No começo de 1985, quando os leitores da NME escolheram os Smiths como Melhor Banda, proclamaram Johnny Marr Melhor Instrumentista e Morrissey e Marr os Melhores Compositores, os críticos do jornal tiveram uma visão muito diferente dos astros do ano. Sua lista coletiva aclamava Poet 2, de Bobby Womack, o Melhor Álbum do Ano, “Love Wars”, do Womack & Womack, o Melhor Single e ainda demonstrava mais estima ao R&B americano do que ao rock independente britânico, listando outros discos de James Ingram, Prince e das Staple Singers, todos acima dos Smiths. A disparidade na NME representava um impasse significativo na guerra cultural que ocorreu ao longo do início da década de 1980, acelerada pelo ataque de tantas revistas do estilo que traziam relatos de boates ao redor do mundo e celebravam a música da pista de dança global, e aquilo não mostrava nenhum sinal de perder força ao longo da década. Como Len Brown, empregado no principal semanário durante a maior parte da carreira dos Smiths, mais tarde escreveu em seu livro, Meetings with Morrissey, “linhas de frente foram estabelecidas entre quem achava que o jornal devia continuar a dar aos leitores sua dose de Morrissey e quem achava estar na hora de a NME ter uma nova postura, acolhendo as diversas formas de música negra americana que estavam dominando as paradas e a cena noturna de Londres”. A música em questão envolvia o hip-hop e o electro de Nova York, o go-go da capital americana e a house music de Chicago, com muito funk underground e R&B lustroso de todo o resto do país. Dessa forma, quando “Panic” foi lançada, a música foi considerada uma provocação por aqueles que já antagonizavam os Smiths e o que enxergavam como a defesa insistente que o grupo fazia de um gênero moribundo, o rock. Paolo Hewitt, um líder da brigada “soul boy” da NME, criticou as palavras de Morrissey, levadas ao pé da letra. “Se Morrissey quer acertar as contas com a Radio 1 e Steve Wright, tudo bem”, escreveu ele. “Quando ele começa a usar palavras como disco e DJ, com todo o imaginário adjacente que elas trazem a um público predominantemente branco, ele está sendo impreciso e ofensivo.”

Ele tinha um argumento: Morrissey não havia feito nenhuma menção específica à rádio em sua canção, e sua letra podia, portanto, ser interpretada como um renascimento da campanha racista e homofóbica “Disco Sucks” do final da década de 1970 nos Estados Unidos. É óbvio que Morrissey era qualquer coisa menos homofóbico e, em virtude de seu professado amor pela Motown e de seus valores de esquerda, presumia-se que ele também não era racista. Para os fãs britânicos dos Smiths, o “disco” de “Panic” era geralmente interpretado como o velho matadouro do centro da cidade, que sugeria exclusividade ao exigir que os clientes usassem gravatas ou, pelo menos, “se vestissem de forma elegante”, mas onde as bebidas eram caras, as brigas eram rotina e tanto os DJs quanto a música comercial do top 40 que eles tocavam eram quase vergonhosamente desconectados das ruas vizinhas. Por outro lado, quando os Smiths tocavam “Panic” para quase 15 mil universitários americanos majoritariamente brancos, ao ar livre, nos subúrbios de Massachusetts, tais pontos de referência, apenas vagamente declarados, eram fáceis de interpretar errado.

No fim das contas, a NME não estava nem perto de ser a New Morrissey Express, como alguns cínicos insistiam; ela colocou os Smiths na capa apenas quatro vezes em cinco anos. Era outra publicação da IPC, a Melody Maker — havia muito considerada o mais tradicional dos semanários musicais — que frequentemente transformava os Smiths em estrelas de suas capas, e foi para mais uma dessas matérias que o jornalista Frank Owen foi mandado a Cleveland, no começo da turnê americana, para entrevistar Morrissey “na estrada”. Owen era, como Morrissey, da classe trabalhadora de Manchester, e tinha ascendência irlandesa. Crescera ao lado de Morrissey no próspero ambiente do pós-punk da cidade e tocara na banda Manicured Noise, da qual Morrissey tinha sido fã. Fã devotado, desde a infância, de disco, reggae e soul, e já um defensor ardoroso da house music, Owen procurava, nessa matéria, estabelecer a conexão entre o punk rock, as boates gays, as discotecas, a música negra, os Smiths, o DJ e “Panic”. Em razão da natureza apressada com que os semanários britânicos eram editados, ele não foi capaz de conseguir aquilo tudo com sucesso. Verbalmente, no entanto, fez o melhor que pôde. Depois de um bate-bola inicial sobre o assunto do “celibato” de Morrissey (Owen ousou sugerir, no texto, que nos anos seguintes Morrissey se interessaria por “fist fucking e golden shower”), ele levantou uma acusação recentemente feita por Green Gartside, do Scritti Politti, de que “os Smiths e sua laia eram racistas”.

