”;

pareceres emitidos pela Consultoria-Geral da União: “consideram-se, igualmente, pareceres do Advogado-Geral da União, aqueles que, emitidos pela Consultoria-Geral da União, sejam por ele aprovados e submetidos ao Presidente da República”;

pareceres das Consultorias Jurídicas: “aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas”;

Súmula da Advocacia-Geral da União: “súmula da Advocacia-Geral da União tem caráter obrigatório quanto a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2.º e 17 da LC n. 73/93”.

12.3.6. Advocacia-Geral da União

12.3.6.1. Regras gerais

Antes das novas regras trazidas pela CF/88 (vide item 12.2.1.8), a representação judicial da União (administração direta) competia ao Ministério Público Federal, podendo, por força da EC n. 1/69, a União ser representada pelo Ministério Público estadual nas comarcas do interior.

Por sua vez, o Decreto n. 93.237/86 regulava as atividades de advocacia consultiva da União, no Poder Executivo, tendo sido a Consultoria-Geral da República erigida à instância máxima das atividades de consultoria e assessoramento jurídicos da Administração Federal.

Nesses termos, o art. 3.º do referido Decreto estabelecia que a Advocacia Consultiva da União compreendia: a) a Consultoria-Geral da República; b) a Procu­radoria-Geral da Fazenda Nacional, no Ministério da Fazenda; c) as Consultorias Jurídicas dos demais Ministérios, do Estado-Maior das Forças Armadas, da Secretaria de Planejamento da Presidência da República e da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República; d) as Procuradorias-Gerais ou os departamentos jurídicos das autarquias; e) os órgãos jurídicos das empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações sob supervisão ministerial e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União.

Com a promulgação da Constituição de 1988, a Advocacia-Geral da União (AGU), cujo ingresso nas classes iniciais das carreiras far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, passou a ser a instituição que, diretamente ou por meio de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar46 que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo (art. 131, caput).47

Devemos observar, conforme já tanto mencionado, que, por força do art. 29, caput, do ADCT, o MPF continuou representando a União até a aprovação da LC n. 73/93 (que institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União), devendo os Pro­curadores da República optar, de forma irretratável, entre as carreiras do MPF e da AGU (cf. art. 29, § 2.º, do ADCT; art. 61 da LC n. 73/93 e art. 282 da LC n. 75/93).

Deve-se deixar bem claro que a representação judicial e extrajudicial é da União, englobando, assim, os seus diversos órgãos, em quaisquer dos Poderes. Por exemplo, o CNJ, órgão do Poder Judiciário (art. 92, I-A), será representado pela AGU nas ações originárias que tramitam no STF.48

Por outro lado, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico foram previstas apenas para o Poder Executivo. Vejamos o quadro para facilitar a memorização:

representação judicial e extrajudicial

diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (UNIÃO)

consultoria e assessoramento jurídico

apenas do Poder Executivo

12.3.6.2. Órgãos da Advocacia-Geral da União

Os Órgãos da Advocacia-Geral da União estão previstos no art. 2.º da LC n. 73/93, e as suas características deverão ser aprofundadas pelos ilustres leitores que se preparam para os respectivos cargos (analisando, portanto, detidamente, a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União).

Para efeito deste estudo, limitamo-nos a destacar os referidos órgãos:

ÓRGÃOS DE DIREÇÃO SUPERIOR

Advogado-Geral da União

Procuradoria-Geral da União

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Consultoria-Geral da União

Conselho Superior da Advocacia-Geral da União

Corregedoria-Geral da Advocacia da União

ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO

Procuradorias Regionais da União

Procuradorias Regionais da Fazenda Nacional

Procuradorias da União nos Estados e no Distrito Federal e as Procuradorias Seccionais destas

Procuradorias da Fazenda Nacional nos Estados e no Distrito Federal e as Procuradorias Seccionais destas

Consultoria da União

Consultorias Jurídicas nos Ministérios

ÓRGÃO DE ASSISTÊNCIA DIRETA E IMEDIATA AO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Gabinete do Advogado-Geral da União

