Sumário: 1. Introdução – 2. O conceito de empresário: 2.1. Empresário individual x sociedade empresária; 2.2. Agentes econômicos excluídos do conceito de empresário – 3. Empresário individual: 3.1. Impedimentos legais; 3.2. Incapacidade; 3.3. Empresário individual casado – 4. Registro do empresário: 4.1. A Lei de Registro Público de empresas mercantis (Lei 8.934/1994); 4.2. Os atos de registro; 4.3. A estrutura organizacional das Juntas Comerciais; 4.4. O processo decisório nas Juntas Comerciais; 4.5. A publicidade dos atos de registro – 5. Escrituração do empresário: 5.1. A situação especial dos microempresários e empresários de pequeno porte; 5.2. O sigilo empresarial; 5.3. A eficácia probatória dos livros empresariais – 6. Nome empresarial: 6.1. Espécies de nome empresarial; 6.2. O nome empresarial das sociedades; 6.3. Princípios que norteiam a formação do nome empresarial; 6.4. Alguns entendimentos relevantes do DNRC acerca da proteção ao nome empresarial; 6.5. A proteção ao nome empresarial na jurisprudência do STJ – 7. Estabelecimento empresarial: 7.1. Natureza jurídica do estabelecimento empresarial; 7.2. O contrato de trespasse; 7.3. A sucessão empresarial; 7.4. A cláusula de não concorrência; 7.5. A avaliação (valuation) do estabelecimento empresarial e a due dilligence; 7.6. Outras normas acerca do estabelecimento empresarial previstas no Código Civil; 7.7. Proteção ao ponto de negócio (locação empresarial); 7.8. Aviamento e clientela – 8. Auxiliares e colaboradores do empresário: 8.1. Regras gerais sobre os prepostos do empresário; 8.2. O contabilista; 8.3. O gerente – 9. Questões.
“Quando os que se autodenominam ‘progressistas’ usam a palavra lucro, o fazem enfurecidos e raivosos. Para eles o ideal seria que não existisse o lucro. O empresário deveria servir o povo altruisticamente, em vez de tentar obter lucros. Deveria não ter lucro ou se contentar com uma pequena margem sobre os seus custos. Nenhuma objeção é feita se ele tiver que suportar prejuízos. Mas a motivação para o lucro da atividade empresarial é precisamente o que dá sentido e significado, orientação e direção à economia de mercado baseada na propriedade privada dos meios de produção. Eliminar a motivação pelo lucro equivale a transformar a economia de mercado numa completa desordem.” (Ludwig Von Mises, em Intervencionismo, uma análise econômica)
Embora a adoção da teoria da empresa tenha vindo junto com a tentativa de unificação do direito privado, viu-se que essa suposta unificação é apenas formal, continuando a existir, como ramos autônomos e independentes da árvore jurídica, o direito civil e o direito comercial. O que define a autonomia de um direito, afinal, não é a existência de um diploma legislativo próprio que contemple suas regras jurídicas, mas a existência de institutos jurídicos e princípios informadores próprios.
Essa suposta unificação, na verdade, sequer ocorreu de fato na Itália, com a edição do Codice Civile de 1942. Com efeito, no mesmo dia em que o Codice Civile foi sancionado, 16.03.1942, foi editado também o Decreto 267, que tratava da “disciplina del fallimento. del concordato preventivo, dell’amministrazione controllata e della liquidazione coalta amministrativa”. No Brasil, a tentativa de unificação também não vingou, uma vez que o Código Comercial não foi totalmente revogado, restando em vigor a parte segunda, relativa ao comércio marítimo. Ademais, conforme já visto no capítulo I quando do estudo das fontes do direito empresarial, existem diversas normas de direito comercial espalhadas pelo ordenamento jurídico, tais como a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976), a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), a Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005), entre outras.
Assim, se é que a unificação foi alcançada, ela o foi, repita-se, apenas no âmbito formal, pois ainda continuam a existir o direito comercial e o civil como disciplinas autônomas e independentes. O fato de grande parte das regras que compõem o regime jurídico comercial/empresarial estarem hoje espalhadas pelo Código Civil e em diversas leis esparsas não descaracteriza a existência de um direito comercial/empresarial, nem retira a sua autonomia e independência.
O que se pode afirmar, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, é que nele se encontram hoje as regras básicas do direito empresarial brasileiro, isto é, sua matéria nuclear, ficando para disciplinamento em leis específicas temas especiais, como o direito de propriedade industrial, as sociedades por ações e o direito falimentar, por exemplo. É no Código Civil de 2002, porém, que vamos encontrar as regras gerais do direito empresarial, que compreendem o Título I do Livro II, da Parte Especial, denominado de Direito de Empresa.
Finalmente, não se pode esquecer que já está em tramitação no Congresso Nacional o PL 1.572/2011, que visa a instituir um novo Código Comercial no Brasil, o qual revogará toda a parte do Direito de Empresa do atual Código Civil, acabando inclusive com a unificação legislativa que hoje existe no Direito Privado brasileiro.
Conforme já exposto, tendo o Código Civil de 2002 adotado a teoria da empresa em substituição à antiga teoria dos atos de comércio, suas regras não utilizam mais as expressões ato de comércio e comerciante, que foram substituídas pelas expressões empresa e empresário.
Do conceito de empresário estabelecido no art. 966 do Código Civil (“considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”), podemos extrair as seguintes expressões, que nos indicam os principais elementos indispensáveis à sua caracterização: a) profissionalmente; b) atividade econômica; c) organizada; d) produção ou circulação de bens ou de serviços.
Da primeira expressão destacada, pode-se extrair o seguinte: só será empresário aquele que exercer determinada atividade econômica de forma profissional, ou seja, que fizer do exercício daquela atividade a sua profissão habitual. Quem exerce determinada atividade econômica de forma esporádica, por exemplo, não será considerado empresário, não sendo abrangido, portanto, pelo regime jurídico empresarial.
Ao destacarmos a expressão atividade econômica, por sua vez, queremos enfatizar que empresa é uma atividade exercida com intuito lucrativo. Afinal, conforme veremos, é característica intrínseca das relações empresariais a onerosidade. Mas não é só à ideia de lucro que a expressão atividade econômica remete. Ela indica também que o empresário, sobretudo em função do intuito lucrativo de sua atividade, é aquele que assume os riscos técnicos e econômicos de sua atividade.
A terceira expressão destacada – organizada – significa, como bem assinala a doutrina, que empresário é aquele que articula os fatores de produção (capital, mão de obra, insumos e tecnologia). No mesmo sentido, diz-se que o exercício de empresa pressupõe, necessariamente, a organização de pessoas e meios para o alcance da finalidade almejada. Como dizia Asquini, o empresário é responsável pela “prestação de um trabalho autônomo de caráter organizador”, e é isso, junto com a assunção dos riscos do empreendimento, que justifica a possibilidade de ele auferir lucro.
Fábio Ulhoa Coelho, ao analisar o requisito da organização para a caracterização da empresa, chega a afirmar que não se deve considerar como empresário aquele que não organiza nenhum dos fatores de produção. Parece-nos que essa ideia fechada de que a organização dos fatores de produção é absolutamente imprescindível para a caracterização do empresário vem perdendo força no atual contexto da economia capitalista. Com efeito, basta citar o caso dos microempresários, os quais, não raro, exercem atividade empresarial única ou preponderantemente com trabalho próprio. Pode-se citar também o caso dos empresários virtuais, que muitas vezes atuam completamente sozinhos, resumindo-se sua atividade à intermediação de produtos ou serviços por meio da internet.
Por fim, a última expressão destacada demonstra a abrangência da teoria da empresa, em contraposição à antiga teoria dos atos de comércio, a qual, como visto, restringia o âmbito de incidência do regime jurídico comercial a determinadas atividades econômicas elencadas na lei. Para a teoria da empresa, em contrapartida, qualquer atividade econômica poderá, em princípio, submeter-se ao regime jurídico empresarial, bastando que seja exercida profissionalmente, de forma organizada e com intuito lucrativo. Sendo assim, a expressão produção ou circulação de bens ou de serviços deixa claro que nenhuma atividade econômica está excluída, a priori, do âmbito de incidência do direito empresarial.
E mais. Além de denotar a abrangência da teoria da empresa, a expressão em análise também nos permite concluir que só restará caracterizada a empresa quando a produção ou circulação de bens ou serviços destinar-se ao mercado, e não ao consumo próprio.
O art. 966 do Código Civil, ao conceituar empresário como aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, não está se referindo apenas à pessoa física (ou pessoa natural) que explora atividade econômica, mas também à pessoa jurídica. Portanto, temos que o empresário pode ser um empresário individual (pessoa física que exerce profissionalmente atividade econômica organizada) ou uma sociedade empresária (pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade cujo objeto social é a exploração de uma atividade econômica organizada).
Quando se está diante de uma sociedade empresária, é importante atentar para o fato de que os seus sócios não são empresários: o empresário, nesse caso, é a própria sociedade, ente ao qual o ordenamento jurídico confere personalidade e, consequentemente, capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações. Assim, pode-se dizer que expressão empresário designa um gênero, do qual são espécies o empresário individual (pessoa física) e a sociedade empresária (pessoa jurídica). Confira-se, a esse respeito, o seguinte julgado do STJ:
Recurso especial. Direito Civil e Processual Civil. Insolvência civil. Ofensa aos arts. 458, II, e 515, § 1.°, do CPC. Alegação genérica. Incidência da Súmula 284/STF. Omissão. Não ocorrência. Manifestação direta do Tribunal acerca do ponto pretensamente omisso. Julgamento da causa madura. Aplicação extensiva do art. 515, § 3.°, do CPC. Pedido de insolvência civil manejado contra sócio de empresa. Possibilidade. Ausência da figura do comerciante. Recurso especial não conhecido.
(...) 5. A pessoa física, por meio de quem o ente jurídico pratica a mercancia, por óbvio, não adquire a personalidade desta. Nesse caso, comerciante é somente a pessoa jurídica, mas não o civil, sócio ou preposto, que a representa em suas relações comerciais. Em suma, não se há confundir a pessoa, física ou jurídica, que pratica objetiva e habitualmente atos de comércio, com aquela em nome da qual estes são praticados. O sócio de sociedade empresarial não é comerciante, uma vez que a prática de atos nessa qualidade são imputados à pessoa jurídica à qual está vinculada, esta sim, detentora de personalidade jurídica própria. Com efeito, deverá aquele sujeitar-se ao Direito Civil comum e não ao Direito Comercial, sendo possível, portanto, a decretação de sua insolvência civil. 6. Recurso especial não conhecido (REsp 785.101/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 19.05.2009, DJe 01.06.2009).
A grande diferença entre o empresário individual e a sociedade empresária é que esta, por ser uma pessoa jurídica, tem patrimônio próprio, distinto do patrimônio dos sócios que a integram. Assim, os bens particulares dos sócios, em princípio, não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais (nesse sentido, confira-se o disposto no art. 1.024 do Código Civil). O empresário individual, por sua vez, não goza dessa separação patrimonial, respondendo com todos os seus bens, inclusive os pessoais, pelo risco do empreendimento. Sendo assim, pode-se concluir que a responsabilidade dos sócios de uma sociedade empresária é subsidiária (já que primeiro devem ser executados os bens da própria sociedade), enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta.1
Ademais, a responsabilidade dos sócios de uma sociedade empresária, além de ser subsidiária, pode ser limitada, o que ocorre, por exemplo, nas sociedades limitadas e nas sociedades anônimas. Nessas sociedades, o sócio se compromete a contribuir com determinada quantia para a formação do capital social, e sua responsabilidade fica adstrita, em princípio, a esse valor. Integralizado o capital social (isso significa que todos os sócios já contribuíram com suas respectivas quantias), os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, mesmo que os bens sociais não sejam suficientes para pagamento das dívidas. Devem ser ressalvadas, obviamente, as hipóteses excepcionais de responsabilização pessoal e direta dos sócios pela prática de atos ilícitos e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade (art. 50 do Código Civil).
Já o empresário individual, em nosso ordenamento jurídico, além de responder diretamente com todos os seus bens pelas dívidas contraídas no exercício de atividade econômica (inclusive seus bens pessoais), não goza da prerrogativa de limitação de responsabilidade.
Portanto, enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta e ilimitada, a responsabilidade do sócio de uma sociedade empresária é subsidiária (seus bens só podem ser executados após a execução dos bens sociais) e pode ser limitada, a depender do tipo societário utilizado.
Do que se expôs acima, fica fácil entender porque, no Brasil, o exercício de empresa em sociedade é mais vantajoso do que o exercício de empresa individualmente. A constituição de sociedade empresária para exploração de atividade econômica permite que os sócios calculem melhor o seu risco empresarial, resguardando seus bens pessoais em caso de insucesso do empreendimento.
Atendendo aos reclamos antigos da doutrina comercialista e do meio empresarial, o legislador brasileiro finalmente criou a figura da empresa individual de responsabilidade limitada, por meio da Lei 12.441/2011, que alterou alguns dispositivos do CC e acrescentou outros.
Infelizmente, a lei foi mal redigida. Como já vínhamos defendendo desde 2007, ano da 1.ª edição do nosso Curso de Direito Empresarial, o legislador deveria ter optado por duas figuras jurídicas: (i) empresário individual de responsabilidade limitada ou (ii) sociedade limitada unipessoal.
No primeiro caso, o empresário individual, pessoa física, ao iniciar o exercício de uma atividade empresarial, constituiria para tanto um patrimônio de afetação, que não se confundiria com seu patrimônio pessoal, e o registraria na Junta Comercial. Assim, as dívidas que contraísse em função do exercício de sua atividade empresarial, em princípio, não poderiam ser executadas no seu patrimônio pessoal.
No segundo caso, seria suprimida a exigência de pluralidade de sócios para a constituição de sociedade limitada, o que permitiria que uma pessoa, sozinha, fosse titular de 100% das quotas do seu capital social. Assim, o patrimônio social não se confundiria com o patrimônio pessoal do sócio, o qual não poderia, em princípio, ser executado para garantia de dívidas sociais.
Em ambos os casos, o objetivo seria o mesmo: permitir que um determinado empreendedor, individualmente, exercesse atividade empresarial limitando sua responsabilidade, em princípio, ao capital investido no empreendimento, ficando os seus bens particulares resguardados. Isso funcionaria como um estímulo ao empreendedorismo e acabaria com a prática, tão comum no Brasil, de constituição de sociedades limitadas em que um dos sócios tem percentual ínfimo do capital social (geralmente 1%) e nenhuma participação na gestão dos negócios sociais.
Vale frisar que em ambos os casos seria possível a execução dos bens pessoais do empreendedor que utilizasse qualquer uma dessas figuras jurídicas. Para tanto, os credores usariam a regra do art. 50 do CC (desconsideração da personalidade jurídica), ou seja, em caso de abuso no uso desses institutos, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o juiz poderia determinar que a execução recaísse sobre os bens pessoais do empresário individual de responsabilidade limitada ou do sócio da sociedade limitada unipessoal.
O legislador brasileiro acabou criando uma nova figura jurídica, a qual se assemelha a essas duas que mencionei acima, como veremos a seguir. Primeiramente, segue o texto da Lei 12.441/2011:
LEI 12.441, DE 11 DE JULHO DE 2011.
Altera a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.° Esta Lei acrescenta inciso VI ao art. 44, acrescenta art. 980-A ao Livro II da Parte Especial e altera o parágrafo único do art. 1.033, todos da Lei n.° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), de modo a instituir a empresa individual de responsabilidade limitada, nas condições que especifica.
Art. 2.° A Lei n.° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 44.
(...)
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.
(...)
“LIVRO II (...)
TÍTULO I-A
DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
§ 1.° O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão ‘EIRELI’ após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.
§ 2.° A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
§ 3.° A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.
§ 4.° (VETADO).
§ 5.° Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
§ 6.° Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.
.........................................................................................................”
“Art. 1.033. ..............................................................................
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.” (NR)
Art. 3.° Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.
Sobre o tema, foram editados alguns Enunciados na V Jornada de Direito Civil do CJF:
468) Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.
469) Arts. 44 e 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado.
470) Art. 980-A. O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
471) Os atos constitutivos da EIRELI devem ser arquivados no registro competente, para fins de aquisição de personalidade jurídica. A falta de arquivamento ou de registro de alterações dos atos constitutivos configura irregularidade superveniente.
472) Art. 980-A. É inadequada a utilização da expressão “social” para as empresas individuais de responsabilidade limitada.
473) Art. 980-A, § 5.°. A imagem, o nome ou a voz não podem ser utilizados para a integralização do capital da EIRELI.
Como se vê, o legislador não optou por nenhuma das nomenclaturas sugeridas acima. Preferiu chamar o novel instituto de “empresa individual de responsabilidade limitada”.
Nós, autores e professores de direito empresarial, sempre explicamos aos nossos leitores e alunos a distinção entre empresa (atividade econômica organizada) e empresário (pessoa que exerce atividade econômica organizada). Infelizmente, o legislador não conhece tal distinção.
Obviamente, o mais correto seria chamar o instituto criado de “empresário individual de responsabilidade limitada”, porque empresa é a atividade desenvolvida.
Regra polêmica sobre a EIRELI é a que exige capital mínimo (igual ou superior a 100 vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país) para a sua constituição.
Com efeito, no Brasil não existe nenhuma regra legal que exija capital mínimo para a constituição de sociedades, razão pela qual é questionável a referida exigência para a constituição de EIRELI, a qual é objeto da ADI 4.637, perante o STF.
Sobre o assunto, foi editado o Enunciado 4 da I Jornada de Direito Comercial: “Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo”. Tal entendimento é corretíssimo. Caso contrário, sempre que houvesse alteração do valor do salário mínimo, poderia ser necessária a modificação do capital da EIRELI. Imagine-se, por exemplo, que uma EIRELI tenha sido constituída com capital social de R$ 70 mil. Caso o salário mínimo aumentasse para R$ 800,00, a EIRELI teria que aumentar seu capital para R$ 80 mil.
