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Partindo da ideia de Estado de Direito, podemos identificar, segundo a doutrina, uma tríplice vertente: liberal, social e pós-social.
No Estado Liberal percebe-se uma evidenciação do indivíduo, delineando-se um Estado não intervencionista, dentro da perspectiva de “intervenção mínima”.
De acordo com Dallari, “o Estado Moderno nasceu absolutista e durante alguns séculos todos os defeitos e virtudes do monarca absoluto foram confundidos com as qualidades do Estado. Isso explica por que já no século XVIII o poder público era visto como inimigo da liberdade individual, e qualquer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima. Essa foi a raiz individualista do Estado Liberal. Ao mesmo tempo, a burguesia enriquecida, que já dispunha do poder econômico, preconizava a intervenção mínima do Estado na vida social, considerando a liberdade contratual um direito natural do indivíduo”.1
Diante das novas necessidades sociais, surge a teorização do Estado Social, evidenciando-se o grupo e colocando a questão social como preocupação principal do Estado.
Norberto Bobbio assevera que a proteção dos direitos sociais requer uma atuação estatal, de forma ativa, diferente da solicitada (ou não solicitada) durante o Estado Liberal, produzindo tal organização dos serviços públicos, que teria sido a responsável pelo surgimento do próprio Estado Social.2
Uma das várias lições que podem ser extraídas da obra de Wilensky, e talvez a mais adequada ao tema aqui desenvolvido, consiste na verificação de que a assistência prestada pelo Estado do bem-estar (Welfare State), ou Estado assistencial, não é oferecida como caridade, mas sim como um direito político.3
Finalmente, o Estado Pós-Social (seguindo a classificação proposta por Campilongo), cujos atores sociais evidenciados são os novos movimentos sociais, sem, contudo, é claro, como pondera o autor, “... eliminar os problemas interindividuais nem ignorar a relevância da conflituosidade de classes...”.4
Com base nessa evolução, em um primeiro momento pode-se afirmar que os institutos clássicos do direito de propriedade e a autonomia da vontade privada eram suficientes para regulamentar a atividade econômica, até porque o capitalismo primitivo pregava a autorregulação, sem qualquer interferência do Estado na economia.
A partir do século XX, no entanto, a situação começa a ser repensada, especialmente diante das constantes situações de abuso do poder econômico.
Surge, então, “clima” propício para a constitucionalização da economia.
Nesse sentido, o art. 170, caput, da CF/88 estabelece que a ordem econômica, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, funda-se em dois grandes pilares:
■ valorização do trabalho humano;
■ livre-iniciativa.
Cabe, aqui, observar que, nos termos do art. 1.º, IV, são fundamentos da República Federativa do Brasil:
■ os valores sociais do trabalho;
■ os valores sociais da livre-iniciativa.
O constituinte privilegia, portanto, o modelo capitalista, porém, não se pode esquecer da finalidade da ordem econômica, qual seja, assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, afastando-se, assim, de um Estado absenteísta nos moldes do liberalismo.
Pelo contrário, o texto admite a intervenção do Estado no domínio econômico.
Conforme já estudamos no capítulo 2, a primeira Constituição brasileira a separar a ordem econômica da ordem social foi a de 1988.
A ordem econômica recebeu tratamento sistemático, pioneiramente, na Constituição do México de 1917. No Brasil, sob a influência da Constituição de Weimar, de 1919, a primeira a tratar da ordem econômica e da ordem social em título único (Título IV) foi a de 1934.
A Constituição de 1937, embora mantendo as matérias sobre a ordem econômica e social, aboliu a utilização de títulos e passou a destacar, de modo simplificado, a ordem econômica.
As Constituições de 1946, 1967 e a EC n. 1/69 seguiram a mesma estrutura da de 1934, agregando a ordem econômica e a ordem social em um único título.
A Constituição de 1988, conforme visto, inova e passa a tratar da ordem social em título próprio, desvinculando-a da ordem econômica, que, por sua vez, recebe matérias sobre o sistema financeiro nacional (Título VII). Alguns temas da ordem social que eram assegurados nas Constituições anteriores, como os direitos dos trabalhadores, foram deslocados para o Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais (direitos sociais).
O Estado pode interferir na ordem econômica de modo direto ou indireto.