ÓRGÃOS VINCULADOS

Procuradorias e Departamentos Jurídicos das autarquias e fundações públicas

12.3.6.3. Advogado-Geral da União

O Chefe da Advocacia-Geral da União é o Advogado-Geral da União (AGU), em relação ao qual temos as seguintes regras:

nomeação: o AGU é de livre nomeação pelo Presidente da República (art. 84, XVI);

exoneração: por ser o cargo de livre nomeação pelo Presidente da República, trata-se de cargo de confiança e, portanto, também de livre exoneração. Assim, pode-se afirmar que o AGU é demissível ad nutum;

requisitos: o AGU será escolhido dentre cidadãos maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada;

poderá ser estranho à carreira: por ser de livre nomeação, o AGU poderá ser estranho à carreira da advocacia pública, o que, em nosso entender, não parece ser a melhor solução;

status de Ministro de Estado: de acordo com o art. 25, parágrafo único, da Lei n. 10.683/2003 (na redação dada pela Lei n. 12.462/2011), o Advogado-Geral da União tem status de Ministro de Estado;49

infrações penais comuns: o AGU, por ser considerado Ministro de Estado (art. 25, parágrafo único, da Lei n. 10.683/2003), será julgado pelo STF nas infrações penais comuns;

crime de responsabilidade: o AGU será processado e julgado nos crimes de responsabilidade pelo Senado Federal (art. 52, II);

delegação de atribuições do Chefe do Executivo: de acordo com o art. 84, parágrafo único, da CF/88, o Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte (do referido art. 84), além dos Ministros de Estado e do Procurador-Geral da República, para o Advogado-Geral da União, devendo ser observados os limites traçados nas respectivas delegações;

direito de “manifestação” no controle concentrado de constitucionalidade: em razão da importância do assunto, desenvolvemos a discussão no item 12.3.6.4 abaixo, chegando à conclusão de que o AGU não tem necessariamente de defender a lei quando o STF apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo. O dever que o texto lhe impõe é de manifestação, mitigando-se, assim, a sua função de “defensor legis”, que passa a ser repensada à luz de um conceito mais amplo, de “custos constitutionis”;

supervisão do Presidente da República: o art. 3.º, § 1.º, da LC n. 73/93 estabelece que o Advogado-Geral da União é o mais elevado órgão de assessoramento jurídico do Poder Executivo, submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do Presidente da República.

12.3.6.4. O caso particular do “direito de manifestação” do AGU no controle concentrado de constitucionalidade (art. 103, § 3.º)

De acordo com o art. 103, § 3.º, da CF/88, quando o STF apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado.

A grande questão que se coloca é se, de fato, o AGU tem o dever de “defender” o texto impugnado, ou se há alguma flexibilidade na literalidade da norma.

Como já indicamos no capítulo sobre “controle” (item 6.7.1.15), a jurisprudência do STF sofreu importante evolução:

ADI 72 j. 22.03.90: enfrentado o tema, o STF posicionou-se, em um primeiro momento, como sendo obrigatória a defesa da lei por parte do AGU:50

“EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Advogado-Geral da União: Indeclinabilidade da defesa da lei ou ato normativo impugnado (cf. art. 103, par. 3.). Erigido curador da presunção da constitucionalidade da lei, ao Advogado-Geral da União, ou quem lhe faça as vezes, não cabe admitir a invalidez da norma impugnada, incumbindo-lhe sim, para satisfazer requisitos de validade do processo da ação direta, promover-lhe a defesa, veiculando os argumentos disponíveis”.

ADI 1.616 j. 24.05.2001: a jurisprudência do STF começa a evoluir, permitindo que o AGU deixe de defender o texto impugnado se já houver manifestação (precedente) do STF:51

“EMENTA: (...) 4. O munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, artigo 103, § 3.º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado-Geral da União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade (...)”.

ADI 3.916-QOj. 07.10.2009: a matéria veio a ser rediscutida e em maior profundidade. O Tribunal, por maioria, rejeitou a questão de ordem no sentido de suspender o julgamento para determinar ao Advogado-Geral da União que necessariamente apresentasse defesa da lei impugnada, nos termos do art. 103, § 3.º, da CF/88, vencidos os Ministros Marco Aurélio (suscitante) e Joaquim Barbosa. Com base na interpretação sistemática, o STF entendeu que o AGU tem o direito de manifestação, não necessariamente a favor da lei, mas na defesa da Constituição e, assim, dos interesses da União (art. 131). Ademais, uma questão prática pesou para esse entendimento, qual seja, a inexistência de sanção prevista na Constituição em caso de não ser defendida a lei, inclusive de caráter processual, já que, mesmo que o AGU não se manifeste a favor da lei, essa sua atitude não acarretaria a nulidade processual ou o impedimento de julgamento da matéria.

