Como parte de sua atitude instável com relação ao sucesso comercial, Geoff Travis marcava cada vez mais compromissos e formava conexões com os grandes poderosos da indústria musical, especialmente os conectados à Warner Bros. Isso ia em breve levar à sua própria parceria com um profissional de A&R de outro selo independente, Mike Alway, da Cherry Red, num selo “de boutique” da Warner chamado Blanco y Negro, no qual Travis receberia um salário polpudo — um ponto de desentendimento com os malpagos funcionários da Rough Trade, embora Travis alegasse ter canalizado a maior parte daquilo para seus artistas independentes. Em relação aos Smiths, essas conexões também o levaram a cogitar um provável acordo de licenciamento com a Sire, selo americano distribuído pela Warner que oferecia a perspectiva não apenas de credibilidade e oportunidade comercial, mas de financiamento adicional para gravações e vídeos, bem como a perspectiva de um grande contrato de publicação, o qual ajudaria a dar aos compositores, e talvez à banda, no processo, algum fluxo de caixa imediato para compensar o adiantamento miserável da Rough Trade.
Seymour Stein, fundador da Sire, tinha se tornado adulto nos aos 1960, trabalhando para o selo de Leiber e Stoller, Red Bird, no Brill Building, onde as Shangri-Las e um verdadeiro baú do tesouro dos grupos de meninas do anos 1960 residiam, impulsionadas pela parceria de composição entre marido e mulher de Jeff Barry e Ellie Greenwich; tais credenciais, sozinhas, já o tornava perfeito para Morrissey e Marr. Stein e o compositor e produtor Richard Gottehrer tinham, então, lançado a Sire no fim da década, varrendo os mercados europeus em busca de artistas de grandes gravadoras que não tinham sido escolhidos pelos seus correspondentes americanos. Eles encontraram tanto o grupo holandês Focus quanto a banda britânica Fleetwood Mac dessa forma, dando à empresa a base com a qual, como uma independente estabelecida, era capaz de contratar a nata do talento punk de Nova York — Ramones, Talking Heads, Richard Hell and the Voidoids —, enquanto as grandes gravadoras se esquivavam. Quando o boom do punk na Grã-Bretanha então se manifestou, com incontáveis lançamentos, Stein voltou a suas viagens de compras do outro lado do Atlântico. Já em 1978, a Sire tinha assinado contratos com The Normal, The Undertones e The Rezillos, todos inicialmente distribuídos pela Rough Trade; até 1983, ele havia acrescentado outros artistas distribuídos pela Rough Trade, como Depeche Mode, Yaz(oo), The Assembly, e os contratados da própria gravadora, Aztec Camera e Troy Tate. Stein tinha, além disso, tirado o Echo & the Bunnymen e os Pretenders do braço britânico da Warner Bros; roubado o Soft Cell debaixo do nariz da Polygram americana e os levado ao top 10; e estava ocupado fazendo singles de sucesso com artistas britânicos menos conhecidos, como Tin Tin e Modern English. Tinha também acabado de contratar uma cantora e dançarina de Nova York que era parte da próspera cena electro/hip-hop das casas noturnas da cidade. Ela usava um único nome: Madonna.
Em resumo, um artista britânico precisava ter uma opção muito melhor à sua disposição ou estar amarrado a um contrato mundial sem brechas com um selo que não fosse da Warner para pensar em rejeitar as abordagens de Stein. Os Smiths não tinham nem um nem outro e ficaram compreensivelmente animados quando Stein demonstrou seu entusiasmo. Embora o chefe da Sire não tivesse visto os Smiths ao vivo até pegar um avião para o show no Institute of Contemporary Arts, em Londres, no mês de outubro de 1983 — no qual, segundo Moss, “ele simplesmente pirou” —, Morrissey já havia anunciado o acordo durante uma entrevista conduzida pelo menos um mês antes.1 Quando eles finalmente se conheceram, Stein, como era seu costume, brindou a dupla com suas histórias de celebridades. “Ele me contou que, quando Brian Jones foi pela primeira vez a Nova York, ele o levou para comprar uma guitarra”, recordou Johnny Marr. “Eu não ia deixar essa oportunidade escapar. Então falei: ‘Se nós assinarmos com você, você vai me comprar uma guitarra?’” Stein disse que compraria.