Quando se fala em atuação direta, o próprio Estado atua na economia de um país, seja em regime de monopólio, seja no de participação com as empresas do setor privado.
Já quanto à atuação indireta, o Estado busca fazer prevalecer o princípio da livre concorrência e evitar abusos como os decorrentes de cartéis, dumping etc.
A soberania é fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1.º, I) e, ao ser prevista como princípio da ordem econômica, visa evitar a influência descontrolada de outros países em nossa economia.
No fundo, garante-se a ideia de independência nacional.
Isso não significa uma blindagem na economia em relação ao capital estrangeiro. Nos termos do art. 172, a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.
Como bem anotam David Araujo e Vidal Serrano, “... os contratos e ajustes internacionais, de modo geral, devem pautar-se pela observância das normas de ordem pública e aquelas inerentes à autonomia decisória do país. Assim, padeceria de inconstitucionalidade um tratado que, por exemplo, submetesse o País compulsoriamente a decisões econômicas de uma instituição ou organismo internacional”.5
Ao instituir a propriedade privada como princípio da ordem econômica, o constituinte assegurou a propriedade privada dos meios de produção.
O direito de propriedade aparece como direito fundamental (art. 5.º, XXII); porém a propriedade terá de atender a sua função social (art. 5.º, XXIII), situação essa que se desdobra no âmbito da política urbana (arts. 182 e 183), no âmbito da política agrícola e fundiária, bem como da reforma agrária (arts. 184 a 191).
Como desdobramento da livre-iniciativa, a livre concorrência aparece como princípio da Ordem Econômica, devendo ser balizada pelos ditames da justiça social e da dignidade.
Por esse motivo, não podemos considerá-la um bem em si e de modo absoluto, devendo o Estado refutar qualquer abuso.
O art. 173, § 4.º, dispõe que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
De acordo com o art. 173, § 5.º, a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Nesse sentido, destacamos a Lei n. 12.529/2011, que, dentre outras providências, estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência — SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos seguintes ditames constitucionais:
■ liberdade de iniciativa;
■ livre concorrência;
■ função social da propriedade;
■ defesa dos consumidores;
■ repressão ao abuso do poder econômico.
O SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica — CADE (autarquia federal) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
Estamos diante da consagração, nas relações de consumo, do princípio da vulnerabilidade, tendo o constituinte considerado que o consumidor é a parte mais fraca da relação.
Cumpre observar que, nos termos do art. 5.º, XXXII, a defesa do consumidor é direito fundamental.
A proteção ao consumidor se implementa, dentre tantos instrumentos, pelo CDC (Lei n. 8.078/90) e, apenas para recordar, o STF entendeu a sua aplicação nas relações entre instituições financeiras e seus usuários:
“... As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. ‘Consumidor’, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. Ação direta julgada improcedente” (ADI 2.591-ED, Rel. Min. Eros Grau, j. 14.12.2006, DJ de 13.04.2007 — cf. item 14.10.19).
Mesmo que haja produção de riquezas, a atividade econômica deve estar orientada à proteção e defesa do meio ambiente.
Trata-se da ideia, já analisada (item 19.8), do desenvolvimento sustentável.
De acordo com o art. 225, caput, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A EC n. 42/2003, ao dar nova redação ao art. 170, VI, estabeleceu, na defesa do meio ambiente, a possibilidade de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços, e de seus processos de elaboração e prestação.
Assim, parece razoável que o Estado ofereça, por exemplo, incentivos mediante isenções, benefícios fiscais etc., para as empresas que trabalhem com produtos recicláveis ou que produzam baixo impacto ambiental, ou seja, as empresas “ecologicamente corretas”.
Confirma-se a constante busca pela consagração do Estado do bem-estar social.
De acordo com o art. 3.º, III, é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Esse princípio é implementado por diversos instrumentos, como a criação de regiões administrativas (art. 43), a lei que institui o plano plurianual (art. 165, § 1.º), a possibilidade de concessão de incentivos fiscais na forma do art. 151, I, o fundo de erradicação da pobreza, que teve o seu prazo prorrogado por tempo indeterminado nos termos da EC n. 67, de 22.12.2010 etc.
Dentro desse contexto, a busca do pleno emprego também aparece como princípio da ordem econômica, consagrando a perspectiva de valorização do trabalho humano e se materializando, também, como princípio diretivo da economia.
