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1.   CONCEITO DE PRISÃO

É a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere. Não se distingue, nesse conceito, a prisão provisória, enquanto se aguarda o deslinde da instrução criminal, daquela que resulta de cumprimento de pena. Enquanto o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo as suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do condenado, o Código de Processo Penal cuida da prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar, quando necessário, até o trânsito em julgado da decisão condenatória.

2.   FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA PRISÃO

Preceitua o art. 5.o, LXI, que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. A regra, pois, é que a prisão, no Brasil, deve basear-se em decisão de magistrado competente, devidamente motivada e reduzida a escrito, ou necessita decorrer de flagrante delito, neste caso cabendo a qualquer do povo a sua concretização. Os incisos LXII, LXIII, LXIV e LXV, do mesmo artigo, regulam a maneira pela qual a prisão deve ser formalizada.

3.   ESPÉCIES DE PRISÃO PROCESSUAL CAUTELAR

São seis, a saber: a) prisão temporária; b) prisão em flagrante; c) prisão preventiva; d) prisão em decorrência de pronúncia; e) prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível; f) condução coercitiva de réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia.

Neste último caso, por se tratar de modalidade de prisão (quem é conduzido coercitivamente pode ser algemado e colocado em cela até que seja ouvido pela autoridade competente), defendemos que somente o juiz pode decretá-la. Aliás, nessa ótica, cumpre ressaltar o disposto no art. 3.o da Lei 1.579/52 (modificada pela Lei 10.679/2003): “Indiciados e testemunhas serão intimados de acordo com as prescrições estabelecidas na legislação penal. § 1.o Em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do art. 218 do Código de Processo Penal”. Demonstra-se, pois, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, cujo poder investigatório, segundo a Constituição Federal (art. 58, § 3.o), é próprio das autoridade judiciais, não devem ter outro procedimento senão o de requerer ao magistrado a intimação e condução coercitiva da testemunha para prestar depoimento. Logo, nenhuma outra autoridade pode prender a testemunha para conduzi-la à sua presença sem expressa, escrita e fundamentada ordem da autoridade judiciária competente (art. 5.o, LXI, CF).

No cenário da prisão cautelar, deve-se computar a prisão para extradição. O STF não se reúne para decidir a sorte do extraditando, caso este não esteja preventivamente detido. Por outro lado, é possível que o Estado requerente, antes mesmo de ingressar oficialmente com o pedido de extradição, pleiteie a prisão cautelar do extraditando.

Sobre o pedido de extradição, a Lei 12.878/2013 inseriu as seguintes premissas: a) a extradição “será requerida por via diplomática ou, quando previsto em tratado, diretamente ao Ministério da Justiça, devendo o pedido ser instruído com a cópia autêntica ou a certidão da sentença condenatória ou decisão penal proferida por juiz ou autoridade competente. O pedido deverá ser instruído com indicações precisas sobre o local, a data, a natureza e as circunstâncias do fato criminoso, a identidade do extraditando e, ainda, cópia dos textos legais sobre o crime, a competência, a pena e sua prescrição. O encaminhamento do pedido pelo Ministério da Justiça ou por via diplomática confere autenticidade aos documentos. Os documentos indicados neste artigo serão acompanhados de versão feita oficialmente para o idioma português” (art. 80, Lei 6.815/80, com nova redação); b) “o pedido, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, será encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Supremo Tribunal Federal. Não preenchidos os pressupostos de que trata o caput [do art. 81], o pedido será arquivado mediante decisão fundamentada do Ministro de Estado da Justiça, sem prejuízo de renovação do pedido, devidamente instruído, uma vez superado o óbice apontado” (art. 81, Lei 6.815/80, com nova redação); c) “o Estado interessado na extradição poderá, em caso de urgência e antes da formalização do pedido de extradição, ou conjuntamente com este, requerer a prisão cautelar do extraditando por via diplomática ou, quando previsto em tratado, ao Ministério da Justiça, que, após exame da presença dos pressupostos formais de admissibilidade exigidos nesta Lei ou em tratado, representará ao Supremo Tribunal Federal. O pedido de prisão cautelar noticiará o crime cometido e deverá ser fundamentado, podendo ser apresentado por correio, fax, mensagem eletrônica ou qualquer outro meio que assegure a comunicação por escrito. O pedido de prisão cautelar poderá ser apresentado ao Ministério da Justiça por meio da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), devidamente instruído com a documentação comprobatória da existência de ordem de prisão proferida por Estado estrangeiro. O Estado estrangeiro deverá, no prazo de 90 (noventa) dias contado da data em que tiver sido cientificado da prisão do extraditando, formalizar o pedido de extradição. Caso o pedido não seja formalizado no prazo previsto no § 3.o, o extraditando deverá ser posto em liberdade, não se admitindo novo pedido de prisão cautelar pelo mesmo fato sem que a extradição haja sido devidamente requerida” (art. 82, Lei 6.815/80, com nova redação).