Àquela altura, a Sire era independente apenas no nome. “Seymour contratava bandas e contava com uma rede de pessoas dentro da empresa para ajudar a cuidar delas”, disse Steven Baker, da Warner Bros, que, em 1983, estava deixando uma posição de A&R no selo em Nova York — onde tinha desenvolvido uma relação próxima com Stein — para trabalhar como braço direito do presidente da gravadora, Lenny Waronker, em Burbank, na Califórnia — um cargo ideal para promover artistas da Sire. Sabendo que Stein tinha acabado de conseguir os Smiths para a Sire, Baker foi ver o grupo num de seus shows em universidades de Londres, no fim de outubro. Ele ficou instantaneamente impressionado (tanto pelo fato de que “Morrissey era um frontman incrível”, mas também, de uma perspectiva vital para os americanos, de que “a banda era uma boa banda de rock”), e se juntou a Geoff Travis para um almoço de negócios com o grupo alguns dias depois — num café vegetariano em Notting Hill, pois se tratava da Rough Trade. A partir dali, ele rapidamente assumiu o papel de porta-voz do grupo nos Estados Unidos.
A chegada da Sire à cena aumentou a pressão sobre o álbum de estreia e ajudou na decisão de engavetar as gravações iniciais de Troy Tate. Da mesma forma, foi a injeção de capital do selo que ajudou a garantir a regravação; John Porter notou que, assim que o dinheiro chegou dos Estados Unidos, ele foi instantaneamente convertido em horas de estúdio — no Pluto, em Manchester.
Enquanto seduzia a Sire, Travis simultaneamente enalteceu os Smiths para Peter Reichert, o recentemente promovido diretor executivo da Warner Bros Music no Reino Unido, para que ele fosse o editor musical da banda. Composição era o lado lucrativo da indústria musical, aquele que, longe do glamour dos palcos e dos estúdios, oferecia a receita garantida da venda de discos, execuções ao vivo e no rádio. Uma boa gravadora — e a Warner Bros estava entre as melhores do Reino Unido — se asseguraria de que cada centavo de royalties seria reivindicado e devidamente distribuído aos compositores. Apesar de algumas correrem atrás de artistas independentes com a promessa de ajudá-los a conseguir um contrato de gravação, Reichert, como figura importante no meio, tendia a trabalhar da forma oposta: seduzia artistas com generosos contratos no momento em que eles assinavam. Edição musical era, afinal, essencialmente um jogo de números: sem o risco dos orçamentos de gravação e promoção que as gravadoras tinham, um adiantamento poderia ser calculado diretamente em função dos royalties mecânicos das vendas de discos.2
Reichert já estava no processo de assinar com o outro artista principal de Travis no momento, o Aztec Camera. Ele olhou para Morrissey no palco e concluiu, “esse sujeito é um astro”, e ofereceu assinar com os Smiths também. Por mais que o vocalista o atraísse, no entanto — “era impossível desgrudar os olhos dele” —, ele adorava o fato de a banda ter lhe oferecido uma espécie de alternativa à maioria dos contratos que ele estava fechando naquela época. “Eles eram realmente diferentes. Era tudo Duran Duran e aquela música requintada dos anos 1980 da qual nunca gostei. Quando vi os Smiths pela primeira vez, pensei: ‘Eu me identifico com isso.’”
Quando chegou o momento de oferecer a Morrissey e Marr, como únicos compositores, um adiantamento, “o valor de 80 mil libras me vem à cabeça”, disse Reichert — um número que ele considerava “normal para uma banda promissora”. Aquilo se traduzia, em seus cálculos, num ponto de equilíbrio entre 150 mil e 200 mil discos vendidos: ouro duplo no Reino Unido, mas uma quantia relativamente insignificante para um lançamento mundial. Direitos adicionais de vendas de singles e royalties de direitos de execução que vinham da execução no rádio e na TV — ou seja, de discos de sucesso — seriam considerados “a cereja do bolo”.