Morissey não apenas mordeu a isca, como engoliu o anzol, a linha e o peso que poderia afundar sua carreira. “Reggae... isso é para mim a música mais racista em todo o mundo”, ele foi citado ao responder parcialmente. Isso não era mais verdade sobre um gênero que, reconhecidamente, tinha sua cota de rastafáris nacionalistas negros, do que sobre o rock, que semelhantemente tinha sua cota de defensores da supremacia branca apresentando-se sob a bandeira do Oi! na Grã-Bretanha e se infiltrando na cena hardcore nos Estados Unidos. Não contente em parar por aí, Morrissey prosseguiu expressando o quanto ele detestava a “música negra moderna” dos descendentes da Motown, Stevie Wonder, Janet Jackson e Diana Ross, declarando, como na letra de “Panic”, que, “em essência, essa música não diz absolutamente nada”.

Owen alegou compreender sua forma de pensar. “Quando a NME e a Melody Maker começaram a colocar artistas negros na capa”, recordou-se ele, “houve grande reação contrária a isso. Eu costumava receber cartas o tempo todo. E não era explicitamente ‘Não gostamos de negros na capa’, era algo mais como ‘Essa é a nossa cena, o que negros têm a ver com ela?’”. E então, em sua matéria para a Melody Maker, como resposta à resposta do próprio Morrissey, Owen tentou responder àquela questão: “O que ela diz não necessariamente pode ser verbalizado com facilidade”, escreveu. “Ela não busca mudar o mundo, como o rock, ao falar grandes verdades sobre política, sexo e a condição humana. Ela funciona num nível muito mais sutil — no nível do corpo e do abandono compartilhado da pista de dança. Ela não vai mudar o mundo, mas já disseram que ela pode muito bem mudar a forma como você anda pelo mundo.” Dentro de um ano ou dois, quando a acid house explodiu (a chama acesa na pista de dança da Haçienda) e o movimento rave surgiu, em seguida, grande parte da juventude britânica viria a compartilhar o sentimento de Owen, entre eles Johnny Marr, dos Smiths, e Bernard Summer, do New Order. No verão de 1986, no entanto, Morrissey ainda era a voz de sua geração, e talvez tenha sido esse o motivo de ele ter então ousado fazer o comentário mais ridículo, até então, da carreira de um artista que nunca teve papas na língua: “Obviamente, para entrar no Top of the Pops hoje em dia é preciso ser, por lei, negro”, o que ele complementou com uma alegação igualmente descabida de perseguição. “O último LP terminou no número dois das paradas e mesmo assim as rádios nos disseram que ninguém queria escutar os Smiths durante o dia. Isso não é uma conspiração?” Apenas para deixar claro, os Smiths estiveram no Top of the Pops, mesmo que não pessoalmente, bem na semana anterior à entrevista de Morrissey com Owen. E embora fosse verdade que os Smiths fossem tratados com cautela, como uma banda pop, no que dizia respeito à difusão na Radio 1, eles recebiam toda a devida atenção e o respeito de uma banda de rock nos muitos canais da BBC, com shows transmitidos na televisão, apresentações em estúdio, entrevistas ao vivo, sessões de rádio e estreias de clipes não editados de Derek Jarman.

Até a tentativa do vocalista de voltar atrás no meio da entrevista pareceu suspeita. “Meu disco favorito de todos os tempos é Third Finger, Left Hand, de Martha and the Vandellas”, disse, citando um single (de música negra) da Motown, de 1966, “que pode me tirar da depressão mais mortal”. Ainda assim, aquela era uma das músicas mais estereotipadamente românticas, convencionalmente sexistas e, dessa forma, não feministas que já haviam sido compostas. Não teria dito nada sobre a vida de Morrissey quando foi lançada e dizia ainda menos sobre sua vida e as vidas de seus fãs vinte anos depois. Ele estava basicamente empregando dois pesos e duas medidas, baseado no que Owen corretamente chamou de uma “nostalgia... que aflige toda a cena indie”. Um debate posterior sobre o uso de tecnologia na música, especialmente o ritmo do rap, revelou o que só podia ser descrito como a atitude ludita de Morrissey: “A alta tecnologia não pode ser libertadora. Ela vai matar todos nós. Você será estrangulado pelos fios de seu compact disc.”