Mostra-se bastante razoável atrelar a livre concorrência ao princípio da igualdade em sua vertente substancial e, como desdobramento, a possibilidade de tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
É o que prescreve o art. 179: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Em 14.11.2003, a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (Abraed) propôs a ADPF 46, com pedido de liminar, contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT, questionando a existência de monopólio constitucional de entrega de correspondências.
A principal questão que se discutia era em relação à possibilidade do trabalho das empresas de distribuição, criadas em grande número pelo País, com o objetivo de atender à demanda de logística, implementando, por consequência, a entrega de encomendas.
Isso porque, justificando o cabimento da ação, alegavam que os Correios ajuizaram várias ações sustentando o monopólio postal, inclusive objetivando a aplicação das sanções criminais previstas na Lei n. 6.538/78.
Dentre os argumentos levantados pela Autora, destacam-se:
■ o fundamento da livre-iniciativa (art. 1.º, IV);
■ o livre exercício de qualquer ofício, trabalho ou profissão (art. 5.º, XIII);
■ a livre concorrência (art. 170, IV);
■ a inexistência de monopólio constitucional postal, já que não se encontra a suposta exceção enumerada no art. 177.
A Constituição, de fato, estabelece regras sobre o serviço postal em dois dispositivos:
■ Art. 21, X — “compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”;
■ Art. 22, V — “compete privativamente à União legislar sobre serviço postal”.
Por sua vez, a Lei n. 6.538/78, em seu art. 9.º, dispõe que são exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:
■ recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;
■ recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada;
■ fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.
O art. 47 da lei define carta como o “objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário”.
E o art. 42 da mesma lei diz ser crime de violação do privilégio postal da União: “coletar, transportar, transmitir ou distribuir, sem observância das condições legais, objetos de qualquer natureza sujeitos ao monopólio da União, ainda que pagas as tarifas postais ou de telegramas. Pena: detenção, até 2 meses, ou pagamento não excedente a dez dias-multa”.
Finalmente, em 05.08.2009, o STF, por 6 x 4, julgou improcedente a ADPF 46 e, assim, reconheceu a recepção dos dispositivos da lei e, nesse sentido, o monopólio dos Correios para as correspondências pessoais.6
Segundo informado, “prevaleceu o voto do Min. Eros Grau, que, tendo em conta a orientação fixada pelo Supremo na ACO 765 QO/RJ, no sentido de que o serviço postal constitui serviço público, portanto, não atividade econômica em sentido estrito, considerou inócua a argumentação em torno da ofensa aos princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência. Distinguindo o regime de privilégio de que se reveste a prestação dos serviços públicos do regime de monopólio, afirmou que os regimes jurídicos sob os quais são prestados os serviços públicos implicam que sua prestação seja desenvolvida sob privilégios, inclusive, em regra, o da exclusividade na exploração da atividade econômica em sentido amplo a que corresponde essa prestação, haja vista que exatamente a potencialidade desse privilégio incentiva a prestação do serviço público pelo setor privado quando este atua na condição de concessionário ou permissionário. Asseverou que a prestação do serviço postal por empresa privada só seria possível se a CF afirmasse que o serviço postal é livre à iniciativa privada, tal como o fez em relação à saúde e à educação, que são serviços públicos, os quais podem ser prestados independentemente de concessão ou permissão por estarem excluídos da regra do art. 175, em razão do disposto nos artigos 199 e 209”.
E continua: “ressaltou o Min. Eros Grau que o serviço postal é prestado pela ECT, empresa pública criada pelo Decreto-lei n. 509/69, que foi recebido pela CF/88, a qual deve atuar em regime de exclusividade (em linguagem técnica, em situação de privilégio, e, em linguagem corrente, em regime de monopólio), estando o âmbito do serviço postal bem delineado nos artigos 7.º e seguintes da Lei 6.538/78, também recebida pela CF/88. Por fim, julgando insuficiente a atuação subsidiária do Estado para solução dos conflitos da realidade nacional, considerou que, vigentes os artigos 1.º e 3.º da CF, haver-se-ia de exigir um Estado forte e apto a garantir a todos uma existência digna, sendo incompatível com a Constituição a proposta de substituição do Estado pela sociedade civil. Nesta assentada, o Min. Carlos Britto apresentou esclarecimentos sobre seu voto, afirmando excluir do conceito de serviço postal apenas a entrega de encomendas e impressos. Concluiu, assim, pela improcedência do pedido. Quanto a essa parte, ficaram vencidos o Min. Marco Aurélio, relator, que julgava procedente o pleito e os Ministros Gilmar Mendes, Presidente, que reajustou o voto proferido na assentada anterior, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, os quais o julgavam parcialmente procedente, para fixar a interpretação de que a prestação exclusiva pela União da atividade postal limitar-se-ia ao conceito de carta, cartão-postal e correspondência agrupada, nos termos do art. 9.º da Lei 6.538/78, não abrangendo a distribuição de boletos (v.g. boletos bancários, contas de água, telefone, luz), jornais, livros, periódicos ou outros tipos de encomendas ou impressos. O Tribunal, por unanimidade, ainda deu interpretação conforme ao art. 42 da Lei 6.538/78 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no art. 9.º do referido diploma legal” (ADPF 46/DF, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 3 e 5.8.2008).