Joe Moss tinha criado uma gravadora em seu nome (Glad Hips Music) para a prensagem inicial do single da Rough Trade, conhecendo suficientemente bem as histórias de terror de artistas dos anos 1950 e 1960 que tinham deixado suas músicas — e efetivamente seus lucros — nas mãos de outros. Até chegar aos anos 1980, o negócio tinha mudado consideravelmente: havia mais a perder em tentar coletar os royalties por conta própria do que ao atribuir as músicas a uma gravadora respeitável. E os contratos tinham ficado mais generosos: Morrissey e Marr foram assegurados de que seus direitos seriam revertidos depois de dez anos, e teria sido garantido pelo menos 75 por cento de receita, disse Reichert. Além disso, os pagamentos de adiantamentos não eram desprezíveis para Morrissey e Marr. Mesmo quando divididos entre os dois, ao longo de um ano, e permitindo possíveis comissões de administração, aquilo era um “salário” significativo para uma dupla de jovens que tinham trabalhado apenas em lojas de roupas, serviços burocráticos para iniciantes e como porteiros de hospitais, se tanto. Um acordo foi devidamente fechado.
Quando chegou a hora de assinar, no entanto, “não foi permitido que Geoff estivesse presente”, disse Reichert. “Acho que Morrissey, em particular, estava um pouco paranoico a respeito de o poderoso Geoff Travis ter muitas influências sobre sua carreira.” Da forma como Reichert se recorda do assunto, Morrissey e Marr descartaram a ideia de continuar com a Glad Hips ou montar uma sociedade para coletar e distribuir suas receitas (havia incentivos fiscais para apoiar tal passo e uma abundância de papelada para desencorajá-lo), e assinaram diretamente, como pessoas físicas. Reichert tinha feito abordagens rotineiras a respeito do baterista e do baixista: “Eu sempre gostava de assinar com todos os integrantes da banda por via das dúvidas. Basicamente, foi explicado que ‘eles nunca vão compor’. Eu me lembro de dizer: ‘Bem, eu gostaria de assinar com eles de qualquer forma.’.” A resposta? “Não, eles nunca vão compor.”
NUNCA HOUVE A expectativa de que Rourke e Joyce realmente dividiriam os créditos de compositor. Marr bateu à porta de Morrissey com uma visão definitiva a respeito de eles comporem músicas juntos, e a dupla tinha completado vários futuros clássicos dos Smiths antes de Joyce, e, mais tarde, Rourke, juntarem-se a eles. Mesmo quando o grupo entrou num padrão constante de ensaiar, gravar e tocar ao vivo juntos, o processo de composição sempre foi considerado particular entre o vocalista e o guitarrista, e a maioria das canções foi composta longe do baixista e do baterista. Morrissey e Marr se viam na grande tradição de Lennon e McCartney, Jagger e Richards, até Joe Strummer e Mick Jones. Eles eram os compositores reconhecidos da banda, e seus líderes, e eles esperavam não apenas o crédito por isso, mas o dinheiro também.
Havia, no entanto, muitos grupos que usavam uma abordagem diferente, preferindo dividir os royalties de composição por entenderem que todos estavam nessa juntos, que cada indivíduo contribuía de sua própria forma para o sucesso global da banda. Essa era a atitude dos grupos mais visíveis e bem-sucedidos do pós-punk britânico: U2, Echo & the Bunnymen e New Order. Essa era também a abordagem usada pelo grupo americano com o qual os Smiths tinham mais em comum: R.E.M., que também tinha um vocalista magnético com letras indecifráveis e personalidade inescrutável, um guitarrista que tocava uma Rickenbaker com conhecimento musical enciclopédico e uma sessão rítmica totalmente desprovida de pretensões. O álbum de estreia do R.E.M., Murmur, tinham se mostrado um considerável sucesso em 1983, num mercado americano que era tão conservador, a ponto de chamar a atenção do que ainda era chamado de “New Wave”, focado principalmente na “Invasão Britânica” dos grupos de synth-pop e pós-punk, e deixando de lado o talento criado em seu próprio país. Seria extremamente frustrante para o R.E.M., que existia como banda desde 1980, que, quando embarcassem em sua primeira visita ao Reino Unido, perto do lançamento de “This Charming Man”, eles fossem aclamados não tanto por sua individualidade, mas pelas semelhanças com os novatos britânicos, The Smiths.