Coletando passagens do julgamento, de fato, o AGU tem a atribuição de exercer o papel de contraditor do processo objetivo, mas, como visto, não se lhe pode causar um constrangimento se a sua convicção jurídica for outra.

Para o Min. Ayres Britto, “... a Advocacia-Geral da União defenderá o ato ou o texto impugnado quando possível, quando viável”.

A tese a favor da liberdade de atuação fica muito mais evidente quando se tratar de vício formal de inconstitucionalidade, pois, nesse caso, não poderia o AGU funcionar como advogado de lei inconstitucional, já que, em essência, deve-se pautar pela defesa da Constituição.

Segundo a Min. Cármen Lúcia, a expressão “defenderá” prevista no art. 103, § 3.º, deve ser interpretada como a manifestação na qual se apresentará a argumentação que lhe parecer mais adequada.

Nesse sentido, o art. 8.º da Lei n. 9.868/99 dispõe que, decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de 15 dias, não se referindo, a lei, ao conteúdo dessa manifestação. Trata-se, frisamos, do direito de manifestação.

Ainda, para o Min. Ayres Britto, “... não se pode constranger o Advogado-Geral da União a ponto de, para defender o ato atacado, agredir a própria Constituição; ou seja, ele sairá em defesa da lei menor e em combate da Lei Maior, porque há situa­ções em que a inconstitucionalidade é patente, é evidente”.

Assim, dada a gravidade que é a retirada de uma lei do ordenamento por ato jurisdicional contra ato legislativo, cujos “atores” foram diretamente escolhidos pelo povo, de fato, o contraditor é o Advogado-Geral da União.

Conforme visto, porém, se já houver pronunciamento do STF, ou se a defesa da lei acabar violando a Constituição, parece razoável a interpretação do STF de que tem o AGU o direito de manifestação, não precisando passar pelo constrangimento de defender o ato normativo contrário à Constituição.

ADI 3.413 j. 1.º.06.2011: nesse outro julgamento, posterior, portanto, à questão de ordem na ADI 3.916 (que avançou ao consagrar o denominado “direito de manifestação” do AGU), a ementa do acórdão foi explícita ao estabelecer o dever de defender o texto impugnado, mesmo tendo sido a justificativa do AGU com base em precedentes da Corte, na linha da ADI 1.616. Conforme se observa, o Relator foi o Min. Marco Aurélio, vencido na citada ADI 3.916, em que se firmou o posicionamento mais aberto:52

“Consoante dispõe a norma imperativa do § 3.º do art. 103 da CF, incumbe ao Advogado-Geral da União a defesa do ato ou texto impugnado na ação direta de inconstitucionalidade, não lhe cabendo emissão de simples parecer, a ponto de vir a concluir pela pecha de inconstitucionalidade”.

Diante do exposto, entendemos que o STF deveria enfrentar o tema na composição atual, para se ter um posicionamento mais firme. Para esquematizar melhor a matéria, transcrevemos as 3 situações apontadas em entrevista concedida pelo Advogado-Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, nas quais, segundo a sua opinião (institucional), haveria o afastamento da regra rígida de se defender o texto impugnado — art. 103, § 3.º, CF/88 (lembrando que o Min. Marco Aurélio é categórico em não aceitar qualquer ressalva):

existência de posicionamento anterior do Supremo sobre o tema: “é comum acontecer nos casos de guerra fiscal. O Supremo tem reiteradamente decidido que leis que concedem benefícios fiscais nos estados têm que ter a aprovação do Confaz — Conselho Nacional de Política Fazendária. Se não tiver, é inconstitucional. Isso autoriza o Advogado-Geral a não defender a lei. Nesse caso, o próprio Estado se faz presente como amicus curiae”;

sobreposição de competência normativa: “quando um Estado aprova uma lei sobre assunto em que a competência concorrente é da União. Se o Estado avançar sobre a competência da União, temos de fazer a opção. Há ocasiões em que não há como defender as duas normas”;

interpretação da lei conforme a Constituição sem redução de texto: “ou seja, quando há mais de uma forma de se interpretar uma lei. Aí a AGU faz a opção quanto ao lado em que vai atuar, porque a lei não vai ser eliminada do mundo jurídico”.53

