6.3.8.   O capital social

Já vimos que o empresário é aquele que organiza os fatores de produção (capital, insumos, mão de obra e tecnologia) tendo em vista o exercício profissional de uma atividade econômica destinada a produzir ou fazer circular bens ou serviços (art. 966 do Código Civil).

No caso das sociedades empresárias, a atividade econômica é exercida por uma pessoa jurídica, constituída especificamente para tal finalidade. Portanto, o empresário é a própria pessoa jurídica, isto é, a própria sociedade. Daí o porquê do nome sociedade empresária.

Ora, em se tratando de sociedades anônimas, já destacamos que elas desempenham, invariavelmente, empreendimentos de grande porte, para os quais é necessário o aporte de somas consideráveis de recursos. E estes recursos são obtidos pela sociedade, em princípio, junto aos seus próprios sócios, os quais, para ingressarem na companhia, precisam entregar-lhe determinadas importâncias, que corresponderão, então, ao chamado capital social. Portanto, pode-se definir o capital social, grosso modo, como o montante das contribuições dos sócios para a sociedade.

De acordo com o art. 5.° da LSA, “o estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expresso em moeda nacional”. Complementando a regra do caput, o seu parágrafo único determina que “a expressão monetária do valor do capital social realizado será corrigida anualmente (artigo 167)”, o que será feito, conforme veremos adiante, na assembleia-geral ordinária realizada todo ano após o término do exercício social, nos termos do art. 132 da LSA.

O art. 6.° da LSA, por sua vez, dispõe que “o capital social somente poderá ser modificado com observância dos preceitos desta Lei e do estatuto social (artigos 166 a 174)”.

Cumpre destacar que, na sistemática da legislação acionária brasileira, admite-se a emissão de ações sem valor nominal, bem como a possibilidade de emissão de ações com preço superior ao seu valor nominal, razão pela qual o capital social da companhia nem sempre corresponderá, exatamente, à soma das contribuições dos sócios pelas ações subscritas. No primeiro caso – ações sem valor nominal – a própria legislação acionária permite que parte do preço de emissão não seja computada para o capital, mas para a formação de reserva de capital (art. 14, parágrafo único, da LSA). Da mesma forma, no segundo caso – ações com valor nominal subscritas por preço superior a esse valor – determina a lei que o excedente, chamado de ágio, seja destinado também à formação de reserva de capital.

Outro ponto importante a ser destacado acerca do capital social das sociedades anônimas é que, ao contrário do que acontece nas sociedades contratuais de pessoas, os sócios não são seus senhores absolutos, sendo vedada, em princípio, a restituição aos acionistas de suas contribuições para o capital social. Trata-se do que a doutrina especializada chama de princípio da intangibilidade do capital social. É por isso que nas companhias é fundamental a formação de reservas de capital, a serem usadas em situações específicas, como os casos de reembolso ou resgate de ações.

No que se refere à formação do capital, dispõe a LSA, em seu art. 7.°, que “o capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro”.

Nesse ponto, é importante fazer outra observação sobre o capital social, relativa à diferença existente entre o capital social subscrito e o capital social integralizado (ou realizado). Com efeito, o capital subscrito corresponde ao valor com o qual os sócios prometeram contribuir para a sociedade, enquanto o capital integralizado corresponde ao valor que os sócios efetivamente já contribuíram. No tópico antecedente, vimos que a companhia só será constituída se todo o capital social tiver sido subscrito (vide, por exemplo, o art. 86 da LSA). Assim, uma vez subscrito, deverão os investidores subscritores integralizar a parte que subscreveram, ou seja, deverão efetivamente contribuir para a formação do capital social, nos limites do preço e da quantidade de ações subscritas.

Quando o art. 7.° da LSA se refere, pois, ao fato de que as contribuições podem ser feitas com dinheiro ou bens avaliáveis em dinheiro (bens móveis, imóveis, créditos etc.), está se referindo à integralização (ou realização) do capital social.

Quando a integralização é feita em bens, eles devem ser avaliados, nos termos do art. 8.° da LSA, que assim determina: “a avaliação dos bens será feita por 3 (três) peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembleia-geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em primeira convocação com a presença de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em segunda convocação com qualquer número”.

Feita a avaliação respectiva, determina o § 1.° do artigo em questão que “os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado, com a indicação dos critérios de avaliação e dos elementos de comparação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados, e estarão presentes à assembleia que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que lhes forem solicitadas”.

Apresentado o laudo pelos peritos, cabe então ao subscritor que entregou os bens à sociedade concordar ou não com o mesmo, nos termos do § 2.°: “se o subscritor aceitar o valor aprovado pela assembleia, os bens incorporar-se-ão ao patrimônio da companhia, competindo aos primeiros diretores cumprir as formalidades necessárias à respectiva transmissão”. Em qualquer hipótese, frise-se, “os bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor acima do que lhes tiver dado o subscritor” (§ 4.°). Ademais, “se a assembleia não aprovar a avaliação, ou o subscritor não aceitar a avaliação aprovada, ficará sem efeito o projeto de constituição da companhia” (§ 3.°). Por fim, registre-se que “os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido; no caso de bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária” (§ 6.°).

Ainda sobre a integralização das ações por meio de bens, a LSA também se preocupou em regular a transferência desses bens do patrimônio dos sócios subscritores para o patrimônio da companhia. Nesse sentido, dispõe o art. 9.° da LSA que “na falta de declaração expressa em contrário, os bens transferem-se à companhia a título de propriedade”, ou seja, a sociedade anônima passa a ser proprietária dos mesmos, incorporando-os ao seu patrimônio social. De acordo com o art. 98, § 2.°, da LSA “a certidão dos atos constitutivos da companhia, passada pelo registro do comércio em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação do capital social (artigo 8.°, § 2.°)”. O § 3.° desse mesmo art. 98, por sua vez, dispõe que “a ata da assembleia-geral que aprovar a incorporação deverá identificar o bem com precisão, mas poderá descrevê-lo sumariamente, desde que seja suplementada por declaração, assinada pelo subscritor, contendo todos os elementos necessários para a transcrição no registro público”.

Por fim, é óbvio que a legislação acionária preocupou-se em estabelecer regras relativas à responsabilidade dos acionistas que integralizam suas ações com bens ou créditos. Quanto ao primeiro caso – integralização com bens – dispõe o art. 10 da LSA que “a responsabilidade civil dos subscritores ou acionistas que contribuírem com bens para a formação do capital social será idêntica à do vendedor”. Quanto ao segundo caso – integralização com créditos – dispõe o parágrafo único do art. 10 que “quando a entrada consistir em crédito, o subscritor ou acionista responderá pela solvência do devedor”.

6.3.8.1.   A obrigação de integralizar (realizar) o capital social

Como destacamos acima, as sociedades anônimas, por desempenharem, não raro, empreendimentos de grande porte, necessitam do aporte de somas consideráveis de recursos, os quais são obtidos, em princípio, junto aos próprios acionistas, já que cada um deles, quando da constituição da companhia, subscreverá parcela do capital social, parcela esta que deverá, posteriormente, ser integralizada.

A obrigação de o acionista integralizar ou realizar o valor das ações subscritas está expressamente prevista no art. 106 da LSA, que assim dispõe: “o acionista é obrigado a realizar, nas condições previstas no estatuto ou no boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas”.

Cabe ao estatuto ou ao boletim de subscrição definir as prestações e o prazo para pagamento. Caso sejam omissos, todavia, aplica-se a regra do § 1.° do art. 106: “se o estatuto e o boletim forem omissos quanto ao montante da prestação e ao prazo ou data do pagamento, caberá aos órgãos da administração efetuar chamada, mediante avisos publicados na imprensa, por 3 (três) vezes, no mínimo, fixando prazo, não inferior a 30 (trinta) dias, para o pagamento”.

Por fim, complementa o § 2.° estabelecendo que “o acionista que não fizer o pagamento nas condições previstas no estatuto ou boletim, ou na chamada, ficará de pleno direito constituído em mora, sujeitando-se ao pagamento dos juros, da correção monetária e da multa que o estatuto determinar, esta não superior a 10% (dez por cento) do valor da prestação”.

6.3.8.1.1.   O acionista remisso

Nos termos do § 2.° do art. 106 da LSA, transcrito acima, o acionista que não realizar/integralizar o valor das ações que subscreveu nas condições estabelecidas no estatuto, no boletim ou na chamada, conforme o caso, será constituído em mora, tornando-se, a partir de então, acionista remisso.

Contra o remisso, a companhia pode tomar duas medidas, ambas previstas no art. 107 da LSA: “I – promover contra o acionista, e os que com ele forem solidariamente responsáveis (artigo 108), processo de execução para cobrar as importâncias devidas, servindo o boletim de subscrição e o aviso de chamada como título extrajudicial nos termos do Código de Processo Civil; ou II – mandar vender as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista”.

O direito que a companhia tem de adotar tais medidas contra o acionista remisso é tão relevante que a própria lei determina, no § 1.° do dispositivo em questão, que “será havida como não escrita, relativamente à companhia, qualquer estipulação do estatuto ou do boletim de subscrição que exclua ou limite o exercício da opção prevista neste artigo, mas o subscritor de boa-fé terá ação, contra os responsáveis pela estipulação, para haver perdas e danos sofridos, sem prejuízo da responsabilidade penal que no caso couber”.

Caso a companhia opte pela medida prevista no inciso II do art. 107 – venda das ações em bolsa – estabelece o § 2.° que “a venda será feita em leilão especial na bolsa de valores do lugar da sede social, ou, se não houver, na mais próxima, depois de publicado aviso, por 3 (três) vezes, com antecedência mínima de 3 (três) dias. Do produto da venda serão deduzidos as despesas com a operação e, se previstos no estatuto, os juros, correção monetária e multa, ficando o saldo à disposição do ex-acionista, na sede da sociedade”.

Em contrapartida, caso a companhia opte pela adoção da medida prevista no inciso I do art. 107 – execução das importâncias devidas em decorrência da mora –, estabelece o § 3.° que “é facultado à companhia, mesmo após iniciada a cobrança judicial, mandar vender a ação em bolsa de valores; a companhia poderá também promover a cobrança judicial se as ações oferecidas em bolsa não encontrarem tomador, ou se o preço apurado não bastar para pagar os débitos do acionista”.

Por fim, o § 4.°, do art. 107, da LSA cuida da hipótese em que as medidas adotadas pela companhia forem infrutíferas. Caberá à companhia, então, declarar as ações caducas e integralizá-las com os lucros e reservas da sociedade. Eis o teor do dispositivo ora em comento: “se a companhia não conseguir, por qualquer dos meios previstos neste artigo, a integralização das ações, poderá declará-las caducas e fazer suas as entradas realizadas, integralizando-as com lucros ou reservas, exceto a legal; se não tiver lucros e reservas suficientes, terá o prazo de 1 (um) ano para colocar as ações caídas em comisso, findo o qual, não tendo sido encontrado comprador, a assembleia-geral deliberará sobre a redução do capital em importância correspondente”.

6.3.9.   Ações

A ação é o principal valor mobiliário emitido pela companhia. Trata-se de valor mobiliário que representa parcela do capital social, conferindo ao seu titular o status de sócio, o chamado acionista. As ações são consideradas bens móveis para os efeitos legais. Pela sua importância, analisaremos a ação em tópico específico, deixando a análise dos demais valores mobiliários emitidos pelas companhias para o tópico seguinte.

6.3.9.1.   Classificação das ações

As ações, como dissemos, são os valores mobiliários mais importantes das sociedades anônimas, porque representam parcela do capital social e conferem aos seus titulares a condição de acionistas da companhia. Existem duas classificações importantes das ações de uma S/A: uma que leva em conta os direitos e obrigações que elas conferem aos seus titulares, e outra que leva em consideração a forma de transferência.

6.3.9.1.1.   Quanto aos direitos e obrigações

Segundo esse critério classificatório, as ações são classificadas em: a) ordinárias, que conferem direitos normais ao seu titular; b) preferenciais, que conferem uma preferência ou vantagem ao seu titular; e c) de fruição, que conferem apenas direitos de gozo ao seu titular.

As ações ordinárias, como o próprio nome já indica, são aquelas que conferem aos seus titulares direitos comuns, ordinários. O ordinarialista, como é chamado o titular de uma ação dessa espécie, não possui, portanto, nenhum direito especial ou vantagem em relação aos demais sócios, mas também não se sujeita a nenhuma restrição, como acontece com titulares de outras espécies de ação.

Dentre os direitos conferidos aos ordinarialistas está o direito de voto, o qual, ao contrário do que se possa pensar, não constitui um direito essencial de qualquer acionista (vide art. 109 da LSA). Sendo assim, como o titular da ação ordinária possui o direito de voto, é normalmente entre os ordinarialistas que se estabelece a maioria controladora e os minoritários. A legislação que regula as sociedades anônimas há muito se preocupa com as relações entre esses dois grupos de sócios, tentando, na medida do possível, compatibilizar o exercício do poder de controle e a proteção aos interesses da minoria.

A ação preferencial, por sua vez, como o próprio nome também já indica, confere ao seu titular, chamado de preferencialista, uma preferência ou vantagem em relação aos ordinarialistas. Em contrapartida, o estatuto pode retirar ou restringir alguns dos direitos normalmente conferidos aos titulares de ações ordinárias, inclusive o direito de voto. No entanto, é preciso destacar que essas restrições que podem ser impostas aos preferencialistas, as quais devem vir expressamente consignadas no estatuto – conforme disposto no art. 19 da LSA –, jamais poderão privar o titular da ação preferencial dos seus direitos fundamentais de acionista, previstos no art. 109 da lei.

As vantagens ou preferências que a ação preferencial confere aos seus titulares também devem vir especificadas no estatuto social da companhia. O art. 17 da LSA estabelece que essas preferências ou vantagens podem consistir: “I – em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; II – em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou III – na acumulação das preferências e vantagens de que tratam os incisos I e II”.

Analisando uma controvérsia relacionada ao direito de participação nos lucros de um acionista preferencialista, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser legítima a previsão estatutária que determina a não participação do preferencialista nos lucros remanescentes, depois de recebido por ele o dividendo mínimo:

Recurso especial. Direito empresarial. Sociedade anônima. Violação ao art. 535, II, do CPC. Não ocorrência. Distribuição de dividendos mínimos. Participação nos lucros remanescentes. Exclusão. Previsão estatutária expressa. Art. 17, § 2.°, da Lei n. 6.404/76 (com redação anterior à Lei n. 10.303/2001). Possibilidade. Recurso não conhecido. 1. Não há falar em omissão do acórdão guerreado, porquanto houve expressa manifestação da Corte estadual sobre as matérias devolvidas no apelo manejado pelo recorrente, máxime no que toca à limitação imposta estatutariamente aos acionistas preferenciais e à normação relativa aos incentivos fiscais. 2. No caso em exame, registrou o acórdão guerreado a existência de cláusula expressa no estatuto social da recorrida, dispondo que as ações preferenciais, de classe idêntica àquelas possuídas pelo recorrente, não participarão dos lucros remanescentes, após o recebimento do dividendo mínimo; por conseguinte, havendo previsão expressa de limitação, nos termos da norma de regência (Lei n. 6.404/76, art. 17, § 2.°, com a redação anterior às alterações promovidas pela Lei n. 10.303/2001), não se há falar em qualquer irregularidade. 3. Recurso especial não conhecido (STJ, REsp 642.611-BA, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 06.08.2007, p. 497).

Há ainda uma categoria especial de ação preferencial, acrescentada na LSA pela reforma de 2001 (Lei 10.303/2001) e usada no processo de privatização das companhias estatais brasileiras. Trata-se da golden share, mencionada no art. 17, § 7.°, da LSA: “nas companhias objeto de desestatização poderá ser criada ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva do ente desestatizante, à qual o estatuto social poderá conferir os poderes que especificar, inclusive o poder de veto às deliberações da assembleia-geral nas matérias que especificar”. Permitiu-se que o Estado alienasse o controle das companhias em que detinha maioria do capital votante, mas conservasse ações preferenciais especiais (golden share) conferindo-lhe direito de veto em determinadas deliberações (por exemplo: alteração da denominação social, mudança da sede da sociedade, mudança do objeto social, liquidação da sociedade, qualquer modificação dos direitos atribuídos às espécies e classes das ações do capital da sociedade etc.). Ressalte-se que, embora essa prerrogativa de emissão de golden share tenha sido assegurada, em princípio, apenas aos entes desestatizantes, nada impede que ela seja emitida também em caso de alienação de controle de companhias privadas, com base no § 2.° do art. 17 da LSA, que permite previsão estatutária de outras vantagens às ações preferenciais.

Registre-se ainda que, conforme disposto no art. 15, § 2.°, da LSA “o número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do total das ações emitidas”.

Por fim, a terceira espécie de ação segundo o critério classificatório ora em análise, que leva em conta os direitos e obrigações que elas conferem aos seus titulares, são as ações de fruição, as quais são emitidas em substituição a ações ordinárias ou preferenciais que foram totalmente amortizadas, conferindo aos seus titulares meros direitos de gozo ou fruição. Nesse sentido, dispõe o art. 44 da LSA que “o estatuto ou a assembleia-geral extraordinária pode autorizar a aplicação de lucros ou reservas no resgate ou na amortização de ações, determinando as condições e o modo de proceder-se à operação”. O § 2.° desse dispositivo, por sua vez, estabelece que “a amortização consiste na distribuição aos acionistas, a título de antecipação e sem redução do capital social, de quantias que lhes poderiam tocar em caso de liquidação da companhia”. E o § 5.° complementa: “as ações integralmente amortizadas poderão ser substituídas por ações de fruição, com as restrições fixadas pelo estatuto ou pela assembleia-geral que deliberar a amortização; em qualquer caso, ocorrendo liquidação da companhia, as ações amortizadas só concorrerão ao acervo líquido depois de assegurado às ações não amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente”.

Assim sendo, determinada a amortização de uma ação preferencial ou ordinária, calcula-se o seu valor patrimonial naquele momento e paga-se esse valor ao titular da ação. Nesse caso, o estatuto ou a assembleia-geral que decidir por essa amortização, conforme o caso, vai também decidir se a substitui por uma ação de fruição. Fazendo-o, o titular dessa ação de fruição terá, a partir de então, apenas direitos de gozo ou fruição contra a companhia.

6.3.9.1.2.   Quanto à forma de transferência

Além da classificação acima analisada, que leva em conta os direitos e obrigações conferidos ao acionista, há ainda uma outra classificação, que leva em conta a forma de transferência das ações. Segundo essa classificação, as ações podem ser de dois tipos: a) nominativas; e b) escriturais.

Antes de explicar cada um desses tipos de ação, é preciso fazer uma observação importante. Até 1990, as ações, quanto à forma de transferência, podiam ser de quatro tipos distintos: além das já mencionadas ações nominativas e escriturais, havia também as ações endossáveis, transmissíveis por endosso praticado no próprio certificado, e as ações ao portador, transmissíveis pela mera tradição desse documento. Todavia, a Lei 8.021/1990 determinou que, no prazo de dois anos a partir da sua vigência, as ações endossáveis e ao portador fossem retiradas de circulação. É bem verdade que na LSA ainda podem ser vistas algumas normas que fazem menção a essas espécies de ações. Forçoso reconhecer, entretanto, que esses dispositivos da lei estão tacitamente revogados.

As ações nominativas são aquelas que se transferem mediante registro levado a efeito em livro específico escriturado pela S/A para tal finalidade (trata-se do livro Registro de ações nominativas, mencionado no art. 31 da LSA). O registro no livro, portanto, é condição indispensável para que se opere validamente a transferência da propriedade da ação.

A transferência de uma ação nominativa, portanto, é ato formal que exige certa solenidade, consistente no comparecimento do vendedor e do comprador – ou de seus representantes – à companhia para assinatura do livro de “transferência das ações nominativas” (art. 31, § 1.°, da LSA). Em se tratando, todavia, de ação negociada na bolsa de valores, “o cessionário – vendedor – será representado, independentemente de instrumento de procuração, pela sociedade corretora, ou pela caixa de liquidação da Bolsa de Valores” (art. 31, § 3.°, da LSA).

Além das ações nominativas, há também as ações escriturais, previstas no art. 34 da LSA, o qual dispõe que “o estatuto da companhia pode autorizar ou estabelecer que todas as ações da companhia, ou uma ou mais classes delas, sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados”. As ações escriturais, portanto, são mantidas em contas de depósito junto a instituições financeiras designadas pela própria companhia, devendo essas instituições possuir autorização da CVM para prestar esse tipo de serviço (art. 34, § 2.°, da LSA).

As ações escriturais, ao contrário das ações nominativas, não possuem certificado – na verdade elas sequer se materializam num documento, sendo incorpóreas – nem exigem muita solenidade para a sua transferência. Elas se transferem “pelo lançamento efetuado pela instituição depositária em seus livros, a débito da conta de ações do alienante e a crédito a conta de ações do adquirente, à vista de ordem escrita do alienante, ou de autorização ou ordem judicial, em documento hábil que ficará em poder da instituição” (art. 35, § 1.°, da LSA).