Em relação à estrutura de negócios, o R.E.M. tinha decidido por total igualdade. “O dinheiro de composição que dividimos não é necessariamente por compor as músicas”, Peter Buck, que mais tarde viria a formar uma sólida amizade com Johnny Marr, explicou. “É por dormir no chão durante dez anos enquanto viajávamos, é pelas oito horas de ensaio que costumávamos ter quando estávamos ganhando 40 dólares por mês.”
O problema dos Smiths — porque isso realmente viria a se tornar um problema — foi que eles não tinham passado por um período semelhante de batalha coletiva. Morrissey e Marr haviam se conhecido, identificado mutuamente seu potencial como parceiros de composição, trabalhado para montar um grupo em torno das canções e de suas personalidades, e o grupo decolara, tudo isso em menos de um ano. Devido à velocidade desse processo, não havia incentivo para dividir o dinheiro de publicação — e nem o total e completo direito deles sobre as músicas foi em algum momento questionado pelo baterista e pelo baixista.3
Mas o mesmo pensamento foi aplicado às assinaturas solitárias no contrato de gravação. Como Joe Moss mais tarde tentou justificar sobre o processo, “não poderia ser de outra forma, na verdade. Duas pessoas estavam fazendo o que Johnny e Morrissey estavam fazendo. Para Mike e Andy, ser capaz de ter poder de veto, ser capaz de dizer não às coisas, era inconcebível. Não é a visão deles; eles são parte da visão de Johnny e Morrissey”.
A muito comentada ausência da assinatura de Rourke e Joyce no contrato da Rough Trade era uma espécie de distração. Afinal, nada impedia que Morrissey e Marr assinassem o acordo com a Rough Trade como The Smiths, querendo dizer, com isso, que eram donos do nome e efetivamente negando aos demais músicos da banda “o poder de veto” enquanto, ainda assim, dividiam os rendimentos de gravação igualmente com Rourke e Joyce. (Acordos semelhantes são feitos o tempo todo na indústria musical.) Isso teria deixado a maior parte da receita — os royalties — em suas mãos como compositores e provavelmente todos teriam ficado contentes. Mas não foi assim que aconteceu. Com os contratos de gravação e reprodução agora assinados, ainda com os nomes de Rourke e Joyce ausentes de ambos, os demais músicos da banda, compreensivelmente, buscaram esclarecer qual seria sua fonte de receita; Morrissey, Marr e Moss também acharam prudente estabelecer um acordo. Mas, quando a conversa acabou acontecendo, não foi sob circunstâncias ideais. O grupo estava no meio da regravação de seu disco no estúdio Pluto, em Manchester, em meador de outubro de 1983, quando uma reunião foi repentinamente convocada. Logo antes ou logo depois daquele anúncio, Morrissey abandonou a sessão de gravação, pretensamente para comprar comida — e não voltou.
“Antes de seguir adiante com a banda, ele queria que estivesse firmemente estabelecido o que cada pessoa ganharia na empreitada”, disse Joe Moss num documentário da BBC, The Rise and Fall of the Smiths, de 2001. “E achava ser dever de Johnny fazer aquilo com Mike e Andy. Johnny os havia levado para a banda. Morrissey não queria fazer aquilo.”
“Nós não sabíamos onde ele estava, não conseguíamos encontrá-lo”, disse Johnny Marr sobre seu parceiro naquele mesmo documentário da BBC. “E, então, mais tarde naquela noite, recebemos uma ligação de Geoff Travis... Dizendo: ‘Ele está na Rough Trade e não vai voltar até você resolver os negócios.’.” (Tanto John Porter quanto Geoff Travis se recordam de Morrissey ter deixado a sessão de gravação e ido a Londres discutir negócios com Travis.) Sobrou para Moss e Marr a missão de explicar a divisão proposta, e decididamente desigual, dos royalties de gravação: quarenta por cento para os líderes da banda, dez por cento para os outros membros.
Falando para a BBC, Mike Joyce recordou a conversa da seguinte forma: “Johnny Marr veio e disse: ‘Morrissey quer que eu e ele recebamos uma porcentagem maior — ou mais dinheiro.’ E... hum, Johnny disse: ‘Se vocês não aceitarem, vou sair da banda.’.”