No fim das contas, Owen não ficou particularmente ofendido com os comentários de Morrissey em defesa de “Panic”. “Nunca achei que Morrissey fosse racista”, disse. “Sempre achei que era apenas uma grande fachada, que aquela era somente uma forma de chamar a atenção das pessoas, da mesma forma como punks usavam suásticas.” A posterior raiva considerável de Morrissey por causa da entrevista publicada, Owen imaginou, foi inspirada pela parte seguinte, em que o jornalista tentava levar o vocalista numa caminhada pelo túnel do tempo das discotecas punk e gays de Manchester. “Morrissey é o maior gay enrustido do planeta”, disse Owen, “e ele achou que eu estava tentando ‘desmascará-lo’ ao tocar nesse assunto. Mas não era a intenção. O que eu queria dizer era que, se você era um roqueiro punk em Manchester, você não podia ir às boates de heterossexuais, porque tomaria muita porrada. Então, havia uma relação muito próxima entre a cena gay e a cena punk. Como a Ranch... que era essencialmente uma velha boate gay, como uma daquelas boates gays de vaqueiros. Por isso se chamava Ranch — ela tinha selas no lugar dos bancos.”

Nesse assunto, Morrissey não mordeu a isca. “A cena gay de Manchester”, disse ele, “era um pouco pesada para mim. Eu era uma flor delicada.” Se ele queria bancar o recatado, era problema dele, embora, com as políticas Thatcheristas pegando cada vez mais pesado contra o homossexualismo, muitos outros artistas tivessem decidido “sair do armário” em resposta.1 Como Len Brown escreveu, “era uma época em que todos — artistas e jornalistas — pareciam estar fazendo a pergunta (politicamente e sexualmente): ‘De que lado você está?’ E Morrissey insistia em permanecer individual... Um membro de carteirinha de seu próprio culto à personalidade.” Pior do que isso, nessa matéria para a Melody Maker, ele parecia estar projetando alguns de seus próprios preconceitos. Quando a entrevista foi publicada, ela causou, compreensivelmente, uma reação mais acalorada e visceral do que qualquer outra matéria anterior sobre os Smiths. Alguns leitores da Melody Maker prometeram boicotar a música da banda; na NME, os comentários de Morrissey pareciam confirmar as piores suspeitas da brigada “soul boy”. Havia, no entanto, aqueles que acreditavam que Morrissey tinha sido citado fora de contexto; entre eles estava o próprio vocalista. “Ele ligou para a Melody Maker, disse que eu havia inventado aquelas citações e que eles nos processariam por calúnia”, disse Owen. “Então, eu disse: ‘Certo, aqui estão as fitas.’ Nós as entregamos aos advogados da Melody Maker — e, obviamente, ele nunca processou.”

AS ACUSAÇÕES DE racismo não eram as únicas sendo feitas contra os Smiths. Na mesma semana em que a Melody Maker publicou sua entrevista polêmica — e, de certa forma, ela serviu como uma distração útil —, os jornais musicais também revelaram que os Smiths tinham assinado com a EMI. A Rough Trade, inicialmente, fingiu surpresa: “Nós sabíamos que eles estavam conversando com a EMI, mas ninguém nos contou que os papéis tinham sido assinados”, alegou a assessora de imprensa da Rough Trade e dos Smiths, Pat Bellis; “os contratos foram assinados”, alardeou a EMI em resposta. Enquanto a história era desvendada nas semanas seguintes, ficou evidente que todos os envolvidos no acordo — incluindo os Smiths — estavam perfeitamente cientes de que a Rough Trade ainda tinha um quarto disco de estúdio válido em seu contrato e de que Geoff Travis não tinha nenhuma intenção de abrir mão dele. Quando a EMI ofereceu o que arrogantemente chamou de “uma quantia que excederia a verba que a Rough Trade poderia sonhar em recuperar do lançamento do disco”, ele bateu pé. Saber que poderia impedir que a EMI lançasse um disco dos Smiths no futuro próximo ajudou a abrandar levemente o golpe causado pela deserção da banda.