A propriedade das ações escriturais, portanto, é comprovada pela mera exibição do extrato da conta de depósito de ações que a instituição financeira fornece ao seu titular (i) quando o acionista requerer, (ii) todo mês em que houver movimentação ou (iii) pelo menos uma vez ao ano (art. 35, § 2.°, da LSA).

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6.3.9.2.   Classes de ações

Como a sociedade anônima, conforme destacamos no início do seu estudo, é o tipo societário mais atrativo para os grandes empreendimentos, ela possui um interessante mecanismo para atração de investidores os mais variados: a divisão de suas ações em classes, nomeadas pelas letras do alfabeto, cada qual conferindo certos direitos e deveres aos seus titulares. Dividindo suas ações em classes distintas, a companhia consegue agrupá-las conforme os direitos e restrições por elas conferidos, o que lhe permite atrair investidores que possuem interesses distintos em relação à sociedade.

Com efeito, imagine-se que uma determinada companhia, por exemplo, atue no ramo industrial de alimentos e tenha seu capital dividido em ações ordinárias – cujos acionistas, como visto, possuem direito de voto – e ações preferenciais sem direito a voto, estas divididas nas classes A, cujos titulares possuem direito ao recebimento e dividendo fixo, e B, cujos titulares possuem direito à prioridade no reembolso de capital. Essa companhia conseguirá atrair investidores interessados nas ações ordinárias – provavelmente um grupo econômico ligado ao ramo industrial de alimentos que deseja o controle da sociedade –, investidores interessados nas ações preferenciais da classe A – provavelmente especuladores do mercado de capitais, que viram naquela S/A uma possibilidade segura para aplicação para seus recursos, dada a garantia de dividendo fixo oferecida pelas suas ações – e investidores interessados nas ações preferenciais da classe C – possivelmente um fundo de pensão, por exemplo.

Registre-se, por fim, que segundo o art. 15, § 1.°, da LSA “as ações ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais das companhias aberta e fechada poderão ser de uma ou mais classes”. Isso significa que em qualquer companhia as ações preferenciais podem ser divididas em classes, mas apenas nas companhias fechadas é possível dividir as ações ordinárias em classes.

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6.3.9.3.   Valor da ação

O tema relacionado ao valor da ação, embora pareça de simples análise, é bastante complexo, uma vez que existem diversos critérios para valorar uma ação, e o uso deles varia conforme o motivo que exige a valoração. Sendo assim, diz-se que à ação podem ser atribuídos pelos menos cinco valores diferentes: a) valor nominal; b) valor patrimonial; c) valor de negociação; d) valor econômico; e e) valor de emissão.

6.3.9.3.1.   Valor nominal

O valor nominal da ação é alcançado por meio de uma simples operação aritmética: divide-se o capital social total da S/A – calculado em moeda corrente – pelo número total de ações por ela emitidas e tem-se, com precisão, o valor nominal de cada uma delas. Assim, por exemplo, se uma determinada companhia possui um capital social de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e emitiu, ao todo, 100.000 (cem mil) ações, cada ação dessa companhia possui valor nominal equivalente a R$ 10,00 (dez reais).

A LSA permitiu, em seu art. 14, que as companhias emitam ações sem valor nominal, submetendo-se essa matéria à disciplina estatutária, ou seja, cabe ao estatuto da S/A definir se suas ações terão valor nominal ou não. Se o estatuto optar por não atribuir valor nominal às ações, chama-se de valor-quociente o resultado decorrente da operação aritmética de divisão do capital social total pelo número de ações emitidas.

A atribuição de valor nominal às ações possui uma finalidade específica, a de conferir certa garantia aos acionistas contra a chamada diluição injustificada do valor patrimonial das ações quando da emissão de novas ações. Com efeito, sempre que a companhia emitir novas ações com preço de emissão inferior ao valor patrimonial das ações já existentes, estas terão seu valor patrimonial reduzido, fenômeno econômico a que se dá o nome de diluição do patrimônio acionário, o qual atinge os acionistas antigos, em detrimento dos novos investidores que ingressaram na companhia.

Perceba-se, no entanto, que se a S/A atribui valor nominal às suas ações, os acionistas adquirem uma garantia relativa de que o patrimônio acionário não será diluído, uma vez que, conforme determina o art. 13 da LSA, “é vedada a emissão de ações por preço inferior ao seu valor nominal”. Sendo assim, atribui-se um valor mínimo para o preço das novas ações que serão emitidas, preço esse nunca inferior ao valor nominal das ações. Por conseguinte, ainda que possa haver alguma diluição acionária em caso de emissão de novas ações que possuam preço de emissão inferior ao valor patrimonial das ações já existentes, essa diluição possui um limite que resguarda, de certa forma, os interesses dos antigos acionistas. Com efeito, como as novas terão que possuir, no mínimo, preço de emissão igual ao valor nominal, a diluição acionária, se ocorrer, não alcançará patamares muito grandes nem imprevistos. Em contrapartida, se a companhia não atribui valor nominal às suas ações, essa diluição pode atingir níveis alarmantes, ante a possibilidade de a S/A fixar o preço de emissão das suas novas ações sem limite mínimo, ou seja, num valor muito abaixo do valor patrimonial das ações existentes.

Por fim, registre-se que nada impede que o preço de emissão das novas ações emitidas pela companhia seja superior ao valor nominal. Nesse caso, a diferença entre o preço de emissão e o seu valor nominal é chamada de ágio, determinando a lei, em seu art. 13, § 2.°, que a mesma seja destinada à constituição de reserva de capital.

6.3.9.3.2.   Valor patrimonial

O valor patrimonial ou valor real da ação é calculado levando-se em conta o patrimônio líquido da sociedade anônima. Divide-se o patrimônio líquido da companhia pelo número de ações e obtém-se, assim, o valor patrimonial de cada uma delas.

O patrimônio líquido da S/A, por sua vez, é calculado pela diferença entre o seu ativo e seu passivo. Digamos, pois, que uma determinada companhia possua um ativo correspondente a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e um passivo equivalente a R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais). Seu patrimônio líquido, obtido a partir da conta ativo menos passivo, será de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais). Se essa companhia possuir, por exemplo, 100.000 (cem mil) ações emitidas, cada ação terá o valor patrimonial de R$ 6,00 (seis reais).

Quando da constituição da sociedade anônima, caso o seu estatuto tenha optado por atribuir valor nominal às suas ações, este será igual ao valor patrimonial delas. Afinal, no ato de constituição da sociedade, seu patrimônio é composto, unicamente, pelas contribuições dos seus acionistas, não tendo a S/A ainda nenhuma obrigação. Nesse momento inicial, portanto, ante a ausência de passivo, seu patrimônio corresponderá exatamente ao seu capital social, razão pela qual o valor nominal de suas ações será igual ao seu valor patrimonial. Com o passar do tempo, todavia, a companhia assumirá obrigações, contrairá empréstimos, contratará empregados e deverá tributos ao fisco, bem como receberá pagamentos por serviços prestados ou mercadorias vendidas, o que fará seu patrimônio aumentar ou diminuir, conforme os negócios por ela empreendidos fracassem ou prosperem. Tudo isso acarretará uma variação constante de seu patrimônio líquido, o qual diferirá do seu capital social, dificilmente voltando a coincidir com ele.

Ressalte-se que o cálculo do valor patrimonial da ação é de suma importância em algumas situações como, por exemplo, quando da liquidação da companhia, em que após a realização do ativo e satisfação do passivo deve-se proceder à partilha do saldo remanescente, que corresponde justamente ao patrimônio líquido da S/A. Nesse caso, cada acionista receberá, na partilha, o valor patrimonial correspondente às ações que possuir. Outra situação em que sobressai a importância do cálculo do valor patrimonial da ação é a operação de amortização, que mencionamos com detalhes quando do estudo das ações de fruição. Deliberada a amortização da ação, por exemplo, antecipa-se ao acionista, no todo ou em parte, o valor que ele receberia se a companhia estivesse sendo dissolvida naquele momento, ou seja, o valor patrimonial de sua ação.

Sobre o cálculo do valor patrimonial da ação, assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Direito civil. Contrato de participação financeira. Violação dos artigos 165, 458, II e 535 do CPC. Não caracterização. Legitimidade. Incidência do verbete sumular n.° 07 dessa Corte. Prescrição prevista no artigo 287, II, “g” da Lei 6.404/76. Não incidência. Valor patrimonial da ação. Apuração no mês da integralização. Multa do artigo 538, § único, do CPC. Exclusão. Recurso especial conhecido em parte, e na extensão, provido. 1. O v. acórdão veio devidamente fundamentado, nele não havendo qualquer contradição, obscuridade ou omissão. 2. Nos contratos de participação financeira, não incide a prescrição prevista no artigo 287, inciso II, alínea “g”, da Lei n.° 6.404/76. 3. O valor patrimonial da ação, nos contratos de participação financeira, deve ser o fixado no mês da integralização, rectius, pagamento, do preço correspondente, com base no balancete mensal aprovado. 4. Nos casos de parcelamento do desembolso, para fins de apuração da quantidade de ações a que tem direito o consumidor, o valor patrimonial será definido com base no balancete do mês do pagamento da primeira parcela. 5. Multa do artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil, afastada. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido (STJ, REsp 975.834-RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 26.11.2007, p. 115).

Ainda sobre o valor patrimonial da ação, o STJ recentemente editou a Súmula 371, que dispõe: “Nos contratos de participação financeira para a aquisição de linha telefônica, o Valor Patrimonial da Ação (VPA) é apurado com base no balancete do mês da integralização”.

6.3.9.3.3.   Valor de negociação

Desde o início do estudo da sociedade anônima destacamos que uma de suas principais características é a sua natureza capitalista, que assegura a livre negociabilidade da participação societária, ou seja, a possibilidade de os acionistas alienarem suas ações livremente, sem que para tanto a comunidade de sócios tenha que ser previamente consultada, como ocorre nas sociedades de pessoas.

Viu-se também que as operações de compra e venda de ações são travadas no chamado mercado de capitais secundário, no qual os acionistas alienam suas ações a investidores interessados, cobrando nessas transações um valor de negociação, que oscila conforme o momento econômico pelo qual passa a companhia. É claro que o valor nominal ou o valor patrimonial da ação pode servir de referência para a determinação do seu valor de negociação. Não obstante, é a vontade das partes – vendedor e comprador – que definirá, no final das contas, o valor a ser pago.

Merece destaque, por fim, o fato de que o valor de negociação da ação se subdivide em: (i) valor de negociação privada; e (ii) valor de mercado.

O primeiro se refere às ações negociadas fora do mercado aberto de capitais. O segundo, por sua vez, refere-se às ações de companhias abertas negociadas no âmbito do mercado de capitais, o qual compreende, conforme já estudado, a bolsa de valores e o mercado de balcão.

As ações de companhias fechadas, portanto, como não são admitidas à negociação no mercado de capitais, possuem apenas valor de negociação privada. Por outro lado, as ações de companhias abertas podem ter um valor de negociação privada – quando vendidas fora do mercado de capitais – ou um valor de mercado, o que é mais comum, já que as operações de compra e venda dessas ações se desenvolve, normalmente, no mercado de capitais, seja na bolsa ou no mercado de balcão. Esse valor de mercado que as ações da companhia aberta possuem é também chamado de valor bursítico ou valor de cotação, variando em função dos mais diversos fatores econômicos.

6.3.9.3.4.   Valor econômico

A avaliação do valor econômico da ação também é muitas vezes importante. Chega-se a esse valor por meio da realização de estudos altamente complexos elaborados por técnicos especializados. Após esses estudos, consegue-se estabelecer um valor que seria vantajoso para a parte que está negociando a ação, comprando-a ou vendendo-a. Em suma: o valor econômico é aquele que os peritos entendem, após a elaboração de estudos técnicos específicos, que as ações possivelmente valeriam se fossem postas à venda no mercado de capitais.

Dentre os métodos usados pelos especialistas para o cálculo do valor econômico da ação, merece destaque o método do fluxo de caixa descontado.

A definição do valor econômico de uma ação é de muita valia, por exemplo, em casos de averiguação de responsabilidade dos administradores de companhias em cuja gestão tenha havido negociações envolvendo ações das quais a mesma era titular. Imagine-se uma situação em que os administradores da companhia X, que era proprietária de ações da companhia Y, venderam essas por um determinado valor. O conselho fiscal da companhia X, duvidando do acerto da referida operação, resolve analisá-la, procedendo-se, então, ao cálculo do valor econômico daquelas ações no momento em que foram alienadas. Caso se constate que as ações foram vendidas por um preço muito aquém do valor econômico apurado pelos especialistas contratados para a avaliação, pode-se responsabilizar os administradores que conduziram a negociação, que com certeza foi prejudicial aos interesses da companhia.

6.3.9.3.5.   Preço de emissão

Além das operações de compra e venda de ações, realizadas no mercado de capitais secundário e nas quais se observa o valor de negociação, há também as operações de emissão e subscrição de novas ações, as quais, conforme já estudado anteriormente, se desenvolvem no âmbito do mercado de capitais primário. Trata-se de operações entre a própria companhia, que emite novas ações – o que ocorre quando a mesma é constituída ou quando aumenta o seu capital social – e investidores interessados em se tornarem acionistas, que as subscrevem.

Nessas operações, paga-se pela ação o seu preço de emissão, o qual representa, pois, o valor que o investidor entrega à sociedade a título de contribuição ao capital social. O preço de emissão, portanto, é estipulado unilateralmente pela companhia emissora, que também estabelecerá todas as condições para o seu pagamento por parte do subscritor. Claro está, todavia, que isso não significa que a sociedade fixará o preço de emissão das ações em valores muito altos, uma vez que nesse caso dificilmente os investidores se interessarão em adquiri-las. Por outro lado, isso também não significa que a companhia vá fixar o preço de emissão das ações em valores muito baixos, já que nesse caso ela estará subvalorizando sua participação acionária. Ademais, já se viu que quando o estatuto estipula valor nominal para as ações, o seu preço de emissão não poderá ser inferior ao seu valor nominal (art. 13 da LSA).

Por fim, reitere-se que caso o preço de emissão da ação seja superior ao seu valor nominal, a diferença, chamada de ágio, não compõe o capital social da companhia, devendo ser contabilizada em conta específica, denominada reserva de capital.

6.3.9.4.   Direitos e obrigações conferidos pelas ações

Conforme visto no início do presente tópico, as ações da sociedade anônima podem ser de diferentes espécies, e, conforme a espécie, elas podem conferir direitos distintos aos seus titulares, bem como trazer algumas restrições ao exercício de determinados direitos. Assim ocorre, por exemplo, com as ações preferenciais, que podem conferir prioridade no recebimento de dividendo, mas em regra restringem o exercício do direito de voto.

Cada ação confere, pois, alguns direitos aos seus titulares. Como há diferentes espécies de ações, pode-se concluir, então, que certos acionistas possuem alguns direitos que não são conferidos a outros acionistas, e vice-versa.

No entanto, existem certos direitos que são conferidos a todos os acionistas, independentemente da espécie de ação que ele titulariza. Trata-se, portanto, de direitos essenciais dos acionistas: são direitos que nem a assembleia-geral, nem o estatuto da companhia podem retirar dos sócios.

Tais direitos essenciais estão arrolados nos incisos do art. 109 da LSA, que assim dispõe: “nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: I – participar dos lucros sociais; II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; III – fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais; IV – preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172; V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta lei”.

São direitos essenciais de qualquer acionista, pois, os direitos: (i) de participação nos lucros sociais, (ii) de participação na partilha do acervo líquido da companhia, nos casos em que esta for dissolvida, (iii) de fiscalização da gestão da sociedade, (iv) de preferência na subscrição de novos valores mobiliários e (v) de retirada.

Nenhum desses direitos poderá ser retirado do acionista, seja qual for a espécie de ação que ele titularize. E mais: o legislador não apenas assegurou abstratamente esses direitos essenciais, como também assegurou aos acionistas a possibilidade de defendê-los em juízo. Nesse sentido, dispõe o § 2.° do referido dispositivo legal que “os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelo estatuto ou pela assembleia-geral”.

6.3.9.4.1.   Direito de voto

Perceba-se que dentre os direitos essenciais do acionista não se encontra o direito de voto, razão pela qual se conclui, obviamente, que tal direito não é essencial. É por isso que as ações preferenciais, em regra, não conferem direito de voto ao seu titular. Em contrapartida, as ações ordinárias conferem aos seus titulares esse direito, conforme previsão expressa do art. 110 da LSA: “A cada ação ordinária corresponde 1 (um) voto nas deliberações da assembleia-geral”.

Não obstante as ações ordinárias confiram direito de voto, nos termos do dispositivo legal acima transcrito, permite a lei que o estatuto fixe limitações ao número de votos de cada acionista. É o que prevê o § 1.°, do art. 110, da LSA: “o estatuto pode estabelecer limitação ao número de votos de cada acionista”.

Por fim, dispõe o § 2.° do mesmo art. 110 que “é vedado atribuir voto plural a qualquer classe de ações”. Atribuir voto plural a uma determinada ação seria atribuir mais de um voto a uma mesma ação. Essa prática é vedada expressamente pela lei. Claro que certo acionista poderá ter várias ações, e nesse caso ele terá tantos votos quantas forem suas ações. O que não se admite é a atribuição de mais de um voto a uma mesma ação.

Deve-se atentar também para a distinção entre voto plural e voto múltiplo, este expressamente admitido pela LSA, no art. 141, na assembleia-geral que elege os membros do conselho de administração.

6.3.9.4.1.1.   O exercício do direito de voto

Quando abordamos as ações preferenciais, destacamos que elas, a despeito de conferirem algumas preferências ou vantagens aos seus titulares, trazem também algumas restrições ao exercício de certos direitos, inclusive o direito de voto. É muito comum, portanto, que as ações preferenciais não confiram direito de voto ao seu titular ou restrinjam o exercício desse direito. Nesse sentido, dispõe o art. 111 da LSA: “o estatuto poderá deixar de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às ações ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto no artigo 109”.

No entanto, há casos em que os acionistas preferencialistas sem direito de voto adquirem esse direito. É o que prevê o § 1.° do art. 111, segundo o qual “as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso”. No mesmo sentido, dispõe o § 2.° que “na mesma hipótese e sob a mesma condição do § 1.°, as ações preferenciais com direito de voto restrito terão suspensas as limitações ao exercício desse direito”. Complementando as regras em questão, estabelece o § 3.°, por sua vez, que “o estatuto poderá estipular que o disposto nos §§ 1.° e 2.° vigorará a partir do término da implantação do empreendimento inicial da companhia”.

Um ponto interessante, no que se refere ao exercício do direito de voto, está relacionado com as ações que eventualmente são objeto de garantia pignoratícia ou fiduciária. Nesses casos, é importante saber quem pode exercer o direito de voto que a ação confere e em que condições esse direito de voto deverá ser exercido.

Quanto à ação sobre a qual recai garantia pignoratícia, determina o art. 113 da LSA que “o penhor da ação não impede o acionista de exercer o direito de voto; será lícito, todavia, estabelecer, no contrato, que o acionista não poderá, sem consentimento do credor pignoratício, votar em certas deliberações”. Portanto, o acionista que empenha sua ação não perde, em princípio, o direito de voto, salvo se no contrato tiver sido estipulada cláusula em sentido contrário.

Por outro lado, quanto à ação que é objeto de garantia fiduciária, o direito de voto deve ser exercido pelo devedor, nos termos do contrato. É o que prevê o parágrafo único, do art. 113, da LSA: “o credor garantido por alienação fiduciária da ação não poderá exercer o direito de voto; o devedor somente poderá exercê-lo nos termos do contrato”.

Outro ponto relevante no que se refere ao exercício do direito de voto é o referente às ações que são eventualmente gravadas com usufruto. Nesse caso, dispõe o art. 114 da LSA que “o direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário”.

Ainda no que se refere ao exercício do direito de voto, preocupou-se o legislador em coibir o abuso do direito de voto por parte do acionista. Nesse sentido, estabelece a LSA, em seu art. 115, que “o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas”. Trata-se de dispositivo incluído na LSA no bojo da reforma operada pela Lei 10.303/2001, reforma essa que tentou incorporar à nossa legislação do anonimato princípios básicos de governança corporativa. A preocupação em coibir o uso abusivo do direito de voto foi tão grande que o legislador ainda estabeleceu no § 3.° do dispositivo em comento que “o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido”.

Por fim, preocupou-se também o legislador em disciplinar os casos de deliberações em que os interesses do acionista sejam conflitantes com os interesses da companhia, determinando que nesses casos será vedado o exercício do direito de voto. Assim, por exemplo, não pode o acionista votar nas deliberações que possam lhe trazer benefício particular, como é o caso da deliberação que analisa o laudo de avaliação dos bens que ele usou a título de contribuição para o capital social. É o que prevê o § 1.°, do art. 115, da LSA: “o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia”. Complementando a regra em questão, dispõe o § 2.° que “se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6.° do artigo 8.°”. E, finalizando, prevê o § 4.° a possibilidade de a companhia anular a deliberação em que o acionista com interesse conflitante votou: “a deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido”.