“Tudo o que eu e Mike estávamos tentando fazer era impedir que Johnny saísse da banda”, disse Rourke no documentário, provavelmente em defesa de seu aparente consentimento. “O que eu espero que, em retrospecto, ele perceba que foi uma boa atitude.” Outra forma de olhar para isso poderia ter sido que tanto Joyce, cuja habilidade com as baquetas tinha sido considerada deficiente, quanto Rourke, cujo vício em drogas era igualmente perturbador para os que sabiam sobre ele, sentiram que suas próprias posições no grupo eram precárias, que eles não estavam numa posição de força (ou conhecimento) para contestar o caso naquela noite em específico. Não ajudou o fato de eles estarem entre os maiores fãs dos Smiths. “Era o tipo de coisa com a qual eu e Johnny sonhávamos desde crianças, estar no estúdio de gravação”, disse Rourke, que admitiu se “tornar obcecado” por escutar as mais recentes gravações dos Smiths. “E então estamos lá quase todos os dias. Vivendo o sonho e amando aquilo.” O baixista tinha comparado seu emprego anterior na serralheria a “estar aprisionado. Era um trabalho terrível. Um trabalho manual”. Pouco depois de sair de seu emprego, ele tinha dito a seu chefe (“que já me odiava mesmo”): “Você vai me ver no Top of the Pops em um ano.” Esse era o tipo de comentário insolente feito por incontáveis jovens que sonhavam em alcançar o estrelato, mas o rapaz de 19 anos podia quase sentir aquilo se tornando realidade. Ele não tinha nenhuma intenção de jogar aquela possibilidade fora e voltar a uma vida de trabalho pesado.
Então, Andy e Mike ficaram em silêncio. Rourke depois insistiu que, apesar de uma conversa certamente ter acontecido no Pluto, “nada nunca foi decidido” e Joyce acabou indo à justiça baseado no mesmo (des)entendimento: “Nós não chegamos a um acordo de que ganharíamos 25 por cento. Não houve nenhum acordo de que ganharíamos menos.”
Mas Joe Moss estava totalmente convencido do contrário. “Foi acordado que Mike e Andy receberiam dez por cento”, disse ele em 2010. “Nós concordamos numa sala em um estúdio de gravação.” Quanto ao motivo de eles poderem ter se “esquecido”, ele ressaltou seu período menor com os Smiths. “O meu foi, digamos, dois anos, então tenho menos coisas para lembrar... E essas eram coisas muito específicas que eu tinha que fazer como empresário.” Mas ele nunca teve isso escrito e assinado. Em vez disso, “quando Geoff Travis estava falando comigo [naquele dia], soube que eu estava acabado na mesma hora”, disse ele no documentário da BBC. “Se Morrissey não podia falar comigo para resolver aquilo — e eu teria resolvido aquilo para ele, sem questionar, porque esse era o meu papel —, então havia uma divisão muito grande ali para eu ser capaz de ficar. E percebi que, se eu ficasse, isso causaria um desgaste no relacionamento de Morrissey com Johnny.”
Marr já não estava mais vivendo com Joe Moss e sua esposa, Janet, que estavam esperando um segundo bebê para breve. Ele havia se mudado para um chalé de propriedade de Janet, em Marple Bridge, fora dos limites de Manchester, levando Andrew Berry para morar consigo. (O ambiente rural contradizia certo caos doméstico, mas se mostrou produtivo, com Marr compondo várias músicas lá, entre elas “This Charming Man” e “Still Ill”; na verdade, ele estava tão ocupado naquela época que a nem percebeu que Roddy Frame tinha se retirado naquele mesmo vilarejo para compor seu segundo disco.) Marr sempre tinha dito a Joe Moss que ele e Morrissey tinham a mesma importância, e o empresário tinha trabalhado levando aquilo em consideração, determinado a apoiar os desejos do vocalista tanto quanto os do guitarrista. A decisão de Morrissey, naquele dia, de viajar até Londres e adotar Geoff Travis como uma espécie de empresário substituto (apesar da aparente aversão a ter Travis envolvido muito de perto com a produção da banda) foi tomada por Joe Moss como uma traição de sua confiança. Moss se demitiria antes do fim do ano, sem receber por seus serviços — até mesmo sem ser recompensado pelo PA que tinha comprado para o grupo —, e nenhum empresário posterior durou tempo suficiente para sequer discutir adequadamente que dirá para conseguir um contrato por escrito do arranjo financeiro da banda. Enquanto isso — o que significa dizer ao longo dos anos seguintes —, a empresa Smithdom Ltd., fundada em maio de 1983 com Marr e Morrissey como diretores únicos e igualitários, enviava o que Rourke recordou como cheques anuais à banda, de quantias iguais. Mas as principais atividades da empresa eram listadas apenas como “as das apresentações musicais ao vivo”. Não havia nenhuma referência — tampouco os balanços anuais refletem — à considerável receita das gravações.