Outro equívoco do legislador, no nosso entender, foi criar um novo tipo de pessoa jurídica, acrescentando um inciso ao rol das pessoas jurídicas de direito privado constante do art. 44 do CC. Não havia necessidade.
Se o intuito dele era criar um “empresário individual de responsabilidade limitada”, não precisava tê-lo colocado no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do CC. O empresário individual de responsabilidade limitada pode perfeitamente ser uma pessoa física, e a limitação de sua responsabilidade seria feita por meio da constituição de um patrimônio especial, formado pelos bens e dívidas afetados ao exercício de sua atividade econômica (patrimônio de afetação).
Em contrapartida, se o intuito do legislador era criar uma pessoa jurídica constituída por apenas um sócio, também era desnecessário acrescentar uma nova espécie de pessoa jurídica no rol do art. 44 do CC. Nesse caso, era só permitir que a sociedade limitada pudesse ser constituída por apenas um sócio, o qual seria titular de todas as quotas. Ter-se-ia, então, uma “sociedade limitada unipessoal”.
Preferiu o legislador, porém, seguir outro caminho. A EIRELI não é um empresário individual nem uma sociedade unipessoal: trata-se de uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado, que se junta às outras já existentes (sociedades, associações, fundações, partidos políticos e organizações religiosas).
Vale ressaltar, quanto a esse ponto, que alguns autores entendem que o simples fato de a EIRELI ter sido prevista em novo inciso acrescentado ao art. 44 do CC não é suficiente para caracterizá-la como nova espécie de pessoa jurídica. Para esses autores, a EIRELI seria uma subespécie da sociedade, assim como os partidos políticos e as organizações religiosas seriam subespécies da associação. Este não parece, entretanto, ser o entendimento majoritário, tanto que foi aprovado o Enunciado 3, da I Jornada de Direito Comercial, com o seguinte teor: “A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária”.
A EIRELI pode usar tanto firma quanto denominação, assunto que abordaremos com mais detalhes em tópico subsequente deste capítulo.
Cumpre criticar também o veto da Presidenta da República ao § 4.° do art. 980-A, que tinha a seguinte redação: “§ 4.° Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente”.
Como se percebe, tal dispositivo era justamente o que assegurava a responsabilidade limitada daquele que constitui uma EIRELI, destacando a sua autonomia patrimonial. Era esse dispositivo que permitia a afetação de determinados bens e dívidas à “empresa”, separando claramente o patrimônio da EIRELI e o patrimônio da pessoa natural que a constituiu.
Das razões do veto, extrai-se a seguinte justificativa: “Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ‘em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6.° do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio”.
Vê-se, pois, que mesmo com o veto deve ser mantido o entendimento de que o patrimônio da EIRELI e o patrimônio da pessoal natural que a constitui não se confundem, o que garante a possibilidade de limitação de responsabilidade, pela aplicação do § 6.° do art. 980-A do CC, o qual determina a aplicação à EIRELI das regras da sociedade limitada. Tomara que os julgadores, com base nesse parágrafo, entendam que a responsabilidade do empreendedor que constitui uma EIRELI deve ser limitada.
Confira-se a respeito o Enunciado 470 da V Jornada de Direito Civil: “Art. 980-A. O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica”.
Questão extremamente polêmica sobre a EIRELI é a possibilidade de ela ser constituída por pessoa jurídica. O tema divide a doutrina especializada. Com efeito, pela leitura do caput do art. 980-A do CC, parece-me claro que a lei não proibiu que pessoa jurídica constituísse uma EIRELI, mas o entendimento que prevaleceu na V Jornada de Direito Civil foi o de que “a empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”, conforme já mencionado acima.
Outra questão extremamente polêmica sobre a EIRELI é a regra do § 2.° do art. 980-A do CC, segundo a qual “a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.
Ora, não consigo enxergar razão para essa regra. Se o objetivo da EIRELI é criar uma espécie de patrimônio de afetação para permitir que um empreendedor goze da limitação de responsabilidade sem precisar constituir sociedade com outrem, por que limitar essa prerrogativa? E se ele decidir empreender em áreas distintas, como deverá proceder? Constituirá uma EIRELI para explorar um empreendimento, mas no segundo terá que constituir sociedade? Não faz sentido.
Imagine-se, por exemplo, que um empreendedor possui uma lanchonete, para cuja exploração ele constituiu uma EIRELI. Depois de algum tempo, ele decide explorar também a atividade de prestação de serviços de informática, em outro local. Por que negar-lhe a possibilidade de constituir outra EIRELI para tanto? Essa regra precisa ser revista, a fim de não limitar o número de EIRELI que uma mesma pessoa natural pode constituir.
Temos enfatizado, até aqui, que a teoria da empresa, como critério delimitador do âmbito de incidência do direito empresarial, superou uma grande deficiência da antiga teoria dos atos de comércio, a qual acarretava um tratamento anti-isonômico dos agentes econômicos, na medida em que certas atividades, como a prestação de serviços e a negociação imobiliária, eram excluídas do regime jurídico comercial, fazendo com que seus exercentes não gozassem das mesmas prerrogativas conferidas àqueles abrangidos pelo direito comercial de então.
A teoria da empresa, sem se preocupar em estabelecer, aprioristicamente, um rol de atividades sujeitas ao regime jurídico empresarial, optou por fixar um critério material para a conceituação do empresário, critério esse, como visto, deveras abrangente, por não excluir, em princípio, nenhuma atividade econômica do seu âmbito de incidência.
Ocorre que esse critério material – previsto no art. 966 do Código Civil – não se aplica a determinados agentes econômicos específicos, acerca dos quais nos referiremos adiante. Para estes agentes, a lei optou por critérios outros para a determinação de sua submissão ou não ao regime jurídico empresarial.
Isso significa dizer que o conceito de empresário previsto no art. 966 do Código Civil, que, em princípio, parece englobar toda e qualquer pessoa, física (empresário individual) ou jurídica (sociedade empresária), que exerça toda e qualquer atividade econômica organizada, não é, na verdade, tão abrangente assim. Com efeito, existem agentes econômicos que, a despeito de exercerem atividades econômicas, não são considerados empresários pelo legislador, o que nos permite concluir também que existem atividades que, a despeito de serem atividades econômicas, não configuram empresa.
Esses agentes econômicos (indivíduos e sociedades que exercem atividade econômica não empresarial) não considerados empresários pelo Código Civil são basicamente o profissional intelectual (profissional liberal), a sociedade simples, o exercente de atividade rural e a sociedade cooperativa.
A situação específica dos profissionais intelectuais, também chamados de profissionais liberais, está disciplinada no art. 966, parágrafo único, do Código Civil: “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.
Em princípio, pois, os profissionais intelectuais (advogados, médicos, professores etc.) não são considerados empresários, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Mas o que o legislador quis dizer ao usar essa expressão?
O nosso Código Civil, também nesse ponto, seguiu os passos do Código Civil italiano de 1942, que não considera empresário quem exerce profissão intelectual, a menos que o exercício dessa profissão intelectual “dê lugar a uma atividade especial, organizada sob a forma de empresa (art. 2.238)”, como no caso do exercício de uma farmácia, de um sanatório ou de uma instituição de ensino, como destacava Asquini ao comentar a legislação de seu país.
Parece, pois, que o Código Civil quer com isso dizer que, enquanto o profissional intelectual apenas exerce a sua atividade intelectual, ainda que com o intuito de lucro e mesmo contratando alguns auxiliares, ele não é considerado empresário para os efeitos legais. Enquanto o profissional intelectual está numa fase embrionária de atuação (é um profissional que atua sozinho, faz uso apenas de seu esforço, da sua capacidade intelectual), ele não é considerado empresário, não se submetendo, pois, ao regime jurídico empresarial.
Ora, é preciso lembrar que empresa é uma atividade econômica organizada, isto é, atividade em que há articulação dos fatores de produção, e no exercício de profissão intelectual essa organização dos fatores de produção assume importância secundária, às vezes irrelevante. No exercício de profissão intelectual, o essencial é a atividade pessoal do agente econômico, o que não acontece com o empresário.
Todavia, a partir do momento em que o profissional intelectual dá uma forma empresarial ao exercício de suas atividades (impessoalizando sua atuação e passando a ostentar mais a característica de organizador da atividade desenvolvida), será considerado empresário e passará a ser regido pelas normas do direito empresarial.
Nesse sentido, são bastante elucidativos os Enunciados 193, 194 e 195 do Conselho da Justiça Federal, aprovados na III Jornada de Direito Civil, realizada em 2005, os quais dispõem, respectivamente, que “o exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa”; “os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores de produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida”; e “a expressão ‘elemento de empresa’ demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial”.
O importante é tentar estabelecer critérios minimamente objetivos para aferir se o exercício de profissão intelectual configura ou não uma empresa, isto é, uma atividade econômica organizada. Bastaria, por exemplo, em cada caso concreto, analisar se (i) há mais de um ramo de atividade sendo exercido, ou se (ii) há contratação de terceiros para o desempenho da atividade-fim.
Enfim, parece-nos que a expressão elemento de empresa, utilizada pelo legislador brasileiro, está intrinsecamente relacionada com o requisito da organização dos fatores de produção para a caracterização do empresário, conforme analisamos acima. Com efeito, o empresário, conforme vimos, é a pessoa que exerce atividade econômica organizada, ou seja, é quem articula os diversos fatores de produção – insumos, mão de obra, capital e tecnologia tendo em vista a exploração de uma determinada atividade econômica. Para tanto, constituirá todo um complexo de bens materiais (alugará um imóvel, adquirirá equipamentos, contrairá empréstimos etc.) e imateriais (criará e registrará uma marca, patenteará um novo processo tecnológico de produção etc.) e buscará, a partir da organização e exploração desse complexo de bens (o estabelecimento empresarial), auferir lucro, porém, sabendo que sofrerá também eventuais prejuízos resultantes do fracasso do empreendimento.
Ora, em regra não se visualiza essa organização dos fatores de produção na atuação dos profissionais intelectuais, que não raro exercem suas atividades sem a necessidade de organizar um estabelecimento empresarial, vale dizer, sem a necessidade, por exemplo, de contratar funcionários, de criar uma marca, de fixar um ponto de negócio etc. (é o caso do músico que toca em festas de casamento, do professor que ministra aulas particulares, dentre outras situações). É por essa razão, em suma, que o profissional intelectual, em regra, não é considerado empresário segundo os fundamentos da teoria da empresa, adotada pelo nosso atual Código Civil.
No entanto, não se pode afirmar, peremptoriamente, que o profissional intelectual, no exercício de sua profissão, nunca organize os fatores de produção a ponto de constituir um verdadeiro estabelecimento empresarial para exercício de empresa. Aliás, na economia atual, rende um bom debate analisar se isso não tem se tornado a regra, em vez de mera exceção. Com efeito, o professor que se torna dono de um cursinho preparatório, ainda que continue a ministrar aulas nessa mesma instituição, é empresário. O músico que se torna dono de um centro de promoção de eventos, ainda que continue a tocar nas festas organizadas por ele, é empresário. Por quê? Porque, nesses casos, o exercício da profissão intelectual deixa de ser o fator principal do empreendimento, passando a ser um mero elemento de uma atividade econômica organizada a partir da articulação de diversos outros fatores de produção: contratação de funcionários, criação e registro de uma marca, fixação de um ponto de negócio. Por mais que aquele professor e aquele músico mencionados nos exemplos acima continuem a exercer suas respectivas profissões intelectuais, terão que assumir também a posição de organizadores do empreendimento. É isso o que caracteriza o empresário, como bem destacava Asquini.
Por fim, registre-se que um erro muito comum de análise da situação específica dos profissionais intelectuais é caracterizá-los como empresários em função da dimensão que sua atividade econômica adquire. O cerne da questão não é esse, mas, repita-se, a verificação da organização dos fatores de produção, de modo a se constatar a constituição de um verdadeiro estabelecimento empresarial, ainda que esse seja de pequeníssima dimensão.
Como, em regra, os profissionais intelectuais (profissionais liberais) não são considerados empresários, eles não precisam se registrar na Junta Comercial para que possam exercer suas atividades. No entanto, muitas das profissões intelectuais são “regulamentadas”, o que exige muitas vezes que os profissionais intelectuais (profissionais liberais) se registrem nos órgãos regulamentadores de suas respectivas profissões (Conselho Federal de Medicina, Ordem dos Advogados do Brasil, entre tantos outros).
A criação de tais órgãos regulamentadores, com a exigência de filiação compulsória dos profissionais a eles, é um atentado à liberdade de exercício de qualquer profissão, pressuposto fundamental de uma sociedade verdadeiramente livre. Na verdade, tais órgãos servem apenas para cartelizar determinados setores, garantindo reserva de mercado.
Em algumas situações, o Supremo Tribunal Federal, felizmente, garantiu o livre exercício de profissão, como no julgamento em que se dispensou até mesmo a esdrúxula exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista.
Jornalismo. Exigência de diploma de curso superior, registrado pelo Ministério da Educação, para o exercício da profissão de jornalista. Liberdades de profissão, de expressão e de informação. Constituição de 1988 (art. 5.°, IX e XIII, e art. 220, caput e § 1.°). Não recepção do art. 4.°, inciso V, do Decreto-lei n.° 972, de 1969. 1. Recursos extraordinários. Art. 102, III, “a”, da Constituição. Requisitos processuais intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade. (...) 4. Âmbito de proteção da liberdade de exercício profissional (art. 5.°, inciso XIII, da Constituição). Identificação das restrições e conformações legais constitucionalmente permitidas. Reserva legal qualificada. Proporcionalidade. A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional (art. 5.°, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das “condições de capacidade” como condicionantes para o exercício profissional. No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5.°, XIII, da Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. A reserva legal estabelecida pelo art. 5.°, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial. 5. Jornalismo e liberdades de expressão e de informação. Interpretação do art. 5.°, inciso XIII, em conjunto com os preceitos do art. 5.°, incisos IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição. O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5.°, inciso XIII, da Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5.°, incisos IV, IX, XIV, e do art. 220 da Constituição, que asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. 6. Diploma de curso superior como exigência para o exercício da profissão de jornalista. Restrição inconstitucional às liberdades de expressão e de informação. As liberdades de expressão e de informação e, especificamente, a liberdade de imprensa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais, sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em geral. Precedente do STF: ADPF n.° 130, Rel. Min. Carlos Britto. A ordem constitucional apenas admite a definição legal das qualificações profissionais na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger, efetivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expressão e de informação por parte dos jornalistas. Fora desse quadro, há patente inconstitucionalidade da lei. A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo – o qual, em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de informação – não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição, um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § 1.°, da Constituição. 7. Profissão de jornalista. Acesso e exercício. Controle estatal vedado pela ordem constitucional. Proibição constitucional quanto à criação de ordens ou conselhos de fiscalização profissional. No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5.°, incisos IX, XIV, e o art. 220, não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5.°, inciso IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Representação n.° 930, Redator p/o acórdão Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. 8. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Posição da Organização dos Estados Americanos – OEA. A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão no dia 13 de novembro de 1985, declarando que a obrigatoriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem profissional para o exercício da profissão de jornalista viola o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que protege a liberdade de expressão em sentido amplo (caso “La colegiación obligatoria de periodistas” – Opinião Consultiva OC-5/85, de 13 de novembro de 1985). Também a Organização dos Estados Americanos – OEA, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, entende que a exigência de diploma universitário em jornalismo, como condição obrigatória para o exercício dessa profissão, viola o direito à liberdade de expressão (Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 25 de fevereiro de 2009). Recursos extraordinários conhecidos e providos (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 17.06.2009, DJe-213, Divulg. 12.11.2009, Public. 13.11.2009, Ement. vol-02382-04, p. 692, RTJ vol-00213, p. 605).
Outro julgamento em que o Supremo Tribunal Federal garantiu o livre exercício de profissão foi aquele no qual se afastou a obrigatoriedade de os músicos se filiarem à Ordem dos Músicos para poderem exercer a sua atividade artística.
Direito Constitucional. Exercício profissional e liberdade de expressão. Exigência de inscrição em conselho profissional. Excepcionalidade. Arts. 5.°, IX e XIII, da Constituição. Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão (RE 414.426, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 01.08.2011, DJe-194, Divulg. 07.10.2011, Public. 10.10.2011, Ement. vol-02604-01, p. 76).
No entanto, da leitura das próprias decisões transcritas acima se pode perceber que o STF não comunga da nossa opinião de que o exercício de qualquer profissão deve ser absolutamente livre. Nossa Suprema Corte entende que certas profissões são mais nobres que outras, razão pela qual permite que em algumas a liberdade seja tolhida por exigências como a necessidade de diploma ou mesmo a submissão a uma prova, como é o caso do famigerado Exame da OAB, o qual teve a sua constitucionalidade afirmada no julgamento do RE 603.583/RS.
Em suma: o Supremo Tribunal Federal, infelizmente, chancelou o corporativismo e entendeu ser legítima a exigência de filiação compulsória de um determinado profissional a um órgão regulamentador da profissão, quando houver, por exemplo, “potencial lesivo na atividade” exercida pelo profissional.
Tudo o que se disse no tópico antecedente parece se referir exclusivamente a profissionais intelectuais que exercem suas atividades individualmente, na qualidade de pessoas físicas. Mas essa ideia é equivocada. A regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil vale também para as chamadas sociedades uniprofissionais, ou seja, sociedades constituídas por profissionais intelectuais cujo objeto social é justamente a exploração de suas profissões (por exemplo, uma sociedade formada por médicos para prestação de serviços médicos, uma sociedade formada por professores para prestação de serviços de ensino, uma sociedade formada por engenheiros para prestação de serviços de engenharia etc.).
Aliás, é quanto ao exercício de atividade intelectual em sociedade que a regra do art. 996, parágrafo único, do Código Civil suscita mais dificuldades de ordem prática.
Já se disse acima que o empresário, aquele que exerce atividade econômica organizada, pode ser uma pessoa física (empresário individual) ou uma pessoa jurídica (sociedade empresária).