Havia, contudo, uma decepção palpável sentida em toda a cena musical nacional pelo fato de o maior selo independente ter perdido sua banda mais confiável para a maior gravadora da Grã-Bretanha. Aquilo significava, para muitos, uma sensação de deslealdade e avareza por parte da banda, um reconhecimento de que todos tinham seu preço. (Travis certamente concordava com isso: ele acusou a banda de “ganância excessiva”.) E, obviamente, aquilo colocava o futuro da cena musical independente em dúvida, especialmente pelo fato de que nenhum outro artista parecia estar à espera de sua chance de assumir o manto dos Smiths. Isso, de certa forma, foi confirmado na primavera, quando a NME (ironicamente por causa das opiniões de alguns de seus jornalistas sobre tal estilo musical) decidiu revisitar a cena independente britânica cinco anos depois da revolucionária C81, apenas para descobrir que ela havia se retraído, criando um gueto musical. E que os Smiths tinham muito a ver com aquilo.

Para ser justo, nem todos os grupos na fita cassete promocional da NME, C86, eram influenciados pelos Smiths, e entre os que eram, nem todos eram influenciados apenas pelos Smiths, mas, ainda assim, tinha que ser dito: The Bodines, The Pastels, The Close Lobsters e The Shop Assistants, para citar apenas quatro, todos começavam suas canções com riffs de guitarra semiacústica num leve reverb, delicadamente dedilhados como se estivessem num evidente tributo à primeira leva de singles de sucesso dos Smiths, antes de ceder espaço a vocais que eram intencionalmente contidos e quase desprovidos de melodia, como se exagerassem o estilo original de Morrissey. A única diferença óbvia para o que os Smiths haviam feito em 1984 era o alegre amadorismo que permeava a escalação da C86. A abordagem se mostrou tão prontamente identificável que C86 se tornou a abreviação para um novo som de bandas de guitarras “arrastadas”.

A divisão entre artistas independentes e das grandes gravadoras foi mais enfatizada pelo sucesso do Housemartins, o mais perto que se pôde chegar de uma competição para os Smiths em 1986. Ao ter uma abordagem mais profissional no estúdio do que as bandas da C86, o quarteto de Hull conseguiu colocar um single no top 3 no mesmo mês em que The Queen Is Dead foi lançado: uma reação à normalidade em andamento acelerado, baseada em guitarras e intitulada “Happy Hour” que soava alarmantemente parecida com “I Want the One I Can’t Have”. O Housemartins não levava a sério suas raízes provincianas (eles intitularam seu disco de estreia London 0, Hull 4), vestiam-se com cardigãs que pareciam ser de seus pais (fazendo o Morrissey de 1983 parecer um dândi em comparação) e eram mais declaradamente políticos do que os Smiths: recusaram-se a apoiar o Red Wedge a não ser que o Partido Trabalhista fizesse uma promessa de campanha de nacionalizar a indústria musical. Nisso, eles também eram possivelmente mais hipócritas do que os Smiths, pois, apesar de sua gravadora, Go! Discs, que fizera nome com Billy Bragg, apresentar-se como independente, era financiada e distribuída pela Polygram. O sucesso significativo do Housemartins nas paradas de singles apenas esclarecia para Morrissey seu descontentamento com a Rough Trade e sua crença de que a EMI certamente faria um trabalho melhor em recompensar os Smiths com posições igualmente elevadas.

Tudo isso tornou muito mais importante que os Smiths se mantivessem na vanguarda musical. Johnny Marr parecia pouco preocupado com a proposta. “A cena C86”, disse ele, “o estilo clichê indie, não era em nada parecido com a música que fazíamos naquela época. Era como uma xerox esquisita da música que devíamos fazer dois anos antes. Podia ter nossa instrumentação, mas não tinha o tom soturno. Ou o peso. Eu estava tentando me afastar cada vez mais daquilo.” A questão era como os Smiths pretendiam fazer isso. Eles se tornariam uma grande banda de rock (como em “Panic”), abraçariam o pop comercial (como em “Ask”, que também viria a alcançar o top 20 ao ser lançada, em outubro) ou se tornariam mais experimentais? Seria possível administrar esses três caminhos?