Sobre a vedação do exercício do direito de voto nos casos em que os interesses da companhia e do acionista sejam conflitantes, confira-se o Enunciado 14 da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “é vedado aos administradores de sociedades anônimas votarem para aprovação/rejeição de suas próprias contas, mesmo que o façam por interposta pessoa”.

6.3.9.4.2.   Acionista controlador

Nas sociedades anônimas, sociedades institucionais que, não raro, possuem quadro societário extenso e de perfil diversificado, as relações que se estabelecem entre os sócios tendem a ser complexas, sobretudo em razão da luta pelo poder de controle travada entre os acionistas ou grupos de acionistas.

Com efeito, é muito comum, além de ser extremamente importante, que a sociedade anônima possua sócios com os mais variados perfis, cada um com objetivos e interesses distintos em relação à companhia. Atenta a esse dado da realidade, a doutrina costuma classificar os acionistas, segundo os seus interesses, em empreendedores e investidores. Os empreendedores são aqueles que possuem interesse na gestão dos negócios da sociedade, por isso são titulares, em regra, de ações ordinárias com direito de voto. Os investidores, por sua vez, têm interesse apenas num bom retorno para o capital que investem na companhia, e são subdivididos em rendeiros, quando pensam em longo prazo, e especuladores, quando visam apenas a ganhos imediatos. Em regra, os investidores – rendeiros ou especuladores – possuem ações preferenciais sem direito de voto.

Dentro dessa perspectiva, pode-se concluir que é entre os acionistas com direito de voto, em regra os acionistas empreendedores, que se estabelecem as maiores batalhas pelo poder de controle da companhia. É nessa categoria de acionistas, pois, que se formarão os controladores da sociedade.

De acordo com o art. 116 da LSA, “entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”.

Vê-se que para a configuração do acionista controlador são necessários dois requisitos, um de natureza objetiva – percentual do capital votante que confira maioria na assembleia e possibilidade de eleição da maioria dos administradores – e outro de natureza subjetiva – uso efetivo do percentual do capital votante para comandar a gestão dos negócios sociais.

A LSA se preocupou em disciplinar a atuação do acionista controlador, determinando que ele “(...) deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender” (art. 116, parágrafo único). No mesmo sentido, o art. 116-A da LSA, incluído pela Lei 10.303/2001, determina que “o acionista controlador da companhia aberta e os acionistas, ou grupo de acionistas, que elegerem membro do conselho de administração ou membro do conselho fiscal, deverão informar imediatamente as modificações em sua posição acionária na companhia à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, nas condições e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliários”.

Note-se que a preocupação do legislador vai além da previsão de regras de orientação de conduta, havendo também a previsão de regras de responsabilização do controlador que usar seu poder de forma abusiva. Nesse sentido, dispõe o art. 117 que “o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”.

Complementando a regra em questão, dispõe o seu § 1.° que “são modalidades de exercício abusivo de poder: a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional; b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia; d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente; e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral; f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas; g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade; h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia”.

O STJ já decidiu que o rol previsto no art. 117, § 1.°, da LSA é meramente exemplificativo. No mesmo julgado, entendeu o STJ que a caracterização do abuso de poder independe da intenção subjetiva do controlador, mas é imprescindível a ocorrência de dano.

Recurso especial. Direito Processual Civil e Direito societário. Art. 117, § 1.°, da Lei n.° 6.404/76 (Lei das Sociedades). Modalidades de abuso de poder de acionista controlador. Forma exemplificativa. Caracterização do abuso de poder. Prova do dano. Precedente. Montante do dano causado pelo abuso de poder do acionista controlador. Fixação em liquidação de sentença. Possibilidade. – O § 1.°, do art. 117, da Lei das Sociedades Anônimas enumera as modalidades de exercício abusivo de poder pelo acionista controlador de forma apenas exemplificativa. Doutrina. – A Lei das Sociedades Anônimas adotou padrões amplos no que tange aos atos caracterizadores de exercício abusivo de poder pelos acionistas controladores, porquanto esse critério normativo permite ao juiz e às autoridades administrativas, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), incluir outros atos lesivos efetivamente praticados pelos controladores. – Para a caracterização do abuso de poder de que trata o art. 117 da Lei das Sociedades por ações, ainda que desnecessária a prova da intenção subjetiva do acionista controlador em prejudicar a companhia ou os minoritários, é indispensável a prova do dano. Precedente. – Se, não obstante, a iniciativa probatória do acionista prejudicado, não for possível fixar, já no processo de conhecimento, o montante do dano causado pelo abuso de poder do acionista controlador, esta fixação deverá ser deixada para a liquidação de sentença. Recurso especial provido (REsp 798.264/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 06.02.2007, DJ 16.04.2007, p. 189).

Por fim, destaque-se que, conforme o § 2.° do dispositivo em análise, “no caso da alínea ‘e’ do § 1.°, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador”. E, conforme o § 3.°, “o acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo”.

6.3.9.4.2.1.   Espécies de poder de controle

O estudo do poder de controle nas sociedades anônimas remete necessariamente a uma clássica obra dos americanos Adolf Berle e Gardiner Means, na qual eles estudaram o desenvolvimento das grandes sociedades anônimas nos Estados Unidos. Nessa obra, Berle e Means destacaram que as modernas sociedades anônimas permitiram, pela primeira vez na história, a dissociação entre propriedade e controle dos meios de produção, porque no modelo societário das companhias o controle nem sempre fica com aqueles que detêm a maioria do capital, podendo ficar também com a minoria, por exemplo, o que ocorre quando há uma dispersão acionária muito grande.

No Brasil, o poder de controle também foi objeto de um estudo clássico, do professor Fábio Konder Comparato, publicado pela primeira vez na década de 1970.

De acordo com esses estudos, pode-se dividir o poder de controle em quatro modalidades distintas: (i) controle totalitário; (ii) controle majoritário; (iii) controle minoritário; e (iv) controle gerencial.

O controle totalitário se dá normalmente nas sociedades anônimas fechadas familiares e na sociedade subsidiária integral (art. 251 da Lei 6.404/1976, modalidade de sociedade anônima unipessoal), ou seja, nas companhias em que todos os acionistas possuem direito de voto e, consequentemente, todos podem exercer o controle da sociedade. Nesses casos, percebe-se um altíssimo grau de confiança e colaboração entre os acionistas, tal como ocorre nas sociedades contratuais de pessoas, em que o vínculo entre os sócios é intuitu personae, em razão da affectio societatis.

O controle majoritário, por sua vez, se dá nas sociedades em que o poder de controle é exercido pelo acionista que detém a maioria das ações com direito de voto. Trata-se de modalidade de controle muito comum no universo das companhias brasileiras: o acionista que detém o maior número de ações com direito a voto usa efetivamente esse direito para controlar a companhia, assumindo a posição de acionista controlador, nos termos do art. 116 da LSA. Quanto a essa modalidade de poder de controle, é importante lembrar a novidade trazida pela Lei 10.303/2001, que alterou o art. 15, § 2.°, da LSA, diminuindo o número máximo de ações preferenciais sem direito de voto que uma companhia pode ter (antes, a companhia podia ter até 2/3 do capital de ações preferenciais sem direito de voto; agora, o máximo é de 50% do capital social). Assim, atualmente é necessário um número maior de ações ordinárias para que se adquira o poder de controle.

O controle minoritário, por outro lado, se dá quando a sociedade anônima tem capital social pulverizado, o que permite que um acionista minoritário, ou seja, que possui menos da metade das ações com direito de voto, assuma o poder de controle da companhia. Isso é possível sobretudo em razão do quorum de instalação da assembleia-geral previsto no art. 125 da LSA, que permite a instalação da assembleia, em segunda convocação, com a presença de qualquer número de acionistas com direito de voto.

Por fim, o controle gerencial se dá quando há uma grande dispersão acionária, ou seja, quando o capital social é de tal forma disperso e pulverizado que os verdadeiros controladores da sociedade anônima são os administradores, assumindo os acionistas a posição de meros investidores. Trata-se de modalidade de poder de controle presente nas grandes companhias de capital aberto, em que o universo de acionistas é vastíssimo. Nessas sociedades, a adoção de boas práticas de governança corporativa é imprescindível, para permitir a segurança dos investidores.

6.3.9.4.2.2.    Alienação de controle

Como forma de proteger o acionista minoritário, a LSA não apenas define regras que impõem deveres e responsabilidades ao acionista controlador, conforme destacamos acima, mas também disciplina a alienação do poder de controle da companhia.

Uma das regras mais importantes da LSA sobre o tema é a prevista no art. 254-A, que trata do chamado tag along, também conhecido como direito de venda conjunta: “a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle”.

O tag along é um importante instrumento de defesa dos minoritários. Caso o controlador da companhia resolva alienar suas ações, transferindo o poder de controle a outrem, este deverá se comprometer a adquirir as ações com direito de voto dos minoritários – se eles quiserem vender, obviamente – pagando por essas ações no mínimo 80% do que pagou pelas ações do controlador, o que garante aos minoritários a oportunidade de aproveitar a valorização das ações do controlador.

Embora a LSA só confira esse direito do tag along aos acionistas minoritários com direito de voto e permita que o adquirente do poder de controle pague por essas ações apenas 80% do valor pago pelas ações do bloco de controle, nas grandes companhias de capital aberto, que adotam boas práticas de governança corporativa, é muito comum a previsão de tag along para qualquer tipo de ação e com obrigação de o adquirente fazer oferta aos minoritários garantindo-lhes 100% do valor pago pelas ações do controlador.

6.3.9.4.2.3.   Oferta pública de aquisição (OPA)

Normalmente, a compra e venda de ações, sobretudo quando envolve alienação de controle de companhia, é precedida de negociação entre as partes. No entanto, a própria Lei 6.404/1976 prevê, em seu art. 257, caput, a possibilidade de um interessado em adquirir o controle de determinada companhia aberta fazer uma oferta pública de aquisição de ações (OPA ou take over): “Art. 257. A oferta pública para aquisição de controle de companhia aberta somente poderá ser feita com a participação de instituição financeira que garanta o cumprimento das obrigações assumidas pelo ofertante”.

De acordo com o art. 258 da LSA, “o instrumento de oferta de compra, firmado pelo ofertante e pela instituição financeira que garante o pagamento, será publicado na imprensa e deverá indicar: I – o número mínimo de ações que o ofertante se propõe a adquirir e, se for o caso, o número máximo; II – o preço e as condições de pagamento; III – a subordinação da oferta ao número mínimo de aceitantes e a forma de rateio entre os aceitantes, se o número deles ultrapassar o máximo fixado; IV – o procedimento que deverá ser adotado pelos acionistas aceitantes para manifestar a sua aceitação e efetivar a transferência das ações; V – o prazo de validade da oferta, que não poderá ser inferior a 20 (vinte) dias; VI – informações sobre o ofertante. Parágrafo único. A oferta será comunicada à Comissão de Valores Mobiliários dentro de 24 (vinte e quatro) horas da primeira publicação”.

É muito importante que se mantenha sigilo quanto à oferta antes de ela ser publicada, uma vez que se trata de companhia aberta, que negocia seus valores mobiliários no mercado de capitais. Nesse sentido, dispõe o art. 260 da LSA: “até a publicação da oferta, o ofertante, a instituição financeira intermediária e a Comissão de Valores Mobiliários devem manter sigilo sobre a oferta projetada, respondendo o infrator pelos danos que causar”.

Quando a oferta pública de aquisição é precedida de negociação com os administradores da companhia a ser adquirida, mais precisamente com o conselho de administração, diz-se que se trata de uma oferta amigável. No entanto, quando a oferta pública de aquisição é feita sem essa prévia negociação, diz-se que se trata de uma oferta hostil (hostile takeover). Também se usa o termo oferta hostil para identificar a oferta pública de aquisição feita mesmo após a rejeição inicial do conselho de administração.

Nos anos 1980, os Estados Unidos viveram um período de muitas ofertas hostis (o fato é bem retratado no filme Wall Street – poder e cobiça, dirigido por Oliver Stone e estrelado pelo ator Michael Douglas), o que acarretou a criação das chamadas poison pills, que são cláusulas estatutárias que obrigam o comprador de determinado percentual do capital de uma companhia aberta (geralmente esse percentual é fixado em 20%) a realizar uma oferta pública de aquisição de ações a todos os demais acionistas com prêmio elevado. Com essas cláusulas, fica muito difícil para um determinado acionista adquirir grande percentual da companhia (acima de 20%, por exemplo), o que garante aos controladores uma certa estabilidade do seu poder de controle e desestimula a realização de ofertas hostis.

Sobre a OPA, confira-se a seguinte decisão do STJ:

Direito Comercial. Ações. Oferta pública. Abrangência. Ações preferenciais. Inclusão. Natureza. Responsabilidade extracontratual. Juros. Contagem. Evento danoso. Súmula 54/STJ. – A oferta pública de ações visa a assegurar o tratamento equitativo dos acionistas, devendo, necessariamente, abranger a aquisição de todas as ações que não aquelas em poder do acionista controlador, inclusive as preferenciais. O art. 255 da Lei n.° 6.404/76, na sua redação original, tinha o escopo de evitar que os acionistas com poder de controle se apropriassem do valor dos bens intangíveis não contabilizados, o qual, na verdade, deveria ser rateado entre todos os acionistas da companhia. – O descumprimento da exigência de oferta pública de ações caracteriza ato ilícito de natureza extracontratual, de sorte que os juros de mora devem incidir desde o evento danoso. Inteligência da Súmula 54/STJ. Vencida, nesse ponto, a Relatora para o acórdão. Recurso especial da instituição financeira não conhecido. Recurso especial do autor parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (REsp 901.260/PR, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 13.11.2008, DJe 20.03.2009).

6.3.9.4.3.   Acordo de acionistas

Outro tema extremamente relevante no que se refere às relações entre os sócios de uma companhia é o chamado acordo de acionistas, que alguns autores também chamam de contrato parassocial, e que está disciplinado no art. 118 da LSA, com a redação alterada pela Lei 10.303/2001: “os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede”.

Vê-se, pois, que o acordo de acionistas pode se referir aos seguintes assuntos: (i) compra e venda de ações; (ii) preferência para aquisição de ações; (iii) exercício do direito de voto; ou (iv) exercício do poder de controle da companhia.

Nesses casos, se o acordo for arquivado na sede da sociedade anônima, os seus termos deverão ser respeitados, podendo o interessado, inclusive, requerer a execução judicial do que foi acordado, conforme disposto na própria lei: “nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas”. Nesse sentido, já decidiu o STJ que “a sociedade também tem legitimidade passiva para a causa em que se busca o cumprimento de acordo de acionistas, porque terá que suportar os efeitos da decisão; como na espécie em que o cumprimento do acordo implicaria na cisão parcial da sociedade” (STJ, REsp 784.267-RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 17.09.2007, p. 256).

De acordo com o § 1.° do, art. 118, da LSA “as obrigações ou ônus decorrentes desses acordos somente serão oponíveis a terceiros, depois de averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos”. Já o § 2.°, por sua vez, determina que “esses acordos não poderão ser invocados para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito de voto (artigo 115) ou do poder de controle (artigos 116 e 117)”.

Por outro lado, o § 4.° estabelece que “as ações averbadas nos termos deste artigo não poderão ser negociadas em bolsa ou no mercado de balcão”. Conforme o § 5.°, “no relatório anual, os órgãos da administração da companhia aberta informarão à assembleia-geral as disposições sobre política de reinvestimento de lucros e distribuição de dividendos, constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia”.

A força do acordo de acionistas é tão grande que, além de o interessado poder executá-lo judicialmente, conforme visto, a LSA determina que “o presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado” (art. 118, § 8.°) e, ainda, que “o não comparecimento à assembleia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, bem como as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegura à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada” (art. 118, § 9.°).

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6.3.10. Valores mobiliários

Além das ações, que, como visto, são o principal valor mobiliário emitido por uma S/A, as sociedades anônimas também emitem outros valores mobiliários, dentre os quais se destacam as debêntures, as partes beneficiárias e os bônus de subscrição, que estudaremos especificamente no presente tópico.

Os valores mobiliários configuram, para a sociedade anônima, instrumentos extremamente úteis para a captação de recursos no mercado de capitais. Para os seus titulares, por sua vez, os valores mobiliários representam uma importante oportunidade de investimento.

Com efeito, ao iniciarmos o estudo das sociedades anônimas, destacamos que elas sempre foram, desde o seu surgimento, o tipo societário ideal para os grandes empreendimentos, justamente pela sua possibilidade de mobilizar grandes somas de capital por meio de apelo à poupança popular, através da negociação de seus valores mobiliários no mercado de capitais. Diz-se, pois, que as companhias são dotadas de mecanismos de autofinanciamento, o que lhes permite captar recursos sem necessidade de recorrer a financiamento externo (empréstimos bancários etc.).

Esse autofinanciamento das sociedades anônimas é feito, basicamente, por meio da (i) capitalização, que consiste na emissão de novas ações (conforme estudamos no tópico anterior); e da (ii) securitização, que consiste na emissão de outros valores mobiliários, como os que doravante analisaremos.

Assim, por meio desses instrumentos – capitalização e securitização – as companhias conseguem se autofinanciar, captando junto aos investidores do mercado de capitais os recursos necessários ao desenvolvimento de suas atividades.

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6.3.10.1. Debêntures

Segundo o art. 52 da LSA, “a companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado”. Assim, embora o dispositivo em questão não traga uma definição específica para as debêntures, pode-se afirmar que debênture é uma espécie de valor mobiliário emitido pelas sociedades anônimas que conferem ao seu titular um direito de crédito certo contra a companhia, nos termos do que dispuser a sua escritura de emissão ou o seu certificado.

Destaque-se ainda que, segundo a legislação processual, a debênture é considerada título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil.

A doutrina tradicional costuma afirmar que as debêntures representam, grosso modo, um contrato de mútuo/empréstimo que a companhia faz com os investidores adquirentes. Assim, diz-se que aquele que subscreve a debênture está emprestando à sociedade anônima o valor investido na sua subscrição, e esta, a partir do momento em que emite a debênture para o investidor que a subscreveu, assume o dever de pagar posteriormente a este o valor respectivo, na forma prescrita no seu certificado ou na escritura de emissão, conforme o caso.

O certificado de debêntures, quando houver, ou a escritura de emissão de debênture deve detalhar minuciosamente as características desse valor mobiliário, tais como o vencimento, os juros e a correção monetária. É o que determina o art. 61 da LSA: “a companhia fará constar da escritura de emissão os direitos conferidos pelas debêntures, suas garantias e demais cláusulas ou condições”. Tratando-se de debênture que será negociada no mercado aberto de capitais, dispõe o § 3.° do artigo em questão que “a Comissão de Valores Mobiliários poderá aprovar padrões de cláusulas e condições que devam ser adotados nas escrituras de emissão de debêntures destinadas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, e recusar a admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões”.

Perceba-se que, se a debênture não for atrativa, oferecendo garantias ao investidor, este não a verá como uma alternativa de investimento, e consequentemente não a subscreverá. Afinal, nenhum investidor adquire debêntures ou qualquer outro valor mobiliário de uma companhia aleatoriamente: seu interesse é obter um bom retorno financeiro, já que para ele a operação é vista, frise-se, como um investimento.

No que se refere à correção monetária, dispõe o art. 54, § 1.°, da LSA que “a debênture poderá conter cláusula de correção monetária, com base nos coeficientes fixados para correção de títulos da dívida pública, na variação da taxa cambial ou em outros referenciais não expressamente vedados em lei”.

No que se refere ao vencimento, por sua vez, prevê o art. 55 da LSA que “a época do vencimento da debênture deverá constar da escritura de emissão e do certificado, podendo a companhia estipular amortizações parciais de cada série, criar fundos de amortização e reservar-se o direito de resgate antecipado, parcial ou total, dos títulos da mesma série”. Ademais, segundo o § 4.° deste artigo, “a companhia poderá emitir debêntures cujo vencimento somente ocorra nos casos de inadimplemento da obrigação de pagar juros e dissolução da companhia, ou de outras condições previstas no título”. Vê-se, pois, que há certa liberdade na hora de criar a debênture, mas é óbvio que a sociedade sempre o fará observando não apenas os seus interesses, mas também os dos investidores, já que se estes não se virem atraídos por uma boa alternativa de investimento, não adquirirão a debênture, o que frustrará a operação de captação de recursos pretendida pela companhia emissora.

Já quanto aos juros, estabelece o art. 56 da LSA que “a debênture poderá assegurar ao seu titular juros, fixos ou variáveis, participação no lucro da companhia e prêmio de reembolso”.

Outra coisa que o certificado ou a escritura de emissão pode estipular é a conversão da debênture em ação, conforme dispõe o art. 57 da LSA, devendo ser especificadas: “I – as bases da conversão, seja em número de ações em que poderá ser convertida cada debênture, seja como relação entre o valor nominal da debênture e o preço de emissão das ações; II – a espécie e a classe das ações em que poderá ser convertida; III – o prazo ou época para o exercício do direito à conversão; IV – as demais condições a que a conversão acaso fique sujeita”.

