Numa tarde de sexta-feira, no começo de 1979, em meio ao “Inverno do Descontentamento”, com os termômetros marcando um frio congelante, a neve sobre o solo mais profunda do que nos 16 anos anteriores e os motoristas de ônibus em greve, Johnny Marr saiu a pé para o emprego de meio expediente que conseguira: abastecer as prateleiras num supermercado cooperativo local, bem no centro de Wythenshawe. Quando chegou lá, foi informado de que seria demitido, “por ser preguiçoso, insolente e distraído”, como ele supôs depois do acontecimento. Aquilo já era suficientemente ruim, mas os funcionários do supermercado, ainda por cima, tinham uma cerimônia para aqueles que eram demitidos: “no final daquele turno, você tinha que sair pela porta dos fundos e era saudado por todos os adultos com um suprimento infinito de ovos. Literalmente. Caixas e mais caixas. E você fica preso como um animal encurralado na área de carga. E todos os adultos que pensam ‘esse cara mereceu’ começam a bombardeá-lo.”
Em questão de minutos, Marr foi transformado num “omelete humano”. Enquanto se preparava para sua longa caminhada de volta através de Wythenshawe, percebeu que não seria capaz de percorrer todo o caminho até sua casa, muito menos se explicar quando entrasse; então, parou na casa de um amigo, em Brookway. O amigo, Danny Patton, contou a Johnny sobre uma festa que aconteceria naquela mesma noite, com “um monte de garotas bonitas”. Marr tomou um banho, pediu para Patton lhe emprestar uma camisa e uma jaqueta (“por sorte, ele tinha bom gosto para roupas”) e acompanhou o amigo até a festa. Assim que entrou, certa garota chamou sua atenção. Seu nome era Angela Brown, uma aluna do terceiro ano em Brookway que nascera, por coincidência, exatamente um ano depois de Johnny. Era baixa, como ele, tinha olhos castanhos e um sorriso cheio de vida, e, segundo Johnny, “desde o primeiro minuto em que a vi soube que queria ficar com ela por toda a minha vida”.
Ele realizou seu desejo. “Ela me fez correr atrás dela por seis semanas enquanto todos observavam, o que era direito seu — muito justo. E eu concordei. Começamos a namorar e nunca mais a perdi de vista.”1 Os Brown eram mais de classe média do que os Maher, o que causou alguns problemas iniciais com os irmãos protetores da menina, e ela era vegetariana, o que parecia estranho na casa dos Maher. Mas, sob a influência de Johnny, seu modo de vestir-se rapidamente cedeu a um estilo classic rock chic, o casal desenvolvendo um apego mútuo pelo delineador amado pelos mods e modettes dos anos 1960 — e por Keith Richards nos anos 1970. Não demorou muito para que eles fossem vistos — inseparavelmente — como um casal.
Marr nunca teve dúvidas de sua sorte: “Ela fazia com que eu me sentisse de uma forma que ninguém mais conseguia e, aos olhos de algumas pessoas, era por isso que me davam bola, porque eu estava com uma pessoa tão incrível.” Mas essa era apenas uma das razões para estar agradecido. Quando ele e Angie estabeleceram um relacionamento permanente, Johnny percebeu que “a coisa que ocupa muito do tempo dos rapazes adolescentes — ou seja, os hormônios e a tentativa de encontrar uma parceira — estava resolvida”. Sem praticamente ter se esforçado para conseguir o amor de sua vida, o rapaz pôde voltar a suas ambições musicais — e sem distrações, porque Angie o apoiava a cada passo.
“A vibe era: ‘Sou um guitarrista e é isso o que vou fazer pelo resto da minha vida’, e ela respondia: ‘Ok, o que for necessário para isso, estarei ao seu lado.’” Isso não quer dizer que Angie não tivesse sua própria personalidade — sua energia e tenacidade muitas vezes se mostrariam cruciais para o avanço dos Smiths —, mas sim que ela e Johnny podiam se dar o luxo de compartilhar um objetivo similar, porque tinham um gosto musical parecido. “Desde o momento em que escutou Raw Power, ela soube do que gostava. Ela amava David Johansen, Iggy Pop, Jimi Hendrix, e não muito além disso. E os grandes discos dos Stones. Então, aquilo me fez parar de atirar para todos os lados musicalmente.”