Finalmente, destacamos dois importantes julgados reconhecendo a imunidade tributária da ECT relativamente ao ICMS e ao IPVA e que pedimos vênia para transcrever:
“EMENTA: Recurso extraordinário com repercussão geral. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Peculiaridades do Serviço Postal. Exercício de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com particulares. Irrelevância. ICMS. Transporte de encomendas. Indissociabilidade do serviço postal. Incidência da Imunidade do art. 150, VI, ‘a’, da Constituição. Condição de sujeito passivo de obrigação acessória. Legalidade. 1. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade econômica.
2. As conclusões da ADPF 46 foram no sentido de se reconhecer a natureza pública dos serviços postais, destacando-se que tais serviços são exercidos em regime de exclusividade pela ECT.
3. Nos autos do RE n. 601.392/PR, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, ficou assentado que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, ‘a’, CF, deve ser reconhecida à ECT, mesmo quando relacionada às atividades em que a empresa não age em regime de monopólio.
4. O transporte de encomendas está inserido no rol das atividades desempenhadas pela ECT, que deve cumprir o encargo de alcançar todos os lugares do Brasil, não importa o quão pequenos ou subdesenvolvidos.
5. Não há comprometimento do status de empresa pública prestadora de serviços essenciais por conta do exercício da atividade de transporte de encomendas, de modo que essa atividade constitui conditio sine qua non para a viabilidade de um serviço postal contínuo, universal e de preços módicos.
6. A imunidade tributária não autoriza a exoneração de cumprimento das obrigações acessórias. A condição de sujeito passivo de obrigação acessória dependerá única e exclusivamente de previsão na legislação tributária.
7. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento, reconhecendo a imunidade da ECT relativamente ao ICMS que seria devido no transporte de encomendas” (RE 627.051, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 12.11.2014, Pleno, DJE de 11.02.2015).
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IPVA.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de que a imunidade recíproca deve ser reconhecida em favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, ainda que o patrimônio, renda ou serviço desempenhado pela Entidade não esteja necessariamente relacionado ao privilégio postal.
2. Especificamente com relação ao IPVA, cumpre reafirmar o quanto assentado na ACO 789/PI, Redator para o acórdão o Ministro Dias Toffoli, ocasião na qual foi confirmada a outorga da imunidade recíproca para o fim de afastar a incidência sobre os veículos de propriedade da requerente.
3. Ação Cível Originária julgada procedente” (ACO 879, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, j. 26.11.2014, DJE de 10.02.2015).
Segundo o Parecer n. 767/2003-CCJ, do relator Senador José Jorge, a PEC n. 7/2003 (que originou a EC n. 49/2006, em análise), “... tem por objeto ampliar o acesso dos serviços de medicina nuclear aos radioisótopos de meia-vida curta (2 a 120 minutos). Esses produtos são utilizados como marcadores em exames de imagem, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e de fótons simples (Spect)” (DSF de 12.07.2003, p. 17.877-8).
A Assembleia Nacional Constituinte de 1988, à época, entendeu mais conveniente, tendo em vista o temor gerado por eventual uso indevido da tecnologia nuclear (que viria a ser confirmado nas tragédias de Chernobyl e Goiânia), determinar o monopólio da União, nos termos do art. 177, V, da CF/88, sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.