Há, portanto, duas possibilidades de decretação da prisão preventiva para extradição: a) antes do ingresso do pedido de extradição no STF e como medida de cautela para que o extraditando não fuja; b) assim que ingressar o pedido extradicional no STF, para que o extraditando seja colocado à disposição da Corte.

4.   CONTROLE DA LEGALIDADE DA PRISÃO

É impositivo constitucional que toda prisão seja fielmente fiscalizada por juiz de direito. Estipula o art. 5.o, LXV, que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. No mesmo sentido, dispõe o art. 310, I, do CPP. Além disso, não se pode olvidar que, mesmo a prisão decretada por magistrado, fica sob o crivo de autoridade judiciária superior, através da utilização dos instrumentos cabíveis, entre eles o habeas corpus: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 5.o, LXVIII, CF).

Constitui abuso de autoridade efetuar prisão ilegal, deixar de relaxar – nesse caso válido apenas para o juiz – prisão ilegalmente realizada, bem como deixar de comunicar ao magistrado a prisão efetivada, ainda que legal. Quando a prisão for indevidamente concretizada, por pessoa não considerada autoridade, trata-se de crime comum (constrangimento ilegal e/ou sequestro ou cárcere privado).

5.   CONCEITO DE LIBERDADE PROVISÓRIA

É a liberdade concedida, em caráter provisório, ao indiciado ou réu, preso em decorrência prisão em flagrante, que, por não necessitar ficar segregado, em homenagem ao princípio da presunção de inocência, deve ser liberado, sob determinadas condições.

A liberdade provisória, com ou sem fiança, é um instituto compatível com a prisão em flagrante, mas não com a prisão preventiva ou temporária. Nessas duas últimas hipóteses, vislumbrando não mais estarem presentes os requisitos que as determinaram, o melhor a fazer é revogar a custódia cautelar, mas não colocar o réu em liberdade provisória, que implica sempre o respeito a determinadas condições.

Desenvolveremos melhor o tema após tratarmos das formalidades e das espécies de prisão cautelar.

6.   FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE PROVISÓRIA

Estabelece o art. 5.o, LXVI, que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Quer o preceito indicar que a prisão, no Brasil, é a exceção e a liberdade, enquanto o processo não atinge o seu ápice com a condenação com trânsito em julgado, a regra.

Essa ideia foi reforçada após a edição da Lei 12.403/2011, que criou novas medidas cautelares, mais brandas, alternativas à prisão provisória, bem como deixando claro ser a prisão preventiva a ultima ratio (última opção). Confira-se: “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)” (art. 282, § 6.o, CPP).

7.   FORMALIDADES DA PRISÃO

Existem regras gerais para a realização da prisão de alguém. A primeira e mais importante, como já frisado, é a indispensabilidade de mandado de prisão, expedido por autoridade judiciária, que proferiu decisão escrita e fundamentada nos autos do inquérito ou do processo (art. 283, caput, CPP). Excepcionalmente, admite-se a formalização da prisão por ato administrativo, como ocorre no caso do flagrante e será visto no tópico próprio, embora sempre submetida a constrição à avaliação judicial.

Inexiste fixação de dia e hora para prender alguém, quando há ordem judicial para tanto. Se a prisão é cautelar e indispensável, não teria cabimento determinar momentos especiais para a sua realização. Assim, onde quer que seja encontrado o procurado, deve ser regularmente preso. A exceção fica por conta de preceito constitucional cuidando da inviolabilidade de domicílio (art. 283, § 2.o, CPP).

Estabelece o art. 5.o, XI, da Constituição Federal, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Assim, havendo a situação de flagrância, pode qualquer um invadir o domicílio, de dia ou de noite, para efetuar uma prisão. O termo delito, utilizado no referido artigo da Constituição Federal, comporta interpretação extensiva, para abranger, igualmente, contravenção penal. A posição está em harmonia com o mesmo sentido empregado quanto ao princípio da legalidade ou da reserva legal, onde se preceitua não existir crime (e também contravenção penal), sem prévia definição legal (art. 5.o, XXXIX).

Cuida-se, no entanto, da hipótese do denominado flagrante próprio (art. 302, I e II, CPP) e não do chamado flagrante impróprio (inciso III) ou presumido (inciso IV). No tópico próprio, faremos a diferença entre essas modalidades de flagrante.

Desde logo, vale registrar que a proteção ao domicílio, sendo garantia constitucional, não merece ser alargada indevidamente. Muito fácil seria a invasão de um domicílio pela polícia, a pretexto de que iria verificar se o procurado, que lá se encontraria, não estaria com a arma do crime, situação que faria presumir ser ele o autor do delito (inciso IV do art. 302). Aliás, ressalve-se que o flagrante verdadeiro (próprio), uma vez ocorrendo, possibilita, ainda, que a vítima seja socorrida, o que se adapta, com perfeição à autorização constitucional para ingressar no domicílio, durante a noite (“para prestar socorro”). Na ótica que sustentamos: TALES CASTELO BRANCO (Da prisão em flagrante, p. 148), DEMERCIAN e MALULY (Curso de processo penal, p. 155).