Talvez o que diga mais sobre eles é que Johnny e Angie ficavam totalmente confortáveis na companhia um do outro. “Aqueles barulhos que eu fazia na guitarra”, falou Marr sobre as muitas noites em casa, quando ele ficava brincando com as combinações de acordes convencionais e intuitivos e assim aperfeiçoando seu talento, “não eram feitos por um rapaz solitário, sentado em seu quarto. Eu estava sentado lá com uma linda menina de 15 anos, que ficava quieta, folheando revistas e olhando para capas de discos do New York Dolls, sentada a meio metro de mim, me escutando tocar; ela em seu próprio mundo e eu no meu.”
Marr viu o surgimento de Angie em sua vida como a continuação da conexão próxima que ele já possuía com a mãe e a irmã. “Minha relação com rapazes sempre foi muito próxima, mas sempre foi algo profissional, e minha relação com mulheres sempre foi algo psicológico”, reconheceu ele anos depois. Talvez o fato de ele e Rourke já estarem estabelecidos em seu caminho musical tenha sido a causa de terem conseguido evitar a consequência habitual de um primeiro romance adolescente sério: o sacrifício do melhor amigo. “Éramos nós três”, disse Marr. “O tempo todo. Gostávamos das mesmas roupas. Da mesma música.” Rourke concordou: “Nós três éramos grandes amigos. Passávamos cada minuto do dia juntos, nós três.” Rourke frequentemente recebia o casal em sua casa, na Hawthorn Lane, e até emprestava o quarto de seu pai quando era necessário — o que gerou um grande constrangimento no dia em que Michael Rourke voltou mais cedo de uma viagem a trabalho e pegou Marr descendo a escada correndo, vestido com seu roupão.
Em meados de 1979, Marr foi convidado a se juntar à banda local Sister Ray. Posicionado musicalmente na periferia entre Hawkwind e The Damned, eles eram, disse Marr, “sujeitos muito mais velhos, realmente barra-pesada, viciados em anfetamina”, aos quais o vocalista, Clive Robertson, ajudara a criar uma reputação local pelo simples fato de “ser maluco”.2 Marr ensaiou com o Sister Ray durante duas semanas num porão em Whalley Range antes de subir ao palco com eles para seu primeiro show, uma posição de relativo prestígio abrindo para os Freshies no Wythenshawe Forum, apresentação que rendeu matérias sobre Marr no jornal local. Por conta das diferenças musicais, de idade e de hábitos, ele e a banda não foram feitos um para o outro, mas Marr ficou agradecido pela experiência — e pela amizade que mantém com o baterista Bill Anstee, que na época usava dreadlocks.
Com o breve flerte, era como se Marr tirasse uma licença do que parecia ser uma progressão convencional na direção da música profissional. Quando os guitarristas mais velhos de Wythenshawe chegaram aos 18 anos, seguiram, em grande parte, seus próprios caminhos, alguns abandonando a música por empregos comuns, outros — como Billy Duffy — partindo para Londres a fim de perseguir o estrelato. Robin Allman permaneceu em seu próprio território, e Marr e Rourke acabaram se juntando a ele e ao tecladista de formação clássica Paul Whittall, ensaiando harmonias corais de várias vozes e guitarras dedilhadas igualmente complexas, no estilo do Pentagle. Quando menos esperavam, haviam recrutado Bobby Durkin e formado uma nova banda, White Dice.