Obviamente, a atuação das sociedades empresárias no mercado, hoje, é muito mais relevante do que a atuação dos empresários individuais. Estes, não raro, se dedicam a pequeníssimos empreendimentos, cabendo às sociedades empresárias, em contrapartida, os empreendimentos de médio e grande porte, além de muitos dos pequenos empreendimentos, também. E a razão para que a presença das sociedades empresárias no mercado seja mais marcante que a dos empresários individuais é simples: os empreendedores sempre procuram minimizar seu risco empresarial, e a melhor forma de fazê-lo é constituir uma sociedade, uma vez que, nesse caso, haverá a separação patrimonial e a possibilidade de limitação de responsabilidade.
Ora, se nem sempre o exercente de atividade econômica é considerado empresário, haja vista a regra excludente do parágrafo único do art. 966 do Código Civil, isso nos leva à conclusão de que também nem sempre uma sociedade será empresária, haja vista a possibilidade de se constituírem sociedades cujo objeto social seja a exploração da atividade intelectual dos seus sócios. Essas sociedades, antes chamadas de sociedades civis, são denominadas pelo atual Código Civil de sociedades simples.
O Código Civil estabelece, em seu art. 982, que “salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais”. Isso mostra que o que define uma sociedade como empresária ou simples é o seu objeto social. Há apenas duas exceções a essa regra, contidas no seu parágrafo único, o qual prevê que “independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”.
Diante do exposto, resta claro que as chamadas sociedades uniprofissionais – sociedades formadas por profissionais intelectuais cujo objeto social é a exploração da respectiva profissão intelectual dos seus sócios – são, em regra, sociedades simples, uma vez que nelas faltará, não raro, o requisito da organização dos fatores de produção, da mesma forma que ocorre com os profissionais intelectuais que exercem individualmente suas atividades.
No entanto, seguindo a diretriz do art. 966, parágrafo único, do Código Civil, nos casos em que o exercício da profissão intelectual dos sócios das sociedades uniprofissionais (que compõem o seu objeto social) constituir elemento de empresa, ou seja, nos casos em que as sociedades uniprofissionais explorarem seu objeto social com empresarialidade (organização dos fatores de produção), elas serão consideradas sociedades empresárias.
Em síntese: é o requisito da organização dos fatores de produção que caracteriza a presença do chamado elemento de empresa no exercício de profissão intelectual e que, consequentemente, faz com que o profissional intelectual receba a qualificação jurídica de empresário. Isso, obviamente, vale tanto para o exercício de profissão intelectual individualmente quanto para o exercício de profissão liberal em sociedade.
O Código Civil não faz menção expressa nesse sentido, mas a Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) versa, em seus arts. 15 a 17, sobre a sociedade de advogados, dispondo que ela é uma “sociedade civil de prestação de serviço de advocacia” submetida à regulação específica prevista na referida lei.
Diante disso, afirma-se que a sociedade de advogados é uma sociedade de natureza civil – simples, na dicção do novo Código Civil de 2002 – e organizada sob a forma de sociedade em nome coletivo, ou seja, respondem todos os sócios de maneira solidária e ilimitada pelas obrigações sociais.
Ora, se aplicarmos à risca a regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil de 2002 às sociedades de advogados, forçoso seria reconhecer que os escritórios de advocacia com estrutura complexa – muito comuns hoje em dia, diga-se – deixam de ser sociedades simples para se tornarem sociedades empresárias, já que neles é fácil perceber a presença do chamado elemento de empresa (organização dos fatores de produção), além de a prestação dos serviços se tornar altamente “impessoalizada”. Afinal, qual seria a diferença deles para grandes hospitais dirigidos por médicos ou grandes escolas dirigidas por professores?
Analisando questões relacionadas ao direito tributário, o Superior Tribunal de Justiça já afirmou que as sociedades de advogados ostentam “índole empresarial”, não se distinguindo, no plano fático, das demais sociedades prestadoras de serviços constituídas por outros profissionais liberais. Confira-se:
Tributário. Contribuições ao SESC e ao SENAC. Empresa prestadora de serviços advocatícios. Art. 577 da CLT. Enquadramento sindical. Vinculação à Confederação Nacional do Comércio. Matéria pacificada. 1. As empresas prestadoras de serviços advocatícios são estabelecimentos de índole empresarial, por exercerem atividade econômica organizada com fins lucrativos, estando enquadradas na classificação do artigo 577 da CLT e seu anexo, e por conseguinte, vinculadas à Confederação Nacional do Comércio. Desta forma, sujeitam-se à incidência das contribuições instituídas pelo art. 3.° do DL 9.853/46, bem como pelo art. 4.° do DL 8.621/46. (Precedentes jurisprudenciais). (...) (AgRg no Ag 518.309/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1.ª Turma, j. 16.12.2003, DJ 02.02.2004, p. 278).
Assim, entendo que as regras dos arts. 15 a 17 da Lei 8.906/1994 configuram uma clara exceção à regra do art. 966, parágrafo único, do Código Civil. Tais regras continuam em vigor, mesmo após a edição do Código, que é lei posterior, em razão da sua especialidade. Mas é de se pensar se não caberia ao legislador reformar a lei para adaptá-la aos ditames do novo Código.
O Código Civil também se preocupou em dar um tratamento especial ao exercício de atividade econômica rural, excluindo aqueles que se dedicam a tal atividade da obrigatoriedade de registro na Junta Comercial, prevista no art. 967 do Código.
Todo empresário, antes de iniciar o exercício da atividade empresarial, tem que se registrar na Junta Comercial, seja empresário individual ou sociedade empresária. Para aqueles que exercem atividade econômica rural, todavia, o Código Civil concedeu a faculdade de se registrar ou não perante a Junta Comercial da sua unidade federativa.
Assim sendo, se aquele que exerce atividade econômica rural não se registrar na Junta Comercial, não será considerado empresário, para os efeitos legais (por exemplo, não se submeterá ao regime jurídico da Lei 11.101/2005, que trata da falência e da recuperação judicial e extrajudicial). Em contrapartida, se ele optar por se registrar, será considerado empresário para todos os efeitos legais. Esta regra está contida no art. 971 do Código Civil: “o empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”.
Confira-se, a respeito do tema, a seguinte decisão do STJ, na qual se entendeu que pequenos pecuaristas não se enquadram no conceito de comerciante (hoje substituído pelo conceito de empresário), razão pela qual não se sujeitam às regras do direito empresarial (falência e recuperação de empresas), e sim às regras do direito civil:
Recurso especial. Direito civil e processual civil. Assistência judiciária não concedida na origem. Incidência da Súmula 07/STJ. Violação ao art. 538 do CPC. Multa afastada. Incidência do Enunciado sumular n. 98/STJ. Pedido de autoinsolvência formulado por pecuaristas. Possibilidade. Atividade estranha ao direito comercial. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido. (...) 3. A moldura fática delineada no acórdão recorrido, de forma incontroversa, sinaliza que os recorrentes são pecuaristas que vivem da compra e venda de gado no meio rural, atividade civil típica, com estrutura simples. Com efeito, não sendo comerciantes, estarão impossibilitados de se valerem das regras específicas à atividade empresarial, como as referentes a falência, concordata ou recuperação judicial, aplicando-se-lhes o estatuto civil comum, sendo-lhes permitido o pedido de autoinsolvência civil. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido (REsp 474.107/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 10.03.2009, DJe 27.04.2009).
Conclui-se, pois, que, para o exercente de atividade econômica rural, o registro na Junta Comercial tem natureza constitutiva, e não meramente declaratória, como de ordinário. Com efeito, o registro não é requisito para que alguém seja considerado empresário, mas apenas uma obrigação legal imposta aos praticantes de atividade econômica. Quanto ao exercente de atividade rural, essa regra é excepcionada, sendo o registro na Junta, pois, condição indispensável para sua caracterização como empresário e consequente submissão ao regime jurídico empresarial. Veja-se, a propósito, o que dispõe o Enunciado 202 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil: “o registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção”.
Por fim, ressalte-se que regra idêntica foi prevista para a sociedade que tem por objeto social a exploração de atividade econômica rural. Dispõe o Código Civil, em seu art. 984, que “a sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária”.
Sobre os arts. 971 e 984 do Código Civil, dispõem os Enunciados 201 e 202 o seguinte, respectivamente: “O empresário rural e a sociedade empresária rural, inscritos no registro público de empresas mercantis, estão sujeitos à falência e podem requerer concordata”; “O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção”.
Conforme já mencionado acima, em princípio, uma sociedade será considerada empresária se preencher os requisitos do art. 966 do Código Civil, ou seja, se exercer, profissionalmente, uma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Caso não preencha os requisitos da norma mencionada, estar-se-á diante de uma sociedade simples. É o que se extrai da leitura do art. 982 do Código Civil.
É o objeto explorado pela sociedade, por conseguinte, que define a sua natureza empresarial ou não. Assim, se uma sociedade explora atividade empresarial, será considerada uma sociedade empresária, registrando-se na Junta Comercial e submetendo-se ao regime jurídico empresarial. Se, todavia, uma sociedade não explora atividade empresarial, será considerada uma sociedade simples – terminologia adotada pelo novo Código Civil, em substituição à expressão sociedade civil do regime anterior – registrando-se no cartório de registro civil de pessoas jurídicas.
Note-se, todavia, que, no início do próprio dispositivo acima transcrito, faz-se uma ressalva, deixando-se claro, portanto, que em algumas situações não se deve recorrer ao critério material do art. 966 do Código Civil para definir se uma determinada sociedade é empresária ou não. É o que ocorre, por exemplo, com as cooperativas.
Para saber se uma sociedade cooperativa é empresária, não se utiliza o critério material previsto no art. 966 do CC, mas um critério legal, estabelecido no art. 982, parágrafo único, o qual dispõe que “independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”.
O legislador, por opção política, determinou que a cooperativa é sempre uma sociedade simples, pouco importando se ela exerce uma atividade empresarial de forma organizada e com intuito de lucro.
Conforme dissemos acima, o empresário individual é a pessoa física que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966 do Código Civil).
O legislador não se preocupou apenas em conceituar o empresário individual, mas cuidou também de estabelecer um conjunto de regras gerais para a disciplina do exercício individual de empresa.
Nesse sentido, por exemplo, o Código Civil estabeleceu algumas vedações ao exercício individual de empresa. Essas vedações decorrem ou de proibições que a legislação estabelece (impedimentos legais), ou da incapacidade do agente econômico. Nesse sentido, dispõe o Código Civil, em seu art. 972, que “podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos”.
O Código Civil de 2002 não trouxe nenhum dispositivo normativo semelhante ao art. 2.° do Código Comercial de 1850, que arrolava diversos casos de impedimento legal ao exercício do comércio. Pode-se mencionar apenas o art. 1.011, § 1.°, do Código Civil, o qual prevê que “não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação”. Não obstante o dispositivo se referir aos administradores de sociedades, há autores que estendem esses impedimentos aos empresários individuais.
Atualmente, portanto, afora a regra acima transcrita, os impedimentos legais ao exercício de atividade empresarial estão espalhados pelo arcabouço jurídico-normativo.
Normalmente, esses impedimentos estão em normas de direito público e visam a proteger a coletividade, evitando que esta negocie com determinadas pessoas em virtude de sua função ou condição ser incompatível com o exercício livre de atividade empresarial. Podem ser citados, como exemplos: o art. 117, X, da Lei 8.112/1990, relativo aos servidores públicos federais; o art. 36, I, da LC 35/1979 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional –, relativo aos magistrados; o art. 44, III, da Lei 8.625/1993, relativo aos membros do Ministério Público; o art. 29 da Lei 6.880/1980, relativo aos militares.
É preciso atentar para o fato de que a proibição é para o exercício de empresa, não sendo vedado, pois, que alguns impedidos sejam sócios de sociedades empresárias, uma vez que, nesse caso, quem exerce a atividade empresarial é a própria pessoa jurídica, e não seus sócios. Em suma: os impedimentos se dirigem aos empresários individuais, e não aos sócios de sociedades empresárias. Nesse sentido, pode-se afirmar então que os impedidos não podem se registrar na Junta Comercial como empresários individuais (pessoas físicas que exercem atividade empresarial), não significando, em princípio, que eles não possam participar de uma sociedade empresária como quotistas ou acionistas, por exemplo. No entanto, a possibilidade de os impedidos participarem de sociedades empresárias não é absoluta, somente podendo ocorrer se forem sócios de responsabilidade limitada e, ainda assim, se não exercerem funções de gerência ou administração.
Há outros impedimentos legais, todavia, que são estabelecidos em razão da própria natureza da atividade a ser empreendida. É o caso, por exemplo, dos arts. 176, § 1.°, e 222, caput, ambos da Constituição Federal. O primeiro determina que “a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o ‘caput’ deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”. O segundo, por sua vez, determina que “a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País” (redação dada pela Emenda Constitucional 36/2002).
Por fim, destaque-se que, a propósito do assunto, o Código Civil estabelece, em seu art. 973, que “a pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas”. Portanto, as obrigações contraídas por um “empresário” impedido não são nulas. Ao contrário, elas terão plena validade em relação a terceiros de boa-fé que com ele contratarem.2
A outra vedação ao exercício de empresa estabelecida no art. 972 do Código Civil diz respeito à incapacidade. Só pode exercer empresa quem é capaz, quem está no pleno gozo de sua capacidade civil, conforme determina o dispositivo normativo em comento.
Ocorre que o próprio Código abre duas exceções, permitindo que o incapaz exerça individualmente empresa. A matéria está disciplinada no art. 974 do Código Civil, o qual prevê que “poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança”. Antes de analisar detidamente o dispositivo em questão, cumpre fazer algumas observações acerca dele.
Em primeiro lugar, destaque-se que o art. 974 do Código Civil se refere ao exercício individual de empresa. Trata-se, pois, de casos em que o incapaz será autorizado a explorar atividade empresarial individualmente, ou seja, na qualidade de empresário individual (pessoa física). A possibilidade de o incapaz ser sócio de uma sociedade empresária configura situação totalmente distinta, já que o sócio de uma sociedade não é empresário.
Outra observação a ser feita sobre o artigo em comento é que ambas as situações excepcionais em que se admite o exercício de empresa por incapaz são para que ele continue a exercer empresa, mas nunca para que ele inicie o exercício de uma atividade empresarial. O incapaz nunca poderá ser autorizado a iniciar o exercício de uma empresa, apenas poderá ser autorizado, excepcionalmente, a dar continuidade a uma atividade empresarial.
Isso ocorrerá nos casos em que (i) ele mesmo já exercia a atividade empresarial, sendo a incapacidade, portanto, superveniente; (ii) a atividade empresarial era exercida por outrem, de quem o incapaz adquire a titularidade do seu exercício por sucessão causa mortis. Nesse sentido, aliás, é o Enunciado 203 do CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil: “o exercício de empresa por empresário incapaz, representado ou assistido, somente é possível nos casos de incapacidade superveniente ou incapacidade do sucessor na sucessão por morte”.
A autorização para que o incapaz continue o exercício da empresa será dada pelo juiz, em procedimento de jurisdição voluntária e após a oitiva do Ministério Público, conforme determina o art. 82, inciso I, do Código de Processo Civil.
O magistrado, em ambos os casos, observará a conveniência de o incapaz exercer a atividade, segundo dispõe o art. 974, § 1.°, do CC: “nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros”.
Se o juiz entender conveniente a continuação do exercício da empresa pelo incapaz, concederá um alvará autorizando-o a tanto, por meio de representante ou assistente, conforme o grau de sua incapacidade. Se o assistente ou representante for impedido, haverá a nomeação de um ou mais gerentes, com aprovação do juiz. É o que dispõe o art. 975 do Código Civil: “Art. 975. Se o representante ou assistente do incapaz for pessoa que, por disposição de lei, não puder exercer atividade de empresário, nomeará, com a aprovação do juiz, um ou mais gerentes. § 1.° Do mesmo modo será nomeado gerente em todos os casos em que o juiz entender ser conveniente. § 2.° A aprovação do juiz não exime o representante ou assistente do menor ou do interdito da responsabilidade pelos atos dos gerentes nomeados”.
É preciso atentar, nesse ponto, para a interessante previsão contida no § 2.° do art. 974 do Código Civil, segundo a qual “não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização”.
Trata-se de uma novidade interessantíssima trazida pelo Código. No alvará em que se autorizará a continuação do exercício da empresa o juiz deverá relacionar os bens que o incapaz já possuía antes da interdição, bens estes que não se sujeitarão ao resultado da empresa, ou seja, que não poderão ser executados por dívidas contraídas em decorrência do exercício da atividade empresarial.
Vale lembrar que o dispositivo em referência (art. 974), como já destacamos acima, refere-se ao exercício individual de empresa (empresário individual). Ora, o patrimônio do empresário individual, em regra, é um só. Não há uma distinção entre os bens afetados ao exercício da empresa e os bens particulares, alheios à atividade empresarial. Essa separação patrimonial só ocorre em se tratando de sociedade empresária, hipótese em que a sociedade – uma pessoa jurídica – terá seu próprio patrimônio (patrimônio social), que não se confunde com o patrimônio particular de seus sócios: trata-se do princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, o qual será analisado mais detalhadamente no capítulo referente ao direito societário. No caso do empresário individual, todavia, não há essa separação patrimonial, pois não há uma pessoa jurídica constituída para a exploração da atividade. É o próprio empresário, pessoa física, que responde com todos os seus bens pelas obrigações contraídas em decorrência do exercício da empresa. Nesse sentido, por exemplo, já decidiu o STJ:
(...) A jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que a empresa individual é mera ficção jurídica, criada para habilitar a pessoa natural a praticar atos de comércio, com vantagens do ponto de vista fiscal. Assim, o patrimônio de uma empresa individual se confunde com o de seu sócio, de modo que não há ilegitimidade ativa na cobrança, pela pessoa física, de dívida contraída por terceiro perante a pessoa jurídica. Precedente. (...) (REsp 487.995/AP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 20.04.2006, DJ 22.05.2006, p. 191).