6.3.10.1.1. Emissão de debêntures

Em princípio, cabe privativamente à assembleia-geral deliberar sobre a emissão de debêntures, conforme disposto no art. 59 da LSA. Observando o que a respeito dispuser o estatuto, a deliberação deve fixar: “I – o valor da emissão ou os critérios de determinação do seu limite, e a sua divisão em séries, se for o caso; II – o número e o valor nominal das debêntures; III – as garantias reais ou a garantia flutuante, se houver; IV – as condições da correção monetária, se houver; V – a conversibilidade ou não em ações e as condições a serem observadas na conversão; VI – a época e as condições de vencimento, amortização ou resgate; VII – a época e as condições do pagamento dos juros, da participação nos lucros e do prêmio de reembolso, se houver; VIII – o modo de subscrição ou colocação, e o tipo das debêntures”.

Há, todavia, a possibilidade de a emissão de debêntures ser deliberada pelo Conselho de Administração, conforme previsão do § 1.° do referido artigo: “Na companhia aberta, o conselho de administração pode deliberar sobre a emissão de debêntures não conversíveis em ações, salvo disposição estatutária em contrário. (Redação dada pela Lei n.° 12.431, de 2011)”.

Até 2011, a LSA estabelecia, em seu art. 60, um limite de endividamento por emissão de debêntures para as companhias. No entanto, essa limitação de endividamento foi revogada pela Lei 12.431/2011. Correta a revogação, por dar mais liberdade de atuação às sociedades anônimas.

Pois bem. Uma vez deliberada a sua emissão pelo órgão competente, nos termos acima expostos, exige a lei que ela obedeça a alguns requisitos formais, previstos no art. 62 da LSA, segundo o qual “nenhuma emissão de debêntures será feita sem que tenham sido satisfeitos os seguintes requisitos: I – arquivamento, no registro do comércio, e publicação da ata da assembleia-geral, ou do conselho de administração, que deliberou sobre a emissão; II – inscrição da escritura de emissão no registro do comércio;III – constituição das garantias reais, se for o caso”. A obediência a tais requisitos é extremamente importante, sobretudo porque, de acordo com o § 1.° desse artigo, “os administradores da companhia respondem pelas perdas e danos causados à companhia ou a terceiros por infração deste artigo”. Para tanto, inclusive, as Juntas Comerciais mantêm livros especiais, conforme determina o § 4.°: “os registros do comércio manterão livro especial para inscrição das emissões de debêntures, no qual serão anotadas as condições essenciais de cada emissão”.

6.3.10.1.2. Espécies de debêntures

As debêntures podem ser de quatro tipos: (i) com garantia real; (ii) com garantia flutuante; (iii) quirografárias; e (iv) subordinadas. É o que dispõe o art. 58 da LSA, segundo o qual “a debênture poderá, conforme dispuser a escritura de emissão, ter garantia real ou garantia flutuante, não gozar de preferência ou ser subordinada aos demais credores da companhia”.

Ressalte-se que, de acordo com o § 1.° desse artigo, “a garantia flutuante assegura à debênture privilégio geral sobre o ativo da companhia, mas não impede a negociação dos bens que compõem esse ativo”. Assim, o titular de uma debênture com garantia flutuante, caso a companhia emissora, por exemplo, torne-se insolvente e tenha a sua falência decretada, ficará em quinto lugar na ordem dos credores (art. 83, inciso V, da Lei 11.101/2005 – Lei de Falência e Recuperação de Empresas).

6.3.10.2. Partes beneficiárias

Outro valor mobiliário emitido pelas sociedades anônimas são as partes beneficiárias, as quais, de acordo com o art. 46, § 1.°, da LSA são títulos que conferem aos seus titulares um direito de crédito eventual contra a companhia.

Com efeito, dispõe o art. 46 que “a companhia pode criar, a qualquer tempo, títulos negociáveis, sem valor nominal e estranhos ao capital social, denominados ‘partes beneficiárias’”. E o seu § 1.° complementa, afirmando que “as partes beneficiárias conferirão aos seus titulares direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros anuais (artigo 190)”. Entende-se agora porque o direito de crédito que a parte beneficiária confere ao seu titular é eventual: depende de o resultado da companhia, no respectivo exercício social, ter sido positivo, pois do contrário não haverá lucros a serem partilhados.

Ressalte-se que a parte beneficiária, em princípio, não confere ao seu titular qualquer outro direito além da eventual participação nos lucros anuais da companhia, tanto que o § 3.° do art. 46 dispõe que “é vedado conferir às partes beneficiárias qualquer direito privativo de acionista, salvo o de fiscalizar, nos termos desta Lei, os atos dos administradores”. Não obstante, assim como ocorre com as debêntures, as partes beneficiárias também podem ser conversíveis em ações, conforme disposto no art. 48, § 2.°, da LSA: “o estatuto poderá prever a conversão das partes beneficiárias em ações, mediante capitalização de reserva criada para esse fim”.

Destaque-se ainda que a lei impõe um limite de comprometimento da sociedade anônima com as partes beneficiárias, no intuito de evitar que o excessivo endividamento da companhia prejudique o legítimo direito dos acionistas de receberem seus dividendos ao final do exercício social. Portanto, de acordo com o § 2.° do art. 46 da LSA, “a participação atribuída às partes beneficiárias, inclusive para formação de reserva para resgate, se houver, não ultrapassará 0,1 (um décimo) dos lucros”.

Também é importante anotar que somente as companhias fechadas podem emitir partes beneficiárias, conforme determinação do art. 47, parágrafo único, da LSA, segundo o qual “é vedado às companhias abertas emitir partes beneficiárias”.

Por fim, ressalte-se que as partes beneficiárias, em regra, assim como os demais valores mobiliários, servem à companhia como instrumentos de autofinanciamento, ou seja, como mecanismos de captação de recursos junto a investidores. Todavia, as partes beneficiárias também podem ser emitidas com outra finalidade, qual seja, a remuneração da prestação de serviços. Com efeito, prevê o art. 47 da LSA que “as partes beneficiárias poderão ser alienadas pela companhia, nas condições determinadas pelo estatuto ou pela assembleia-geral, ou atribuídas a fundadores, acionistas ou terceiros, como remuneração de serviços prestados à companhia”. E há ainda uma terceira hipótese de emissão de partes beneficiárias: a atribuição gratuita. Nesse caso, a S/A emissora confere a parte beneficiária, por exemplo, a uma entidade filantrópica ou assistencial.

6.3.10.3. Bônus de subscrição

Outro valor mobiliário emitido pelas companhias, menos conhecido do que os demais, é o chamado bônus de subscrição, o qual assegura ao seu titular o direito de preferência na subscrição de novas ações. Eis o que dispõe o art. 75 da LSA: “a companhia poderá emitir, dentro do limite de aumento de capital autorizado no estatuto (artigo 168), títulos negociáveis denominados ‘Bônus de Subscrição’”. O parágrafo único complementa, afirmando que “os bônus de subscrição conferirão aos seus titulares, nas condições constantes do certificado, direito de subscrever ações do capital social, que será exercido mediante apresentação do título à companhia e pagamento do preço de emissão das ações”.

Com efeito, sempre que a sociedade anônima emite novas ações (operação chamada, como visto, de capitalização) são os acionistas da companhia respectiva que têm preferência para subscrevê-las, em obediência ao art. 109, inciso IV, da LSA.

Assim, numa sociedade que está muito bem no mercado, com muitos investidores interessados em se tornarem seus acionistas, as suas ações com certeza estarão muito valorizadas. Diante dessa realidade, sabendo-se que a sociedade irá, num futuro próximo, capitalizar-se, ou seja, aumentar o seu capital social com a emissão de novas ações, ela pode aproveitar o bom momento de seus negócios e emitir bônus de subscrição, captando recursos junto a investidores interessados em adquirir as novas ações a serem emitidas. Assim, quando do efetivo aumento do capital social e da consequente emissão das novas ações, elas terão que ser oferecidas, primeiramente, aos titulares dos bônus, nos termos do seu certificado. Perceba-se que o bônus não confere aos seus titulares a ação, mas apenas um direito de preferência na sua subscrição, razão pela qual o investidor, na hora de exercer esse direito, terá de pagar, obviamente, o preço de emissão da ação.

Dessa forma, pode-se dizer, grosso modo, que quem adquire um bônus de subscrição “compra” o direito de preferência, tomando-o dos acionistas. Ocorre, todavia, que a lei, assegurando os direitos do acionista, conferiu a ele a preferência na subscrição dos próprios bônus, conforme prevê o art. 77, parágrafo único: “os acionistas da companhia gozarão, nos termos dos artigos 171 e 172, de preferência para subscrever a emissão de bônus”. Portanto, se um acionista investidor quiser manter o seu direito de preferência na subscrição de novas ações, deverá adquirir os bônus eventualmente emitidos, tendo para tanto preferência em relação a investidores externos.

Ressalte-se, entretanto, que nem sempre os bônus de subscrição são emitidos para posterior alienação a interessados. Eles podem também ser atribuídos adicionalmente ao subscritor de uma ação ou debênture. É o que dispõe o art. 77 da LSA: “Os bônus de subscrição serão alienados pela companhia ou por ela atribuídos, como vantagem adicional, aos subscritos de emissões de suas ações ou debêntures”.

Por fim, registre-se que, segundo o art. 76 da LSA, “a deliberação sobre emissão de bônus de subscrição compete à assembleia-geral, se o estatuto não a atribuir ao conselho de administração”.

6.3.11. Órgãos societários

As sociedades anônimas, por explorarem sempre empreendimentos de grande envergadura, possuem invariavelmente uma estrutura deveras complexa, composta de diversos órgãos, cada um com funções específicas. A depender do tamanho e da complexidade da empresa exercida pela companhia, ela terá mais ou menos órgãos e maior ou menor será o seu organograma administrativo. Há até quem compare a estrutura organizacional das sociedades anônimas à própria estrutura do Estado.

Nas grandes companhias, que exploram grandes empreendimentos industriais, por exemplo, é comum que o seu organograma administrativo seja extremamente complexo, com diversos órgãos entre os quais se repartem as inúmeras funções de administração e gestão dos negócios. Essa sociedade, pois, possui uma série de chefias, departamentos, superintendências, coordenações etc. Não se vai encontrar, todavia, disciplina específica quanto à atuação desses órgãos sociais na LSA. Sendo assim, cabe ao estatuto social, conforme o caso, cuidar das regras sobre sua criação, organização, estrutura, composição, funcionamento e função. A disciplina desses órgãos, portanto, é estatutária.

A LSA se preocupa, todavia, com os órgãos de cúpula da companhia: a assembleia-geral, o conselho de administração, a diretoria e o conselho fiscal. Esses órgãos são detalhadamente regulados pela lei, que disciplina de forma pormenorizada sua estrutura, composição, funcionamento e atribuições.

Diante do exposto, nos tópicos seguintes analisaremos especificamente o tratamento legal dispensado aos principais órgãos da estrutura orgânica das companhias, os quais, repita-se, são (i) a assembleia-geral, (ii) o conselho de administração, (iii) a diretoria e (iv) o conselho fiscal.

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6.3.11.1. Assembleia-geral

A assembleia-geral, como o próprio nome já sugere, é o órgão máximo de deliberação da sociedade anônima, que possui competência para tratar de todo e qualquer assunto relacionado ao objeto social. Com efeito, de acordo com o art. 121 da LSA, “a assembleia-geral, convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento”. Veja-se que, conforme a disposição legal transcrita, cabe à assembleia-geral, consoante destacamos, tratar de qualquer assunto relativo à gestão dos negócios da companhia, ainda que se trate de questão de pouca relevância. Atualmente, todavia, essas questões menores acabam sendo decididas por outro órgão, o conselho de administração, conforme veremos adiante.

Certas matérias, entretanto, são de competência privativa da assembleia-geral, cabendo somente a ela deliberar sobre as mesmas. E, na verdade, o que se vê na prática é que somente nesses casos a assembleia costuma ser convocada, restando aos demais órgãos, sobretudo ao conselho de administração, conforme dissemos acima, decidir sobre os demais assuntos de interesse social.

Estas matérias de competência privativa da assembleia estão elencadas no art. 122 da LSA, a saber: “I – reformar o estatuto social; II – eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142; III – tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas; IV – autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto nos §§ 1.°, 2.° e 4.° do art. 59; V – suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120); VI – deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social; VII – autorizar a emissão de partes beneficiárias; VIII – deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e IX – autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata”. A partir da entrada em vigor da Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas), a concordata foi extinta e substituída pelo instituto da recuperação judicial.

Quanto a este último inciso, o parágrafo único traz uma regra especial, dispondo que “em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de concordata poderá ser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver, convocando-se imediatamente a assembleia-geral, para manifestar-se sobre a matéria”. Neste caso, a assembleia-geral será convocada apenas para ratificar ou não o ato de urgência praticado pelos administradores.

Havendo, portanto, a necessidade de deliberar sobre qualquer uma das matérias descritas no art. 122 da LSA, deverá ser convocada assembleia-geral, em princípio, pelo conselho de administração, se houver, ou pela diretoria, nos termos da lei e do estatuto social. Assim, de acordo com o disposto no art. 123, “compete ao conselho de administração, se houver, ou aos diretores, observado o disposto no estatuto, convocar a assembleia-geral”.

Mas a competência do conselho de administração e da diretoria para a convocação da assembleia-geral não é exclusiva, prevendo a lei hipóteses especiais em que ela pode ser convocada por outros órgãos ou mesmo acionistas. Com efeito, estabelece o parágrafo único do art. 123 que “a assembleia-geral pode também ser convocada: a) pelo conselho fiscal, nos casos previstos no número V, do artigo 163; b) por qualquer acionista, quando os administradores retardarem, por mais de 60 (sessenta) dias, a convocação nos casos previstos em lei ou no estatuto; c) por acionistas que representem cinco por cento, no mínimo, do capital social, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; d) por acionistas que representem cinco por cento, no mínimo, do capital votante, ou cinco por cento, no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, quando os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal”.

Perceba-se que nesses casos a convocação da assembleia por parte dos acionistas se dá, basicamente, em caso de inércia dos órgãos originariamente competentes para tanto.

De acordo com o art. 124 da LSA, a convocação da assembleia-geral “far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembleia, a ordem do dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria”. Veja-se que a lei se preocupou bastante com a publicidade do ato de convocação, a fim de garantir que os acionistas tomem conhecimento da realização da assembleia e possam comparecer e defender seus interesses. Assim, detalhando ainda mais as formalidades da convocação, dispõe o § 1.° do art. 124 que “a primeira convocação da assembleia-geral deverá ser feita: I – na companhia fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo da publicação do primeiro anúncio; não se realizando a assembleia, será publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias; II – na companhia aberta, o prazo de antecedência da primeira convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação de 8 (oito) dias”.

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É bem verdade que, em alguns casos, a convocação e a realização da assembleia-geral são mera formalidade, o que ocorre, por exemplo, quando o poder de controle da companhia é centralizado em um único acionista. Noutros casos, em contrapartida, em que o poder de controle é descentralizado entre os diversos acionistas ou entre determinados grupos, a convocação e a realização da assembleia-geral possuem extrema relevância, porque nela se desenvolvem intensos debates que culminarão, enfim, na própria definição acerca do controle da sociedade. Nesses casos, pois, a obediência aos procedimentos formais estabelecidos na LSA é fundamental, uma vez que serve para a própria garantia dos direitos dos acionistas. A desobediência às solenidades legais pode acarretar a anulação futura da assembleia, o que trará prejuízos para toda a companhia.

Ressalte-se, todavia, ainda que as formalidades de convocação não tenham sido atendidas corretamente, a assembleia poderá ser considerada válida se todos os acionistas comparecerem. É o que dispõe o § 4.° do art. 124 da LSA: “independentemente das formalidades previstas neste artigo, será considerada regular a assembleia-geral a que comparecerem todos os acionistas”.

Por fim, ainda quanto aos procedimentos de convocação, destaque-se que, conforme disposto no § 6.° do artigo em comento, “as companhias abertas com ações admitidas à negociação em bolsa de valores deverão remeter, na data da publicação do anúncio de convocação da assembleia, à bolsa de valores em que suas ações forem mais negociadas, os documentos postos à disposição dos acionistas para deliberação na assembleia-geral”.

Uma vez convocada a assembleia-geral, com obediência às formalidades acima detalhadas, ela somente se instalará validamente se estiverem presentes à sessão um determinado número de acionistas. Assim, de acordo com o art. 125 da LSA, “ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembleia-geral instalar-se-á, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto; em segunda convocação instalar-se-á com qualquer número”.

Relembre-se de que nem todos os acionistas de uma companhia possuem direito de voto, mas todos eles podem comparecer às assembleias. Afinal, ainda que determinados sócios não tenham direito de votar nas deliberações, eles possuem o chamado direito de voz, que lhes permite discutir as matérias em debate antes da decisão ser tomada. É o que prevê expressamente o parágrafo único do art. 125: “os acionistas sem direito de voto podem comparecer à assembleia-geral e discutir a matéria submetida à deliberação”.

Todos os que comparecerem à assembleia-geral devem comprovar a sua qualidade de acionista, nos termos estabelecidos no art. 126 da LSA, observadas as seguintes normas: “I – os titulares de ações nominativas exibirão, se exigido, documento hábil de sua identidade; II – os titulares de ações escriturais ou em custódia nos termos do art. 41, além do documento de identidade, exibirão, ou depositarão na companhia, se o estatuto o exigir, comprovante expedido pela instituição financeira depositária”.

Pode ocorrer, porém, que algum acionista não compareça pessoalmente à assembleia, sendo representado no ato por seu representante legal, conforme previsão do § 4.° do art. 126: “têm a qualidade para comparecer à assembleia os representantes legais dos acionistas”. Pode ainda o acionista constituir procurador especificamente para atuar em seu nome na assembleia. Nesse caso, dispõe o § 1.° do art. 126 que “o acionista pode ser representado na assembleia-geral por procurador constituído há menos de 1 (um) ano, que seja acionista, administrador da companhia ou advogado; na companhia aberta, o procurador pode, ainda, ser instituição financeira, cabendo ao administrador de fundos de investimento representar os condôminos”.

As formalidades previstas em lei para a assembleia, ressalte-se, não se restringem à sua convocação, mas também à sua realização. Assim, prevê o art. 127 que “antes de abrir-se a assembleia, os acionistas assinarão o ‘Livro de Presença’, indicando o seu nome, nacionalidade e residência, bem como a quantidade, espécie e classe das ações de que forem titulares”. Feito isso e instalada a assembleia, deverá então ser composta a mesa que presidirá os trabalhos, nos termos do art. 128, que assim dispõe: “os trabalhos da assembleia serão dirigidos por mesa composta, salvo disposição diversa do estatuto, de presidente e secretário, escolhidos pelos acionistas presentes”.

Instalada a assembleia, em primeira ou segunda convocação, conforme o caso, assinado o livro de presença por todos os que comparecerem e composta a mesa que presidirá os trabalhos, poderá a assembleia-geral passar a discutir as matérias e deliberar sobre estas. Para tanto, todavia, será preciso observar o quorum de deliberação, o qual, em regra, é de maioria dos acionistas com direito a voto presentes à sessão. Com efeito, dispõe o art. 129 da LSA que “as deliberações da assembleia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco”.

Perceba-se, nesse ponto, que embora a lei use a expressão maioria absoluta de votos, trata-se, na verdade, do que se conhece na prática por maioria simples, ou seja, maioria dos presentes. E a razão para se chegar a essa conclusão é bastante simples: se o quorum exigido para a instalação é de apenas 1/4 dos acionistas com direito de voto, em primeira convocação, e de qualquer número de acionistas, em segunda convocação, entender que o quorum de deliberação fixado no art. 129 é de maioria absoluta significaria admitir a instalação de assembleia-geral, na maioria das vezes, para deliberar sobre nada, já que nesses casos a maioria absoluta – mais de 50% de todos os acionistas com direito de voto – não seria obtida.

Ressalte-se que esse quorum de deliberação do art. 129 da LSA é o quorum normal, mas em certas situações pode ser exigido um quorum diferenciado. Assim, prevê o § 1.° do artigo em questão que “o estatuto da companhia fechada pode aumentar o quorum exigido para certas deliberações, desde que especifique as matérias”. Trata-se do que alguns doutrinadores chamam de quorum estatutário, o qual só pode ser estabelecido, frise-se, nas sociedades anônimas fechadas, e sempre corresponderá a quorum superior ao normalmente estabelecido para aquela matéria. Em síntese, ao estabelecer o quorum estatutário para determinada matéria, a companhia fechada cria o que a doutrina chama de “minoria de bloqueio”, importantíssimo mecanismo de defesa dos acionistas minoritários, que pode chegar a prever até mesmo a necessidade de deliberação unânime para a aprovação de determinadas matérias.