A reputação de Allman era incomparável em Wythenshawe. Marr afirmou que ele era “mais talentoso do que qualquer um que já conheci”. Whittall disse, a respeito de Allman, que era “uma lenda nos círculos do sul de Manchester” e “amplamente reconhecido como um compositor brilhante”. Rourke, cuja casa se transformou em espaço de ensaio, admitiu: “Nós admirávamos Rob”, ele era “mais versado sobre sua música” e “um sujeito muito talentoso”. O gosto musical de Allman, no entanto, era quase dolorosamente ortodoxo, e ele colocou o White Dice num caminho influenciado não somente pelas figuras familiares de Tom Petty, Rory Gallagher e Neil Young, mas pelo grupo de folk britânico Fairport Convention e por seu similar irlandês, The Bothy Band. Para Marr e, especialmente, Rourke, isso não era em si um grande problema. Eles tinham crescido ouvindo muitos desses artistas e não estavam prontos para descartá-los em nome da moda. Na verdade, Marr foi fotografado no White Dice imitando Bruce Springsteen na capa de Born to Run, enquanto vestia uma camiseta de Tom Petty. (Allman serviu como seu Clarence Clemons.)
Mas, à medida que a década de 1970 chegava ao fim, Marr e Rourke eram cada vez mais atraídos pela música que emergia da New Wave, levando em conta principalmente que a valorização das habilidades musicais — apesar de ser um tipo menos autocomplacente do que na era pré-punk — tinha voltado. Rourke, agora usando um baixo sem trastes que Marr lhe comprara “a preço de banana”, ficou fascinado e posteriormente foi influenciado pela forma de tocar baixo de Mick Karn, do grupo Japan, cuja apresentação no Manchester Apollo foi citada por Rourke como “um dos shows mais incríveis de todos os tempos”. Rourke e Marr foram ver o The Cure juntos duas vezes, e Marr se tornou fã do Siouxsie and the Banshees e, mais ainda, do Only Ones, que ele seguiu religiosamente. Essa combinação do incrivelmente tradicional com o altamente experimental era, como Rourke admitiu, “esquizofrênica”, mas se dava parcialmente porque, como ele afirmou, “não queríamos seguir as tendências”. De qualquer forma, no White Dice era esperado que eles mantivessem seus interesses mais modernos de lado e seguissem o líder mais velho. O resultado, disse Rourke, foi um “soft rock muito americano”.
Era um som popular, como podia ser demonstrado pelo fato de o maior sucesso a sair de Manchester em 1979 não ser dos Buzzcocks ou do Joy Division, mas “Every Day Hurts”, de um grupo que seguia totalmente as tendências da época, o Sad Café. O White Dice não apenas tinha o mesmo tipo de nome, mas também usava basicamente a mesma instrumentação e os mesmos arranjos. Então, quando, no começo de 1980, eles entraram num concurso de demos apresentado pela F-Beat Records (inaugurada depois que Elvis Costello, Nick Lowe e o cabeça do selo, Jake Riviera, se afastaram da Stiff Records), para o qual se amontoaram em volta de um gravador de cassete a fim de gravar uma única música completa com harmonias de quatro partes, talvez não tenha sido surpresa o fato de Riviera ter ficado intrigado a ponto de convidá-los a ir até Londres para gravar no estúdio caseiro de Lowe. O White Dice fez o máximo para se preparar adequadamente para a oportunidade, ensaiando várias outras músicas, pelas quais Marr — apesar de seu desinteresse geral por um papel de vocalista principal — insistiu num crédito de coautoria com Allman por suas contribuições na guitarra e nos arranjos.
A viagem à capital, em abril de 1980, teve seus pontos altos. Marr foi convidado a usar a Rickenbacker de Elvis Costello na sessão; eles todos viram a esposa de Nick Lowe (e filha de Johnny Cash), Carlene Carter, de penhoar; ficaram num hotel; e se reuniram com Billy Duffy, que estava vivendo o que parecia ser o sonho de um guitarrista de rock, numa banda chamada Lonesome No More. Seis músicas foram gravadas, e embora suas influências tivessem sido excessivamente demonstradas por um cover de “American Girl”, de Tom Petty, uma das canções compostas pela banda despertou interesse suficiente para que o engenheiro de som se concentrasse nela mais do que nas outras. Ainda assim, a demo acabou sendo rejeitada, numa ligação telefônica breve de Riviera para Allman. “Não tínhamos aquele brilho ou diferencial”, admitiu Rourke. “Estava faltando algo.”