No mesmo sentido, decidiu o Tribunal de Alçada de Minas Gerais:
(...) sendo o comerciante singular, ou empresário individual, a própria pessoa física ou natural, respondem seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer sejam comerciais, uma vez que a transformação de firma individual em pessoa jurídica é ficção do Direito Tributário, válida somente para efeito de imposto de renda (TAMG, Ap. 314.530-8, Rel. Juiz Edivaldo Jorge, DOE 26.04.2001, p. 22).
Daí a grande novidade introduzida pela norma em comento. Ela permite, excepcionalmente, que se estabeleça uma certa especialização patrimonial no caso de o incapaz ser autorizado a continuar o exercício de empresa. Mesmo em se tratando, nesse caso, de empresário individual, haverá uma separação patrimonial. Os bens indicados no alvará – bens que já eram do incapaz antes da sua interdição e que não estavam afetados ao exercício da atividade empresarial – constituirão um patrimônio particular especial (patrimônio de afetação), o qual não se submeterá ao resultado da empresa, ou seja, não poderão ser executados em virtude de obrigações assumidas em consequência do exercício da atividade empresarial.
É importante ressaltar que não se deve confundir a hipótese em questão – exercício de atividade empresarial por incapaz, mediante autorização judicial – com o caso em que o incapaz com 16 (dezesseis) anos completos preenche os requisitos para a sua emancipação em decorrência do estabelecimento comercial em função do qual tenha economia própria (art. 5.°, parágrafo único, inciso V, do Código Civil). Nesse caso, não se está diante de um incapaz, mas de um menor capaz. A emancipação, como se sabe, antecipa a capacidade, permitindo então que o menor emancipado – que é capaz, repita-se – exerça a empresa independentemente de autorização judicial.
Ressalte-se apenas que, de acordo com o art. 976, caput, do Código Civil, “a prova da emancipação e da autorização do incapaz, nos casos do art. 974, e a de eventual revogação desta, serão inscritas ou averbadas no Registro Público de Empresas Mercantis”.
Por fim, destaque-se que alguns doutrinadores questionam a possibilidade de o menor emancipado ser empresário, uma vez que, não obstante seja civilmente capaz, somente o maior de 18 anos pode ser condenado por crimes falimentares que eventualmente venha a praticar, em razão de os menores de 18 anos serem penalmente inimputáveis. Não obstante, na III Jornada de Direito Civil do CJF foi aprovado o Enunciado 197, o qual dispõe: “A pessoa natural, maior de 16 e menor de 18 anos, é reputada empresário regular se satisfizer os requisitos dos arts. 966 e 967; todavia, não tem direito a concordata preventiva, por não exercer regularmente a atividade por mais de dois anos”. Como a concordata foi extinta e substituída pela recuperação após o advento da Lei 11.101/2005, que manteve a necessidade de exercício regular da empresa por mais de dois anos para a concessão do benefício, basta que se atualize o termo concordata por recuperação.
Conforme já tínhamos afirmado, o art. 974 do Código Civil se refere ao exercício individual de empresa. Trata-se, pois, de casos em que o incapaz será autorizado a explorar atividade empresarial individualmente, ou seja, na qualidade de empresário individual (pessoa física). A possibilidade de o incapaz ser sócio de uma sociedade empresária configura situação totalmente distinta, já que o sócio de uma sociedade não é empresário. Nesse sentido, foi incluído o § 3.° ao dispositivo legal em referência, deixando claro que a regra do caput não se aplica aos casos em que o incapaz esteja ingressando numa sociedade, pois nesse caso o empresário é a própria pessoa jurídica, sendo exigido apenas que o incapaz não exerça poderes de administração, que o capital esteja totalmente integralizado e que ele seja assistido ou representado, conforme o grau de sua incapacidade. Em suma: o texto legal acrescido não trouxe nenhuma novidade, servindo apenas para evitar eventuais interpretações equivocadas que alguns estavam fazendo do caput do art. 974.
O Código Civil também trouxe algumas regras especiais aplicáveis ao empresário casado, regras que se aplicam, por óbvio, ao empresário individual, já que na sociedade empresária quem é o titular da empresa é a própria pessoa jurídica, a qual não pode casar.
De acordo com o art. 978 do Código Civil, “o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”. Sobre esse dispositivo legal, foi aprovado o Enunciado 6, da I Jornada de Direito Comercial do CJF, com o seguinte teor: “O empresário individual regularmente inscrito é o destinatário da norma do art. 978 do Código Civil, que permite alienar ou gravar de ônus real o imóvel incorporado à empresa, desde que exista, se for o caso, prévio registro de autorização conjugal no Cartório de Imóveis, devendo tais requisitos constar do instrumento de alienação ou de instituição do ônus real, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis”.
Já o art. 979 do Código Civil, por sua vez, determina que, “além de no Registro Civil, serão arquivados e averbados, no Registro Público de Empresas Mercantis, os pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança, ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade”. Assim, se estes atos não forem devidamente registrados na Junta Comercial, o empresário não poderá opô-los contra terceiros.
Por fim, no mesmo sentido da regra acima comentada, dispõe o art. 980 do Código Civil: “a sentença que decretar ou homologar a separação judicial do empresário e o ato de reconciliação não podem ser opostos a terceiros, antes de arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis”.
É obrigação legal imposta a todo e qualquer empresário (empresário individual ou sociedade empresária) se inscrever na Junta Comercial antes de iniciar a atividade, sob pena de começar a exercer a empresa irregularmente. Trata-se de obrigação legal prevista no art. 967 do Código Civil, o qual dispõe ser “obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”.
Saliente-se, porém, que o registro na Junta Comercial, embora seja uma formalidade legal imposta pela lei a todo e qualquer empresário individual ou sociedade empresária – com exceção daqueles que exercem atividade econômica rural (arts. 971 e 984) – não é requisito para a caracterização do empresário e sua consequente submissão ao regime jurídico empresarial. Quer se dizer com isso que, caso o empresário individual ou a sociedade empresária não se registrem na Junta Comercial antes do início de suas atividades, tal fato não implicará a sua exclusão do regime jurídico empresarial nem fará com que eles não sejam considerados, respectivamente, empresário individual e sociedade empresária. Afinal, conforme disposto no Enunciado 199 do CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, “a inscrição do empresário ou sociedade empresária é requisito delineador de sua regularidade, e não da sua caracterização”. Sendo assim, se alguém começar a exercer profissionalmente atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços, mas não se registrar na Junta Comercial, será considerado empresário e se submeterá às regras do regime jurídico empresarial, embora esteja irregular, sofrendo, por isso, algumas consequências (por exemplo, a impossibilidade de requerer recuperação judicial – art. 48 da Lei 11.101/2005). Nesse sentido é também o Enunciado 198 do CJF: “A inscrição do empresário na Junta Comercial não é requisito para a sua caracterização, admitindo-se o exercício da empresa sem tal providência. O empresário irregular reúne os requisitos do art. 966, sujeitando-se às normas do Código Civil e da legislação comercial, salvo naquilo em que forem incompatíveis com a sua condição ou diante de expressa disposição em contrário”.
Para fazer a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, realizado pela Junta Comercial, o empresário individual terá de obedecer às formalidades legais previstas no art. 968 do Código Civil, ou seja, fazer requerimento que contenha: “I – o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; II – a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; III – o capital; IV – o objeto e a sede da empresa”. Tratando-se, por outro lado, de sociedade empresária, deve-se levar a registro o ato constitutivo (contrato social ou estatuto social), que conterá todas as informações necessárias.
Os §§ 1.° e 2.° do referido artigo, a seu turno, dispõem: “com as indicações estabelecidas neste artigo, a inscrição será tomada por termo no livro próprio do Registro Público de Empresas Mercantis, e obedecerá a número de ordem contínuo para todos os empresários inscritos”; “à margem da inscrição, e com as mesmas formalidades, serão averbadas quaisquer modificações nela ocorrentes”.
O Código Civil ainda determina, em seu art. 969, que “o empresário que instituir sucursal, filial ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis, neste deverá também inscrevê-la, com a prova da inscrição originária”. E complementa, no parágrafo único do referido artigo: “em qualquer caso, a constituição do estabelecimento secundário deverá ser averbada no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede”.
Pode-se definir filial, juridicamente, como a sociedade empresária que atua sob a direção e administração de outra, chamada de matriz, mas mantém sua personalidade jurídica e o seu patrimônio, bem como preserva sua autonomia diante da lei e do público. Agência, por sua vez, pode ser conceituada como empresa especializada em prestação de serviços que atua especificamente como intermediária. E sucursal, por fim, é o ponto de negócio acessório e distinto do ponto principal, responsável por tratar dos negócios deste e a ele subordinado administrativamente.
Relacionado ao tema do estabelecimento e de suas respectivas filiais, sucursais ou agências, está a questão de saber qual é o domicílio do empresário individual e da sociedade empresária: trata-se do local indicado em seus atos constitutivos, quando do registro na Junta Comercial. Vale destacar, no entanto, que o Enunciado 363 da súmula e jurisprudência dominante do STF determina que “a pessoa jurídica de direito privado [gênero do qual a sociedade empresária é espécie] pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato”. Nesse sentido é também a norma do art. 75, § 1.°, do Código Civil.
Por fim, não custa repetir e lembrar: (i) a única exceção, como visto, em relação à obrigatoriedade do registro é a referente aos exercentes de atividade econômica rural, os quais possuem a simples faculdade de registrar-se na Junta Comercial, conforme estabelece o art. 971 do Código Civil, já analisado; (ii) a Lei 8.906/1994 (Estatuto da OAB), em seu art. 1.°, § 2.°, determina que os atos de registro de empresários individuais e de sociedades empresárias devem estar visados por um advogado.
Não obstante o Código Civil traga em seu corpo normativo algumas regras específicas sobre registro (arts. 1.150 a 1.154), o registro dos empresários, no Brasil, está disciplinado em legislação especial. Trata-se da Lei 8.934/1994, que “dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências”.
No seu art. 1.°, a referida lei estabelece as finalidades do registro de empresa: “I – dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro na forma desta lei; II – cadastrar as empresas nacionais e estrangeiras em funcionamento no País e manter atualizadas as informações pertinentes; III – proceder à matrícula dos agentes auxiliares do comércio, bem como ao seu cancelamento”.
No seu art. 3.°, por sua vez, a Lei 8.934/1994 cria o SINREM (Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis), sistema que regula o registro de empresa no Brasil. Esse sistema é composto por dois órgãos: “I – O Departamento Nacional de Registro do Comércio [DNRC], órgão central do SINREM, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no plano técnico; e supletiva, no plano administrativo; II – As Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro”.
As Juntas Comerciais são responsáveis pela execução e administração dos atos de registro. São órgãos locais, que integram estrutura administrativa dos Estados-membros. Cada unidade federativa possui uma Junta Comercial, segundo disposição constante do art. 5.° da lei.
A doutrina costuma destacar que as Juntas Comerciais, por fazerem parte da estrutura administrativa dos Estados, mas se sujeitarem, no plano técnico, às normas e diretrizes baixadas pelo DNRC, órgão central do SINREM e que integra a estrutura administrativa federal, possuem uma subordinação hierárquica híbrida. No plano técnico, as Juntas se submetem ao DNRC, enquanto, no âmbito administrativo, elas se submetem à administração estadual: “as juntas comerciais subordinam-se administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao DNRC, nos termos desta lei” (art. 6.° da Lei 8.934/1994). Apenas a Junta Comercial do Distrito Federal se submete, tanto técnica como administrativamente, ao DNRC, conforme preceitua o art. 6.°, parágrafo único, da Lei 8.934/1994.
Em razão desse caráter híbrido de subordinação das Juntas Comerciais (ao Estado-membro respectivo e ao DNRC), o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que há uma divisão de competência para apreciar ações judiciais em que a Junta Comercial seja parte. Tratando-se de matéria administrativa, a competência para processar e julgar as ações em que a Junta figure num dos polos da demanda é da Justiça comum estadual. Em contrapartida, em se tratando de matéria técnica, relativa ao registro de empresa, a competência passa a ser da Justiça Federal, em virtude do interesse na causa do DNRC, conforme preceitua o art. 109, inciso I, da Constituição Federal.
Assim, por exemplo, se a Junta Comercial indeferir o pedido de arquivamento de contrato social de uma determinada sociedade limitada, com base numa Instrução Normativa do DNRC, e essa sociedade resolver impetrar mandado de segurança contra tal decisão, deverá fazê-lo perante a Justiça Federal, porque, nesse caso, a Junta agiu sob orientação de um ente federal, o DNRC. Nesse sentido, podem ser citados os seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, respectivamente:
Conflito de competência. Registro de comércio. As juntas comerciais estão, administrativamente, subordinadas aos Estados, mas as funções por elas exercidas são de natureza federal. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara de Londrina – SJ/SP (STJ, 2.ª Seção, CC 43.225/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 26.10.2005, DJ 01.02.2006, p. 425).
Conflito de competência. Mandado de segurança. Junta comercial. Os serviços prestados pelas juntas comerciais, apesar de criadas e mantidas pelos estados são de natureza federal. Para julgamento de ato, que se compreenda nos serviços do registro de comércio, a competência da justiça federal (STJ, CC 15.575/BA, Rel. Min. Cláudio Santos, j. 14.02.1996, DJ 22.04.1996).
Competência. Conflito. Justiça estadual e Justiça federal. Mandado de segurança contra ato do presidente da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais. Competência ratione personae. Precedentes. Conflito procedente. I – Em se cuidando de mandado de segurança, a competência se define em razão da qualidade de quem ocupa o polo passivo da relação processual. II – As Juntas Comerciais efetuam o registro do comércio por delegação federal, sendo da competência da Justiça Federal, a teor do artigo 109-VIII, da Constituição, o julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente daquele órgão. III – Consoante o art. 32, I, da Lei 8.934/1994, o registro do comércio compreende “a matrícula e seu cancelamento: dos leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais, trapicheiros e administradores de armazéns-gerais” (STJ, CC 31.357/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 14.04.2003, p. 174).
Juntas Comerciais. Órgãos administrativamente subordinados ao Estado, mas tecnicamente à autoridade federal, como elementos do Sistema Nacional dos Serviços de Registro do Comércio. Consequente competência da Justiça Federal para o julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente da Junta, compreendido em sua atividade fim (STF, RE 199.793/RS, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 18.08.2000, p. 93).
No entanto, recentemente o próprio STJ alterou um pouco essa jurisprudência, passando a entender que a Justiça Federal é competente para julgar os processos em que figura como parte a Junta Comercial somente nos casos em que se discute a lisura do ato praticado pela Junta ou nos casos de mandado de segurança impetrado contra ato de seu presidente. Eis um julgado recente que demonstra esse entendimento:
Recurso especial. Litígio entre sócios. Anulação de registro perante a junta comercial. Contrato social. Interesse da administração federal. Inexistência. Ação de procedimento ordinário. Competência da justiça estadual. Precedentes da segunda seção. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela competência da Justiça Federal, nos processos em que figuram como parte a Junta Comercial do Estado, somente nos casos em que se discute a lisura do ato praticado pelo órgão, bem como nos mandados de segurança impetrados contra seu presidente, por aplicação do artigo 109, VIII, da Constituição Federal, em razão de sua atuação delegada. 2. Em casos em que particulares litigam acerca de registros de alterações societárias perante a Junta Comercial, esta Corte vem reconhecendo a competência da justiça comum estadual, posto que uma eventual decisão judicial de anulação dos registros societários, almejada pelos sócios litigantes, produziria apenas efeitos secundários para a Junta Comercial do Estado, fato que obviamente não revela questão afeta à validade do ato administrativo e que, portanto, afastaria o interesse da Administração e, consequentemente, a competência da Justiça Federal para julgamento da causa. Precedentes. Recurso especial não conhecido (REsp 678.405/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.03.2006, DJ 10.04.2006, p. 179).
Portanto, quando se tratar de demanda que envolve apenas questões particulares, como conflitos societários, a competência será da Justiça Estadual, ainda que no processo esteja sendo discutido um ato ou registro praticado pela Junta Comercial.
Agravo regimental no conflito de competência. Ação declaratória de falsidade de documento público. Junta Comercial. Anulação de alteração contratual. Ato fraudulento. Terceiros. Indevido registro de empresa. Atividade federal delegada não afetada. Competênca da Justiça Estadual. Agravo regimental improvido (AgRg no CC 101.060/RO, Rel. Min. Massami Uyeda, 2.ª Seção, j. 23.06.2010, DJe 30.06.2010).
Conflito de competência. Junta Comercial. Anulação de alteração contratual. Ato fraudulento. Terceiros. Indevido registro de empresa. 1. Compete à Justiça Comum processar e julgar ação ordinária pleiteando anulação de registro de alteração contratual efetivado perante a Junta Comercial, ao fundamento de que, por suposto uso indevido do nome do autor e de seu CPF, foi constituída, de forma irregular, sociedade empresária, na qual o mesmo figura como sócio. Nesse contexto, não se questiona a lisura da atividade federal exercida pela Junta Comercial, mas atos antecedentes que lhe renderam ensejo. 2. Conflito conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, o suscitado (CC 90.338/RO, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 2.ª Seção, j. 12.11.2008, DJe 21.11.2008).
Finalmente, se no processo se discute, por exemplo, o reajuste de servidores da Junta Comercial, a competência será da Justiça Estadual, porque nesse caso a lide versa sobre matéria eminentemente administrativa. Nesse sentido, confira-se:
Conflito negativo de competência. Junta Comercial. Servidor aposentado. Mandado de segurança. Inclusão de vantagens remuneratórias. Não configurado o exercício de função pública federal delegada. Competência da Justiça Comum. 1. O ato administrativo impugnado no mandado de segurança impetrado por servidor estadual inativo, consistente no cálculo a menor de seus proventos, não foi praticado no exercício de delegação de função pública federal, referente aos atos de registro de comércio arrolados na Lei n.° 8.934/94, mas a partir da exegese de leis estaduais de regência da remuneração de cargos e proventos de aposentadoria dos funcionários da junta comercial mineira. 2. Se houve ou não ilegalidade na prática do referido ato administrativo, é questão a ser dirimida na Justiça Comum Estadual, e não na Justiça Federal, pois a hipótese em apreço não é de exercício de função pública federal delegada. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 7.ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte/MG, ora suscitado (CC 54.590/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3.ª Seção, j. 11.10.2006, DJ 30.10.2006, p. 241).