12.3.6.5. Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

A Constituição estabeleceu que, na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União caberá à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Dessa forma, com o novo ordenamento, a PGFN deixou de ter vinculação exclusiva com o Ministério da Fazenda, passando a ser órgão de direção superior da nascente Advocacia-Geral da União, e se subordinando direta, técnica e juridicamente ao Advogado-Geral da União (art. 2.º, I, “b”, e § 1.º, da LC n. 73/93).

À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional compete especialmente (arts. 12 e 13 da LC n. 73/93):54

apurar a liquidez e certeza da dívida ativa da União de natureza tributária, inscrevendo-a para fins de cobrança, amigável ou judicial;

representar privativamente a União, na execução de sua dívida ativa de caráter tributário;

examinar previamente a legalidade dos contratos, acordos, ajustes e convênios que interessem ao Ministério da Fazenda, inclusive os referentes à dívida públi­ca externa, e promover a respectiva rescisão por via administrativa ou judicial;

representar a União nas causas de natureza fiscal;

desempenhar as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos no âmbito do Ministério da Fazenda e seus órgãos autônomos e entes tutelados.

12.3.6.6. Procuradoria-Geral Federal

Em relação à representação judicial e extrajudicial das autarquias55 e fundações públicas federais, foi instituída a Procuradoria-Geral Federal, que está vinculada à Advocacia-Geral da União (art. 9.º, caput, da Lei n. 10.480/2002 e arts. 2.º, § 3.º, e 17 da LC n. 73/93).

Com autonomia administrativa e financeira, aos órgãos jurídicos das autarquias e das fundações públicas compete:

exercer a sua representação judicial e extrajudicial;

prestar as respectivas atividades de consultoria e assessoramento jurídicos;

promover a apuração da liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial.

12.3.6.7. Procuradoria-Geral do Banco Central

No caso particular do Banco Central do Brasil, muito embora seja a instituição uma autarquia, houve regramento específico e previsão de carreira própria a ser organizada também por ato normativo.

Trata-se da Procuradoria-Geral do Banco Central, que faz parte da estrutura administrativa do Banco Central do Brasil e está em igual sentido vinculada à Advocacia-Geral da União (arts. 2.º, § 3.º, e 17 da LC n. 73/93). É responsável, com exclusividade, por sua assessoria jurídica e representação judicial e extrajudicial, nos termos do art. 4.º da Lei n. 9.650/98 (cf. arts. 164 e 192 da CF/88).

12.3.6.8. A prerrogativa da intimação pessoal dos advogados públicos e a regra no CPC/2015

As legislações específicas, de modo geral, estabelecem a prerrogativa da intimação pessoal dos advogados públicos:

art. 38 da LC n. 73/93: “as intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos”;

art. 17 da Lei n. 10.910/2004: “nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente”;

art. 25 da Lei n. 6.830/80: “Na execução fiscal, qualquer intimação ao representante judicial da Fazenda Pública será feita pessoalmente”.

O CPC/2015 incorporou a regra das legislações específicas, deixando claro a prerrogativa da intimação pessoal em seu art. 183, caput e § 1.º: “a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal”, que será feita “por carga, remessa ou meio eletrônico”.

Essa norma deixa claro que a prerrogativa da intimação pessoal deverá ser observada em todos os graus de jurisdição, inclusive nos tribunais superiores.

12.3.6.9. A obrigatoriedade de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art. 17 da Lei n. 10.910/2004, apli­ca-se ao rito dos Juizados Especiais Federais?

NÃO.

De fato, o art. 17 da Lei n. 10.910/2004 estabelece que, nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente.

Apesar dessa regra geral explícita, em situação concreta, o STF afastou a sua aplicação ao rito dos Juizados Especiais, sob pena de se violar a oralidade e a agilidade na solução dos conflitos (princípio da especialidade).

A decisão foi tomada, por maioria, no julgamento do ARE 648.629 (j. 24.04.2013), no qual o INSS atacava decisão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Estado do Rio de Janeiro que considerou intempestiva a interposição de recurso específico.