Além do quorum normal do art. 129, analisado acima, há também o quorum qualificado, estabelecido para a deliberação sobre certas matérias especiais previstas no art. 136 da LSA, que assim dispõe: “é necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre: I – criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; II – alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida; III – redução do dividendo obrigatório; IV – fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; V – participação em grupo de sociedades (art. 265); VI – mudança do objeto da companhia; VII – cessação do estado de liquidação da companhia; VIII – criação de partes beneficiárias; IX – cisão da companhia; X – dissolução da companhia”. Veja-se que nesse caso a deliberação dependerá não apenas da aprovação da maioria simples, mas da aprovação de metade dos acionistas com direito de voto, independentemente de quantos estiverem presentes. Trata-se, pois, de quorum mais difícil de ser atingido, e por isso é exigido apenas para as matérias elencadas no art. 136, as quais, como se pode perceber, envolvem questões de mais relevo para os negócios da companhia.

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Por fim, destaque-se que pode haver, excepcionalmente, empate em alguma deliberação, hipótese em que deve ser aplicada a regra do § 2.° do art. 129 da LSA, segundo a qual “no caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembleia será convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia”. Portanto, em princípio cabe ao estatuto disciplinar a solução a ser adotada em caso de empate, podendo, por exemplo, prever a designação de árbitro para resolver a controvérsia. Caso, todavia, o estatuto seja omisso, convoca-se nova assembleia, nos dois meses seguintes. Enfim, persistindo o empate, podem os acionistas decidir pela submissão da decisão a um terceiro ou ao juiz.

Deliberadas as matérias submetidas à discussão, com obediência aos quora acima detalhados, deverá então ser lavrada a ata da assembleia, nos termos do art. 130 da LSA: “dos trabalhos e deliberações da assembleia será lavrada, em livro próprio, ata assinada pelos membros da mesa e pelos acionistas presentes. Para validade da ata é suficiente a assinatura de quantos bastem para constituir a maioria necessária para as deliberações tomadas na assembleia. Da ata tirar-se-ão certidões ou cópias autênticas para os fins legais”.

Tendo-se em vista a simplificação dos procedimentos, a lei estabelece ainda algumas regras específicas sobre a lavratura da ata. Assim, de acordo com o § 1.° do art. 130, “a ata poderá ser lavrada na forma de sumário dos fatos ocorridos, inclusive dissidências e protestos, e conter a transcrição apenas das deliberações tomadas, desde que: a) os documentos ou propostas submetidos à assembleia, assim como as declarações de voto ou dissidência, referidos na ata, sejam numerados seguidamente, autenticados pela mesa e por qualquer acionista que o solicitar, e arquivados na companhia; b) a mesa, a pedido de acionista interessado, autentique exemplar ou cópia de proposta, declaração de voto ou dissidência, ou protesto apresentado”. Já o § 2.°, por sua vez, prevê que “a assembleia-geral da companhia aberta pode autorizar a publicação de ata com omissão das assinaturas dos acionistas”. Por fim, o § 3.° determina que “se a ata não for lavrada na forma permitida pelo § 1.°, poderá ser publicado apenas o seu extrato, com o sumário dos fatos ocorridos e a transcrição das deliberações tomadas”.

6.3.11.1.1. Assembleia-geral ordinária e assembleia-geral extraordinária

De acordo com o art. 131 da LSA, a assembleia-geral pode ser ordinária (AGO) ou extraordinária (AGE). Eis o que diz a regra em questão: “a assembleia-geral é ordinária quando tem por objeto as matérias previstas no artigo 132, e extraordinária nos demais casos”. Assim, enquanto a assembleia-geral ordinária só pode tratar das matérias previstas no art. 132 da LSA, a assembleia-geral extraordinária será sempre convocada para tratar das demais matérias que exijam a sua deliberação (vide art. 122).

Ressalte-se que, tendo em vista a simplificação do procedimento, o parágrafo único do mesmo art. 131 dispõe que “a assembleia-geral ordinária e a assembleia-geral extraordinária poderão ser, cumulativamente, convocadas e realizadas no mesmo local, data e hora, instrumentadas em ata única”.

A assembleia-geral ordinária (AGO), de acordo com o art. 132 da LSA, deve ocorrer todo ano, nos quatro primeiros meses após o fim do exercício social. Com efeito, dispõe o dispositivo em questão que “anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembleia-geral para: I – tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras; II – deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos; III – eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso; IV – aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167)”. Vê-se, pois, que, conforme já afirmamos acima, a AGO somente pode deliberar sobre as matérias constantes dos incisos do art. 132. Qualquer outra matéria que exija deliberação assemblear deverá ser tomada em sede de AGE.

No que se refere ao inciso I, perceba-se que a lei se refere a duas coisas distintas: (i) tomada de contas e (ii) exame, discussão e votação das demonstrações financeiras. Assim, pode ser que uma AGO aprove as demonstrações financeiras, mas rejeite as contas. Isso porque as demonstrações financeiras apenas exprimem a situação financeira e os resultados da companhia, devendo ser aprovadas se o fizerem de modo verdadeiro e correto, o que não significa, necessariamente, que as contas dos administradores devam ser aprovadas. Ao contrário: pode ser que as demonstrações financeiras indiquem justamente o oposto, demonstrando que a gestão dos negócios foi realizada de maneira impudente ou até mesmo com violação ao estatuto social.

Em se tratando de AGO, a LSA estabelece um procedimento específico que deve ser observado antes da sua realização. Com efeito, determina o art. 133 que “os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembleia-geral ordinária, por anúncios publicados na forma prevista no artigo 124, que se acham à disposição dos acionistas: I – o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; II – a cópia das demonstrações financeiras; III – o parecer dos auditores independentes, se houver; IV – o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se houver; e V – demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia”.

Essas formalidades prévias à AGO são importantes em função das matérias por ela tratadas. Assim, os documentos mencionados no art. 133 são de suma importância para que as decisões da AGO sejam tomadas. Nesse sentido, estabelece o art. 134 da LSA que “instalada a assembleia-geral, proceder-se-á, se requerida por qualquer acionista, à leitura dos documentos referidos no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal, se houver, os quais serão submetidos pela mesa à discussão e votação”. No mesmo sentido, estabelece o § 1.° deste artigo que “os administradores da companhia, ou ao menos um deles, e o auditor independente, se houver, deverão estar presentes à assembleia para atender a pedidos de esclarecimentos de acionistas, mas os administradores não poderão votar, como acionistas ou procuradores, os documentos referidos neste artigo”. A análise desses documentos e os esclarecimentos sobre eles são tão importantes que, segundo o § 2.° do mesmo art. 133, a assembleia pode ser adiada por causa de dúvidas. Eis o que diz a regra em comento: “se a assembleia tiver necessidade de outros esclarecimentos, poderá adiar a deliberação e ordenar diligências; também será adiada a deliberação, salvo dispensa dos acionistas presentes, na hipótese de não comparecimento de administrador, membro do conselho fiscal ou auditor independente”.

Ainda para destacar a importância que possuem essas deliberações tomadas pela AGO, veja-se o que determina o § 3.° do art. 133 da LSA: “a aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de responsabilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (artigo 286)”. Resta claro, pois, que é fundamental que os acionistas votantes tenham analisado com cuidado toda a documentação referida no art. 133, uma vez que as deliberações tomadas na AGO, dada a sua relevância, podem ter repercussões importantes no futuro para os negócios da companhia.

No que se refere, por outro lado, à AGE, a LSA também estabeleceu regras procedimentais específicas, inclusive impondo quorum especial para a sua instalação, em determinados casos. Assim, de acordo com o art. 135, “a assembleia-geral extraordinária que tiver por objeto a reforma do estatuto somente se instalará em primeira convocação com a presença de acionistas que representem 2/3 (dois terços), no mínimo, do capital com direito a voto, mas poderá instalar-se em segunda com qualquer número”. Que fique bem claro: não são todas as AGEs que devem obedecer a esse quorum especial de instalação, mas apenas a AGE que vá deliberar sobre a reforma do estatuto. As demais AGEs, portanto, se submetem ao quorum normal de instalação, constante do art. 125 da LSA.

No § 1.° do referido art. 135, a LSA dispõe que “os atos relativos a reformas do estatuto, para valerem contra terceiros, ficam sujeitos às formalidades de arquivamento e publicação, não podendo, todavia, a falta de cumprimento dessas formalidades ser oposta, pela companhia ou por seus acionistas, a terceiros de boa-fé”. Trata-se de regra óbvia, decorrente da regra geral aplicável a qualquer ato societário que deva ser levado a registro, conforme já estudamos no tópico III do capítulo II (vide também art. 1.° da Lei 8.934/1994).

Quanto aos documentos relativos às matérias a serem discutidas e deliberadas na AGE, aplica-se a regra do § 3.° do art. 135: “os documentos pertinentes à matéria a ser debatida na assembleia-geral extraordinária deverão ser postos à disposição dos acionistas, na sede da companhia, por ocasião da publicação do primeiro anúncio de convocação da assembleia-geral”.

6.3.11.1.2. Assembleia-geral virtual ou assembleia-geral on-line (AG-e)

Em 2008, a CVM permitiu a transmissão das assembleias-gerais de companhias abertas pela internet, bem como o uso de procuração eletrônica por parte dos acionistas, o que lhes permite participar de tais conclaves societários à distância, acompanhando a atuação de seu procurador.

Pois bem. Em 2011, a própria LSA foi alterada para permitir expressamente que o acionista participe da assembleia e exerça seu direito de voto à distância, o que representa um avanço maior ainda. Foram incluídos parágrafos nos arts. 121 e 127, com a seguinte redação, respectivamente: “Nas companhias abertas, o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia-geral, nos termos da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários. (Incluído pela Lei 12.431, de 2011)”; “Considera-se presente em assembleia-geral, para todos os efeitos desta Lei, o acionista que registrar a distância sua presença, na forma prevista em regulamento da Comissão de Valores Mobiliários. (Incluído pela Lei 12.431, de 2011)”.

6.3.11.2. Os órgãos de administração da companhia

Quando do estudo da administração da sociedade simples pura e da sociedade limitada, já destacamos que, não obstante a sociedade empresária seja uma espécie de pessoa jurídica, e que as pessoas jurídicas sejam entes aos quais o ordenamento jurídico confere personalidade e, consequentemente, capacidade de serem sujeitos de direitos e obrigações, elas não possuem vontade. Sendo assim, as sociedades atuam por intermédio de alguém que externa a sua vontade.

Durante muito tempo entendeu-se que a relação estabelecida entre a pessoa jurídica e seus administradores seria de representação, visão que modernamente perdeu espaço para a chamada teoria orgânica, segundo a qual a administração da sociedade cabe aos seus órgãos administrativos, os quais, por sua vez, não assumem a posição de representantes legais da sociedade, mas, como afirmava Pontes de Miranda, de seus presentantes legais. Para a teoria orgânica, os administradores da sociedade são meros agentes que manifestam externamente a vontade da pessoa jurídica, sendo, portanto, partes integrantes dela.

Pois bem. A legislação do anonimato brasileira, no que se refere aos órgãos de administração da Companhia, adotou um sistema dual, em que a administração é subdividida entre dois órgãos: o conselho de administração e a diretoria. Com efeito, dispõe o art. 138 da LSA que “a administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria”. A referência, no final do dispositivo, à possibilidade de a administração da companhia caber exclusivamente aos diretores se dá porque o conselho de administração é órgão facultativo em algumas sociedades anônimas fechadas, sendo obrigatório apenas nas companhias abertas, nas de capital autorizado e nas sociedades de economia mista (arts. 138, § 2.°, e 239 da LSA).

De acordo com o § 1.° do art. 138, “o conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a representação da companhia privativa dos diretores”. Veja-se que, a despeito da prevalência atual da teoria orgânica sobre a teoria da representação, como afirmamos acima, a lei utiliza a expressão representação, afirmando que esta cabe apenas aos diretores. Por essa razão, também utilizaremos a referida expressão ao longo da presente obra, mas deixando claro, como já fizemos, que os diretores não atuam, tecnicamente, como verdadeiros representantes, e sim como presentantes da vontade da sociedade.

Por fim, destaque-se que, em obediência ao disposto no art. 139 da LSA, “as atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto”. Portanto, as atribuições do conselho de administração e da diretoria são exercidas exclusivamente por esses órgãos, nos estritos termos estabelecidos em lei.

6.3.11.2.1. O Conselho de Administração

Enquanto a assembleia-geral possui competência privativa para deliberar sobre questões de interesse geral da companhia, o conselho de administração é órgão também deliberativo que assume a incumbência básica de tratar das matérias especificamente relacionadas à gestão dos negócios da sociedade anônima. É bem verdade que, de maneira geral, tanto a assembleia-geral quanto o conselho de administração possuem competência para deliberar sobre qualquer matéria de interesse social, mas o que acaba ocorrendo na prática é que a assembleia-geral só é convocada para discutir e deliberar sobre as questões previstas no art. 122 da LSA, as quais, como visto, se inserem na sua competência privativa. As demais questões de interesse da companhia, portanto, são acometidas, não raro, ao conselho de administração.

Assim acontece porque a assembleia-geral, conforme analisamos no tópico antecedente, é órgão cuja convocação e realização depende de uma série de formalidades procedimentais. Assim, se para cada questão importante da companhia fosse imprescindível a deliberação em assembleia, isso poderia quase sempre atrasar sobremaneira a tomada da decisão, causando sérios prejuízos aos próprios interesses da sociedade. Portanto, o conselho de administração, órgão deliberativo cuja convocação e funcionamento são bem menos formais em comparação à assembleia-geral, funciona como uma microassembleia, o que dinamiza a tomada de decisões nas companhias que o possuem.

De acordo com o art. 140 da LSA, “o conselho de administração será composto por, no mínimo, 3 (três) membros, eleitos pela assembleia-geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, devendo o estatuto estabelecer: I – o número de conselheiros, ou o máximo e mínimo permitidos, e o processo de escolha e substituição do presidente do conselho pela assembleia ou pelo próprio conselho; II – o modo de substituição dos conselheiros; III – o prazo de gestão, que não poderá ser superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição; IV – as normas sobre convocação, instalação e funcionamento do conselho, que deliberará por maioria de votos, podendo o estatuto estabelecer quorum qualificado para certas deliberações, desde que especifique as matérias”.

Até meados de 2001, a LSA exigia que o conselho de administração fosse formado exclusivamente por acionistas pessoas físicas. Pois bem. Atualmente, não há mais essa exigência, uma vez que o art. 146 foi alterado e passou a ter a seguinte redação: “Poderão ser eleitas para membros dos órgãos de administração pessoas naturais, devendo os diretores ser residentes no País. (Redação dada pela Lei 12.431, de 2011)”. Essa mudança já era reclamada há tempos pelos operadores do direito societário. Muitas vezes o controlador vendia ou emprestava uma única ação a alguém, apenas para que essa pessoa adquirisse a condição de acionista e pudesse compor o conselho de administração.

Ademais, o parágrafo único, do art. 140, da LSA – dispositivo acrescentado pela Lei 10.303/2001, que reformou recentemente a legislação do anonimato brasileira – admite a participação excepcional de representantes dos funcionários da companhia no conselho, dispondo que “o estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os representem”.

No que tange à votação para a eleição dos membros do conselho de administração, pode-se adotar o critério majoritário ou o critério proporcional, cabendo ao estatuto social da companhia a escolha de um deles.

No critério majoritário de votação, os acionistas podem votar em chapas (equipes previamente formadas) ou em cada cargo separadamente (isto é, realizam-se eleições isoladas, uma para cada cargo do conselho a ser preenchido), mas em ambas as situações cada ação com direito de voto corresponderá a um voto, como ocorre normalmente, nos termos do art. 110 da LSA. Perceba-se que, adotando-se o critério majoritário, o acionista controlador acaba conseguindo eleger, invariavelmente, todos os membros do conselho de administração.

No critério proporcional de votação, por sua vez, não é possível a formação de chapas para a disputa dos cargos. Ademais, não são feitas eleições isoladas para cada cargo do conselho, mas apenas uma, que servirá ao preenchimento de todo o órgão. Assim, nesse critério são eleitos para os cargos do conselho os candidatos mais votados, conforme a quantidade de cargos a serem preenchidos, o que acaba por produzir um órgão provavelmente de composição heterogênea, com participação de membros eleitos pelos controladores e também pelos minoritários, de maneira proporcional.

Além dessas duas modalidades de votação analisadas, a LSA ainda prevê uma outra modalidade especial, em que se adota o critério de voto múltiplo. Assim, de acordo com o seu art. 141, que disciplina essa modalidade de votação, “na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários”. Vê-se, desde logo, que a modalidade de voto múltiplo é uma faculdade outorgada pela lei aos acionistas minoritários com direito de voto. Trata-se, enfim, de um modelo especial de votação proporcional, em que cada ação votante corresponderá a tantos votos quantos forem os membros do conselho de administração. E mais: cada acionista poderá usar os votos que suas ações lhe conferem da forma que bem entender, ou seja, pode concentrá-los todos num único candidato ou distribuí-los em candidatos distintos.

Ressalte-se que essa faculdade conferida pela lei aos acionistas minoritários com direito de voto deve ser-lhes assegurada, não podendo o estatuto social lhes negar essa prerrogativa. No entanto, para que possam os minoritários utilizar essa faculdade legal, deverão representar, no mínimo, um décimo do capital social votante e atender aos demais requisitos legais, como, por exemplo, o disposto no § 1.° do art. 141 da LSA: “a faculdade prevista neste artigo deverá ser exercida pelos acionistas até 48 (quarenta e oito) horas antes da assembleia-geral, cabendo à mesa que dirigir os trabalhos da assembleia informar previamente aos acionistas, à vista do ‘Livro de Presença’, o número de votos necessários para a eleição de cada membro do conselho”.

Por fim, após fixar as normas gerais sobre a composição, o funcionamento e a eleição do conselho de administração, a LSA, em seu art. 142, estabelece as suas competências. Assim, de acordo com o referido dispositivo, “compete ao conselho de administração: I – fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II – eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; III – fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; IV – convocar a assembleia-geral quando julgar conveniente, ou no caso do artigo 132; V – manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; VI – manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII – deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros [redação alterada pela Lei 11.941/2009]; IX – escolher e destituir os auditores independentes, se houver”.

No exercício das atribuições acima transcritas, caso o conselho tome alguma deliberação que deva produzir efeitos perante terceiros, obviamente a ata da reunião respectiva deverá ser obrigatoriamente levada a registro na Junta Comercial. É o que determina – embora de fato nem fosse necessária a previsão expressa – o § 1.° do art. 142: “serão arquivadas no registro do comércio e publicadas as atas das reuniões do conselho de administração que contiverem deliberação destinada a produzir efeitos perante terceiros”.

6.3.11.2.2. A diretoria

Conforme a legislação acionária brasileira, como visto, adota o modelo dualista de administração para as sociedades anônimas, além do conselho de administração, estudado no tópico antecedente, o outro órgão encarregado da administração da companhia é a diretoria, que corresponde, na verdade, ao órgão realmente incumbido de desempenhar, de maneira efetiva, a gestão dos negócios sociais. Assim, os diretores são os verdadeiros executivos da sociedade anônima, sendo responsáveis pela sua direção e pela sua representação legal (art. 138, § 1.°, da LSA).

De acordo com o art. 143 da LSA, “a Diretoria será composta por 2 (dois) ou mais diretores, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembleia-geral, devendo o estatuto estabelecer: I – o número de diretores, ou o máximo e o mínimo permitidos; II – o modo de sua substituição; III – o prazo de gestão, que não será superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição; IV – as atribuições e poderes de cada diretor”.

Ressalte-se que, os membros da diretoria – os diretoresnão precisam ser acionistas, mas devem ser pessoas físicas e residirem no território nacional. Destaque-se também que alguns membros do conselho de administração podem também ocupar a posição de diretores. É o que prevê o § 1.° do art. 143, segundo o qual “os membros do conselho de administração, até o máximo de 1/3 (um terço), poderão ser eleitos para cargos de diretores”.

Outro ponto importante a ser observado sobre a composição da diretoria é que, conforme dispõe a lei, cabe ao estatuto social definir (i) o número de diretores, (ii) o prazo de gestão deles, (iii), a sua substituição e (iv) os poderes e atribuições de cada um. Assim, a depender do tamanho e da complexidade das atividades desenvolvidas pela companhia, ela poderá ter mais ou menos diretores, conforme dispuser o seu estatuto. Por isso é que nas grandes companhias temos diversos diretores (diretor comercial, diretor jurídico, diretor financeiro, diretor de vendas, diretor de contratos etc.), cada um com competência específica, enquanto em outras companhias menores há apenas dois, o mínimo legal exigido.

Mas não cabe ao estatuto apenas estabelecer as atribuições específicas de cada diretor. Pode ainda o estatuto definir que determinadas matérias sejam atribuição da própria diretoria como órgão colegiado, hipótese em que as decisões relativas a tal matéria deverão ser tomadas em reunião dos diretores. É o que prevê o § 2.° do art. 143: “o estatuto pode estabelecer que determinadas decisões, de competência dos diretores, sejam tomadas em reunião da diretoria”.