Agora, com a regra trazida pela EC n. 49/2006, foi aberta a possibilidade de produção, comercialização e utilização de radioisótopos, podendo ser autorizadas sob o regime de permissão, conforme as alíneas “b” e “c” do inciso XXIII do caput do art. 21 da Constituição Federal.
Assim, enquanto novos princípios e condições em relação à exploração dos serviços e instalações nucleares de qualquer natureza, surgem duas importantes novas regras (art. 21, XXIII, “b” e “c”):
■ sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais;
■ sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas.
A nova regra, assim, segundo a Senadora Ideli Salvatti, tem por objetivo “... flexibilizar o monopólio da União para casos muito específicos. Tendo em vista a nossa inovação tecnológica com o advento da tomografia por emissão de pósitrons e da tomografia por emissão de fótons simples, há necessidade de que essa flexibilização tenha obrigatoriamente que ocorrer, porque esses radioisótopos utilizados nesses dois tipos de câmaras são emissores de partículas de meia-vida muito curta. Alguns duram apenas poucos minutos e outros, no máximo, duas horas. Portanto, não é possível que o deslocamento desse tipo de produto se dê em distâncias longas, porque, senão, o material perde a eficiência e a capacidade de ser utilizado nessa maravilha de evolução que é a medicina nuclear” (DSF de 22.10.2003, p. 33025).
É importante notar que a instituição do regime de permissão garantirá o necessário controle da referida atividade nuclear pelo Poder Público.
Como bem observou o então Senador José Jorge, no parecer da CCJ, “ainda assim, é imperioso que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) exerça controle rigoroso sobre a produção, comercialização e utilização desses materiais. Para facilitar a atuação da Comissão, a PEC propõe que apenas o regime de permissão seja utilizado para admitir a participação de entes que não a União na área de materiais radioativos, eliminando o regime de concessão. Dessa forma, a CNEN terá maior facilidade em revogar o contrato quando julgar necessário” (DSF de 12.07.2003, p. 17878).
Ao discursar sobre a matéria, o primeiro signatário da PEC, o então Senador Jorge Bornhausen, falou sobre a importância da analisada flexibilização do monopólio estatal sobre as referidas tecnologias de medicina nuclear. “Bornhausen enfatizou a relevância da tecnologia PET (tomografia por emissão de pósitrons) na detecção precoce de pequenas lesões tumorais, assim como de disfunções metabólicas, neurológicas e cardíacas”. “Esses radioisótopos são usados na medicina para detectar, em estágio inicial, doenças inflamatórias, metabólicas e infecciosas, câncer e problemas cardíacos” (Jornal Senado Federal, 08.02.2006).
Portanto, a quebra do monopólio em análise representa um grande avanço. Trata-se de salutar abertura “sustentada”, na medida em que, como visto, a atividade continua sendo fiscalizada e controlada pela União.
Conforme anota José Afonso da Silva, dois são os sistemas financeiros regulados na Constituição:
■ público: “que envolve os problemas das finanças públicas e os orçamentos públicos, constante dos arts. 163 a 169”;
■ parapúblico: “que ela denomina de Sistema Financeiro Nacional, previsto no art. 192, cujos incisos e parágrafos foram desconstitucionalizados pela Emenda Constitucional 40/2003”.
Apesar disso, continua o mestre, “... ainda se pode dizer que o Sistema Financeiro Nacional cuida das instituições financeiras creditícias, públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização, todas sob estrito controle do Poder Público (art. 192). O Banco Central, que é instituição financeira, constitui, em verdade, um elo entre as duas ordens financeiras (arts. 164 e 192)”.7
O art. 192, na redação determinada pela EC n. 40/2003, assim estabeleceu: “o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.
A novidade foi retirar diversas regras que constavam dos incisos do art. 192, entre elas a previsão de taxa de juros reais de 12% a.a.
Não obstante a crítica pessoal deste autor e de diversos outros, bem como de alguns tribunais (vide Julgados do TARGS, 81/314), o STF entendia que o revogado § 3.º do art. 192, que fixava as taxas dos juros reais não superiores a 12% a.a., era norma constitucional de eficácia limitada, dependente de lei complementar para sua aplicação prática.
Conforme visto, a EC n. 40, de 29.05.2003 (PEC n. 53/99 da CD e n. 21/97 do SF), ao tratar do Sistema Financeiro Nacional, alterou a redação do inciso V do art. 163 e do caput do art. 52 do ADCT, revogando todos os incisos e parágrafos do art. 192, permitindo a sua regulamentação por mais de uma lei complementar e não por apenas uma lei complementar como era antes.