Enfim, a competência só será da Justiça Federal quando a Junta Comercial estiver agindo no exercício de delegação de função pública federal, referente aos atos de registro previstos na Lei 9.934/1994.
As Juntas Comerciais exercem função executiva no âmbito do SINREM, ou seja, são elas que executam os atos de registro dos empresários individuais, das sociedades empresárias e dos seus auxiliares. Os atos de registro praticados pelas Juntas Comerciais são: a) matrícula; b) arquivamento; c) autenticação (art. 32 da Lei 8.934/1994).
Matrícula é um ato de registro praticado pela Junta que se refere a alguns profissionais específicos, os chamados auxiliares do comércio: leiloeiros, tradutores públicos, intérpretes, trapicheiros e administradores de armazéns-gerais. Nesse caso, a Junta funciona, grosso modo, como órgão regulador da profissão.
O arquivamento é o ato de registro que diz respeito, basicamente, aos atos constitutivos da sociedade empresária ou do empresário individual. Deve ser feito o arquivamento na Junta Comercial, segundo o art. 32, inciso II, da Lei 8.934/1994: “a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas; b) dos atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976; c) dos atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil; d) das declarações de microempresa; e) de atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas mercantis”.
Quanto ao arquivamento dos atos constitutivos das cooperativas nas Juntas Comerciais, conforme previsão constante da parte final da alínea “a” do dispositivo legal transcrito acima, estabeleceu-se uma interessante polêmica sobre o tema após a entrada do Código Civil de 2002. É que as cooperativas são consideradas sociedades simples por determinação legal (art. 982, parágrafo único, do Código Civil), submetendo-se, em tese, ao registro no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e não nas Juntas Comerciais (art. 1.150 do Código Civil). Todavia, o art. 18 da Lei 5.764/1971 (Lei do Cooperativismo) e a regra citada no parágrafo anterior preveem que as cooperativas devem ser registradas nas Juntas Comerciais. No mesmo sentido do Código Civil de 2002, ademais, é o Enunciado 69 do CJF: “as sociedades cooperativas são sociedades simples sujeitas à inscrição nas Juntas Comerciais”. Na prática, é isso o que tem prevalecido.
Por fim, a autenticação é ato de registro que se refere aos instrumentos de escrituração contábil do empresário (livros empresariais) e dos agentes auxiliares do comércio. A autenticação é um requisito extrínseco de regularidade na escrituração, como se verá adiante.
Destaque-se que, segundo o disposto no art. 1.154 do Código Civil, o ato sujeito a registro não pode ser oposto a terceiros antes do cumprimento das formalidades exigidas, salvo se houver prova de que o terceiro o conhecia. A norma é plenamente justificável, e possui outros dispositivos correlatos, que representam verdadeiro desdobramento do seu conteúdo normativo (por exemplo, arts. 1.015, parágrafo único, II, e 1.174, ambos do Código Civil). Com efeito, se as Juntas Comerciais são o órgão de registro público dos empresários e das sociedades empresárias, sua função precípua é tornar públicos os atos desses agentes econômicos, a fim de se tornarem conhecidos de terceiros e a eles poderem ser opostos.
Segundo o disposto no art. 9.° da Lei 8.934/1994, a Junta Comercial se organiza da seguinte forma: “I – a Presidência, como órgão diretivo e representativo; II – o Plenário, como órgão deliberativo superior; III – as Turmas, como órgãos deliberativos inferiores; IV – a Secretaria-Geral, como órgão administrativo; V – a Procuradoria, como órgão de fiscalização e de consulta jurídica”.
Os membros da Junta Comercial que decidem sobre os atos de registro e compõem as Turmas e o órgão plenário são chamados de vogais. Segundo o art. 11, caput, da referida lei, “os vogais e respectivos suplentes serão nomeados, no Distrito Federal, pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e nos Estados, salvo disposição em contrário, pelos governos dessas circunscrições (...)”. O vogal e seu suplente têm mandato de 04 (quatro) anos, permitida apenas uma recondução (art. 16 da Lei 8.934/1994).
As Turmas são compostas de 03 (três) vogais, não participando o Presidente e o Vice-Presidente da Junta Comercial, que possuem atribuições específicas, previstas, respectivamente, nos arts. 23 e 24 da Lei 8.934/1994.
Há ainda a Secretaria-Geral, cujo titular, o Secretário-Geral, “será nomeado, em comissão, no Distrito Federal, pelo Ministro de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo [atual Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior], e, nos Estados, pelos respectivos governadores, dentre brasileiros de notória idoneidade moral e especializados em direito comercial”, e possuirá a atribuição de executar os serviços de registro e administração da Junta (arts. 25 e 26 da Lei 8.934/1994).
Por fim, há a Procuradoria, composta de um ou mais procuradores e chefiada pelo procurador que for designado pelo governador do Estado, à qual cabe fiscalizar e promover o fiel cumprimento das normas legais e executivas, oficiando, internamente, por sua iniciativa ou mediante solicitação da presidência, do plenário e das turmas; e, externamente, em atos ou feitos de natureza jurídica, inclusive os judiciais, que envolvam matéria do interesse da junta (arts. 27 e 28 da Lei 8.934/1994).
Segundo o art. 36 da Lei 8.934/1994, “os documentos referidos no inciso II do art. 32 deverão ser apresentados a arquivamento na junta, dentro de 30 (trinta) dias contados de sua assinatura, a cuja data retroagirão os efeitos do arquivamento; fora desse prazo, o arquivamento só terá eficácia a partir do despacho que o conceder”. O Código Civil possui dispositivo normativo de igual teor. Trata-se do art. 1.151, §§ 1.° e 2.°. Dispõe ainda o § 3.° do artigo em comento que “as pessoas obrigadas a requerer o registro responderão por perdas e danos, em caso de omissão ou demora”.
É importante, pois, que uma alteração do contrato social, por exemplo, seja levada a registro na Junta Comercial dentro de 30 (trinta) contados da sua efetiva realização, uma vez que, se isso não for feito, a referida alteração contratual só será considerada eficaz perante terceiros após o deferimento do registro. Caso, porém, o registro seja feito dentro do prazo legal, a alteração contratual, quando deferida, considerar-se-á produzindo efeitos desde a data em que foi decidida pelos sócios. Em resumo: se o ato é levado a registro dentro do prazo legal de trinta dias, o registro opera efeitos ex tunc, retroagindo à data da sua efetiva realização. Em contrapartida, se o ato é levado a registro fora do prazo legal de trinta dias, produz efeitos ex nunc, ou seja, só se torna eficaz a partir do seu deferimento.
Em regra, as decisões sobre os atos de registro submetidos à apreciação da Junta Comercial são proferidas pelo Presidente, pelos vogais ou por servidores que possuam comprovados conhecimentos de Direito Comercial e de Registro de Empresas Mercantis, em decisões singulares, conforme determina o art. 42 da Lei 8.934/1994. Todavia, alguns atos de registro específicos, por serem mais complexos, se submetem a um regime de decisão colegiada.
A matéria está disciplinada no art. 41 da lei, o qual determina que “estão sujeitos ao regime de decisão colegiada pelas juntas comerciais, na forma desta lei: I – o arquivamento: a) dos atos de constituição de sociedades anônimas, bem como das atas de assembleias-gerais e demais atos, relativos a essas sociedades, sujeitos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; b) dos atos referentes à transformação, incorporação, fusão e cisão de empresas mercantis; c) dos atos de constituição e alterações de consórcio e de grupo de sociedades, conforme previsto na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976; II – o julgamento do recurso previsto nesta lei”.
Por fim, destaque-se que, segundo o disposto no art. 43 da Lei 8.934/1994, os pedidos de arquivamento submetidos a regime de decisão colegiada devem ser decididos no prazo máximo de 05 (cinco) dias úteis, contados do seu recebimento, enquanto os pedidos de registro submetidos a regime de decisão singular devem ser decididos no prazo máximo de 02 (dois) dias úteis, “sob pena de ter-se como arquivados os atos respectivos, mediante provocação dos interessados, sem prejuízo do exame das formalidades legais pela procuradoria”. Esses prazos eram, respectivamente, de 10 (dez) e 03 (três) dias úteis, mas a Lei 11.598/2007 os alterou para 05 (cinco) e 02 (dois) dias úteis.
É preciso anotar que as Juntas Comerciais, na análise dos atos de registro a ela submetidos, devem ater-se ao exame do cumprimento das formalidades legais previstas (art. 40 da Lei 8.934/1994), jamais adentrando no mérito do ato praticado. Fazendo essa análise das formalidades e verificando a existência de vício insanável, a Junta deverá indeferir o requerimento. Caso, todavia, verifique que o vício é sanável, o processo será colocado em exigência, podendo a parte interessada, no prazo de até 30 (trinta) dias, contados da data da ciência ou da publicação do despacho, suprir o vício apontado, sob pena de, não o fazendo nesse prazo, ser considerado o seu suprimento extemporâneo um novo procedimento de registro, devendo-se pagar as taxas pertinentes. No mesmo sentido é o art. 1.153, parágrafo único, do CC.
Ainda sobre o exame das formalidades legais dos atos submetidos a registro nas Juntas Comerciais, cumpre destacar que elas não podem criar exigências não previstas na lei. Algumas Juntas, por exemplo, têm exigido a certidão de regularidade fiscal estadual para o registro de alteração contratual, mas tal exigência não está prevista na lei de regência (Lei 8.934/1994), nem em seu decreto federal regulamentar (Decreto 1.800/1996).
Com efeito, o art. 37 da Lei 8.934/1994 elenca os documentos que devem instruir os pedidos de arquivamento de atos constitutivos e suas respectivas alterações: “Art. 37. Instruirão obrigatoriamente os pedidos de arquivamento: I – o instrumento original de constituição, modificação ou extinção de empresas mercantis, assinado pelo titular, pelos administradores, sócios ou seus procuradores; II – declaração do titular ou administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer o comércio ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal; III – a ficha cadastral segundo modelo aprovado pelo DNRC; IV – os comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes; V – a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil”.
O parágrafo único do mencionado dispositivo legal, por sua vez, dispõe claramente que “além dos referidos neste artigo, nenhum outro documento será exigido das firmas individuais e sociedades referidas nas alíneas a, b e d do inciso II do art. 32”.
Por outro lado, o Decreto 1.800/1996, que regulamentou a Lei 8.934/1994, deixa claro em seu art. 34, parágrafo único, que outros documentos só podem ser exigidos se houver “expressa determinação legal”.
Assim, como a exigência de apresentação de certidão de regularidade fiscal geralmente está prevista em meros decretos estaduais, que sequer possuem leis estaduais respectivas, não há dúvidas de que ela é ilegal. Nesse sentido, confira-se a seguinte decisão do STJ:
Junta comercial. Exigência de regularidade fiscal estadual para registro de atos constitutivos e suas respectivas alterações. Ilegalidade.
1. A exigência de certidão de regularidade fiscal estadual para o registro de alteração contratual perante a Junta Comercial não está prevista na lei de regência (Lei n. 8.934/1994), nem no decreto federal que a regulamentou (Decreto n. 1.800/1996), mas em decreto estadual, razão pela qual se mostra ilegítima.
2. Recurso especial conhecido, mas não provido (REsp 724.015/PE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 15.05.2012, DJe 22.05.2012).
Interpretando o mesmo art. 37 da Lei 8.934/1994, o STJ já considerou ilegal, por exemplo, protocolo firmado entre a Receita Federal e a Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, que exigia o prévio visto da Secretaria para o registro de atos na Junta Comercial. Confira-se:
Administrativo. Princípio da legalidade. Protocolo firmado entre a Secretaria da Receita Federal e a Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, com anuência da Junta Comercial, para que sejam previamente visados pela Central de Cadastramento – CECAD, órgão criado para intercambiar informações tributárias, os atos de registro comercial. 1. Exigência imposta pela Administração Pública, de caráter limitativo para o exercício de atividade empresarial, que não encontra amparo legal. 2. Interpretação do art. 37 da Lei n.° 8.934, de 18.11.94. 3. Excesso de autoridade na política administrativa tributária. 4. O princípio da legalidade é o sustentáculo do regime democrático. 5. O exercício da atividade fiscalizadora tributária há de ser exercido nos limites fixados pela lei. 6. Recurso especial improvido (REsp 513.356/CE, Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, j. 04.09.2003, DJ 13.10.2003, p. 270, REPDJ 02.02.2004, p. 278).
Analogicamente, pode-se mencionar também o entendimento do STJ no sentido de considerar ilegítima a criação de empecilhos, mediante norma infralegal, para a inscrição e alteração dos dados cadastrais no CNPJ. Confira-se:
Administrativo e fiscal. Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C, do CPC. Mandado de Segurança. CNPJ. Alteração do cadastro. Lei n.° 5.614/70. Imposição de exigências da Receita Federal do Brasil, regularização das pendências fiscais do novo sócio. Condições da IN SRF 200/02. Limites à livre-iniciativa (exercício da atividade econômica). 1. A inscrição e modificação dos dados no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ devem ser garantidas a todas as empresas legalmente constituídas, mediante o arquivamento de seus estatutos e suas alterações na Junta Comercial Estadual, sem a imposição de restrições infralegais, que obstaculizem o exercício da livre-iniciativa e desenvolvimento pleno de suas atividades econômicas. 2. A Lei n.° 5.614/70, que versa sobre o cadastro federal de contribuintes, outorgou ao Ministro da Fazenda o dever de regular o instrumento de registro, para dotar o sistema de normas procedimentais para viabilizar a inscrição e atualização dos dados, sem permitir que imposições limitadoras da livre-iniciativa restassem veiculadas sob o jugo da mencionada lei. 3. As turmas da Primeira Seção desta Corte já assentaram que é ilegítima a criação de empecilhos, mediante norma infralegal, para a inscrição e alteração dos dados cadastrais no CNPJ. Precedentes: REsp. 760.320/RS, DJU 01.02.07; REsp. 662.972/RS, DJU 05.10.06; REsp. 411.949/PR, DJU 14.08.06; REsp. 529.311/RS, DJU 13.10.03 e; RMS 8.880/CE, DJU 08.02.00. 4. Conforme cediço, “o sócio de empresa que está inadimplente não pode servir de empecilho para a inscrição de nova empresa pelo só motivo de nele figurar o remisso como integrante” (RMS 8.880/CE, 2.ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 08.02.2000). 5. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008 (REsp 1.103.009/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1.ª Seção, j. 09.12.2009, DJe 01.02.2010).
As decisões da Junta são recorríveis, embora os instrumentos recursais não possuam efeito suspensivo (art. 49 da Lei 8.934/1994). Prevê a lei, no seu art. 44: “I – pedido de reconsideração; II – recurso ao plenário; III – recurso ao Ministro de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo [atual Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior]”.
O pedido de reconsideração terá por objeto obter a revisão de despachos singulares ou de turmas que formulem exigências para o deferimento do arquivamento, e será apresentado no prazo para cumprimento da exigência, para apreciação pela autoridade recorrida em 3 (três) dias úteis, no caso de decisão singular, e de 5 (cinco) dias úteis, no caso de decisão colegiada (art. 45 da Lei 8.934/1994, com a nova redação dada pela Lei 11.598/2007).
O recurso ao plenário, por sua vez, tem por objeto as decisões definitivas, singulares ou de turmas, e deverá ser decidido no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da data do recebimento da peça recursal, ouvida a procuradoria, no prazo de 10 (dez) dias, quando esta não for a recorrente (art. 46 da Lei 8.934/1994).
Por fim, o recurso ao Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, última instância administrativa, é cabível contra as decisões proferidas pelo plenário da Junta (art. 47).
Todos os recursos previstos na lei deverão ser interpostos no prazo de 10 (dez) dias úteis, prazo este contado da data da intimação da parte ou da publicação do ato no órgão oficial de publicidade da Junta Comercial (art. 50). A procuradoria e as partes interessadas, quando for o caso, serão intimadas para, no mesmo prazo de 10 (dez) dias, oferecerem contrarrazões (art. 51).
Segundo o art. 29 da Lei 8.934/1994, “qualquer pessoa, sem necessidade de provar interesse, poderá consultar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões, mediante pagamento do preço devido”.
Não poderia ser diferente. As Juntas Comerciais, como órgãos públicos de registro dos empresários e das sociedades empresárias, possuem justamente a função de tornar público os atos relativos a esses agentes econômicos. Daí porque os assentamentos feitos na Junta Comercial são públicos, e não secretos, podendo a eles ter acesso qualquer pessoa, sem que para tanto precise justificar ou mostrar a existência de algum interesse pertinente.
Já o art. 31 da mesma lei determina que “os atos decisórios da junta comercial serão publicados no órgão de divulgação determinado em portaria do presidente, publicada no Diário Oficial do Estado e, no caso da Junta Comercial do Distrito Federal, no Diário Oficial da União”.
O Código Civil, por sua vez, também trouxe regra acerca da publicação dos atos da Junta Comercial, dispondo, em seu art. 1.152: “cabe ao órgão incumbido do registro verificar a regularidade das publicações determinadas em lei, de acordo com o disposto nos parágrafos deste artigo”. Nesses parágrafos, o Código Civil prevê: “§ 1.° Salvo exceção expressa, as publicações ordenadas neste Livro serão feitas no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade, e em jornal de grande circulação. § 2.° As publicações das sociedades estrangeiras serão feitas nos órgãos oficiais da União e do Estado onde tiverem sucursais, filiais ou agências. § 3.° O anúncio de convocação da assembleia de sócios será publicado por três vezes, ao menos, devendo mediar, entre a data da primeira inserção e a da realização da assembleia, o prazo mínimo de oito dias, para a primeira convocação, e de cinco dias, para as posteriores”.