No que se refere à representação da companhia, por sua vez, a mesma compete, em princípio, a quaisquer diretores, podendo cada um deles praticar os atos de gestão pertinentes aos negócios sociais. Nesse sentido, dispõe o art. 144 da LSA que “no silêncio do estatuto e inexistindo deliberação do conselho de administração (artigo 142, n. II e parágrafo único), competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular”.

Pode ainda um diretor, conforme o caso, constituir mandatários para atuar em nome da companhia, desde que o faça nos limites das atribuições e poderes do diretor mandante. É o que prevê o parágrafo único do art. 143, segundo o qual “nos limites de suas atribuições e poderes, é lícito aos diretores constituir mandatários da companhia, devendo ser especificados no instrumento os atos ou operações que poderão praticar e a duração do mandato, que, no caso de mandato judicial, poderá ser por prazo indeterminado”.

6.3.11.2.3. Normas comuns aos conselheiros e diretores

Como a LSA adotou, repita-se, o modelo dualista de administração para as sociedades anônimas, dividindo sua administração, pois, entre dois órgãos – o conselho de administração e a diretoria – podemos chamar de administradores da companhia tanto os conselheiros quanto os diretores. Assim, dispõe o art. 145 da LSA que “as normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração, deveres e responsabilidade dos administradores aplicam-se a conselheiros e diretores”.

Dispõe ainda o art. 160 que “as normas desta Seção [refere-se às normas comuns aos conselheiros e diretores] aplicam-se aos membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto, com funções técnicas ou destinados a aconselhar os administradores”.

Reiterando o que já havíamos dito, o art. 146 da LSA, atualmente, não mais exige que os membros do conselho de administração sejam acionistas: “Poderão ser eleitas para membros dos órgãos de administração pessoas naturais, devendo os diretores ser residentes no País. (Redação dada pela Lei 12.431, de 2011). Portanto, repita-se, agora tanto os conselheiros quanto os diretores podem ser acionistas ou não.

De uma interpretação a contrario sensu da norma constante do art. 146, conclui-se que os conselheiros, ao contrário do que ocorre com os diretores, podem residir fora do país. Nesse caso, porém, deve-se observar o que dispõe o § 2.° do artigo em questão, segundo o qual “a posse do conselheiro residente ou domiciliado no exterior fica condicionada à constituição de representante residente no País, com poderes para receber citação em ações contra ele propostas com base na legislação societária, mediante procuração com prazo de validade que deverá estender-se por, no mínimo, 3 (três) anos após o término do prazo de gestão do conselheiro”.

A legislação acionária também prevê impedimentos para a investidura nos cargos de conselheiro e diretor da companhia. Nesse sentido, estabelece o art. 147, § 1.°, da LSA que “são inelegíveis para os cargos de administração da companhia as pessoas impedidas por lei especial, ou condenadas por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena criminal que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos”. No mesmo sentido, dispõe o § 2.° que “são ainda inelegíveis para os cargos de administração de companhia aberta as pessoas declaradas inabilitadas por ato da Comissão de Valores Mobiliários”.

Especificamente quanto aos conselheiros, determina o § 3.°, por sua vez, que “o conselheiro deve ter reputação ilibada, não podendo ser eleito, salvo dispensa da assembleia-geral, aquele que: I – ocupar cargos em sociedades que possam ser consideradas concorrentes no mercado, em especial, em conselhos consultivos, de administração ou fiscal; e II – tiver interesse conflitante com a sociedade”. Essa regra, sobretudo o inciso I, trata da proibição da chamada interlocking directorates, que se resume na ideia de que “um homem deve servir a um chefe, apenas” (“serve one master only”).

Norma extremamente interessante acerca dos administradores da companhia é a do art. 148 da LSA, que permite ao estatuto exigir que os membros eleitos para o conselho de administração ou para a diretoria prestem garantia em favor da companhia, a qual só será levantada pelos mesmos após a aprovação de suas contas. Eis o teor do dispositivo: “o estatuto pode estabelecer que o exercício do cargo de administrador deva ser assegurado, pelo titular ou por terceiro, mediante penhor de ações da companhia ou outra garantia”. Complementando, o parágrafo único prevê que “a garantia só será levantada após aprovação das últimas contas apresentadas pelo administrador que houver deixado o cargo”.

Ainda dentre as normas gerais aplicáveis aos administradores da companhia – conselheiros e diretores – a LSA cuida das regras relativas à sua investidura (art. 149), substituição (art. 150) e renúncia (art. 151). No art. 152, por sua vez, cuida de sua remuneração, dispondo que “a assembleia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado”.

Pode o estatuto, no que se refere à remuneração dos administradores, estabelecer a participação deles nos lucros da sociedade anônima, nos termos dos §§ 1.° e 2.° do art. 152. O primeiro dispõe que “o estatuto da companhia que fixar o dividendo obrigatório em 25% (vinte e cinco por cento) ou mais do lucro líquido, pode atribuir aos administradores participação no lucro da companhia, desde que o seu total não ultrapasse a remuneração anual dos administradores nem 0,1 (um décimo) dos lucros (artigo 190), prevalecendo o limite que for menor”. O segundo, por sua vez, dispõe que “os administradores somente farão jus à participação nos lucros do exercício social em relação ao qual for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório, de que trata o artigo 202”.

6.3.11.2.3.1. Deveres dos administradores

No que diz respeito às normas comuns aplicáveis aos conselheiros e diretores da companhia, isto é, aos seus administradores, ressalta a importância das regras relativas aos seus deveres e responsabilidades, razão pela qual as analisaremos em tópicos específicos. Dentre os deveres específicos regulados expressamente na lei do anonimato, destacam-se, por exemplo, o dever de diligência, o dever de lealdade, o dever de informação, dentre outros.

Em primeiro lugar, determina o art. 153 da LSA que “o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”. Trata-se, de fato, de norma muito vaga, que pode trazer dúvidas de interpretação. O melhor, portanto, é entender que esse dever de diligência será atendido sempre que o administrador atuar em conformidade com os padrões de gestão fixados pela ciência da administração de empresas.

Deixando claro que a obrigação assumida pelos administradores é de meio, e não de resultado, estabelece o art. 154 da LSA que “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”. Veja-se que não se exige, nem se podia exigir, que o administrador efetivamente atinja os fins que deve perseguir, bastando apenas que o mesmo oriente sua atuação no sentido da consecução de finalidades de interesse da companhia.

Ainda que o administrador tenha sido eleito por um determinado grupo ou classe de acionistas, ele não deve atuar no interesse apenas desse grupo ou classe, tendo em relação à companhia o mesmo dever de diligência e lealdade que os demais administradores. Nesse sentido, dispõe de forma clara o art. 154, § 1.°, que “o administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres”.

Assim, detalhando de forma bem precisa os deveres dos administradores quanto a esse aspecto, dispõe ainda a LSA, em seu art. 154, § 2.°, ser vedado ao administrador: “a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia; b) sem prévia autorização da assembleia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito; c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo”.

A infringência a essas vedações traz consequências, prevendo a LSA, por exemplo, que “as importâncias recebidas com infração ao disposto na alínea c do § 2.° pertencerão à companhia” (§ 3.°).

Não se deve esquecer, todavia, que atualmente as grandes companhias têm procurado adotar práticas de gestão alinhadas com o que se convencionou chamar de responsabilidade social da empresa. Nesse sentido, o § 4.° do artigo em comento estabelece que “o conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais”.

Ainda sobre os deveres dos administradores da companhia, mais especificamente quanto ao chamado dever de lealdade, determina o art. 155 da LSA que “o administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado: I – usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; II – omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia; III – adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir”.

Dentre esses deveres de lealdade, perceba-se que a legislação acionária brasileira dá destaque ao dever de sigilo acerca de informações relevantes sobre os negócios da sociedade, sobretudo quando se trata de companhia aberta. Nesse sentido, aliás, é a regra especial do § 1.° do art. 155, que assim dispõe: “cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários”. Complementando essa regra especial, dispõe ainda o § 2.° que “o administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1.° não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança”. E mais: sendo eventualmente desrespeitada essa regra especial, prevê o § 3.° que “a pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos §§ 1.° e 2.°, tem direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação”.

O grande objetivo da legislação acionária, nesses casos acima analisados, é evitar a prática do chamado insider trading, que consiste, grosso modo, no uso de informações internas e/ou sigilosas para obtenção de vantagem, delito previsto no art. 27-D da Lei 6.385/1976: “Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime”. Em fevereiro de 2011, a CVM e o Ministério Público Federal conseguiram no Judiciário a primeira condenação penal por insider trading no Brasil, em caso referente à Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Perdigão feita pela Sadia em 2006.

Num ambiente de livre mercado genuíno, porém, o simples uso de informações ainda não tornadas públicas por um investidor não é algo errado, per se. Os especuladores, fundamentais para o funcionamento do mercado de capitais, sempre buscam todas as informações possíveis para fazer seus investimentos, inclusive aquelas que ainda não foram tornadas públicas (aliás, essas são as melhores). Ora, contanto que tais informações tenham sido adquiridas sem a utilização de nenhum meio ilícito (fraude, violência etc.), não consigo vislumbrar nada de errado em tal procedimento. Ademais, é forçoso reconhecer que a definição legal do “crime” de insider trading é extremamente vaga, criando mais insegurança jurídica, a qual a regra supostamente visa a proteger. O Estado pode usar a regra que coíbe o insider trading para punir, eventualmente, alguém que obteve sucesso no mercado de capitais de forma honesta. Isso pode ocorrer porque é praticamente impossível diferenciar de forma clara e objetiva o insider trading que deve ser punido e as pesquisas especulativas legítimas feitas por um investidor.

Por outro lado, é óbvio que os próprios estatutos das companhias abertas vão prever formas de combater a prática do uso de informações sigilosas por parte de seus administradores, mas isso é algo que cabe à companhia fazer, punindo seus administradores por quebra da relação de confiança que deve existir entre eles.

Outro dever específico que a LSA impõe aos administradores da companhia está disciplinado em seu art. 156, segundo o qual “é vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse”. Aqui o que a legislação acionária tem em vista é evitar eventual conflito de interesses entre os administradores e a companhia, também no sentido de impedir que os mesmos se beneficiem de sua condição na empresa em detrimento de pessoas estranhas aos quadros administrativos. Assim, complementando a regra do caput do art. 156, dispõe o seu § 1.° que “ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros”. Em complemento, caso seja desobedecida a regra em questão, determina o § 2.° que “o negócio contratado com infração do disposto no § 1.° é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido”.

Por fim, a LSA ainda trata de outro dever específico dos administradores da companhia, que é justamente o dever de informação, aplicável sobretudo no âmbito das sociedades anônimas abertas. Com efeito, o seu art. 157 prevê que “o administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo de posse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular”.

Ainda sobre esse dever específico de informação, dispõe o § 1.° do artigo em comento que “o administrador de companhia aberta é obrigado a revelar à assembleia-geral ordinária, a pedido de acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social: a) o número dos valores mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou através de outras pessoas, no exercício anterior; b) as opções de compra de ações que tiver contratado ou exercido no exercício anterior; c) os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que tenha recebido ou esteja recebendo da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do mesmo grupo; d) as condições dos contratos de trabalho que tenham sido firmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível; e) quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia”.

No mesmo sentido, dispõe o § 4.° que “os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer deliberação da assembleia-geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia”.

Caso, todavia, os administradores entendam que a divulgação das informações referidas nos dispositivos acima mencionados (§§ 1.° e 4.°), pode trazer prejuízos para a companhia, podem recusar-se a prestá-las, nos termos do § 5.°, que assim estabelece: “os administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1.°, alínea e), ou deixar de divulgá-la (§ 4.°), se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, se for o caso”.

Por fim, prevê também o § 6.° que “os administradores da companhia aberta deverão informar imediatamente, nos termos e na forma determinados pela Comissão de Valores Mobiliários, a esta e às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, as modificações em suas posições acionárias na companhia”.

6.3.11.2.3.2. Responsabilidades dos administradores

Quando iniciamos o estudo das sociedades personificadas, destacamos que as sociedades empresárias, por serem pessoas jurídicas – isto é, entes personalizados aos quais o ordenamento jurídico confere a possibilidade de adquirir direitos e contrair obrigações – exercem elas mesmas a atividade empresarial constitutiva do seu objeto social, e, consequentemente, são as próprias sociedades empresárias que respondem pelas obrigações que assumirem. Essa ideia, repita-se, está associada diretamente à consagração do princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, reconhecido pelo nosso ordenamento jurídico no art. 1.024 do CC.

Da mesma forma, vimos também que, como as pessoas jurídicas não possuem vontade, elas sempre atuam por meio de seus órgãos administrativos, os quais, por sua vez, são compostos por pessoas físicas, os chamados administradores, que na sociedade anônima são os conselheiros e os diretores.

Pois bem. Diante do exposto, não obstante saibamos que são os administradores da companhia que a representam legalmente – ou, melhor dizendo, a presentam – nos negócios jurídicos dos quais ela participa cotidianamente, eles não o fazem em seu nome. Ao contrário, eles agem, conforme já vimos, como a própria sociedade. Na qualidade de meros órgãos, quando eles atuam, quem está atuando, propriamente, é a própria sociedade. Os administradores, portanto, apenas exteriorizam a vontade da sociedade. Sendo assim, a responsabilidade pelos atos de gestão dos negócios sociais por eles praticados não recai sobre os mesmos, mas sobre a própria companhia.

Portanto, de acordo com o art. 158 da LSA, “o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei ou do estatuto”.

Veja-se, pois, que quem responde pelos atos de gestão dos administradores da companhia é a própria companhia. Caberá a ela, no máximo, exigir reparação civil de danos eventualmente causados por atos dos administradores que (i) tenham agido com culpa ou dolo ou que (ii) violem o estatuto ou a lei.

Como a sociedade anônima, não raro, possui mais de um administrador, a legislação acionária preocupou-se especificamente em disciplinar a responsabilidade de um administrador por atos praticados por outro administrador. Nesse sentido, inicialmente dispõe a LSA, em seu art. 158, § 1.° que “o administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral”. Assim, em princípio um administrador não responde por atos ilícitos de outros administradores, salvo se agir com conivência ou negligência em relação aos mesmos, quando deles tiver conhecimento. Se, por outro lado, toma as medidas que lhe cabem, como a cientificação dos órgãos competentes, exime-se totalmente de qualquer responsabilidade.

No entanto, se um determinado administrador, descumprindo dever imposto pela lei referente ao funcionamento normal dos negócios da sociedade, causa prejuízos à companhia, todos os administradores são solidariamente responsáveis por esses prejuízos, ainda que os deveres descumpridos não fossem incumbência específica de todos ou de alguns deles. É o que determina a regra do § 2.° do art. 158 da LSA: “os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles”. Essa regra tem aplicação específica, todavia, nas sociedades anônimas fechadas, uma vez que, segundo o § 3.°, “nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2.° ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4.°, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres”. Este § 4.°, por sua vez, dispõe que “o administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3.°, deixar de comunicar o fato a assembleia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável”.

A situação, em resumo, é a seguinte: (i) tratando-se de companhia fechada, aplica-se a regra do § 2.°, ou seja, os administradores são solidariamente responsáveis, ainda que o dever legal descumprido não seja atribuição específica de algum(ns) deles; (ii) tratando-se de companhia aberta, em princípio só são responsáveis os administradores cujo dever legal descumprido seja atribuição específica deles; (iii) ainda em se tratando de companhia aberta, mesmo que um administrador não tivesse atribuição específica de dar cumprimento ao dever legal descumprido, ele responderá solidariamente se tomou conhecimento do fato e não o comunicou à assembleia-geral.

A mesma responsabilidade solidária, ressalte-se, recai sobre qualquer pessoa que tenha concorrido para a prática violadora da lei ou do estatuto em que incorreu o administrador. É o que determina o § 5.° do art. 158: “responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto”.

Visto, portanto, que quem responde pelos atos de gestão dos administradores da companhia é a própria companhia, cabendo a ela, quando muito, exigir dos administradores respectivos a responsabilização civil pelos danos eventualmente causados por seus atos, nos termos das regras que analisamos acima, deve a sociedade promover essa responsabilização ingressando com ação própria, que a LSA chama de ação de responsabilidade.

De acordo com o art. 159 da LSA, “compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio”. Em princípio, frise-se, a deliberação acerca da propositura da referida ação contra os administradores compete à assembleia-geral ordinária, já que é ela quem possui competência, nos termos do art. 132, inciso I, da LSA, para tomar as contas dos administradores. Todavia, pode também a deliberação pela propositura de ação de responsabilidade ser tomada em assembleia-geral extraordinária, caso alguma questão discutida e deliberada nela acarrete essa necessidade. Nesse sentido, dispõe o § 1.° do artigo em comento: “a deliberação poderá ser tomada em assembleia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for consequência direta de assunto nela incluído, em assembleia-geral extraordinária”.

Uma vez deliberada a propositura da referida ação de responsabilidade, caso o(s) administrador(es) ainda esteja(m) exercendo mandato, deve haver imediatamente o seu impedimento e a consequente substituição, conforme disposto no § 2.° do art. 159: “o administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembleia”.

Obviamente, cabe à própria sociedade, em princípio, propor a ação de responsabilidade contra o(s) administrador(es). No entanto, caso a companhia fique inerte após a deliberação pela propositura da ação, esta poderá ser ajuizada por qualquer acionista, conforme determinação do § 3.° do art. 159: “qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembleia-geral”.

E se a companhia deliberar pela não propositura da ação, será que ainda assim algum acionista pode ajuizá-la? Quem responde a essa indagação é o § 4.° do art. 159, segundo o qual “se a assembleia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social”. Veja-se que aqui não se faculta a um acionista, isoladamente, propor a ação, mas apenas a um conjunto de acionistas que, reunidos, somem no mínimo 5% de todo o capital social. No entanto, defendem alguns doutrinadores que, se a decisão pela não propositura da ação decorrer de voto abusivo do controlador, um único acionista, isoladamente, teria legitimidade para buscar, judicialmente, a responsabilização dos administradores, bastando, para tanto, que primeiro pleiteasse a anulação da deliberação, com fundamento no art. 117, § 1.°, alínea g, da LSA.

Ressalte-se ainda que, como não poderia deixar de ser, mesmo que a ação de responsabilidade seja ajuizada por um acionista (§ 3.°) ou por grupo de acionistas (§ 4.°), o resultado da ação, caso ela seja bem-sucedida, será revertido em favor da própria sociedade, e não dos acionistas que ajuizaram a demanda. Cabe a estes acionistas demandantes, tão somente, o ressarcimento das despesas que realizaram para ingressar em juízo. É o que dispõe de forma clara o § 5.° do mesmo art. 159: “os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados”.

Mais uma vez corroborando o entendimento sustentado no tópico antecedente, de que a obrigação dos administradores é de meio, e não de resultado, dispõe o § 6.° do art. 159 que “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia”. Vê-se, pois, que a lei não exige que o administrador seja necessariamente bem-sucedido na sua gestão; basta que o mesmo tenha agido de boa-fé e no interesse da companhia, além do que, é claro, tenha usado das boas técnicas de administração de empresas.

Da mesma forma, também fica excluída a responsabilidade dos administradores, conforme já destacamos, se a assembleia-geral aprovar, sem reservas, suas contas e demonstrações financeiras (implicando tal decisão em quitação das contas), salvo erro, dolo, fraude ou simulação (art. 134, § 3.°, da LSA; REsp 257.573/DF, Relator Ministro Waldemar Zveiter, Relator p/ Acórdão Ministro Ari Pargendler, DJ 25.06.2001, p. 172). Nesse caso, frise-se, só uma decisão judicial posterior pode anular a decisão da assembleia-geral, em ação cujo prazo prescricional para a propositura é de 02 (dois anos) (art. 286 da LSA). Portanto, se a sociedade quiser, posteriormente, ingressar com ação de responsabilidade contra os administradores, não bastará a ela deliberar pela propositura da ação em nova assembleia. Terá, antes, que pleitear judicialmente a anulação da deliberação que aprovou suas contas e demonstrações financeiras, sem reservas, conforme a jurisprudência majoritária do STJ e a doutrina.

Direito Comercial. Sociedade por ações. Ação anulatória de deliberação de assembleia-geral e ação de responsabilidade do administrador. Prescrição. Contagem do prazo. Lei n.° 6.404, de 15.12.1976, arts. 134, § 3.°, 159, 286 e 287, II, b, 2. Interpretação. I – Considera-se prescrita a ação de responsabilidade de administrador que teve suas contas aprovadas sem reservas pela assembleia-geral, se esta não foi anulada dentro do biênio legal, mas só posteriormente, por deliberação de outra assembleia-geral, a partir de cuja publicação da ata se pretendeu contar o triênio extintivo. II – Ofensa aos citados textos legais caracterizada. III – Recurso especial conhecido e provido (STJ, REsp 256.596/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. p/ Acórdão Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 18.06.2001, p. 150).