Não precisava ter sido o fim do White Dice — e, a curto prazo, não foi. Com o grupo acampado na casa da Hawthorn Lane, Chris Rourke assumiu um papel de relações-públicas, alimentando a imprensa local e avaliando as perspectivas de shows. Mas o progresso do White Dice ficou ainda mais limitado por conta do medo de Rob Allman de tocar em público, além de sua tendência a mascarar esse medo com álcool. Desde muito novos Allman e Duffy gostavam da Special Brew, uma cerveja em lata particularmente potente que era a favorita de mendigos e bebedores adolescentes preocupados com dinheiro. Duffy, no entanto, aguentava bem o álcool; Allman, não. Duas latas, disse Whittall, e Allman “ficava irreconhecível. Ele era uma daquelas pessoas que não deveriam ter seguido aquele caminho”.
Foi ainda mais frustrante que, quando finalmente o White Dice subiu ao palco, no Squat, perto da Oxford Road, um ano depois de seu início, Allman tenha ficado tão bêbado que mal conseguia ficar de pé. O White Dice resolveu encerrar as atividades logo depois daquilo, em janeiro de 1981. Naquele mesmo mês, Allman e Chris Rourke, como era previsível, tiveram uma briga, e Allman se mudou.
Devido à grande consideração por Allman em Wythenshawe, o fato de que mais tarde ele tenha permitido que o sucesso daqueles ao seu redor se tornasse a medida de sua própria sensação de fracasso era desagradável para seus amigos. “Era muito difícil para ele, por ser o maioral entre todas aquelas pessoas, incluindo Billy Duffy”, observou Whittall, que continuou a tocar com Allman ainda por muitos anos. “Na hierarquia do sul de Manchester ele era o número um, e Johnny ter seguido adiante e ter se saído melhor do que ele foi um enorme baque.”
“Foi uma vida não realizada que o matou”, disse Marr sobre Allman, que morreu em 1993 de uma hemorragia cerebral causada pelo alcoolismo. (Marr, Duffy e Whittall estavam entre os muito antigos músicos de Wythenshawe que compareceram ao seu funeral.) “Ele era um garoto de classe média muito inteligente, com uma família muito, mas muito afetuosa e generosa, que, de certa forma, teve um papel em seu comportamento. Eu e Billy simplesmente tínhamos que sair e fazer coisas. Mas Rob estava quase confortável demais para vencer, e ele não era suficientemente forte. Ele não tinha a mentalidade de ‘vou dormir num sofá’. É necessário ter uma sensação de desespero para suportar muitas coisas. Você realmente precisa de um certo tipo de insatisfação.”
* * *
DESDE O COMEÇO de sua amizade, Marr e Rourke tinham ficado particularmente insatisfeitos com St. Augustine’s. A dupla frequentemente entrava em conflito com a variação que a escola tinha da chibata usada em St. Mary’s — nesse caso, um chicote de couro de três pontas —, embora um deles o fizesse mais do que o outro. Quando tinha 13 anos, Rourke sofria aquilo quase diariamente: “Simplesmente porque eu não conseguia ficar calado.” (Ao contrário do que ocorria em St. Mary’s, onde o número de chibatadas era anotado no cartão de conduta do aluno, um aluno de St. Augustine’s enviado ao gabinete do diretor muitas vezes negociava sua própria punição.) O interesse dos dois rapazes pelos estudos não melhorou muito quando o governo, trabalhista, na época, finalmente conseguiu abolir as escolas primárias gratuitas; em 1977, enquanto Marr e Rourke iam para o seu terceiro ano, St. Augustine’s foi transformada numa escola pública de ensino médio e recebeu o novo nome de St. John Plessington, abrindo suas portas para o que Rourke chamou de “renegados de Wythenshawe e Chorlton”. (O que não quer dizer, obviamente, que Rourke e Marr fossem anjos.) Por sua vez, tal fato levou a uma enorme rotatividade de professores. Monsenhor McGuiness, que se tornara “tão alcoólatra”, como disse Rourke, que “costumava vagar pelos corredores, se debatendo contra as paredes”, foi mandado embora. Mas, por estar vivendo numa pequena casa na propriedade da escola, ele ainda fazia sua presença ser sentida — mesmo que apenas se encostando contras as janelas do colégio, chorando, como Rourke recordou. (McGuiness morreu no começo de 1980, pouco antes de Marr e Rourke deixarem a escola.)