Nesse ponto cabe observar que, no nosso entender, mais uma vez o Código Civil se intrometeu no que não devia. Afinal, como já existe norma especial disciplinando o registro de empresa no Brasil, era desnecessário tratamento da matéria pelo Código, o qual ou repetiu normas já previstas ou trouxe normas conflitantes, gerando uma confusão normativa que não interessa a ninguém.
Outra obrigação legal imposta a todo empresário, seja ao empresário individual ou à sociedade empresária, é a necessidade de “seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico” (art. 1.179 do Código Civil). Enfim, os empresários devem manter um sistema de escrituração contábil periódico, além de levantar, todo ano, dois balanços financeiros: o patrimonial e o de resultado econômico. A obrigação é tão importante que a legislação falimentar considera crime a escrituração irregular, caso a falência do empresário seja decretada (arts. 178 e 180 da Lei 11.101/2005). Ademais, pela importância que ostentam, os livros comerciais são equiparados a documento público para fins penais, sendo tipificada como crime a falsificação, no todo ou em parte, da escrituração comercial (art. 297, § 2.°, do Código Penal).
Embora a lei fale apenas em livros, os instrumentos de escrituração são: a) livros; b) conjunto de fichas ou folhas soltas; c) conjunto de folhas contínuas; d) microfichas extraídas a partir de microfilmagem por computador.
A escrituração do empresário é tarefa que a lei incumbe a profissional específico: o contabilista, o qual deve ser legalmente habilitado, ou seja, estar devidamente inscrito no seu órgão regulamentador da profissão (art. 1.182 do Código Civil). O referido dispositivo legal, todavia, ressalva os casos em que não exista contabilista habilitado na localidade, quando a tarefa de escrituração do empresário poderá ser exercida por outro profissional ou mesmo pelo próprio empresário.
A doutrina aponta que, atualmente, o único livro obrigatório comum a todo e qualquer empresário é o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de ser adotada escrituração mecanizada ou eletrônica (art. 1.180 do Código Civil). O livro Diário também pode ser substituído pelo livro Balancetes Diários e Balanços quando o empresário adotar o sistema de fichas de lançamentos (art. 1.185 do Código Civil).
Sendo o Diário o único livro obrigatório comum, são facultativos os livros Caixa, no qual se controlam as entradas e saídas de dinheiro, Estoque, Razão, que classifica o movimento das mercadorias, Borrador, que funciona como um rascunho do diário, e o Conta corrente, que é usado para as contas individualizadas de fornecedores ou clientes.
Outros livros também poderão ser exigidos do empresário, por força de legislação fiscal, trabalhista ou previdenciária. Todavia, eles não podem ser considerados livros empresariais. Só recebem essa qualificação os livros que o empresário escritura em razão do disposto na legislação empresarial.
No livro Diário devem ser lançadas, “com individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa”, podendo ser escriturado de forma resumida, conforme dispõe o art. 1.184, caput e § 1.°, do Código Civil. Também “serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária” (art. 1.184, § 2.°, do Código Civil).
Alguns livros específicos, todavia, são exigidos a certos empresários. É o caso, por exemplo, do livro de Registro de duplicatas, exigido dos empresários que trabalharem com a emissão de duplicatas mercantis. É o caso, também, das sociedades anônimas, que são obrigadas, pela Lei 6.404/1976, a escriturar uma série de livros específicos, como o livro de Registro de atas da assembleia, o livro de Registro de transferência de ações nominativas, entre outros (v. art. 100 da lei). Também existem livros obrigatórios especiais, que são exigidos em virtude do exercício de alguma profissão. É o caso, por exemplo, dos livros impostos pela legislação comercial aos leiloeiros e aos donos de armazéns-gerais. Com efeito, o art. 7.°, caput, do Decreto 1.102/1903, que obriga o dono de armazém-geral a escriturar livro de entrada e saída de mercadorias.
Afora esses livros obrigatórios, o empresário poderá escriturar outros, a seu critério (art. 1.179, § 1.°, do Código Civil).
O art. 1.179, § 2.°, do Código Civil dispensa “o pequeno empresário a que se refere o art. 970” das exigências contidas no caput, relativas à necessidade de manter um sistema de escrituração e de levantar anualmente os balanços patrimonial e de resultado econômico. O art. 970, por sua vez, determina que “a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”.
O comando normativo contido no art. 970 do Código Civil foi infeliz, no nosso entender. Primeiro, porque a determinação para que se dê tratamento favorecido e simplificado a certos empresários já existe há muito tempo, e consta do próprio texto constitucional (art. 179 da CF/1988). Segundo, porque o uso da expressão pequeno empresário trouxe confusão aos intérpretes da norma, uma vez que a Constituição emprega as expressões microempresário (ME) e empresário de pequeno porte (EPP), que sempre foram corretamente repetidas pela legislação especial relativa ao tema (Lei 9.841/1999, antigo Estatuto da ME e da EPP, revogado, e LC 123/2006, atual Lei Geral das ME e EPP). Fica então a dúvida: será que a expressão utilizada pelo Código engloba tanto o microempresário quanto o empresário de pequeno porte? Ou se refere apenas ao segundo? Ou é uma expressão que traz uma terceira categoria, diferente das duas outras já conhecidas e referidas pelo texto constitucional?
A doutrina majoritária vinha entendendo que a expressão pequeno empresário, utilizada pelo Código Civil no seu art. 970, era abrangente, englobando tanto os microempresários quanto os empresários de pequeno porte. Nesse sentido, era, inclusive, o Enunciado 235 do CJF: “O pequeno empresário, dispensado da escrituração, é aquele previsto na Lei 9.841/99”. No entanto, a legislação que trata das microempresas e das empresas de pequeno porte no Brasil, esclareceu: “Considera-se pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais)” (art. 68 da LC 123/2006, acima referida).
Mas, ainda assim, o dispositivo em comento merece críticas. Isso porque a Constituição Federal, ao determinar que a lei desse tratamento favorecido e simplificado ao microempresário e ao empresário de pequeno porte, determinou que esse tratamento deveria ser observado quanto às suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias. Não se justifica, pois, a restrição feita pelo legislador ordinário, ao estabelecer, no art. 970 do Código Civil, que esse tratamento simplificado fosse observado apenas quanto à inscrição do pequeno empresário e aos efeitos daí decorrentes. O tratamento jurídico diferenciado que o legislador constituinte pretendeu fosse dado aos pequenos empresários (na verdade, repita-se, a CF/1988 se refere ao microempresário e ao empresário de pequeno porte) é deveras abrangente, não sendo razoável que o legislador ordinário o restrinja apenas aos aspectos relacionados à inscrição no registro de empresa.
Os livros empresariais são protegidos pelo sigilo, conforme determinação contida no art. 1.190 do Código Civil: “ressalvados os casos previstos em lei, nenhuma autoridade, juiz ou tribunal, sob qualquer pretexto, poderá fazer ou ordenar diligência para verificar se o empresário ou a sociedade empresária observam, ou não, em seus livros e fichas, as formalidades prescritas em lei”.
Observe-se que o dispositivo acima transcrito ressalva, de forma clara, os casos previstos em lei, ou seja, a legislação poderá prever situações excepcionais em que o sigilo empresarial que protege os livros do empresário não seja oponível.
O próprio Código estabelece uma dessas situações, ao dispor, no art. 1.193, que as restrições ao exame da escrituração não se aplicam às autoridades fazendárias, quando estas estejam no exercício da fiscalização tributária. No mesmo sentido, aliás, dispõe o art. 195 do Código Tributário Nacional: “para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los”.
O Supremo Tribunal Federal, ponderando o direito ao sigilo empresarial dos empresários e o direito à fiscalização tributária das autoridades fazendárias, entende que o exame dos livros e documentos constantes da escrituração deve ater-se ao objeto da fiscalização. É o que dispõe o Enunciado 439 da súmula de jurisprudência dominante do STF: “estão sujeitos à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame ao ponto objeto da investigação”.
O sigilo que protege os livros empresariais também pode ser “quebrado” por ordem judicial. A exibição dos livros empresariais, em obediência à ordem judicial, pode ser total ou parcial, havendo tratamento distinto para ambos os casos.
O Código de Processo Civil trata do tema, estabelecendo, em seu art. 381, que “o juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos livros comerciais e dos documentos do arquivo: I – na liquidação de sociedade; II – na sucessão por morte de sócio; III – quando e como determinar a lei”. O Código Civil também cuida do assunto, preceituando, em seu art. 1.191, que “o juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência”. Interpretando harmonicamente os dois dispositivos transcritos, pode-se concluir que a exibição integral dos livros só pode ser determinada a requerimento da parte – conforme determinação da norma processual – e somente nos casos expressamente previstos na lei (por exemplo, na liquidação da sociedade, na falência, entre outros).
Ressalte-se que, em se tratando de sociedade anônima, a Lei 6.404/1976, em seu art. 105, trouxe regra especial, determinando que a exibição total dos livros da S/A pode ser determinada por juiz quando houver requerimento de acionistas que representem pelo menos 5% do capital social, apontando violação ao estatuto ou à lei ou suspeita de graves irregularidades levadas a efeito por órgão da companhia.
A exibição parcial dos livros também está disciplinada em ambos os Códigos. O Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 382, que “o juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas”. O Código Civil, por sua vez, preceitua, em seu art. 1.191, § 1.°, que “o juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão”. A interpretação harmônica desses dispositivos nos leva à conclusão de que a exibição parcial dos livros empresariais pode ser determinada pelo julgador, a requerimento ou até mesmo de ofício, e em qualquer processo.
Ressalte-se que a exibição parcial dos livros não atinge os chamados livros auxiliares, uma vez que estes, por não serem obrigatórios, não são de existência presumida. Caso o requerente consiga provar, todavia, (i) que o empresário possui determinado livro auxiliar e (ii) que esse livro é indispensável para a prova de determinado fato, a exibição pode ser determinada, mesmo a parcial, estabelecendo-se presunção contra o empresário caso ele não o apresente.
Os livros empresariais são documentos que possuem força probante, sendo muitas vezes fundamentais para a resolução de um determinado litígio. Com efeito, o exame da escrituração do empresário pode ser útil para o deslinde de várias questões jurídicas relacionadas ao exercício de sua atividade. Do exame dos livros pode-se verificar a existência de relações contratuais, o seu respectivo adimplemento ou inadimplemento, uma fraude contábil, entre outras coisas. É por isso que a lei determina que os livros empresariais devem ser conservados em boa guarda, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados (art. 1.194 do Código Civil).
Sobre a eficácia probatória dos livros empresariais, dispõe o Código de Processo Civil, em seu art. 378: “os livros comerciais provam contra o seu autor. É lícito ao comerciante, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos”. Vê-se, pois, que a eficácia probatória dos livros empresariais contra o empresário opera-se independentemente de os mesmos estarem corretamente escriturados. Nada impede, todavia, que o empresário demonstre, por outros meios de prova, que os lançamentos constantes daquela escrituração que lhe é desfavorável são equivocados.
Em contrapartida, para que os livros façam prova a favor do empresário é preciso que eles estejam regularmente escriturados, conforme disposição do art. 379 do Código de Processo Civil: “Os livros comerciais, que preencham os requisitos exigidos por lei, provam também a favor do seu autor no litígio entre comerciantes”.
Vale ressaltar que a regularidade da escrituração exige a obediência a requisitos intrínsecos e extrínsecos. Os primeiros estão previstos no art. 1.183 do Código Civil, o qual prevê que “a escrituração será feita em idioma e moeda corrente nacionais e em forma contábil, por ordem cronológica de dia, mês e ano, sem intervalos em branco, nem entrelinhas, borrões, rasuras, emendas ou transportes para as margens”.
Os requisitos extrínsecos de regularidade da escrituração, por sua vez, são a existência de um termo de abertura e de um termo de encerramento, bem assim a autenticação da Junta Comercial. Vale lembrar que, conforme determinação do art. 32, inciso III, da Lei 8.934/1994, só serão autenticados os livros empresariais dos empresários devidamente registrados na Junta Comercial.
Assim como todos nós, pessoas físicas, possuímos um nome civil, o qual nos identifica nas relações jurídicas de que participamos cotidianamente, os empresários – empresário individual ou sociedade empresária – também devem possuir um nome empresarial, que consiste, justamente, na expressão que os identifica nas relações jurídicas que formalizam em decorrência do exercício da atividade empresarial. Em outras palavras, “nome empresarial é aquele sob o qual o empresário e a sociedade empresária exercem suas atividades e se obrigam nos atos a elas pertinentes” (art. 1.°, caput, da IN/DNRC 104/2007).
O direito ao nome empresarial, segundo a doutrina majoritária, é um direito personalíssimo. A importância do nome empresarial como elemento identificador do empresário em suas relações jurídicas é tão grande que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, havendo mudança de nome empresarial, deve haver a outorga de nova procuração aos mandatários da sociedade empresária.
Processual civil. Agravo de instrumento. Artigo 544 do CPC. Agravo regimental. Falta de traslado de peça obrigatória. Procuração da empresa agravante. Modificação na denominação social da empresa. Necessidade de apresentação da procuração outorgada ao advogado da empresa com a nova denominação social. Agravo regimental desprovido. 1. A procuração outorgada ao advogado da empresa agravante é peça essencial para o conhecimento do agravo de instrumento. 2. Na hipótese de ocorrer modificação na denominação social da empresa, faz-se mister a apresentação da procuração da empresa com a nova denominação social, sob pena de não conhecimento do recurso. 3. Agravo regimental desprovido (STJ, AgRg no REsp 1.023.724-RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 19.12.2008).
Como sinal distintivo que identifica o empresário no exercício de sua atividade, o nome empresarial possui duas funções relevantes, uma de ordem subjetiva – de individualizar e identificar o sujeito de direitos exercente da atividade empresarial – e outra de ordem objetiva – de lhe garantir fama, renome, reputação etc.
É preciso tomar cuidado, todavia, para não confundir o nome empresarial com alguns outros importantes elementos de identificação do empresário, tais como a marca, o nome de fantasia (também chamado por alguns de título de estabelecimento ou insígnia), o nome de domínio e os chamados sinais de propaganda.
A marca é um sinal distintivo que identifica produtos ou serviços do empresário (art. 122 da Lei 9.279/1996). Sua disciplina está adstrita ao âmbito do direito de propriedade industrial e será oportunamente analisada.
O nome de fantasia, por sua vez, é a expressão que identifica o título do estabelecimento. Grosso modo, está para o nome empresarial assim como o apelido está para o nome civil. Muitas pessoas possuem apelidos e atendem por essa expressão nas suas relações informais com amigos e parentes, mas nas relações formais, obviamente, sempre se identificam com o seu nome civil. Assim também ocorre com os empresários: nos contratos ou nos documentos públicos, por exemplo, o empresário sempre se identificará com o seu nome empresarial, não obstante se identificar para seus consumidores por meio de panfletos, dos uniformes dos funcionários ou do layout do estabelecimento mediante o seu nome de fantasia.
Infelizmente, o ordenamento jurídico-empresarial brasileiro não reserva proteção específica ao nome de fantasia ou título de estabelecimento. Sendo assim, na seara civil, sua proteção é feita com base na regra geral de proteção contra a prática de atos ilícitos, contemplada no art. 186 do Código Civil de 2002: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Na seara penal, por sua vez, a proteção era conferida pelo art. 195 do Código Penal, revogado pela Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial, que, em seus arts. 191, 194 e 195, inciso V, passou a tratar do tema, assim dispondo: “reproduzir ou imitar, de modo que possa induzir em erro ou confusão, armas, brasões ou distintivos oficiais nacionais, estrangeiros ou internacionais, sem a necessária autorização, no todo ou em parte, em marca, título de estabelecimento, nome comercial, insígnia ou sinal de propaganda, ou usar essas reproduções ou imitações com fins econômicos. Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa” (art. 191 da LPI); “usar marca, nome comercial, título de estabelecimento, insígnia, expressão ou sinal de propaganda ou qualquer outra forma que indique procedência que não a verdadeira, ou vender ou expor à venda produto com esses sinais. Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa” (art. 194 da LPI); “comete crime de concorrência desleal quem: (...) V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências” (art. 195, inciso V, da LPI). Em síntese: o uso indevido de título de estabelecimento (nome de fantasia) de outro empresário, ainda que essa expressão não seja registrada como marca ou nome desse empresário, é crime.
O nome de domínio é o endereço eletrônico dos sites dos empresários na internet, hoje muito usados para negociação de produtos e serviços, em razão do desenvolvimento do chamado comércio eletrônico (e-commerce ou e-business). A propósito, foi aprovado o Enunciado 7, da I Jornada de Direito Comercial do CJF: “O nome de domínio integra o estabelecimento empresarial como bem incorpóreo para todos os fins de direito”. Sobre nome de domínio, bem como sobre eventual conflito entre ele e o nome empresarial, decidiu o STJ que o simples fato de um empresário ou sociedade empresária ter registrado um nome empresarial que contenha uma determinada expressão não significa que ele tenha automaticamente o direito exclusivo de usar essa expressão como nome de domínio. Pode ocorrer, por exemplo, que aquela expressão já tenha sido usada por alguém em um nome de domínio. Nesse caso, o titular do nome empresarial registrado não pode, posteriormente, reclamar exclusividade, a não ser que demonstre má-fé do titular do nome de domínio. Confira-se a decisão do STJ:
Recurso especial. Ação de abstenção de uso. Nome empresarial. Nome de domínio na internet. Registro. Legitimidade. Contestação. Ausência de má-fé. Divergência jurisprudencial não demonstrada. Ausência de similitude fática.
1. A anterioridade do registro no nome empresarial no órgão competente não assegura, por si só, ao seu titular o direito de exigir a abstenção de uso do nome de domínio na rede mundial de computadores (internet) registrado por estabelecimento empresarial que também ostenta direitos acerca do mesmo signo distintivo.