Comercial. Prescrição. Sociedade anônima. Aprovação das contas dos administradores. A aprovação das contas pela assembleia-geral implica quitação, sem cuja anulação os administradores não podem ser chamados à responsabilidade. Recurso especial não conhecido (STJ, REsp 257.573/DF, Rel. Min. Waldemar Zveiter, Rel. p/ Acórdão Min. Ari Pargendler, DJ 25.06.2001, p. 172).

Por fim, registre-se que a própria LSA ressalva, no § 7.° do art. 159, que a ação de responsabilidade da companhia contra o administrador não se confunde com eventuais ações que qualquer acionista ou terceiro ingresse contra o mesmo, em razão de prejuízos diretos que seus atos lhes tenha eventualmente causado. Eis o teor da norma em comentário: “a ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador”.

6.3.11.2.3.3. Ação social de responsabilidade x ação individual de responsabilidade

Quando o administrador pratica atos de gestão que causam prejuízos, é preciso ter muito cuidado para saber se a ação de responsabilidade ajuizada contra ele visa à reparação de prejuízos sociais (indiretos) ou pessoais (diretos). No primeiro caso, a ação de responsabilidade é social, devendo seu resultado beneficiar a própria sociedade, conforme exposto no parágrafo acima. No segundo caso, a ação de responsabilidade é individual, devendo seu resultado beneficiar o acionista diretamente prejudicado.

A ação social de responsabilidade, como vimos acima, está subordinada a uma série de requisitos legais, previstos nos §§ 1.° a 6.° do art. 159 da Lei 6.404/1976. Por outro lado, a ação individual de responsabilidade não se submete a nenhum desses requisitos, amparando-se tão somente no § 7.° do art. 159.

Quando são alegados danos sociais, os quais atingem diretamente a sociedade, mas apenas indiretamente os acionistas, deve-se propor a ação social de responsabilidade, e não de ação individual, nos termos da jurisprudência do STJ:

Processual civil e societário. Ação proposta por acionistas minoritários em face de administradores que supostamente subcontabilizam receitas. Ajuizamento de ação individual para ressarcimento de danos causados à sociedade empresária. Ilegitimidade ativa reconhecida. – Os danos diretamente causados à sociedade, em regra, trazem reflexos indiretos a todos os seus acionistas. Com o ressarcimento dos prejuízos à companhia, é de se esperar que as perdas dos acionistas sejam revertidas. Por isso, se os danos narrados na inicial não foram diretamente causados aos acionistas minoritários, não detém eles legitimidade ativa para a propositura de ação individual com base no art. 159, § 7.°, da Lei das Sociedades por Ações. Recurso Especial não conhecido (REsp 1.014.496/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 04.03.2008, DJe 1.°.04.2008).

Civil, processual e societário. Ação de indenização. Acionistas minoritários. Administradores. Alegação de danos causados à sociedade. Prejuízo indireto aos sócios. Prejuízo direto à empresa. Ajuizamento de ação individual. Ilegitimidade ativa. Reconhecimento. Ação social. Lei das Sociedades Anônimas, art. 159, §§ 1.° a 7.°. Exegese. Extinção do processo sem julgamento do mérito. I. Tratando-se de alegação de dano causado à sociedade, carecem de legitimidade ativa para a causa os acionistas autores, que buscam indevidamente, pela ação social, o ressarcimento por violação, em tese, a direitos individuais. II. Recurso especial não conhecido (REsp 1.002.055/SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 09.12.2008, DJe 23.03.2009).

Portanto, um acionista ou terceiro que eventualmente ingressar com a ação individual de responsabilidade prevista no art. 159, § 7.°, da LSA tem que tomar muito cuidado com a redação de sua petição inicial, porque se alegar danos causados à sociedade, e não deixar claro que prejuízos diretos sofreu, corre sério risco de ver sua ilegitimidade reconhecida, uma vez que a alegação de danos causados à sociedade dá ensejo apenas à ação social de responsabilidade.

6.3.11.3. Conselho fiscal

Completando a lista dos quatro órgãos de cúpula da sociedade anônima, disciplina a legislação acionária a composição, o funcionamento, a estrutura e as atribuições do conselho fiscal, órgão interno de fiscalização da gestão da administração da companhia e de assessoramento da assembleia-geral.

De acordo com o art. 161 da LSA, “a companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas”. Diante do que dispõe a norma em questão, costuma-se afirmar que o conselho fiscal, nas sociedades anônimas, é órgão de existência obrigatória, mas de funcionamento facultativo.

De fato, a lei afirma que toda companhia terá um conselho fiscal, mas que cabe ao estatuto dispor sobre o seu funcionamento, e este pode estabelecer, por exemplo, que o mesmo não funcione de modo permanente, mas apenas em determinados exercício sociais, quando houver pedido expresso de acionistas para a sua instalação, nos termos do § 2.°, do art. 161, que assim dispõe: “o conselho fiscal, quando o funcionamento não for permanente, será instalado pela assembleia-geral a pedido de acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) das ações com direito a voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará na primeira assembleia-geral ordinária após a sua instalação”. Ressalte-se que esse pedido de instalação pode ser feito em qualquer assembleia, ainda que a matéria não conste da ordem do dia. É o que prevê o § 3.° do mesmo art. 161: “o pedido de funcionamento do conselho fiscal, ainda que a matéria não conste do anúncio de convocação, poderá ser formulado em qualquer assembleia-geral, que elegerá os seus membros”.

Quanto à composição, dispõe o § 1.°, desse mesmo art. 161, da LSA que “o conselho fiscal será composto de, no mínimo, 3 (três) e, no máximo, 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, acionistas ou não, eleitos pela assembleia-geral”.

Como se trata de órgão fiscalizador, quis a legislação acionária que sua constituição fosse plural, a fim de propiciar a sua atuação com mais independência e imparcialidade. Nesse sentido, o § 4.° do art. 161 impõe as seguintes regras: “na constituição do conselho fiscal serão observadas as seguintes normas: a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto; b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demais acionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos e suplentes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitos nos termos da alínea a, mais um”. O mandato dos conselheiros fiscais dura até a próxima assembleia-geral ordinária, a qual, como visto, tem por atribuição específica elegê-los. Pode a AGO, inclusive, reeleger os membros atuais, de acordo com a previsão do § 6.° do art. 161: “os membros do conselho fiscal e seus suplentes exercerão seus cargos até a primeira assembleia-geral ordinária que se realizar após a sua eleição, e poderão ser reeleitos”. Destaque-se, ainda, que, como não poderia deixar de ser, as funções fiscalizatórias exercidas pelos membros do conselho fiscal são atribuições típicas desse órgão, não podendo eles, portanto, delegá-las a outras pessoas: “a função de membro do conselho fiscal é indelegável” (§ 7.°).

No que se refere aos requisitos para a participação como membro do conselho fiscal, dispõe o art. 162 da LSA que “somente podem ser eleitos para o conselho fiscal pessoas naturais, residentes no País, diplomadas em curso de nível universitário, ou que tenham exercido por prazo mínimo de 3 (três) anos, cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal”. O § 1.° do referido dispositivo prevê, por sua vez, que “nas localidades em que não houver pessoas habilitadas, em número suficiente, para o exercício da função, caberá ao juiz dispensar a companhia da satisfação dos requisitos estabelecidos neste artigo”.

Por outro lado, quanto aos impedimentos legais, estabelece o § 2.° do mesmo dispositivo que “não podem ser eleitos para o conselho fiscal, além das pessoas enumeradas nos parágrafos do artigo 147, membros de órgãos de administração e empregados da companhia ou de sociedade controlada ou do mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até terceiro grau, de administrador da companhia”. Os parágrafos do art. 147 da LSA, apenas relembrando, estabelecem os requisitos e impedimentos para o exercício da função de administrador da companhia (membros do conselho de administração e da diretoria).

Assim como ocorre com os administradores da companhia (conselheiros da administração e diretores), os conselheiros fiscais também recebem remuneração pelo desempenho de suas funções, nos termos do art. 162, § 3.°, que assim dispõe: “a remuneração dos membros do conselho fiscal, além do reembolso, obrigatório, das despesas de locomoção e estada necessárias ao desempenho da função, será fixada pela assembleia-geral que os eleger, e não poderá ser inferior, para cada membro em exercício, a dez por cento da que, em média, for atribuída a cada diretor, não computados benefícios, verbas de representação e participação nos lucros”.

A competência do conselho fiscal está fixada no art. 163 da LSA, qual seja: “I – fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários; II – opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer as informações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembleia-geral; III – opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidas à assembleia-geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão; IV – denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembleia-geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia; V – convocar a assembleia-geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais de 1 (um) mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das assembleias as matérias que considerarem necessárias; VI – analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela companhia; VII – examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar; VIII – exercer essas atribuições, durante a liquidação, tendo em vista as disposições especiais que a regulam”.

Para que os membros do conselho fiscal possam exercer de maneira eficiente as atribuições acima descritas, estabelece o § 1.° do art. 163 que “os órgãos de administração são obrigados, através de comunicação por escrito, a colocar à disposição dos membros em exercício do conselho fiscal, dentro de 10 (dez) dias, cópias das atas de suas reuniões e, dentro de 15 (quinze) dias do seu recebimento, cópias dos balancetes e demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente e, quando houver, dos relatórios de execução de orçamentos”.

No mesmo sentido, a lei ainda lhes oferece prerrogativas específicas. Assim, dispõem, respectivamente, os §§ 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 8.°, do mesmo art. 163, que (i) “o conselho fiscal, a pedido de qualquer dos seus membros, solicitará aos órgãos de administração esclarecimentos ou informações, desde que relativas à sua função fiscalizadora, assim como a elaboração de demonstrações financeiras ou contábeis especiais”, que (ii) “os membros do conselho fiscal assistirão às reuniões do conselho de administração, se houver, ou da diretoria, em que se deliberar sobre os assuntos em que devam opinar (ns. II, III e VII)”, que (iii) “se a companhia tiver auditores independentes, o conselho fiscal, a pedido de qualquer de seus membros, poderá solicitar-lhes esclarecimentos ou informações, e a apuração de fatos específicos”, que (iv) “se a companhia não tiver auditores independentes, o conselho fiscal poderá, para melhor desempenho das suas funções, escolher contador ou firma de auditoria e fixar-lhes os honorários, dentro de níveis razoáveis, vigentes na praça e compatíveis com a dimensão econômica da companhia, os quais serão pagos por esta”, e que (v) “o conselho fiscal poderá, para apurar fato cujo esclarecimento seja necessário ao desempenho de suas funções, formular, com justificativa, questões a serem respondidas por perito e solicitar à diretoria que indique, para esse fim, no prazo máximo de trinta dias, três peritos, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas, de notório conhecimento na área em questão, entre os quais o conselho fiscal escolherá um, cujos honorários serão pagos pela companhia”.

Ressalte-se que essas são prerrogativas típicas do conselho fiscal, constituídas em seu favor justamente para que ele exerça com eficiência sua função fiscalizatória. Portanto, “as atribuições e poderes conferidos pela lei ao conselho fiscal não podem ser outorgados a outro órgão da companhia”, conforme disposto no § 7.°, do art. 163 da LSA.

Destaque-se, em contrapartida, que os acionistas também possuem direito de tomar conhecimento sobre a gestão dos negócios sociais, razão pela qual “o conselho fiscal deverá fornecer ao acionista, ou grupo de acionistas que representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital social, sempre que solicitadas, informações sobre matérias de sua competência” (art. 163, § 6.°, da LSA).

No mesmo sentido, o art. 164 da LSA também determina que “os membros do conselho fiscal, ou ao menos um deles, deverão comparecer às reuniões da assembleia-geral e responder aos pedidos de informações formulados pelos acionistas”. Complementando a regra do caput, seu parágrafo único dispõe que “os pareceres e representações do conselho fiscal, ou de qualquer um de seus membros, poderão ser apresentados e lidos na assembleia-geral, independentemente de publicação e ainda que a matéria não conste da ordem do dia”.

Por fim, no que tange aos deveres e às responsabilidades dos conselheiros fiscais, a LSA estabelece regras muito parecidas com as aplicáveis aos administradores da companhia (membros do conselho de administração e diretores). Com efeito, o seu art. 165 determina que “os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores de que tratam os arts. 153 a 156 e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto”.

Seguindo a mesma linha, o § 1.° desse dispositivo determina ainda que “os membros do conselho fiscal deverão exercer suas funções no exclusivo interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o exercício da função com o fim de causar dano à companhia, ou aos seus acionistas ou administradores, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia, seus acionistas ou administradores”.

No que se refere à responsabilidade de conselheiro fiscal por ato de outro conselheiro, a LSA também previu que, em princípio, ele não é responsável, salvo se houver conivência ou se o ato ilícito decorrer de atuação conjunta ou concorrente. É o que dispõe o § 2.° do art. 165: “o membro do conselho fiscal não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles foi conivente, ou se concorrer para a prática do ato”. Já quanto à responsabilidade por atos omissivos, a regra aplicável é a do § 3.°, segundo a qual “a responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omissão no cumprimento de seus deveres é solidária, mas dela se exime o membro dissidente que fizer consignar sua divergência em ata da reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da administração e à assembleia-geral”.

Por fim, em obediência ao dever de informação, o art. 165-A da LSA estabelece que “os membros do conselho fiscal da companhia aberta deverão informar imediatamente as modificações em suas posições acionárias na companhia à Comissão de Valores Mobiliários e às Bolsas de Valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os valores mobiliários de emissão da companhia estejam admitidos à negociação, nas condições e na forma determinadas pela Comissão de Valores Mobiliários”.

6.3.12. Livros sociais e demonstrações contábeis

Já vimos, no capítulo II, que, de acordo com o art. 1.179 do CC todos os empresários e sociedades empresárias são obrigados a seguir um sistema de contabilidade baseado na escrituração de seus livros e a levantar anualmente os balanços patrimonial e de resultado econômico. Trata-se do dever de escrituração do empresário.

A sociedade anônima, além de ter que escriturar os livros obrigatórios comuns a quaisquer empresários, tem ainda que escriturar alguns livros específicos, conforme disposto no art. 100 da LSA: “Art. 100. A companhia deve ter, além dos livros obrigatórios para qualquer comerciante, os seguintes, revestidos das mesmas formalidades legais: I – o livro de Registro de Ações Nominativas, para inscrição, anotação ou averbação: a) do nome do acionista e do número das suas ações; b) das entradas ou prestações de capital realizado; c) das conversões de ações, de uma em outra espécie ou classe; d) do resgate, reembolso e amortização das ações, ou de sua aquisição pela companhia; e) das mutações operadas pela alienação ou transferência de ações; f) do penhor, usufruto, fideicomisso, da alienação fiduciária em garantia ou de qualquer ônus que grave as ações ou obste sua negociação. II – o livro de “Transferência de Ações Nominativas”, para lançamento dos termos de transferência, que deverão ser assinados pelo cedente e pelo cessionário ou seus legítimos representantes; III – o livro de “Registro de Partes Beneficiárias Nominativas” e o de “Transferência de Partes Beneficiárias Nominativas”, se tiverem sido emitidas, observando-se, em ambos, no que couber, o disposto nos números I e II deste artigo; IV – o livro de Atas das Assembleias-Gerais; V – o livro de Presença dos Acionistas; VI – os livros de Atas das Reuniões do Conselho de Administração, se houver, e de Atas das Reuniões de Diretoria; VII – o livro de Atas e Pareceres do Conselho Fiscal”.

Vale destacar que em 2011 uma importante alteração foi feita na LSA sobre esse assunto, permitindo-se que os livros mencionados no art. 100 sejam escriturados de forma eletrônica: “§ 2.° Nas companhias abertas, os livros referidos nos incisos I a V do caput deste artigo poderão ser substituídos, observadas as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, por registros mecanizados ou eletrônicos. (Redação dada pela Lei 12.431, de 2011)”. Merece crítica, porém, o fato de o legislador ter se limitado a permitir a escrituração eletrônica somente dos livros do art. 100 e exclusivamente para as companhias abertas. Atualmente, com o avanço tecnológico atingido, é descabido não permitir que toda a escrituração, de qualquer sociedade e de quaisquer livros, seja feita eletronicamente.

No caso das sociedades anônimas, a LSA também se preocupou em disciplinar suas obrigações contábeis e escriturais, determinando em seu art. 176 que “ao fim de cada exercício social, a diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício: I – balanço patrimonial; II – demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; III – demonstração do resultado do exercício; e IV – demonstração dos fluxos de caixa; e V – se companhia aberta, demonstração do valor adicionado”. De acordo com o § 6.° do art. 176, “a companhia fechada com patrimônio líquido, na data do balanço, inferior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) não será obrigada à elaboração e publicação da demonstração dos fluxos de caixa”.

A preocupação da LSA com a escrituração das companhias é tão grande que o § 4.° do art. 176 determina que “as demonstrações serão complementadas por notas explicativas e outros quadros analíticos ou demonstrações contábeis necessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício”.

Segundo o § 5.°, inciso IV, do art. 176 da LSA, as notas explicativas devem indicar: “a) os principais critérios de avaliação dos elementos patrimoniais, especialmente estoques, dos cálculos de depreciação, amortização e exaustão, de constituição de provisões para encargos ou riscos, e dos ajustes para atender a perdas prováveis na realização de elementos do ativo; b) os investimentos em outras sociedades, quando relevantes (artigo 247, parágrafo único); c) o aumento de valor de elementos do ativo resultante de novas avaliações (artigo 182, § 3.°); d) os ônus reais constituídos sobre elementos do ativo, as garantias prestadas a terceiros e outras responsabilidades eventuais ou contingentes; e) a taxa de juros, as datas de vencimento e as garantias das obrigações a longo prazo; f) o número, espécies e classes das ações do capital social; g) as opções de compra de ações outorgadas e exercidas no exercício; h) os ajustes de exercícios anteriores (artigo 186, § 1.°); i) os eventos subsequentes à data de encerramento do exercício que tenham, ou possam vir a ter, efeito relevante sobre a situação financeira e os resultados futuros da companhia”.

6.3.13. Lucros e dividendos

Dentre as principais funções das demonstrações contábeis está a de definir o lucro líquido da sociedade ao fim do exercício social. De acordo com o art. 175 da LSA, “o exercício social terá duração de 1 (um) ano e a data do término será fixada no estatuto”. O parágrafo único desse dispositivo, por sua vez, prevê que “na constituição da companhia e nos casos de alteração estatutária o exercício social poderá ter duração diversa”.

Segundo o art. 189 da LSA, “do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto sobre a Renda”. Veja-se, pois, que nem sempre a sociedade terá lucro para repartir entre os acionistas. Havendo prejuízo no exercício, a lei estabelece que ele deve ser absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros da companhia e pela reserva legal. É o que dispõe o parágrafo único do art. 189: “o prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem”.

Quanto às participações estatutárias, determina o art. 190 da LSA que “as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada”.

Feitas, então, todas as deduções acima mencionadas, chegar-se-á ao lucro líquido do exercício, nos termos do art. 191 da LSA: “lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190”. Em resumo: o lucro líquido é o resultado do exercício, depois de deduzidos (i) os prejuízos acumulados, (ii) a provisão para o imposto de renda e (iii) as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias.

Após a definição do lucro líquido, nos termos acima descritos, cabe à assembleia-geral ordinária deliberar sobre a sua destinação, após análise da proposta elaborada pelos órgãos de administração da companhia. É o que dispõe o art. 192 da LSA: “juntamente com as demonstrações financeiras do exercício, os órgãos da administração da companhia apresentarão à assembleia-geral ordinária, observado o disposto nos artigos 193 a 203 e no estatuto, proposta sobre a destinação a ser dada ao lucro líquido do exercício”. Nesse sentido, pode-se concluir que mesmo a existência de lucro líquido em determinado exercício não assegura aos acionistas a sua distribuição, cabendo à assembleia essa decisão, conforme as circunstâncias.

Assim, a assembleia-geral ordinária (i) pode deliberar pela distribuição do lucro líquido como dividendos entre os acionistas ou (ii) pode deliberar pela apropriação do lucro líquido como reserva de lucros pela companhia.

É preciso destacar, todavia, que a própria lei já estabelece a apropriação de um percentual do lucro líquido como reserva para a companhia. Trata-se da chamada reserva legal, disciplinada no art. 193 da LSA: “do lucro líquido do exercício, 5% (cinco por cento) serão aplicados, antes de qualquer outra destinação, na constituição da reserva legal, que não excederá de 20% (vinte por cento) do capital social”. O § 1.° desse dispositivo traz uma exceção, prevendo que “a companhia poderá deixar de constituir a reserva legal no exercício em que o saldo dessa reserva, acrescido do montante das reservas de capital de que trata o § 1.° do artigo 182, exceder de 30% (trinta por cento) do capital social”.

A lei não apenas cuidou de criar essa reserva legal, mas também se preocupou em definir sua função, o que fez no § 2.° do art. 193: “a reserva legal tem por fim assegurar a integridade do capital social e somente poderá ser utilizada para compensar prejuízos ou aumentar o capital”.

Além da reserva legal, o próprio estatuto pode prever outras reservas, com finalidades específicas. É o que prevê o art. 194 da LSA: “o estatuto poderá criar reservas desde que, para cada uma: I – indique, de modo preciso e completo, a sua finalidade; II – fixe os critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que serão destinados à sua constituição; e III – estabeleça o limite máximo da reserva”.