A maioria dos Ministros reconheceu, portanto, a total validade do Enunciado n. 39 das Turmas Recursais, que traz a seguinte interpretação: “a obrigatoriedade de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art. 17 da Lei 10.910/2004, não é aplicável ao rito dos Juizados Especiais Federais”.

Na prática, contudo, devemos reconhecer que toda essa discussão está perdendo o seu sentido em razão do processo eletrônico.

12.3.6.10. Advogados públicos no âmbito da Administração Federal gozam de 30 ou de 60 dias de férias?

30 dias.

Antes da promulgação da CF/88, o art. 1.º da Lei n. 2.123/53 (procuradores das autarquias federais) e o art. 17, parágrafo único, da Lei n. 4.069/62 — apesar de vetado, mantido em razão da derrubada pelo parlamento (demais membros do Serviço Jurídico da União), prescreviam as mesmas atribuições, impedimentos e prerrogativas (a primeira lei) e os mesmos vencimentos, gratificações e vantagens (a segunda lei) dos membros do MPU (a primeira), dos Procuradores da República (a segunda).

Assim, não havia dúvida, como os membros do MPU gozavam, e ainda gozam, de 60 dias de férias anuais, que os referidos advogados públicos também fizessem jus ao mesmo direito.

O art. 18 da Lei n. 9.527/97, contudo, de modo explícito, revogou os mencionados dispositivos normativos, sendo que o seu art. 5.º, caput, estabeleceu: “aos servidores ocupantes de cargo efetivo de advogado, assistente jurídico, procurador e demais integrantes do Grupo Jurídico, da Administração Pública Federal direta, autárquica, fundacional, empresas públicas e sociedades de economia mista serão concedidos 30 dias de férias anuais, a partir do período aquisitivo de 1997”.

A tese que se sustentava era que as leis anteriores à Constituição teriam sido recepcionadas com o status de lei complementar e, assim, a mencionada lei ordinária não poderia ter revogado o direito às férias de 60 dias.

Esse tema foi enfrentado em dois momentos pelo STF, inicialmente pela 2.ª Turma e depois pelo Plenário (recurso extraordinário com repercussão geral):

RE 539.370 (Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 30.11.2010, 2.ª T., DJE de 04.03.2011): a Corte, analisando a carreira da Procuradoria da Fazenda Nacional, entendeu que a lei ordinária poderia ter revogado referidos atos normativos anteriores à nova Constituição, na medida em que a exigência de lei complementar, prevista no art. 131, CF/88, foi direcionada apenas para organização e funcionamento da AGU, não alcançando os direitos e garantias dos advogados públicos a serem tratados como regime jurídico dos servidores que, no caso, são veiculados por lei ordinária, já que não exigida a lei complementar nos termos do art. 61, § 1.º, II, “c”. No mais, não há direito adquirido a regime jurídico, conforme tanto já manifestou a Corte — para se ter um exemplo, cf. RE 345.458;

RE 602.381 (Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 20.11.2014, Plenário, DJE de 04.02.2015): nesse outro precedente, agora analisado pelo Pleno do STF, a decisão se deu em relação à carreira dos Procuradores Federais. Em igual sentido, entendeu o STF que a lei ordinária teria validamente revogado os atos normativos editados antes do advento da nova Constituição, que os recepcionou com o status de lei ordinária, declarando, assim, o direito às férias de 30 dias.

Em relação à carreira dos Advogados da União, muito embora o tema ainda não tenha sido enfrentado de modo específico pelo STF (pendente), também entendemos que deva ser reconhecido o direito de 30 dias, e não o de 60, a partir do advento do art. 5.º da Lei n. 9.527/97 que revogou o art. 1.º da Lei n. 2.123/53 e o art. 17, parágra­fo único, da Lei n. 4.069/62, não recepcionados com natureza de lei complementar.

Lembramos que o art. 26 da LC n. 73/93 — Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (que não se aplicou de imediato em razão da regra específica previstas nos dois diplomas produzidos antes de 1988), a partir da revogação expressa pela Lei n. 9.527/97, passou a dispor inteiramente sobre a matéria, sendo que, no caso, remete para a Lei n. 8.112/90, cujo art. 77 estabelece o prazo de 30 dias de férias anuais, devendo ser pago ao servidor, conforme art. 76 da lei, por ocasião das férias e independentemente de solicitação, um adicional correspondente a 1/3 da remuneração do período das férias (a lei, no fundo, reflete o direito assegurado nos arts. 39, §§ 3.º e 7.º, XVII, CF/88).