Em razão dessa nova sistemática, a já desprestigiada taxa de juros reais de 12% a.a. desconstitucionaliza-se, infelizmente, assim como as importantes regras que constavam do referido art. 192.
No parecer do relator à PEC n. 53, a reforma buscou “... superar as dificuldades de regulamentação do art. 192 da Constituição Federal e viabilizar a aprovação de uma nova lei estruturadora do sistema financeiro nacional”, uma vez que o STF já havia resolvido que, na vigência da antiga regra, antes da EC n. 40/2003, portanto, o sistema financeiro deveria ser regulamentado por uma única lei complementar.
Finalmente, cabe destacar a SV 7/2008, com o seguinte teor: “a norma do § 3.º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional n. 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.
1. (Juiz Federal do Trabalho Substituto da 3.ª Região/2009) Assinale verdadeiro ou falso (adaptada). A Constituição afirma o direito de propriedade nos direitos e garantias fundamentais, descrevendo-o como um dos direitos e deveres individuais e coletivos e também dentro da ordem econômica e financeira, como um dos princípios gerais da atividade econômica, porém, nas duas situações, subordina seu uso ao cumprimento de uma função social.
2. (6.º Concurso Público Outorga de Delegações de Notas e de Registro/TJ SP — 2009) A ordem econômica nacional, conforme expresso preceito constitucional, deve observar, dentre outros, os princípios de:
a) tratamento favorecido para as empresas, propriedade plena e redução do desemprego.
b) soberania nacional, propriedade pública, propriedade privada e propriedade social.
c) função social da propriedade, redução de desigualdades trabalhistas e pleno emprego.
d) livre concorrência, defesa do consumidor e defesa do meio ambiente.
3. (Atividades Notariais Registro/TJ MS — Vunesp/2009) Na ordem econômica e financeira, a Constituição Federal estabelece que:
a) as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
b) a lei regulará o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
c) como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para os setores público e privado.
d) o Estado regulará a organização da atividade garimpeira, impedindo a participação de empresas estrangeiras na atividade, levando em conta a degradação do meio ambiente e a proteção econômico-social dos garimpeiros.
e) dependerá de autorização ou concessão da União o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.
4. (AFRFB/2005 — ESAF) Sobre os princípios gerais da ordem econômica e o sistema financeiro nacional, na Constituição de 1988, marque a única opção correta.
a) É princípio da ordem econômica o tratamento favorecido para as empresas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no Brasil.
b) Nos termos da Constituição Federal, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado apenas é permitida quando houver relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.
c) As autorizações para pesquisa de recursos minerais serão concedidas sem prazo determinado, porém não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
d) A concessão ou permissão para a prestação de serviços públicos por empresas privadas far-se-á sempre por meio de licitação.
e) À redução e ao restabelecimento da contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de comercialização de petróleo e seus derivados, aplica-se o princípio da anterioridade.
5. (AFRFB/2005 — ESAF) Sobre os princípios gerais da atividade econômica e sobre a assistência social, na Constituição de 1988, marque a única opção correta.
a) Nos termos da Constituição Federal, pode a União contratar com particulares a realização de lavra e enriquecimento de minérios e minerais nucleares.
b) A Constituição Federal veda o transporte de mercadorias na cabotagem por embarcações estrangeiras.
c) Nos termos da Constituição Federal, havendo reciprocidade de tratamento, o atendimento de requisições de documento ou informação de natureza comercial, feitas por autoridade administrativa ou judiciária estrangeira a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no País, não dependerá de autorização do Poder competente.
d) A prestação de assistência social está vinculada ao recolhimento, por parte do beneficiado, de contribuição para a seguridade social.
e) É diretriz constitucional de organização das ações governamentais na área de assistência social a participação da população, por meio de organizações representativas, na formação das políticas.
6. (Notário SP/2008) Assinale a alternativa incorreta.
a) A refinação de petróleo constitui monopólio da União Federal.
b) A defesa do consumidor é um dos princípios da ordem econômica instituídos pela Constituição Federal.
c) A livre concorrência não é um dos princípios da ordem econômica instituídos pela Constituição Federal.
d) O Estado brasileiro pode assumir a exploração direta de atividade econômica quando necessário à segurança nacional.