A própria assembleia-geral também pode criar algumas reservas. Assim, por exemplo, ocorre com a reserva para contingências, prevista no art. 195 da LSA: “a assembleia-geral poderá, por proposta dos órgãos da administração, destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda julgada provável, cujo valor possa ser estimado”. Nesse caso, dispõe o § 1.° que “a proposta dos órgãos da administração deverá indicar a causa da perda prevista e justificar, com as razões de prudência que a recomendem, a constituição da reserva”. Já o § 2.°, por sua vez, dispõe que “a reserva será revertida no exercício em que deixarem de existir as razões que justificaram a sua constituição ou em que ocorrer a perda”.

Outro exemplo de reserva que pode ser criada pela assembleia-geral é a reserva de incentivos fiscais, esta uma novidade criada pela Lei 11.638/2007, que incluiu o art. 195-A na LSA: “a assembleia-geral poderá, por proposta dos órgãos de administração, destinar para a reserva de incentivos fiscais a parcela do lucro líquido decorrente de doações ou subvenções governamentais para investimentos, que poderá ser excluída da base de cálculo do dividendo obrigatório (inciso I do caput do art. 202 desta Lei)”.

Outra reserva que pode ser criada pela assembleia-geral é a reserva de lucros a realizar, prevista no art. 197 da LSA: “no exercício em que o montante do dividendo obrigatório, calculado nos termos do estatuto ou do art. 202, ultrapassar a parcela realizada do lucro líquido do exercício, a assembleia-geral poderá, por proposta dos órgãos de administração, destinar o excesso à constituição de reserva de lucros a realizar”.

Além dessas reservas, a assembleia-geral ainda pode deliberar pela retenção de lucros, nos termos do art. 196 da LSA: “a assembleia-geral poderá, por proposta dos órgãos da administração, deliberar reter parcela do lucro líquido do exercício prevista em orçamento de capital por ela previamente aprovado”.

Ressalte-se, entretanto, que existem limites legais para a constituição de tais reservas e para a determinação da retenção dos lucros. Nesse sentido, determina a LSA, em seu art. 198, que “a destinação dos lucros para constituição das reservas de que trata o artigo 194 e a retenção nos termos do artigo 196 não poderão ser aprovadas, em cada exercício, em prejuízo da distribuição do dividendo obrigatório (artigo 202)”. No mesmo sentido, estabelece o art. 199 da LSA que “o saldo das reservas de lucros, exceto as para contingências, de incentivos fiscais e de lucros a realizar, não poderá ultrapassar o capital social. Atingindo esse limite, a assembleia deliberará sobre aplicação do excesso na integralização ou no aumento do capital social ou na distribuição de dividendos”.

6.4.   Sociedade em nome coletivo

Trata-se, segundo a doutrina comercialista, do mais antigo tipo societário medieval. Sua origem está nas comunidades familiares italianas da Idade Média, que consistiam, grosso modo, em associações decorrentes de laços familiares, às quais se atribuem diversas nomenclaturas: fraternitates, societates, collegia etc.

A principal característica dessa sociedade, como destacado na passagem doutrinária acima transcrita, é a responsabilidade ilimitada dos sócios que a compõem, ou seja, esgotado o patrimônio da sociedade em nome coletivo, seus credores podem executar o restante das dívidas sociais no patrimônio pessoal dos sócios. Nesse sentido, dispõe o Código Civil, em seu art. 1.039, que “somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais”. Vê-se, pois, que a sociedade em nome coletivo não admite sócio pessoa jurídica.

Cumpre destacar a norma do parágrafo único do art. 1.039, acima referido, segundo a qual “sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros, podem os sócios, no ato constitutivo, ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilidade cada um”. Note-se bem que a limitação de responsabilidade que os sócios podem estabelecer produz efeitos somente entre eles, e não a terceiros. Nem poderia ser diferente, uma vez que, sendo essa limitação de responsabilidade estabelecida por meio de contrato (contrato social ou convenção posterior), só produz efeitos entre as partes contratantes, não sendo oponível a terceiros. Perante os credores da sociedade, portanto, a responsabilidade dos sócios de uma sociedade em nome coletivo é sempre ilimitada. Havendo, todavia, a previsão contratual de limitação de responsabilidade entre eles, isso repercutirá apenas “internamente”, dando ensejo, por exemplo, ao direito de regresso de um sócio contra outro.

Sendo uma sociedade contratual, assim como a sociedade limitada, a sociedade em nome coletivo é regida, subsidiariamente, pelas normas da sociedade simples, conforme disposição normativa constante do art. 1.040 do Código Civil, e o seu contrato social deve conter as cláusulas gerais previstas no art. 997 do Código, conforme determina o art. 1.041.

Ademais, sendo a sociedade em nome coletivo modelo societário em que os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais, subentende-se que (i) ela deve sempre adotar firma social como espécie de nome empresarial (art. 1.041, parte final, c/c o art. 1.157 do CC), (ii) não se admite a participação de incapazes, (iii) os sócios têm ampla liberdade para disciplinar as suas relações sociais, desde que não desnaturem o tipo societário escolhido, (iv) ela é uma sociedade de pessoas, dependendo de consentimento dos demais sócios a entrada de estranhos ao quadro social e (v) a sua administração compete aos próprios sócios, não se admitindo a designação de não sócio para o desempenho de tal mister (art. 1.042 do Código Civil).

Como nas sociedades em nome coletivo a affectio societatis é muito forte, o quadro societário delas é bastante estável, tanto que o Código Civil prevê, em seu art. 1.043, que “o credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor”, salvo se “a sociedade houver sido prorrogada tacitamente” (parágrafo único, inciso I) ou “tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida judicialmente oposição do credor, levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório” (parágrafo único, inciso II).

Por fim, dispõe o Código Civil, em seu art. 1.044, que a sociedade em nome coletivo “se dissolve de pleno direito por qualquer das causas enumeradas no art. 1.033 e, se empresária, também pela declaração da falência”.

6.5.   Sociedade em comandita simples

Não há consenso quanto à origem histórica das sociedades em comandita simples, havendo quem aponte sua origem na própria sociedade em nome coletivo – a comandita simples seria uma evolução dela, acrescida da característica de responsabilidade limitada de alguns sócios.

Todavia, parece-nos que a origem dessas sociedades está nas commendas medievais, uma espécie de contrato especial em que um “capitalista” – chamado de comanditário – entregava dinheiro ou bens a navegadores ou mercadores, a fim de que estes os negociassem, repartindo-se os lucros posteriormente. Essas commendas foram se desenvolvendo com o passar dos anos, e uma de suas principais características era justamente a responsabilidade limitada dos sócios capitalistas, os chamados comanditários.

As commendas tinham, assim, duas categorias de sócios: os que investiam bens ou capital no empreendimento – chamados de comanditários e a quem o direito reservava responsabilidade limitada aos bens ou capital investidos – e os que efetivamente negociavam com esses bens ou capital – que respondiam ilimitadamente.

É com esse perfil que a sociedade em comandita simples está acolhida em nosso ordenamento jurídico, dispondo o Código Civil, em seu art. 1.045, que “na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota”. Cabe ao contrato social, registre-se, especificar claramente quem são os comanditados e quem são os comanditários (parágrafo único).

Como nesse tipo societário existem sócios de responsabilidade ilimitada, prevê o Código, em seu art. 1.046, caput, que “aplicam-se à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis (...)”. No mesmo sentido, no parágrafo único desse dispositivo se estabelece que “aos comanditados cabem os mesmos direitos e obrigações dos sócios da sociedade em nome coletivo”. Em suma: o regime jurídico do sócio comanditado é o mesmo do sócio da sociedade em nome coletivo, ou seja: (i) o comanditado tem que ser pessoa física, (ii) só o comanditado pode administrar a sociedade, (iii) só o nome do comanditado pode constar da firma social e (iv) a responsabilidade do comanditado é ilimitada.

A obrigação precípua do sócio comanditário, tal como ocorria nas commendas, é tão somente contribuir para a formação do capital social, contribuição esta que pode ser feita em dinheiro ou bens – mas não em serviços, como temos enfatizado no estudo das sociedades empresárias. Sua responsabilidade restringe-se a tanto, ou seja, uma vez efetivada a contribuição a que se comprometeu no contrato social, cumpriu sua obrigação social, não podendo os credores, em princípio, nada mais exigir dele, em função da limitação de responsabilidade que a lei lhe assegura.

Em contrapartida a essa limitação de responsabilidade, o Código, em seu art. 1.047, determina que “sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado”.

Vê-se, pois, que a administração da comandita simples compete apenas aos sócios comanditados, não obstante o Código Civil permita, em seu art. 1.047, parágrafo único, que o comanditário seja “constituído procurador da sociedade, para negócio determinado e com poderes especiais”.

Da mesma forma, somente os nomes dos sócios comanditados podem constar da firma social, uma vez que são estes os que respondem ilimitadamente pelas obrigações da sociedade (vide art. 1.157 do Código Civil).

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Por fim, destaque-se que a sociedade em comandita simples, tal como a sociedade em nome coletivo, dissolve-se de pleno direito por qualquer das causas previstas no art. 1.033 do Código Civil e também pela declaração de sua falência, se for empresária.

Mas o Código traz ainda outra hipótese de dissolução da comandita simples: segundo dispõe o art. 1.051, inciso II, a sociedade se dissolve “quando por mais de cento e oitenta dias perdurar a falta de uma das categorias de sócio”. Portanto, assim como a sociedade limitada não pode ficar com apenas um sócio (art. 1.033, inciso IV), a sociedade em comandita simples não pode subsistir com apenas uma categoria de sócio. Em suma, exige-se a pluralidade e a diversidade de sócios. Ficando a sociedade sem nenhum sócio comanditário ou comanditado, a lei concede prazo de 180 dias para que a sociedade se recomponha, sob pena de dissolução. Durante esses 180 dias, se a categoria de sócio que faltar for a dos comanditados, dispõe o Código, no parágrafo único do art. 1.051, que os comanditários nomearão administrador provisório para praticar, durante esse período e sem assumir a condição de sócio, os atos de administração.

6.6.   Sociedade em comandita por ações

Segundo a doutrina, a sociedade em comandita por ações é uma sociedade empresária híbrida: tem aspectos de sociedade em comandita e aspectos de sociedade anônima. Com efeito, a sociedade em comandita por ações, assim como as sociedades anônimas, tem o seu capital dividido em ações; e, assim como as sociedades em comandita simples, possui duas categorias distintas de sócios, uma com responsabilidade limitada e a outra com responsabilidade ilimitada.

Segundo o art. 1.090 do Código Civil, “a sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação”. No mesmo sentido, dispõe o art. 280 da LSA que “a sociedade em comandita por ações terá o capital dividido em ações e reger-se-á pelas normas relativas às companhias ou sociedades anônimas, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo”.

Enquanto na sociedade anônima, como visto, a responsabilidade de todos os acionistas é limitada, na sociedade em comandita por ações o acionista diretor, ou seja, aquele acionista que exerce função de administração da sociedade, responde ilimitadamente pelas obrigações sociais.

Com efeito, de acordo com o art. 1.091 do Código Civil, “somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor, responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade”. No mesmo sentido é a norma do art. 282 da LSA, que assim dispõe: “apenas o sócio ou acionista tem qualidade para administrar ou gerir a sociedade, e, como diretor ou gerente, responder subsidiária mas ilimitada e solidariamente, pelas obrigações da sociedade”. Havendo mais de um diretor, a lei estabelece a responsabilidade solidária entre eles, após esgotados os bens sociais (art. 1.091, § 1.°, do Código Civil).

De acordo com o art. 1.091, § 2.°, do Código (regra que é idêntica à do art. 282, § 1.°, da LSA) “os diretores serão nomeados no ato constitutivo da sociedade, sem limitação de tempo, e somente poderão ser destituídos por deliberação de acionistas que representem no mínimo dois terços do capital social”. E a legislação ainda se preocupou em estabelecer as responsabilidades dos acionistas diretores após o término dos seus respectivos mandatos. Nesse sentido, determina o art. 1.091, § 3.°, do Código (regra que, por sua vez, é semelhante à do art. 282, § 2.°, da LSA) que “o diretor destituído ou exonerado continua, durante dois anos, responsável pelas obrigações sociais contraídas sob sua administração”.

Perceba-se que, na sociedade em comandita por ações, em função de os diretores não serem eleitos pela assembleia-geral, mas simplesmente nomeados no ato constitutivo, e de, por isso, não terem mandato, a legislação lhes impõe regras severas quanto à sua responsabilidade, a qual, conforme salientamos, é ilimitada. Diante de tal fato, os poderes da assembleia-geral são limitados, não tendo ela competência para deliberar sobre certas matérias específicas que possam repercutir na responsabilidade dos acionistas diretores. Nesse sentido, estabelece o art. 1.092 do Código Civil que “a assembleia-geral não pode, sem o consentimento dos diretores, mudar o objeto essencial da sociedade, prorrogar-lhe o prazo de duração, aumentar ou diminuir o capital social, criar debêntures, ou partes beneficiárias”. No mesmo sentido é a regra do art. 283 da LSA, que ainda acrescenta uma vedação: a assembleia-geral também não pode “aprovar a participação em grupo de sociedade”.

No geral, pois, estas são as regras especiais aplicáveis às sociedades em comandita por ações, aplicando-se a elas, por conseguinte, as regras estabelecidas na Lei 6.404/1976, a LSA. Por tal razão, pode a comandita por ações abrir o seu capital, emitir valores mobiliários etc.

Por fim, registre-se apenas que, de acordo com o art. 284 da LSA, “não se aplica à sociedade em comandita por ações o disposto nesta Lei sobre conselho de administração, autorização estatutária de aumento de capital e emissão de bônus de subscrição”.

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6.7.   Sociedade cooperativa

Em 1971, foi editada a Lei 5.764, que definiu a Política Nacional de Cooperativismo e instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas no Brasil. As cooperativas também mereceram especial atenção da Constituição Federal de 1988, que permitiu a sua criação independentemente de autorização e vedou a interferência estatal no seu funcionamento (art. 5.°, inciso XVIII).

O Código Civil, ressalvando as disposições específicas da Lei do Cooperativismo (Lei 5.764/1971), também disciplinou as cooperativas, estabelecendo que elas são sempre sociedades simples, independentemente do seu objeto social (art. 982, parágrafo único), e detalhando suas principais características, no art. 1.094: “são características da sociedade cooperativa: I – variabilidade, ou dispensa do capital social; II – concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo; III – limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; IV – intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; V – quorum, para a assembleia-geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; VI – direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; VII – distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; VIII – indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade”.

Quanto à responsabilidade dos sócios, estabeleceu o art. 1.095 do Código Civil que “na sociedade cooperativa, a responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada. § 1.° É limitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde somente pelo valor de suas quotas e pelo prejuízo verificado nas operações sociais, guardada a proporção de sua participação nas mesmas operações. § 2.° É ilimitada a responsabilidade na cooperativa em que o sócio responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais”.

Por fim, dispõe o art. 1.096 do Código Civil: “no que a lei for omissa, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples, resguardadas as características estabelecidas no art. 1.094”.

6.7.1.   A problemática sobre a cláusula de unimilitância nos estatutos das cooperativas

A cláusula de unimilitância, à luz do direito privado, durante muito tempo foi admitida no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Agravo regimental. Recurso especial. UNIMED. Médico cooperado. Cláusula de exclusividade. Validade. 1 – Consoante entendimento desta Corte, é válida a cláusula do estatuto social que impõe aos médicos cooperados o dever de exclusividade, vedando a vinculação a outra congênere, sob pena de exclusão do seu quadro associativo. Precedentes. 2 – Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp 179.711/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 29.11.2005, DJ 19.12.2005, p. 411).

No entanto, quando a matéria foi analisada pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), à luz do direito concorrencial, entendeu-se que ela ofende o princípio da livre concorrência e configura, pois, prática anticompetitiva. Nesse sentido, confira-se o Enunciado 7 da Súmula de Jurisprudência do CADE:

“Constitui infração contra a ordem econômica a prática, sob qualquer forma manifestada, de impedir ou criar dificuldades a que médicos cooperados prestem serviços fora do âmbito da cooperativa, caso esta detenha posição dominante”.

O Superior Tribunal de Justiça já enfrentou a polêmica, prevalecendo a visão do direito antitruste:

Direito econômico. Livre concorrência. (...). UNIMED. Cooperativa de saúde. Submissão irrestrita às normas jurídicas que regulam a atividade econômica. Cláusula de exclusividade para médicos cooperados. Impossibilidade tanto sob o aspecto individual quanto sob o aspecto difuso. Inaplicabilidade ao profissional liberal do § 4.° do artigo 29 da Lei n. 5.764/71, que exige exclusividade. Causa de pedir remota vinculada a limitações à concorrência. Violação, pelo Tribunal de origem, do art. 20, incisos I, II e IV; do art. 21, incisos IV e V, ambos da Lei n. 8.884/94, e do art. 18, inciso III, da Lei n. 9.656/98. Infrações ao princípio da livre concorrência pelo agente econômico configuradas. (...) 2. A Constituição Federal de 1988, ao tratar do regime diferenciado das cooperativas não as excepcionou da observância do princípio da livre concorrência estabelecido pelo inciso IV do art. 170. 3. A causa de pedir remota nas lides relativas à cláusula de exclusividade travadas entre o cooperado e a cooperativa é diversa da causa de pedir remota nas lides relativas a direito de concorrência. No primeiro caso, percebe-se a proteção de suposto direito ou interesse individual; no segundo, a guarda de direito ou interesse difuso. Portanto, inaplicáveis os precedentes desta Corte pautados em suposto direito ou interesse individual. 4. Ao médico cooperado que exerce seu labor como profissional liberal, não se aplica a exigência de exclusividade do § 4.° do art. 29 da Lei n. 5.764/71, salvo quando se tratar de agente de comércio ou empresário. 5. A cláusula de exclusividade em tela é vedada pelo inciso III do art. 18 da Lei n. 9.656/98, mas, ainda que fosse permitida individualmente a sua utilização para evitar a livre concorrência, através da cooptação de parte significativa da mão de obra, encontraria óbice nas normas jurídicas do art. 20, I, II e IV, e do art. 21, IV e V, ambos da Lei n. 8.884/94. Portanto, violados pelo acórdão de origem todos aqueles preceitos. 6. Ainda que a cláusula de exclusividade não fosse vedada, a solução minimalista de reputar lícita para todo o sistema de cláusula contratual, somente por seus efeitos individuais serem válidos, viola a evolução conquistada com a criação da Ação Civil Pública, com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, com o fortalecimento do Ministério Público, com a criação do Código de Defesa do Consumidor, com a revogação do Código Civil individualista de 1916, com a elaboração de um futuro Código de Processos Coletivos e com diversos outros estatutos que celebram o interesse público primário. Recurso especial provido (REsp 1.172.603/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2.ª Turma, j. 04.03.2010, DJe 12.03.2010).

6.8.   A antiga sociedade de capital e indústria

O Código Comercial de 1850 tratava, em seus arts. 317 a 324, da chamada sociedade de capital e indústria. O Código Civil de 2002, todavia, não a acolheu como tipo societário específico.

A principal característica desse tipo societário era a possibilidade de contribuição de um dos sócios por meio da prestação de serviços. Havia, portanto, duas categorias de sócios: de um lado, o sócio capitalista, que contribuía com dinheiro ou bens para a formação do capital social; de outro, o sócio de indústria, que contribuía com a sua força de trabalho, ou seja, com a prestação de serviços. Vale lembrar ainda que o Código Comercial regulava de maneira distinta a responsabilidade de cada categoria de sócio: o sócio capitalista assumia responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais (art. 320); já o sócio de indústria não se responsabilizava perante credores da sociedade (art. 321).

Pois bem. Não obstante, como já dissemos, o Código Civil não tenha acolhido esse modelo societário específico, bem como tenha afirmado expressamente que na sociedade limitada os sócios não podem contribuir para a formação do capital social através da prestação de serviços (art. 1.055, § 2.°), permitiu que nas sociedades simples isso ocorresse (art. 981).

Na sociedade limitada e na sociedade anônima, portanto, por força de previsões legais expressas, não é permitido aos sócios contribuir com serviços para a formação do capital social. No entanto, nas sociedades simples puras isso é possível, por força do que dispõe o art. 981 do CC: “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Será possível ao sócio contribuir com serviços também nas sociedades em nome coletivo e nas sociedades em comandita simples, uma vez que a elas se aplicam subsidiariamente as normas da sociedade simples pura e não há, nos seus regramentos específicos, vedação legal expressa.

Em suma: o modelo societário específico chamado de sociedade de capital e indústria foi abolido pelo legislador do Código Civil de 2002. No entanto, é possível que uma sociedade simples pura, por exemplo, mantenha uma estrutura com sócios capitalistas – que investem capital no empreendimento – e sócios de indústria – que contribuem apenas com a prestação de serviços.