O mesmo entendimento deve ser feito para os Procuradores do Banco Central, especialmente por não ter a Lei n. 9.650/98 estabelecido regra distinta, aplicando, assim, a regra geral para os servidores estatutários federais, no caso, o citado art. 77 da Lei n. 8.112/90.

Apenas a título de informação, lembramos que membros do Ministério Público e magistrados, apesar da polêmica e discussão sobre a matéria, ainda gozam de férias anuais de 60 dias (art. 51, da Lei n. 8.625/93 — LONMP; art. 220, da LC n. 75/93 e art. 66 da LC n. 35/79 — LOMAN).

Não nos parece possam os referidos atos normativos ser declarados inconstitucionais sob o fundamento da isonomia em relação às carreiras da advocacia pública. Trata-se, em verdade, de política legislativa e que depende de lei para modificar o atual regime. A eventual insatisfação ao direito hoje assegurado aos membros do Ministério Público e aos magistrados deve ser discutida no plano político, e não judicial, dependente, necessariamente, insistimos, de lei específica.

Da mesma forma, o pedido de aumento de 30 para 60 dias pelos advogados públicos não pode ser deferido pelo Poder Judiciário, nem mesmo à luz do princípio da isonomia, pois, no caso, não cabe ao Poder Judiciário legislar sobre o assunto, sob pena de violar o princípio da separação de poderes (art. 37, X e XIII, da CF/88).

Aliás, entendemos que a tese jurídica materializada na S. 339 (editada em 13.12.1963), convertida na SV 37, pode ser aqui aplicada em relação à equiparação de direitos entre carreiras distintas: “não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia” (conversão em 16.10.2014).56

12.3.7. Procuradoria-Geral dos Estados e do Distrito Federal

12.3.7.1. Estrutura unitária

A representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas serão exercidas pelos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, cujo ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases (art. 132).

Dessa forma, a organização da Procuradoria deverá implementar-se dentro de uma estrutura unitária, cabendo, com exclusividade, aos Procuradores, formalmente constituídos e por concurso público, as atividades de representação judicial (salvo eventual impedimento de todos os procuradores) e consultoria jurídica (salvo a possibilidade de eventual contratação de pareceres jurídicos em caso específico e em razão de notoriedade de jurista na matéria).

A única exceção a essa regra no tocante à administração direta está contida no art. 69 do ADCT, que permite aos Estados manter consultorias jurídicas separadas­ de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.

A regra, contudo, é a exclusividade da representação e consultoria pelos Procuradores do Estado ou do DF.

Ao tratar do assunto, com precisão, o Min. Ayres Britto, partindo da análise dos arts. 131 e 132 da CF/88, observa que “a simples comparação entre os mencionados dispositivos revela que, no âmbito do Poder Executivo, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico são exclusivamente confiadas pela Constituição Federal aos procuradores de Estado, com organização em carreira e ingresso por concurso de provas e títulos, exigida ainda a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases. Isso como condição de qualificação técnica e independência funcional. Independência e qualificação que hão de presidir a atuação de quem desenvolve as atividades de orientação e representação jurídica, tão necessárias ao regular funcionamento do Poder Executivo. Tudo sob critérios de absoluta tecnicalidade, portanto, até porque tais atividades são constitucionalmente categorizadas como ‘funções essenciais à Justiça’ (Capítulo IV do Título IV da CF). Essa exclusividade dos procuradores de Estado para a atividade de consultoria e representação jurídica, entendidas aqui como assessoramento e procuratório judicial, é incompatível com a natureza dos cargos em comissão, que se definem como da estrita confiança da autoridade nomeante, matéria já devidamente examinada pelo Supremo Tribunal Federal nas ADls 1.557, da relatoria da ministra Ellen Gracie; 881-MC, da relatoria do ministro Celso de Mello; e 1.679, da relatoria do ministro Gilmar Mendes”.57

Avançando e até destoando da decisão acima, a nosso ver nada impediria que o Estado, simetricamente à regra contida no art. 131, fizesse a previsão, por lei, de procuradores autárquicos e de fundações públicas em âmbito estadual ou no DF, para a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas estaduais, podendo ser considerados vinculados à Procuradoria do Estado, claro, sempre por concurso público.