Ao se empenhar para manter seu ímpeto musical os Smiths continuaram a variar entre John Porter e Stephen Street, uma relação de gangorra que chegou a uma apoteose cômica no começo de outubro, quando o grupo agendou vários dias no Mayfair Studios, em Primrose Hill, e os dividiu entre os dois produtores. Porter chegou primeiro, para cuidar de “You Just Haven’t Earned It Yet, Baby”, uma canção pop jubilosamente comercial que era, como Morrissey mais tarde alegou, uma citação direta de Geoff Travis. (A alegação foi infeliz, não apenas porque Travis não usou a palavra “baby”. Ela marcava uma letra que poderia, de outra forma, ter permitido múltiplas interpretações.) Ao longo de uma música que devia muito a “London Calling”, do The Clash, Marr e Gannon gravaram uma cascata de guitarras vibrantes tão efervescentes quanto qualquer coisa que os Smiths já haviam gravado — ou que John Porter produzira para eles. Sua mixagem final cintilava com clareza e, em virtude da estrutura atipicamente ortodoxa da música, da pausa e do subsequente crescendo no fim, ela soava como um óbvio single de sucesso — supondo que os Smiths quisessem voltar à formula pop, ou segui-la.

As gravações em que Stephen Street, então, trabalhou não eram tão obviamente projetadas para tocar no rádio e, ainda assim, eram mais fiéis à essência dos Smiths; com isso, a sessão do Mayfair habilmente revelou a verdadeira diferença entre os estilos dos dois produtores. As canções “Half a Person” e “London” (pela qual Street recebeu seu primeiro crédito de coprodução) eram, na verdade, parte de uma dobradinha poética, por lidarem com a viagem ao sul, para uma capital, e com a perspectiva de uma vida melhor. A primeira, finalizada entre Morrissey e Marr na escadaria do estúdio, era escrita em primeira pessoa e continha uma declamação, em grande parte, autobiográfica — “Sixteen, clumsy and shy, I went to London and I booked myself in at the YWCA” [Dezesseis anos, desajeitado e tímido, fui para Londres e me instalei na YWCA (Associação Cristã de Jovens Mulheres)”] — que, todavia, ecoava globalmente. “London” foi escrita na segunda pessoa, com Morrissey perguntando ao protagonista, prestes a embarcar num trem para Euston: “Do you think you’ve made the right decision this time?” [Você acha que tomou a decisão certa dessa vez?]. Ela invocava o clímax de “Billy Liar”, em que William Fisher tinha prometido fazer uma viagem semelhante com sua sedutora namorada, Julie Christie, e desembarcou no último segundo — só que, no caso dos Smiths, o jovem rapaz permanece a bordo e é sua namorada a ficar na plataforma, torcendo por seu retorno eventual, mas já sabendo que isso não irá acontecer.

A história do jovem rapaz tomando seu futuro em suas mãos numa estranha e ameaçadora Londres era tão velha quanto Dick Whittington, mas as letras impressionantemente vívidas ganhavam nova luz numa época em que as cidades (e pequenas vilas) economicamente enfraquecidas do norte da Inglaterra sofriam um êxodo em massa de jovens desempregados dirigindo-se à capital — presas fáceis para drogas, prostituição e crime, e que muitas vezes eram vistos dormindo e pedindo esmola nas ruas. Assim, “London” serviu como uma das canções mais agressivas e mordazes dos Smiths, iniciada como apito de um trem depois do qual Marr segurava o riff sujo, no estilo Stooges, enquanto Gannon fornecia os overdubs dissonantes com afinação Nashville. Em comparação, “Half a Person” parecia mais solidária à migração do narrador, com confortável andamento moderado, arranjo doce, auxiliado, consideravelmente, pelo fato de Gannon e Marr gravarem seus violões em conjunto.

Stephen Street desenvolveu uma simpatia por Gannon. “Eu me dava bem com ele, acho que ele era um rapaz realmente agradável”, disse. “Quando gravamos ‘Half a Person’, ele estava com um violão, Johnny estava com um violão, eu os coloquei cada um de um lado das caixas e aquilo soou incrível, e achei que estava tudo indo muito bem. Ele ficava na dele, apenas seguia adiante, fazia seu trabalho.” O sentimento era mútuo. “Senti que me entendi com ele logo de cara”, disse Gannon sobre Street. “Eu o achei uma pessoa realmente decente. Ele me fazia sentir muito confortável.”

Enquanto estavam arrumando as bagagens no último dia, Street elogiou o trabalho de guitarra de Gannon para Johnny Marr. “Cá entre nós”, Marr respondeu, “Craig não vai estar por aqui por muito tempo.”