7. (Analista Técnico da SUSEP — ESAF 2010) São princípios da Ordem Econômica, exceto:
a) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
b) defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
c) propriedade privada.
d) integração nacional.
e) função social da propriedade.
8. (Magistratura — TRT/23) De acordo com a Constituição da República de 1988, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Assinale o item que NÃO corresponde a um princípio consagrado expressamente na Constituição quanto à ordem econômica:
a) Função social da propriedade.
b) Defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
c) Livre associativismo e cooperativismo.
d) Redução das desigualdades regionais e sociais.
e) Busca do pleno emprego.
9. (Magistratura/TRT-24 — 2012) A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados alguns dos princípios a seguir transcritos, COM EXCEÇÃO DE APENAS UMA DAS ALTERNATIVAS:
a) Soberania nacional.
b) Busca do pleno emprego;
c) Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País;
d) Defesa do consumidor;
e) Pluralismo político.
10. (Auditor Fiscal — Prefeitura do Município de São Paulo — FCC/2012) Considerados os princípios constitucionais da ordem econômica, lei municipal que impedisse a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área do Município seria:
a) incompatível com a Constituição da República, por ofensa ao princípio da livre concorrência.
b) incompatível com a Constituição da República, por ofensa ao princípio da soberania nacional.
c) compatível com a Constituição da República, em virtude do princípio da função social da propriedade.
d) compatível com a Constituição da República, em virtude do princípio da busca do pleno emprego.
e) incompatível com a Constituição da República, por ofensa ao princípio do tratamento favorecido às empresas de pequeno porte.
11. (Analista Jurídico/SC — TJ — 2011) Segundo a Constituição Federal, a Ordem Econômica é fundada na valoração do trabalho humano e na livre-iniciativa observados alguns princípios, NÃO se incluindo entre estes:
a) A livre concorrência.
b) A função social da propriedade.
c) A integração econômica com os povos latino-americanos.
d) A defesa do consumidor.
e) A redução das desigualdades regionais e sociais.
12. (ANTT — Especialista em Regulação de Serviços de Transportes Terrestres — CESPE/UnB/2013) A respeito da ordem jurídico-econômica, julgue o item a seguir:
A primeira Constituição brasileira que separou a ordem econômica da ordem social foi a de 1988.
GABARITO
1. “correto”. |
2. “d”. Art. 170, IV, V, VI, da CF/88. |
3. “a”. Art. 173, § 2.º, da CF/88. |
4. “d”. Esta questão foi ANULADA nos termos do Edital ESAF n. 7, de 20.01.2006. Cf. art. 177, § 1.º. A letra “a” está errada por violar a literalidade do art. 170, IX. A letra “b” está errada por violar a literalidade do art. 173, caput. A letra “c” está errada por violar o art. 176, § 1.º. A letra “e” está errada por violar o art. 177, § 4.º, I, “b”. Pedimos vênia para informar que, normalmente, as questões estão pedindo o conhecimento da literalidade dos dispositivos. Então, como técnica de estudo, leiam a “letra da lei”! |
5. “e”, de acordo com a literalidade do art. 204, II, da CF/88. A letra “a” está errada por violar a literalidade do art. 177, V. CUIDADO, pois, a partir da redação conferida ao referido dispositivo pela EC n. 49/2006, passou a existir exceção não prevista à época da prova de 2005. A letra “b” está errada por violar a literalidade do art. 178, parágrafo único. A letra “c” está errada por violar a literalidade do art. 181. A letra “d” está errada por violar a literalidade do art. 203, caput, que estabelece que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. |
6. “c”. Art. 170, IV, da CF/88. |
7. “d”. Cf. art. 170, IX, VI, II e III, na ordem das alternativas. |
8. “c”, nos termos do art. 170 da CF/88. |
9. “e”. Confira os incisos do art. 170. O pluralismo político é fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1.º, V, da CF/88. |
10. “a”. |
11. “c”. Cf. arts. 170, IV, III, V e VII (na ordem das alternativas “a”, “b”, “d” e “e”. A letra “c” não foi prevista como princípio da Ordem Econômica, mas está relacionada ao tema dos princípios que regem o Brasil em suas relações internacionais (art. 4.º, parágrafo único). |
12. “certo”. Cf. parte teórica. |