À medida que as habilidades musicais da dupla se desenvolviam em conjunto com suas ambições, e por causa dos espancamentos regulares, a perspectiva de comparecer à escola se tornava cada vez menos atraente. A visão de Rourke era: “Por que preciso de latim ou geografia quando quero ser músico?” Para Marr, as pessoas que ele admirava e com quem ele andava já haviam saído do colégio, e passavam os dias desenvolvendo suas habilidades musicais, fazendo contatos e se promovendo na cidade; ele queria fazer o mesmo. Em seu último ano, quando o White Dice parecia ser uma proposta séria, Marr e Rourke quase nem compareciam às aulas. Em vez disso, encontravam-se no ponto de ônibus em frente à casa de Marr (até a qual Rourke tinha que pegar dois ônibus), esperavam os Maher saírem para o trabalho e, então, voltavam para Churchstone Walk e trabalhavam em sua música. Marr se inscreveu para prestar exames básicos em música, mas qualquer entusiasmo inicial desapareceu quando ele soube que aquilo significava, em grande parte, estudar teoria — que era matemática, e ele odiava matemática. Além disso, o professor, Adrian Jessett, dera aula de música para ele e Rourke nos primeiros anos de escola, e Marr tinha passado a vê-lo como ameaçador, uma impressão que não era apenas sua; outro garoto, ex-aluno de St. Augustine’s, chamou Jessett de “oportunista sádico”. Jessett veio a fundar o aclamado Manchester Boys Choir, mas acabou sendo desonrado depois de se declarar culpado por repetidos abusos sexuais contra um menino corista menor de idade. (Alunos de St. Augustine’s também se recordam de sofrer abusos sexuais por parte de outros professores, enquanto ainda estavam na escola.) Professores à parte, Marr ficava na defensiva no que dizia respeito ao saber acadêmico sobre como fazer música: “Eu queria ser alguém que aprendera apenas acompanhando os discos.”
STEVEN MORRISSEY ENTRARA em St. Mary’s no ano de 1970; Marr e Rourke, oficialmente, saíram de St. Augustine’s em 1980. (Mike Joyce frequentou St. Gregory’s, a mesma escola católica de ensino médio de Andrew Berry, entre 1974 e 1979.) Se podemos dizer, então, que os Smiths representaram alguma geração britânica, é a geração dos jovens que passaram pelo ensino médio nos anos 1970; fora a doutrinação religiosa e os castigos físicos, as experiências dessa geração foram análogas às dos alunos de todo tipo de escola de ensino médio em outras grandes cidades ao longo de tal década. Como tantos de sua faixa etária, esse jovens sentiam-se traídos pelo sistema; Morrissey, muito razoavelmente, considerou ter tido uma “educação ao contrário”. O sadismo, as agressões e a falta de compaixão pessoal e de educação progressista já eram suficientemente ruins, mas foram agravados pelo conhecimento de que a economia em redor estava desmoronando, de que a indústria local estava entrando em colapso e as carreiras para que os alunos haviam sido formados — os “empregos para a vida toda” a que as gerações anteriores almejavam — não existiam mais. Quando Morrissey saiu da escola, em 1975, a inflação estava em surpreendentes 27% e o desemprego chegava a um milhão. Quando Marr e Rourke saíram, em 1980, a inflação tinha caído para 10%, mas o desemprego estava em quase dois milhões e ainda crescia. Faria, para eles, menos sentido perseguir cegamente seu interesse por música?