2. No Brasil, o registro de nomes de domínio na internet é regido pelo princípio “First Come, First Served”, segundo o qual é concedido o domínio ao primeiro requerente que satisfizer as exigências para o registro.
3. A legitimidade do registro do nome do domínio obtido pelo primeiro requerente pode ser contestada pelo titular de signo distintivo similar ou idêntico anteriormente registrado – seja nome empresarial, seja marca.
4. Tal pleito, contudo, não pode prescindir da demonstração de má-fé, a ser aferida caso a caso, podendo, se configurada, ensejar inclusive o cancelamento ou a transferência do domínio e a responsabilidade por eventuais prejuízos.
5. No caso dos autos, não é possível identificar nenhuma circunstância que constitua sequer indício de má-fé na utilização do nome pelo primeiro requerente do domínio.
6. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e os paradigmas.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 594404/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 05.09.2013, DJe 11.09.2013).
Assim, por exemplo, se eu resolvesse ser empresário individual, explorando a atividade de comércio, edição e distribuição de livros, teria que me registrar na Junta Comercial e adotar uma expressão como nome empresarial. Eu poderia me registrar, por exemplo, com o seguinte nome: André Ramos Comércio, Edição e Distribuição de Livros. Esse seria o meu nome empresarial, registrado na Junta Comercial do Estado em que eu atuasse. Mas eu poderia identificar meu negócio com um nome de fantasia, usando a seguinte expressão: Livraria 12 de Julho. Esse seria o meu nome de fantasia. Caso eu resolvesse identificar os livros por mim editados, poderia criar uma marca e registrá-la, podendo ser a seguinte expressão: Livro 12. Essa seria minha marca, que identificaria meus produtos (os livros que eu editasse) e seria registrada no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Eu poderia, por fim, desenvolver um site na internet para vender meus produtos e divulgar meu negócio, usando o endereço www.livraria12dejulho.com.br. Esse seria o meu nome de domínio. Perceba o leitor, portanto, que nome empresarial, nome de fantasia, marca e nome de domínio são coisas distintas e exercem funções distintas para o empresário que os utiliza.
Os sinais de propaganda, por fim, são aqueles que, embora não se destinem a identificar especificamente produtos ou serviços do empresário, exercem uma importante função de mercado: chamar a atenção dos consumidores.
A legislação anterior permitia o registro desses sinais no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o que garantia aos seus titulares o uso exclusivo, assim como ocorre com as marcas, por exemplo. A nova legislação (Lei n.° 9.279/1996) deixou sem regulamentação os sinais de propaganda, fazendo menção a eles em apenas um dispositivo, por meio do qual lhe confere uma específica proteção penal (art. 195, inciso IV). Isso não significa, todavia, que o ordenamento jurídico não mais confira proteção às expressões de propaganda. Atualmente, elas são submetidas à fiscalização do Conselho de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, criado como sociedade civil, em 1978, o qual, entretanto, só pode impor regras aos seus associados e aos profissionais do ramo de publicidade como, por exemplo, as agências de propaganda.
Segundo o art. 1.155 do Código Civil, “considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este Capítulo, para o exercício de empresa”. O Código distingue, portanto, duas espécies de nome empresarial: a) firma; e b) denominação.
A firma, que pode ser individual ou social, é espécie de nome empresarial, formada por um nome civil – do próprio empresário, no caso de firma individual, ou de um ou mais sócios, no caso de firma social. O núcleo da firma é, pois, sempre um nome civil (por exemplo, André Ramos ou A. Ramos). Destaque-se ainda que, na firma, pode ser indicado o ramo de atividade (nos exemplos já mencionados: André Ramos Cursos Jurídicos ou A. Ramos Cursos Jurídicos). Trata-se, portanto, de uma faculdade, nos termos do art. 1.156, parte final, do Código Civil, que dispõe claramente que o titular da firma pode aditar, se quiser, expressão que designe de forma mais precisa sua pessoa ou o ramo de sua atividade.
A denominação, que só pode ser social – o empresário individual somente opera sob firma –, pode ser formada por qualquer expressão linguística (o que alguns doutrinadores chamam de elemento fantasia) e a indicação do objeto social (ramo de atividade), esta obrigatória (vide arts. 1.158, § 2.°, 1.160 e 1.161, todos do Código Civil).
A doutrina aponta, portanto, que a firma é privativa de empresários individuais e sociedades de pessoas, enquanto a denominação é privativa de sociedades de capital. Assim, pode-se dizer que a firma é usada, em regra, pelos empresários individuais e pelas sociedades em que existam sócios de responsabilidade ilimitada (sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações), enquanto a denominação é usada, em regra, pelas sociedades em que todos os sócios respondem de forma limitada (sociedade limitada e sociedade anônima). Dissemos, em regra, porque a sociedade limitada pode usar firma social, e a sociedade em comandita por ações pode usar firma. Nesse sentido, dispõem os arts. 2.° e 3.° da IN/DNRC 104/2007. O art. 2.° prevê que “firma é o nome utilizado pelo empresário, pela sociedade em que houver sócio de responsabilidade ilimitada e, de forma facultativa, pela sociedade limitada”. O art. 3.°, por sua vez, prevê que “denominação é o nome utilizado pela sociedade anônima e cooperativa e, em caráter opcional, pela sociedade limitada e em comandita por ações”.
Uma última informação importante acerca da distinção entre firma e denominação precisa ser feita: a firma, seja individual ou social, além de identificar o exercente da atividade empresarial como sujeito de direitos, exerce a função de assinatura do empresário ou da sociedade empresária, respectivamente; a denominação não exerce essa função, servindo apenas como elemento identificador. Por essa razão, o empresário individual deve assinar, nas suas relações empresariais, a sua firma individual (por exemplo, J. Silva Serviços de Informática), e não o seu nome civil (José da Silva, simplesmente). Do mesmo modo, o administrador de uma sociedade empresária que adote firma social deve assinar, nos contratos que celebrar em nome da pessoa jurídica, a própria firma social descrita no ato constitutivo (por exemplo, Silva e Ribeiro Serviços de Informática), e não seu nome civil. Em contrapartida, se a sociedade utiliza denominação social (por exemplo, SR Computadores Serviços de Informática LTDA.), o seu administrador, nos contratos que celebrar em nome da sociedade, deverá assinar o seu nome civil sobre a denominação social impressa ou escrita.
Assim sendo, a firma individual ou social possui a função específica de servir como a própria assinatura do empresário individual ou da sociedade empresária, respectivamente. Já a denominação, por sua vez, não funciona como assinatura.
De acordo com o tipo societário utilizado pela sociedade empresária – sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade em comandita etc. –, o nome empresarial usado variará conforme a espécie e até mesmo conforme a estrutura da sociedade constituída.
A sociedade limitada, por exemplo, pode adotar firma ou denominação, integrada pela palavra final “limitada” ou a sua abreviatura. Se optar pelo uso da firma social, ela será composta com o nome de um ou mais sócios, desde que pessoas físicas, de modo indicativo da relação social. Se, todavia, optar pelo uso da denominação social, esta deverá necessariamente designar o objeto da sociedade, sendo permitido nela figurar o nome de um ou mais sócios ou constar apenas uma expressão linguística qualquer (art. 1.158, caput, §§ 1.° e 2.°, do Código Civil).
As sociedades em que há sócios de responsabilidade ilimitada, como é o caso da sociedade em nome coletivo, operarão sob firma, na qual somente os nomes daqueles poderão figurar, bastando para formá-la aditar ao nome de um deles a expressão “e companhia” ou a sua abreviatura (art. 1.157, caput, do Código Civil).
A sociedade anônima, por sua vez, opera sob denominação designativa do objeto social, integrada pelas expressões “sociedade anônima” ou “companhia”, por extenso ou abreviadamente, nos termos do art. 1.160 do Código Civil (por exemplo, Recife Alimentos S/A ou Recife Companhia de Alimentos ou Companhia Recife de Alimentos). O Código ainda destaca que “pode constar da denominação o nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa” (art. 1.160, parágrafo único, do Código Civil).
Já a sociedade em comandita por ações pode adotar firma ou denominação designativa do objeto social, aditada da expressão “comandita por ações” (art. 1.161 do Código Civil), e a sociedade em conta de participação não pode ter firma ou denominação (art. 1.162 do Código Civil), uma vez que não possui personalidade jurídica própria.
Registre-se também que os empresários individuais ou sociedades empresárias que se enquadrarem como microempresa ou empresa de pequeno porte deverão acrescentar aos seus respectivos nomes empresariais as terminações ME ou EPP, conforme o caso (por exemplo, André Ramos Cursos Jurídicos – ME, Silva e Ribeiro Serviços de Informática – ME ou SR Computadores Serviços de Informática LTDA. – EPP).
Por fim, no que se refere às sociedades simples, cumpre-nos fazer uma importante observação. O art. 997 do Código Civil, em seu inciso II, determina que o contrato social da sociedade simples deve indicar a sua denominação, o que pode levar o intérprete apressado a concluir que as sociedades simples não podem usar firma, o que é equivocado. Nesse sentido, aliás, é o Enunciado 213 do CJF: “o art. 997, inc. II, não exclui a possibilidade de sociedade simples utilizar firma ou razão social”.
Segundo o art. 34 da Lei 8.934/1994, “o nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade”.
De acordo com o princípio da veracidade, o nome empresarial não poderá conter nenhuma informação falsa. Sendo a expressão que identifica o empresário em suas relações como tal, é imprescindível que o nome empresarial só forneça dados verdadeiros àquele que negocia com o empresário.
Exemplos de regras que incorporam o princípio da veracidade são os arts. 1.158, § 3.° (“a omissão da palavra ‘limitada’ determina a responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que assim empregarem a firma ou a denominação da sociedade”), e 1.165 (“o nome de sócio que vier a falecer, for excluído ou se retirar, não pode ser conservado na firma social”), ambos do Código Civil.
Ainda em obediência ao princípio da veracidade, pode ser que, em alguns casos, seja obrigatória a alteração do nome empresarial. Por exemplo: (i) quando se provar, posteriormente ao registro, a coexistência do nome registrado com outro já constante dos assentamentos da Junta Comercial; (ii) quando ocorrer a morte ou a saída de sócio cujo nome conste da firma da sociedade (nesse caso, interpretando-se harmonicamente os arts. 1.165 e 1.157, parágrafo único, do Código Civil, entende-se que se mantém a responsabilidade ilimitada do sócio retirante ou do espólio do sócio falecido, enquanto não for alterado o nome da sociedade); (iii) quando houver transformação, incorporação, fusão ou cisão da sociedade, entre outras situações específicas.
Por princípio da novidade, por sua vez, se entende a proibição de se registrar um nome empresarial igual ou muito parecido com outro já registrado. Com efeito, segundo o disposto no art. 1.163 do Código Civil, “o nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro”. O parágrafo único desse dispositivo prevê que “se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga”. Cabe à Junta Comercial em que o empresário ou a sociedade empresária requereu o arquivamento de seus atos constitutivos proceder à análise da eventual colidência entre o nome empresarial levado a registro e outro nome empresarial já registrado, consultando seus assentamentos.
É preciso ressaltar, todavia, que a proteção ao nome empresarial quanto ao princípio da novidade se inicia automaticamente a partir do registro e é restrita ao território do Estado da Junta Comercial em que o empresário se registrou. Isso porque o art. 1.166 do Código Civil dispõe que “a inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado”. Nesse sentido, é o que dispõe também o art. 11 da IN/DNRC 104/2007, segundo o qual “a proteção ao nome empresarial decorre, automaticamente, do ato de inscrição de empresário ou do arquivamento de ato constitutivo de sociedade empresária, bem como de sua alteração nesse sentido, e circunscreve-se à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial que o tiver procedido”. Sendo assim, nada impede que um empresário com atividade na Bahia registre um nome empresarial idêntico ao de outro empresário, mais antigo, com atuação em Pernambuco, salvo se este obteve o direito de usar exclusivamente seu nome empresarial em todo o território nacional, conforme previsão do parágrafo único do art. 1.166 citado. Nesse sentido, confira-se a decisão do STJ:
Nome comercial. Proteção no âmbito do estado em que registrado. Impossibilidade de alegação como proteção a marca, enquanto não registrada no INPI. Registro no INPI, superveniente, que não pode ser objeto de consideração no recurso especial. Concorrência desleal. Inadmissibilidade de julgamento diante de petição inicial circunscrita à proteção de nome e de marca. Julgamento “extra-petita” não configurado. Recurso especial improvido. I. Os artigos 61 do Decreto n.° 1800/96 e 1.166 do Código Civil de 2002, revogaram o Decreto n.° 75.572/75 no que tange à extensão territorial conferida à proteção do nome empresarial. Agora “A proteção legal da denominação de sociedades empresárias, consistente na proibição de registro de nomes iguais ou análogos a outros anteriormente inscritos, restringe-se ao território do Estado em que localizada a Junta Comercial encarregada do arquivamento dos atos constitutivos da pessoa jurídica” (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 653.609/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, DJ 27.06.2005). (...) (REsp 971.026/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3.ª Turma, j. 15.02.2011, DJe 02.03.2011).
Ainda sobre a proteção ao nome empresarial, que possui status constitucional (art. 5.°, inciso XXIX, da CF/1988), merece destaque o fato de que, até a edição do atual Código Civil, entendia a jurisprudência consolidada do STJ que o prazo prescricional das ações de abstenção do uso de nome empresarial era de dez anos, aplicando-se o art. 177 do Código de 1916. A propósito, confira-se:
Recurso especial. Ação de abstenção do uso de nome comercial. Prescrição. Matéria controvertida. Cancelamento da Súmula 142/STJ. Prazo decenal. Termo inicial. Arquivamento. Contrato. Junta Comercial. 1. A prescrição incidente sobre as ações de abstenção do uso de nome empresarial é das mais controvertidas. Duas correntes preponderam, uma defendendo a incidência da prescrição quinquenal do art. 178, § 10, IX, do Código Civil de 1916 e outra, da prescrição decenal relativa aos direitos reais – art. 177 do Código Civil de 1916. 2. A incidência do prazo decenal parece a que melhor soluciona a questão ante a omissão legislativa quanto ao tema. (...) (REsp 826.818/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4.ª Turma, j. 15.12.2009, DJe 08.03.2010).
Nome comercial. Abstenção de uso. Prescrição. Cancelamento da Súmula n.° 142 da Corte. 1. Com o cancelamento da Súmula n.° 142, a Corte afastou o prazo de prescrição de vinte anos para a ação que tenha por objetivo a abstenção do uso do nome ou da marca comercial; a anterior jurisprudência já afastava, de todos os modos, a incidência do art. 178, § 10, IX, do Código Civil, isto é, o prazo de cinco anos; em conclusão, aplicável o art. 177, segunda parte, do Código Civil, sendo de dez anos entre presentes e quinze entre ausentes o prazo de prescrição. (...) (REsp 418.580/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3.ª Turma, j. 11.02.2003, DJ 10.03.2003, p. 191).
O Código de 2002, todavia, dispôs, em seu art. 1.167, que “cabe ao prejudicado, a qualquer tempo, ação para anular a inscrição do nome empresarial feita com violação da lei ou do contrato”.
Por fim, o Código Civil dispõe, em seu art. 1.164, que “o nome empresarial não pode ser objeto de alienação”, mas ressalva a possibilidade de o adquirente do estabelecimento empresarial continuar usando o antigo nome empresarial do alienante, precedido do seu e com a qualificação de sucessor, desde que o contrato de trespasse permita (art. 1.164, parágrafo único, do Código Civil: “o adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor”). Portanto, a regra do caput do art. 1.164 do Código Civil, que prevê a inalienabilidade do nome empresarial, deve ser interpretada em consonância com a regra do seu parágrafo único. Assim, embora o nome empresarial, em si, não possa ser vendido, é possível que, num contrato de alienação do estabelecimento empresarial (que é chamado de trespasse), ele seja negociado como elemento integrante desse próprio estabelecimento (fundo de empresa).
A regra do art. 1.164 não agrada alguns doutrinadores, razão pela qual sua supressão foi sugerida pelo Enunciado 72 do CJF: “Suprimir o art. 1.164 do novo Código Civil”.
Em muitas situações, o deferimento, por parte das Juntas Comerciais, do arquivamento dos atos constitutivos de determinados empresários individuais e sociedades empresárias é levado à apreciação do DNRC (Departamento Nacional de Registro do Comércio), órgão que, como visto, possui funções de orientação, coordenação, supervisão e normatização no âmbito do SINREM (Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis), acerca de como proceder em caso de pedidos de registro de nomes empresariais idênticos ou semelhantes a outros já registrados.
O DNRC, portanto, possui uma série de entendimentos já pacificados acerca do tema, os quais se baseiam, sobretudo, na Instrução Normativa 104/2007.
“INSTRUÇÃO NORMATIVA 104, 30 DE ABRIL DE 2007.
Dispõe sobre a formação de nome empresarial, sua proteção e dá outras providências.
O DIRETOR DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DO COMÉRCIO – DNRC, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 4.° da Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994, o art. 61, § 2.° e art. 62, § 3.° do Decreto 1.800, de 30 de janeiro de 1996; e CONSIDERANDO as disposições contidas no art. 5.°, inciso XXIX, da Constituição Federal; nos arts. 33, 34 e 35, incisos III e V, da Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994; nos arts. 3.°, 267 e 271 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976; na Lei n.° 10.406, de 10 de janeiro de 2002; na Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005; no Decreto 619, de 29 de julho de 1992; e CONSIDERANDO as simplificações e desburocratização dos referenciais para a análise dos atos apresentados ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, no que se refere ao nome empresarial, introduzidas pelo art. 72 da Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, resolve:
Art. 1.° Nome empresarial é aquele sob o qual o empresário e a sociedade empresária exercem suas atividades e se obrigam nos atos a elas pertinentes.
Parágrafo único. O nome empresarial compreende a firma e a denominação.
Art. 2.°Firma é o nome utilizado pelo empresário, pela sociedade em que houver sócio de responsabilidade ilimitada e, de forma facultativa, pela sociedade limitada.