Esse tema foi decidido pelo STF no RE 558.258, e nesse sentido posicionou-se a 1.ª Turma, acompanhando o voto do Min. Lewandowski (j. 09.11.2010, DJE de 18.03.2011).

CUIDADO: o tema precisa ser explicitado pelo Pleno do STF. No precedente anterior (ADI 4.261), o Pleno, nos termos do voto do Relator, havia percebido uma distinção entre a redação dada ao art. 131 e ao art. 132, não havendo, neste, a indicação de órgãos vinculados (matéria pendente).

Entendemos, contudo, e na linha do precedente da 1.ª Turma, razoável a criação da carreira de advogados públicos da administração indireta estadual, e isso decorreria de opção política, devendo estar vinculados à Procuradoria-Geral do Estado ou do DF.

Assim, em seu voto, o Min. Relator, aceitando a existência desses procuradores autárquicos, decidiu que não pode a lei local criar distinções remuneratórias. Ou seja, o art. 37, XI, ao fixar o subteto em 90,25% do subsídio dos Ministros do STF, não distinguiu o “procurador”, que pode ser tanto o do Estado como os autárquicos ou de fundações públicas (cf. Inf. 578/STF).

12.3.7.2. Nomeação e destituição do Procurador-Geral pelo Governador

O Procurador-Geral do Estado é o chefe da carreira, não havendo, no entanto, previsão constitucional sobre o processo de sua nomeação e destituição.

O texto também não traz regras sobre o processo de nomeação e destituição do Procurador-Geral do Distrito Federal.

Daí o entendimento do STF de que ficou ao encargo do legislador local fixar os procedimentos nas Constituições Estaduais e na Lei Orgânica do DF, especialmente em razão da autonomia federativa e diante da capacidade de auto-organização.

Em razão da simetria, porém, determinou a Corte que as Constituições locais não podem subtrair do Governador a prerrogativa de nomear e exonerar, livremente, o Procurador-Geral do Estado. Trata-se, portanto, de cargo de confiança, ou seja, de cargo em comissão, podendo, pois, o Procurador-Geral ser demitido ad nutum.

Apesar de haver entendimento anterior por parte da Suprema Corte no sentido de que a Constituição estadual poderia estabelecer que a escolha pelo Governador se desse dentre membros da carreira (não sendo essência do cargo em comissão a inexistência de qualquer limite — cf. ADI 2.581, j. 16.08.2007), o entendimento modificado e atual do STF é o de que não pode haver como limitação o requisito de o advogado ser integrante da carreira da Procuradoria para ser nomeado Procurador-Geral.

Assim, deve-se seguir simetricamente o procedimento para a escolha do AGU, regrado no art. 131, § 1.º, qual seja, trata-se de cargo de livre nomeação e destituição pelo Chefe do Executivo.

E não poderia, também, a Constituição Estadual, ou a Lei Orgânica do DF, prescrever que a destituição dependesse de prévia autorização do Legislativo local:

“EMENTA: (...) A Constituição do Estado do Mato Grosso, ao condicionar a destituição do Procurador-Geral do Estado à autorização da Assembleia Legislativa, ofende o disposto no art. 84, XXV, e art. 131, § 1.º da CF/1988. Compete ao chefe do Executivo dispor sobre as matérias exclusivas de sua iniciativa, não podendo tal prerrogativa ser estendida ao Procurador-Geral do Estado (...). O cargo de Procurador-Geral do Estado é de livre nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, que pode escolher o Procurador-Geral entre membros da carreira ou não. Precedentes” (ADI 291, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 07.04.2010, Plenário, DJE de 10.09.2010).