Em retrospecto, Johnny Marr tentou ver a dinâmica do começo do grupo mais como um desequilíbrio criativo do que qualquer outra coisa. “Esse era um daqueles exemplos de ações falando muito mais que palavras. As ações foram que Morrissey subiu no trem para ir até a EMI, eu encontrei os outros integrantes da banda, eu encontrei Joe. Eu saí e busquei a bateria de Mike: fui até uma casa caindo aos pedaços e peguei sua bateria do Victim e arranjei o dinheiro para os ensaios. Joe, que era meu parceiro, arrumou o PA. Morrissey foi ver Tony Wilson. Esses são apenas os pedaços que vêm à minha mente. Os outros podiam contestar na época: ‘Bem, você está fazendo isso porque você pode. O que podemos fazer?’ Mas, infelizmente, não há nada que eu possa dizer ou fazer quanto a isso. Se eu tenho a dedicação e a ética de trabalho e o bom senso para fazer isso, vou fazer. Agora, o que você pode fazer? Certo, você vai chegar na hora. Bem, espero que você chegue mesmo. Você será ótimo, fantástico, será alto astral, você vai ser o que é necessário. Compreendo que eles digam: ‘Bem, nós queremos ajudar.’ Certo, então faça isso. Deixe-me vê-lo fazer isso. Então, nós não tivemos uma reunião e dissemos: ‘vocês agora têm que se sentar e não fazer nada’, nós apenas fizemos mais.”
A questão, no entanto, se tornou saber se “fazer mais” justificava uma parte maior dos royalties de gravação. Um empresário experiente, conhecendo a importância de ter uma banda unida e satisfeita, e sentindo uma responsabilidade igual com todos os integrantes, poderia ter sugerido que não, especialmente levando em conta os rendimentos potencialmente lucrativos da produção da banda que já estavam garantidos aos dois compositores. Mas Morrissey obviamente achou que justificava. E Moss, representando apenas os dois membros fundadores, tinha entrado na dele.
Falando sobre aquela noite no Pluto para a televisão, Mike Joyce levantou uma hipótese muito válida: “Se Johnny Marr tivesse chegado e dito ‘vou sair da banda, porque Morrissey quer mais dinheiro, [mas] vou ficar se todos recebermos quantias iguais’, é uma forma muito importante e levemente diferente de olhar para aquilo...” Alguém pode ter pensado que Marr poderia ter forçado a barra com Morrissey; ele tinha livrado o vocalista de “morrer”, afinal. Mas Marr declarou outra coisa. “Eu não estava na posição de dizer que as coisas deveriam ser diferentes da forma como foi planejado”, disse ele em 2011. “Eu não estava na posição.”
O resultado final acabou sendo basicamente o mesmo, de qualquer forma, a não ser pelo fato de que os nomes e as reputações dos integrantes dos Smiths seriam arrastados pelos tribunais e — com exceção de Andy Rourke, que não teve coragem ou recursos para a briga — de que cada um teria que arcar com altas contas de advogados que, no fim, levaram a uma divisão dos royalties significativamente mais próxima de igualitária. E, assim, com o benefício de olhar para o passado e admitindo que “os royalties de reprodução são outro assunto”, Marr acabou chegando a essa conclusão: “Quando bandas se formam, elas deviam concordar desde o início em dividir tudo igualmente. Isso é o que deveria acontecer. Com certeza.”