Art. 3.° Denominação é o nome utilizado pela sociedade anônima e cooperativa e, em caráter opcional, pela sociedade limitada e em comandita por ações.
Art. 4.° O nome empresarial atenderá aos princípios da veracidade e da novidade e identificará, quando assim exigir a lei, o tipo jurídico da sociedade.
Parágrafo único. O nome empresarial não poderá conter palavras ou expressões que sejam atentatórias à moral e aos bons costumes.
Art. 5.° Observado o princípio da veracidade:
I – o empresário só poderá adotar como firma o seu próprio nome, aditando, se quiser ou quando já existir nome empresarial idêntico, designação mais precisa de sua pessoa ou de sua atividade;
II – a firma:
a) da sociedade em nome coletivo, se não individualizar todos os sócios, deverá conter o nome de pelo menos um deles, acrescido do aditivo “e companhia”, por extenso ou abreviado;
b) da sociedade em comandita simples deverá conter o nome de pelo menos um dos sócios comanditados, com o aditivo “e companhia”, por extenso ou abreviado;
c) da sociedade em comandita por ações só poderá conter o nome de um ou mais sócios diretores ou gerentes, com o aditivo “e companhia”, por extenso ou abreviado, acrescida da expressão “comandita por ações”, por extenso ou abreviada;
d) da sociedade limitada, se não individualizar todos os sócios, deverá conter o nome de pelo menos um deles, acrescido do aditivo “e companhia” e da palavra “limitada”, por extenso ou abreviados;
III – a denominação é formada com palavras de uso comum ou vulgar na língua nacional ou estrangeira e ou com expressões de fantasia, com a indicação do objeto da sociedade, sendo que:
a) na sociedade limitada, deverá ser seguida da palavra “limitada”, por extenso ou abreviada;
b) na sociedade anônima, deverá ser acompanhada da expressão “companhia” ou “sociedade anônima”, por extenso ou abreviada, vedada a utilização da primeira ao final;
c) na sociedade em comandita por ações, deverá ser seguida da expressão “em comandita por ações”, por extenso ou abreviada;
d) para as sociedades enquadradas como microempresa ou empresa de pequeno porte, inclusive quando o enquadramento se der juntamente com a constituição, é facultativa a inclusão do objeto da sociedade;
e) ocorrendo o desenquadramento da sociedade da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, é obrigatória a inclusão do objeto da sociedade empresária no nome empresarial, mediante arquivamento da correspondente alteração contratual.
§ 1.° Na firma, observar-se-á, ainda:
a) o nome do empresário deverá figurar de forma completa, podendo ser abreviados os prenomes;
b) os nomes dos sócios poderão figurar de forma completa ou abreviada, admitida a supressão de prenomes;
c) o aditivo “e companhia” ou “& Cia.” poderá ser substituído por expressão equivalente, tal como “e filhos” ou “e irmãos”, dentre outras.
§ 2.° O nome empresarial não poderá conter palavras ou expressões que denotem atividade não prevista no objeto da sociedade.
Art. 6.° Observado o princípio da novidade, não poderão coexistir, na mesma unidade federativa, dois nomes empresariais idênticos ou semelhantes.
§ 1.° Se a firma ou denominação for idêntica ou semelhante a de outra empresa já registrada, deverá ser modificada ou acrescida de designação que a distinga.
§ 2.° Será admitido o uso da expressão de fantasia incomum, desde que expressamente autorizada pelos sócios da sociedade anteriormente registrada.
Art. 7.° Não são registráveis os nomes empresariais que incluam ou reproduzam, em sua composição, siglas ou denominações de órgãos públicos da administração direta ou indireta e de organismos nacionais e internacionais.
Art. 8.° Ficam estabelecidos os seguintes critérios para a análise de identidade e semelhança dos nomes empresariais, pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis – SINREM:
I – entre firmas, consideram-se os nomes por inteiro, havendo identidade se homógrafos e semelhança se homófonos;
II – entre denominações:
a) consideram-se os nomes por inteiro, quando compostos por expressões comuns, de fantasia, de uso generalizado ou vulgar, ocorrendo identidade se homógrafos e semelhança se homófonos;
b) quando contiverem expressões de fantasia incomuns, serão elas analisadas isoladamente, ocorrendo identidade se homógrafas e semelhança se homófonas. Art. 9.° Não são exclusivas, para fins de proteção, palavras ou expressões que denotem:
a) denominações genéricas de atividades;
b) gênero, espécie, natureza, lugar ou procedência;
c) termos técnicos, científicos, literários e artísticos do vernáculo nacional ou estrangeiro, assim como quaisquer outros de uso comum ou vulgar;
d) nomes civis.
Parágrafo único. Não são suscetíveis de exclusividade letras ou conjunto de letras, desde que não configurem siglas.
Art. 10. No caso de transferência de sede ou de abertura de filial de empresa com sede em outra unidade federativa, havendo identidade ou semelhança entre nomes empresariais, a Junta Comercial não procederá ao arquivamento do ato, salvo se:
I – na transferência de sede a empresa arquivar na Junta Comercial da unidade federativa de destino, concomitantemente, ato de modificação de seu nome empresarial;
II – na abertura de filial arquivar, concomitantemente, alteração de mudança do nome empresarial, arquivada na Junta Comercial da unidade federativa onde estiver localizada a sede.
Art. 11. A proteção ao nome empresarial decorre, automaticamente, do ato de inscrição de empresário ou do arquivamento de ato constitutivo de sociedade empresária, bem como de sua alteração nesse sentido, e circunscreve-se à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial que o tiver procedido.
§ 1.° A proteção ao nome empresarial na jurisdição de outra Junta Comercial decorre, automaticamente, da abertura de filial nela registrada ou do arquivamento de pedido específico, instruído com certidão da Junta Comercial da unidade federativa onde se localiza a sede da sociedade interessada.
§ 2.°Arquivado o pedido de proteção ao nome empresarial, deverá ser expedida comunicação do fato à Junta Comercial da unidade federativa onde estiver localizada a sede da empresa.
Art. 12. O empresário poderá modificar a sua firma, devendo ser observadas em sua composição, as regras desta Instrução.
§ 1.° Havendo modificação do nome civil de empresário, averbada no competente Registro Civil das Pessoas Naturais, deverá ser arquivada alteração com a nova qualificação do empresário, devendo ser, também, modificado o nome empresarial.
§ 2.° Se a designação diferenciadora se referir à atividade, havendo mudança, deverá ser registrada a alteração da firma.
Art. 13. A expressão “grupo” é de uso exclusivo dos grupos de sociedades organizados, mediante convenção, na forma da Lei das Sociedades Anônimas.
Parágrafo único. Após o arquivamento da convenção do grupo, a sociedade de comando e as filiadas deverão acrescentar aos seus nomes a designação do grupo.
Art. 14. As microempresas e empresas de pequeno porte acrescentarão à sua firma ou denominação as expressões “Microempresa” ou “Empresa de Pequeno Porte”, ou suas respectivas abreviações, “ME” ou “EPP”.
Art. 15. Aos nomes das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentinas deverão ser aditadas “Empresa Binacional Brasileiro-Argentinas”, “EBBA” ou “EBAB” e as sociedades estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil poderão acrescentar os termos “do Brasil” ou “para o Brasil” aos seus nomes de origem.
Art. 16. Ao final dos nomes dos empresários e das sociedades empresárias que estiverem em processo de liquidação, após a anotação no Registro de Empresas, deverá ser aditado o termo “em liquidação”.
Art. 17. Nos casos de recuperação judicial, após a anotação no Registro de Empresas, o empresário e a sociedade empresária deverão acrescentar após o seu nome empresarial a expressão “em recuperação judicial”, que será excluída após comunicação judicial sobre a sua recuperação.
Art. 18. Esta Instrução entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 19. Fica revogada a Instrução Normativa N.° 99, de 21 de dezembro de 2005.” [Destaques não constantes do texto original]
Assim, por exemplo, o DNRC já decidiu (Parecer Jurídico DNRC/COJUR 84/2006) que não há colidência entre as denominações sociais Logística Ambiental de São Paulo S.A. – LOGA e LOGAJ Transportes e Logística LTDA., por não serem tais expressões iguais nem semelhantes, já que não são homógrafas (mesma grafia) nem homófonas (mesma pronúncia). Entendeu-se que “as expressões preponderantes, que possuem evidentes diferenciações gráficas e fonéticas, não podem ser causadoras de colidência entre nomes empresariais”.
Em outro caso (Parecer Jurídico DNRC/COJUR 82/2006), o DNRC decidiu que “o uso de expressões originárias dos nomes dos sócios, de forma completa ou abreviada, sendo permitido por lei, não pode ensejar a colidência entre nomes empresariais”. Assim, entendeu-se que podiam coexistir normalmente os nomes empresarias Supermercados Bergamini LTDA. e Bergamini Comércio Virtual LTDA., uma vez que “a expressão ‘BERGAMINI’, integrante dos nomes empresariais da recorrida e da recorrente, não pode ser objeto da alegada colidência, por tratar-se de patronímico dos sócios, sendo permitido por lei o seu uso, de forma completa ou abreviada. Ademais, existem nos nomes empresariais no seu todo outros elementos distintivos, situação esta que afasta a hipótese de erro ou confusão pela clientela em potencial. Portanto, podem as denominações coexistir perfeitamente”.
Num outro caso (Parecer Jurídico DNRC/COJUR 69/2006), ficou decidido que “não são suscetíveis de proteção ou exclusividade o uso de letras ou conjunto de letras, desde que não configurem siglas”.
Já em outro caso (Parecer Jurídico DNRC/COJUR 66/2006), entendeu-se que “não são suscetíveis de proteção ou exclusividade os nomes empresariais formados por expressões comuns, de uso generalizado ou vulgar, do vernáculo nacional ou estrangeiro”.
Por fim, em outra situação (Parecer Jurídico DNRC/COJUR 07/2006), o DNRC entendeu que “as expressões de fantasia incomuns, desde que contenham fortes condicionantes, podem ser causadoras de colidência entre nomes empresariais”.
As disputas judiciais em decorrência da colidência entre nomes empresariais são constantes também nos tribunais. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que os nomes empresariais Best Way Importação e Exportação Ltda. e The Best Way Informática Ltda. são colidentes, assegurando à primeira sociedade a proteção ao seu nome.
Comercial e processual civil. Acórdão estadual. Nulidade não configurada. Nome comercial. Registro. Anterioridade. Conjugação de palavras inglesas (best way). Atividades semelhantes. Ausência de expressão comum. Identificação própria. Uso desautorizado. Proteção legal. Lei 8.934/1994, arts. 33 e 35, V. I. A conjugação de palavras corriqueiras, mas que, conjugadas, criam expressão que traz significado próprio e identificação específica para quem a emprega em seu nome (Best Way), constitui marca a que a lei confere proteção a partir do registro da empresa na Junta Comercial, de sorte que se afigura ilegítima a utilização, por outra, da mesma denominação, notadamente quando ainda exercem atividades sociais semelhantes, caso dos autos. (...) (REsp 267.541/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 22.08.2006, DJ 16.10.2006, p. 376).
No referido litígio, o relator do processo sustentou que a conjugação das duas palavras inglesas possui identidade própria e significado específico (melhor caminho), o que permite a individualização do titular, não se podendo afirmar que se trata de nome corriqueiro e comum, isento da proteção legal conferida pela Lei 8.934/1994. Ressaltou-se, ainda, que a atividade desenvolvida pelas duas empresas também é muito semelhante e poderia confundir o consumidor.
Em outra oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça solucionou disputa referente ao uso do nome Odebrecht.
(...) 4. A proteção legal da denominação de sociedades empresárias, consistente na proibição de registro de nomes iguais ou análogos a outros anteriormente inscritos, restringe-se ao território do Estado em que localizada a Junta Comercial encarregada do arquivamento dos atos constitutivos da pessoa jurídica. 5. Não se há falar em extensão da proteção legal conferida às denominações de sociedades empresárias nacionais a todo o território pátrio, com fulcro na Convenção da União de Paris, porquanto, conforme interpretação sistemática, nos moldes da lei nacional, mesmo a tutela do nome comercial estrangeiro somente ocorre em âmbito nacional mediante registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os Estados-membros. 6. A análise da identidade ou semelhança entre duas ou mais denominações integradas por nomes civis (patronímicos) e expressões de fantasia comuns deve considerar a composição total do nome, a fim de averiguar a presença de elementos diferenciais suficientes a torná-lo inconfundível. 7. A proteção de denominação social e nome civil em face do registro posterior de marca idêntica ou semelhante encontra previsão dentre as vedações legais previstas ao registro marcário (art. 65, V e XII, da Lei 5.772/1971, aplicável, in casu). 8. Conquanto objetivando tais proibições a proteção de nomes comerciais ou civis, mencionada tutela encontra-se prevista como tópico da legislação marcária, pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei 5.772/1971, consagradores do princípio da especificidade. Precedentes. 9. Especificamente no que tange à utilização de nome civil (patronímico) como marca, verifica-se a absoluta desnecessidade de autorização recíproca entre homônimos, além da inviabilidade de exigência, ante a ausência de previsão legal, de sinais distintivos à marca do homônimo que proceder posteriormente ao registro, também submetendo-se eventual conflito ao princípio da especificidade. 10. Consoante o princípio da especificidade, o INPI agrupa os produtos ou serviços em classes e itens, segundo o critério da afinidade, de modo que a tutela da marca registrada é limitada aos produtos e serviços da mesma classe e do mesmo item. Outrossim, sendo tal princípio corolário da necessidade de se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários de determinados produtos ou serviços, admite-se a extensão da análise quanto à imitação ou à reprodução de marca alheia ao ramo de atividade desenvolvida pelos respectivos titulares. 11. À caracterização de “marca notória” (art. 67, caput, da Lei 5.772/1971), a gozar de tutela especial impeditiva do registro de marcas idênticas ou semelhantes em todas as demais classes e itens, perfaz-se imprescindível a declaração de notoriedade pelo INPI, com a concessão do registro em aludida categoria especial. 12. Diversas as classes de registro e o âmbito das atividades desempenhadas pela embargante (comércio e beneficiamento de café, milho, arroz, cereais, frutas, verduras e legumes, e exportação de café) e pela embargada (arquitetura, engenharia, geofísica, química, petroquímica, prospecção e perfuração de petróleo), e não se cogitando da configuração de marca notória, não se vislumbra impedimento ao uso, pela embargante, da marca Odebrecht como designativa de seus serviços, afastando-se qualquer afronta, seja à denominação social, seja às marcas da embargada. Precedentes. 13. Possibilidade de confusão ao público consumidor dos produtos e serviços das litigantes expressamente afastada pelas instâncias ordinárias, com base no exame do contexto fático-probatório, do qual são absolutamente soberanas. Inviabilidade de revisão de mencionado entendimento nesta seara especial, nos termos da Súmula 07/STJ. Precedentes. (...) (EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 653.609/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, 4.ª Turma, j. 19.05.2005, DJ 27.06.2005, p. 408).
Repare-se que, nesse caso, o STJ atentou para a exata distinção entre nome empresarial e marca, como também para o fato de que a proteção legal da denominação de sociedades empresariais se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial em que o registro está arquivado (no caso da Odebrecht S/A, o estado da Bahia e, no caso da Odebrecht Café, o estado do Paraná), ressaltando que a extensão para todo o país pode ser feita por registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os estados-membros, o que não teria ocorrido. O relator também ponderou que “Odebrecht” é sobrenome dos fundadores de ambas as sociedades empresárias e, por isso, patrimônio delas. Além disso, verificou-se que, em cada um dos registros, o termo “Odebrecht” vem acompanhado de palavras que individualizam as denominações sociais e os ramos em que as respectivas sociedades atuam, o que afastaria a possibilidade de confusão.
Em outro caso o STJ permitiu que duas sociedades empresárias usassem uma mesma expressão (Fiorella) na formação de seus respectivos nomes empresariais, em razão de elas atuarem em ramos distintos e de não haver possibilidade de confusão entre consumidores. Confira-se:
Direito empresarial. Proteção ao nome comercial. Conflito. Nome comercial e marca. Matéria suscitada nos embargos infringentes. Colidência entre nomes empresariais. Registro anterior. Uso exclusivo do nome. Áreas de atividades distintas. Ausência de confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego. Proteção restrita ao âmbito de atividade da empresa. Recurso improvido. 1. Conflito entre nome comercial e marca, a teor do art. 59 da Lei n. 5.772/71. Interpretação. 2. Colidência entre nomes empresariais. Proteção ao nome comercial. Finalidade: identificar o empresário individual ou a sociedade empresária, tutelar a clientela, o crédito empresarial e, ainda os consumidores contra indesejáveis equívocos. 3. Utilização de um vocábulo idêntico – FIORELLA – na formação dos dois nomes empresariais – FIORELLA PRODUTOS TÊXTEIS LTDA e PRODUTOS FIORELLA LTDA. Ausência de emprego indevido, tendo em vista as premissas estabelecidas pela Corte de origem ao analisar colidência: a) ausência de possibilidade de confusão entre os consumidores; b) atuação empresarial em atividades diversas e inconfundíveis. 4. Tutela do nome comercial entendida de modo relativo. O registro mais antigo gera a proteção no ramo de atuação da empresa que o detém, mas não impede a utilização de nome em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego. 5. Recurso a que se nega provimento (REsp 262.643/SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), 3.ª Turma, j. 09.03.2010, DJe 17.03.2010).
Vê-se, portanto, que nessas lides nas quais se discutem eventuais conflitos entre nomes empresariais a maior preocupação é saber se há possibilidade de confusão entre consumidores.
Sobre eventuais conflitos entre nomes empresariais e marcas, foi aprovado o Enunciado 1, da I Jornada de Direito Comercial do CJF, com o seguinte teor: “Decisão judicial que considera ser o nome empresarial violador do direito de marca não implica a anulação do respectivo registro no órgão próprio nem lhe retira os efeitos, preservado o direito de o empresário alterá-lo”.