12.3.7.3. Garantias e impedimentos dos Procuradores do Estado e do DF

Conforme visto, a Constituição foi bastante tímida ao tecer as regras sobre os Procuradores dos Estados e do DF. Podemos esquematizar como segue:

estabilidade: aos Procuradores do Estado e do Distrito Federal, nos termos do art. 132, parágrafo único (acrescentado pela EC n. 19/98) é assegurada estabilidade (e não vitaliciedade) após 3 anos (e não 2 anos) de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias. Lembrar que, antes da aludida alteração, a estabilidade dos Procuradores era atingida após 2 anos de efetivo exercício. De maneira correta, o art. 28 da EC n. 19/98 assegurou e manteve o prazo de 2 anos aos servidores que se encontravam em estágio probatório quando da promulgação da EC n. 19, sem prejuízo da avaliação especial de desempenho por comissão instituída para tal finalidade (art. 41, § 4.º);

remuneração: a Constituição assegura aos Procuradores de Estado e do DF a remuneração exclusivamente por subsídio, bem como a sua irredutibilidade (art. 135, c/c o art. 39, § 4.º, da CF/88). Nos termos do art. 37, XV, o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI (qual seja, subteto, limitado a 90,25% do subsídio mensal de Ministro do STF) e XIV (do art. 37) e nos arts. 39, § 4.º, 150, II, 153, III, e 153, § 2.º, I;

inamovibilidade?: conforme decidiu o STF, “a garantia da inamovibilidade é conferida pela Constituição Federal apenas aos Magistrados, aos membros do Ministério Público e aos membros da Defensoria Pública, não podendo ser estendida aos Procuradores do Estado” (ADI 291, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 07.04.2010, Plenário, DJE de 10.09.2010);

prerrogativa de foro: de acordo com a Corte, o art. 125, § 1.º, CF/88, ao estabelecer que a competência dos tribunais estaduais será definida na Constituição do Estado, convoca o constituinte estadual para demarcar o âmbito da competência originária do tribunal local, desde que, naturalmente, sejam observados os princípios da CF. Dessa forma, a definição dessa competência não poderá ser genérica, indefinida, nem aberta, devendo ser clara, direta e específica. Assim, a Constituição Estadual não poderá transferir para o legislador infraconstitucional a especificação das autoridades que serão originariamente julgadas pelo TJ (ADI 3.140, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10.05.2007, Plenário, DJ de 29.06.2007. No mesmo sentido: HC 103.803, Rel. Min. Teori Zavaski, j. 1.º.07.2014, Plenário, DJE de 06.10.2014). Diante do exposto, desde que haja expressa previsão na Constituição estadual, o STF tem reconhecido a prerrogativa de foro para os Procuradores de Estado e do DF;

independência funcional?: o STF não a aceitou no julgamento da ADI 470 (j. 1.º.07.2002), entendendo ser inerente a outras categorias, como o Ministério Público. A decisão é anterior à nova composição e poderia ser repensada em uma tentativa de flexibilização. Em julgamento mais recente, na ADI 4.261, j. 02.08.2010, no voto do Min. Ayres Britto (vide passagem no item 12.3.7.1, acima), Relator, sustentou a ideia de independência funcional (tema pendente de explicitação);

intimação pessoal: de acordo com o art. 183, caput e § 1.º, CPC/2015, “a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal”, que será feita “por carga, remessa ou meio eletrônico”;

exercício da advocacia fora das atribuições institucionais: como não há previsão constitucional, a definição ficou ao encargo das Constituições Estaduais e da Lei Orgânica do DF. Não havendo proibição, poderão advogar. Assim, a análise deverá ser feita de acordo com cada regra estadual (dependendo da prova que forem enfrentar) e, no caso do DF, no fechamento desta edição, não havia proibição aos seus Procuradores, que, por consequência, podiam advogar, mas, é claro, desde que não contrariassem os interesses do DF.

12.3.8. Procuradoria-Geral dos Municípios

Já mencionamos que não houve previsão explícita de Procuradorias Municipais, podendo, naturalmente e desde que observadas as regras constitucionais, a matéria ser tratada nas Constituições Estaduais, Leis Orgânicas e legislação própria.

André Ramos Tavares ensina que a procuradoria municipal “... não foi contemplada pela Constituição como instituição obrigatória (até rendendo-se à realidade de municípios que não teriam como arcar com um quadro de advogados públicos permanentes)”.58

Não há previsão constitucional proibindo ou permitindo os Procuradores dos municípios de advogar fora das atribuições institucionais. Assim, essa definição ficará ao encargo das Constituições Estaduais e das leis orgânicas. Não havendo proibição, poderão advogar.