No caso de Marr, havia uma alternativa. Durante todo o começo de sua adolescência, apesar da distração provocada pela música, ele mantivera sua reputação nos campos de futebol. Na escola, jogava no time principal. Na cidade, jogava por um time dominical, Brooklands Athletic. Entre aqueles com quem ele treinava, estava o futuro jogador da seleção inglesa, David Bardsley, e Gary Blissett, o qual, mais tarde, fez parte da “Crazy Gang” de Wimbledon; era companhia séria. Como convinha a seu futuro papel nos Smiths e em tudo mais, a função de Marr era de lateral, preparando as jogadas para outros marcarem gols. Era o tipo de jogador que todos estavam procurando — e um olheiro do Whitehill, time que fornecia jogadores ao Manchester City, tornou-se presença constante na lateral do campo, seguido de um representante do Nottingham Forest. Naquela época, o Forest era o melhor time da Europa; sob a liderança do inimitável Brian Clough e de seu (então) leal assistente, Peter Taylor, eles venceram a Liga Inglesa, em 1978, e seguiram para vencer a Copa Europeia, em 1979 e 1980. O olheiro foi até Churchstone Walk depois do jogo em Brooklands, e disse aos pais de Johnny que o garoto estava apto para passar um ano treinando em Nottingham depois que saísse da escola. Mas Marr não estava interessado. Sua lembrança daquela manhã era: “Eu tinha ido a um show na noite anterior, com Andy e Angie, e ainda estava usando delineador. Eu só queria que o jogo acabasse para me livrar daquilo, para que eu, Andy e Angie pudéssemos voltar à casa de Andy para fazer o que sempre fazíamos, que era relaxar e escutar alguns discos.”
A atitude parece indiferente, mas, na verdade, foi perfeitamente calculada. Marr sabia como teria que trabalhar intensamente no futebol se quisesse seguir uma carreira no esporte; tinha perfeita consciência de que, assim como acontecia com músicos amadores, uma porcentagem igualmente pequena de jogadores que passavam o ano treinando nos times chegava a algum lugar. Ele instintivamente percebeu que não poderia equilibrar duas carreiras precárias (e contraditórias) — e que, se decidisse se afastar de Manchester bem no momento em que estava tocando em bandas com músicos mais velhos e mais respeitados, estaria jogando fora tudo por que se esforçara. A escolha, para ele, era, portanto, não fazer nenhuma escolha. “Era um caminho muito, muito longo até gravar discos”, disse. Além disso, “eu não gostava de andar com jogadores profissionais”. Eles eram “machões demais”.
Na primavera de 1980, então, Johnny Marr e Andy Rourke saíram de St. Augustine’s com, como acontecera com Morrissey antes deles, qualificações mínimas. Rourke, como punição por suas constantes faltas, não recebera nem mesmo permissão para fazer seus exames no fim. “Eles disseram: ‘Essas coisas custam dinheiro da escola e você é um desperdício de dinheiro.’ Eu costumava chegar para o jantar e sair de novo.” Determinado a arranjar um amplificador de baixo, ele resolveu aceitar o trabalho manual na Snap-on Tools, aguentou os seis ou sete meses que levou para adquirir o equipamento e então pediu demissão.
Como Morrissey, no entanto, Marr se sentiu forçado a voltar à escola e terminar o trabalho. Ficou incomodado por não ter passado em inglês e artes, embora não tenha ficado, nem de longe, tão frustrado quanto seu pai, que passara a se desesperar com as perspectivas do filho na vida. Ironicamente, John Maher tinha começado a promover shows em seu tempo livre, e vinha tentando fazer seu filho se interessar pelo processo, mas a diferença entre as bandas dos bailes de música country para adultos e o rock adolescente era tão gritante quanto a diferença entre o futebol e a música como carreiras. O jovem Maher se matriculou no West Wythenshawe College of Further Education, no mesmo prédio em que passara tanto tempo no centro comunitário. Fez um curso de teatro e, para sua surpresa, gostou muito. E fez amizade com um aluno esforçado chamado Tony O’Connor, que também tinha interesse pela indústria musical. Antes que pudesse notar, tornou-se presidente do corpo discente. Além disso, e tão importante quanto, Marr abandonou os empregos locais, em que abastecia prateleiras de supermercado, por lojas de roupa no centro da cidade. E, nesse processo, passou de um rapaz imaturo de Wythenshawe a um jovem antenado de Manchester.