Como ilustração, convém destacar o preceituado pela Polícia Federal, no Brasil, por meio da Instrução Normativa 1/92 (DOU 13.11.1992) do Diretor do Departamento de Polícia Federal, tratando do procedimento policial: art. 73. “A autoridade policial somente procederá à busca domiciliar sem mandado judicial quando houver consentimento espontâneo do morador ou quando tiver certeza da situação de flagrância. (...) 73.2. Na segunda hipótese, é imprescindível ter-se certeza de que o delito está sendo praticado naquele momento, não se justificando o ingresso no domicílio para realização de diligências complementares à prisão em flagrante ocorrido noutro lugar, nem para averiguação de notitia criminis” (Inquérito policial federal, p. 72, com grifo nosso). Em posição contrária, aceitando qualquer hipótese de flagrante está TOURINHO FILHO (Código de Processo Penal comentado, v. 1, p. 506).

No mais, ainda que a polícia possua mandado de prisão, expedido por autoridade judiciária, deve invadir o domicílio do morador recalcitrante apenas durante o dia. Entretanto, caso alguém, procurado, esconda-se na residência de pessoa que permita a entrada da autoridade policial, durante a noite, a prisão pode ser regularmente efetivada.

Caso contrário, mesmo que a casa seja do próprio procurado, se este não concordar em permitir a entrada dos policiais para a efetivação da prisão, resta cercar o local, impedindo a fuga, para, quando houver o alvorecer, cumprir-se a ordem. Aliás, com relação ao consentimento do morador, por cautela, a Instrução Normativa da Polícia Federal, suprarreferida, estipula que, no caso de consentimento do morador, este deve dar-se “por escrito e assinado também por duas testemunhas não policiais que acompanharão a diligência e assinarão o respectivo auto” (art. 73.1).

Quanto ao conceito de dia, entendemos ser do alvorecer ao anoitecer, sem a especificação de um horário, devendo variar conforme a situação natural.

O impedimento à entrada da polícia à noite, em domicílio, não é crime de favorecimento pessoal (art. 348, CP), nem de desobediência (art. 330, CP). O fato de alguém não permitir o ingresso, durante a noite, em seu domicílio, para cumprir um mandado de prisão, ainda que o procurado esteja no seu interior, é exercício regular de direito, logo, fato lícito, porque garantido pela Constituição Federal. O estipulado no art. 293, parágrafo único, do CPP (“O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito”) tem aplicação para o dono da casa que impedir a entrada da polícia durante o dia ou logo que amanhecer. Nesse caso, ele pode ser detido e autuado por favorecimento pessoal ou por desobediência, conforme a situação concreta.

Nesse contexto, ainda vale destacar o disposto no art. 293, caput, do Código de Processo Penal: “se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão”.

A intimação do morador que acolhe o procurado é fundamental, em virtude da inviolabilidade de domicílio, que é regra constitucional. Logo, não deve o executor, assim que constate o ingresso da pessoa buscada em morada alheia, invadi-la, sem qualquer vacilo. Necessita intimar o morador a entregar o procurado, mostrando-lhe o mandado de prisão. Não havendo obediência, poderá ocorrer a invasão, desde que seja à luz do dia e acompanhado o ato por duas testemunhas. Se inexistirem testemunhas, o ingresso forçado poderá ocorrer do mesmo modo, embora, nesse caso, possa haver maior problema para o executor da ordem, em caso de acusação de abuso, por parte do morador.

Não há necessidade de autorização judicial específica para o arrombamento das portas e ingresso forçado no ambiente, que guarda o procurado, pois o mandado de prisão e a própria lei dão legitimidade a tal atitude.

O emprego de força, para a realização da prisão, é exceção e jamais regra (art. 284, CPP). Utiliza-se a violência indispensável para conter eventual resistência ou tentativa de fuga. Note-se que se trata de causa garantidora de um dever legal, com reflexos no contexto penal, significando a possibilidade de, havendo lesões ou outro tipo de dano ao preso, alegue a autoridade policial o estrito cumprimento do dever legal. Não se autoriza, em hipótese alguma, a violência extrema, consistente na morte do procurado. Logo, se esta ocorrer, não há viabilidade em alegar o estrito cumprimento do dever legal. Eventualmente, resistindo ativamente o preso e investindo contra os policiais, podem estes alegar legítima defesa e, nessa hipótese, se houver necessidade, até matar o agressor.

Quanto ao emprego de algemas, tratando-se de instrumento de implementação da violência indispensável para conter a fuga ou a resistência, deve ser utilizado em situações excepcionais – e não como regra. O art. 199 da Lei 7.210/84 menciona que o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal. Tal norma nunca se concretizou. Por outro lado, diante do crescente número de casos em que a polícia terminou valendo-se das algemas para prender pessoas de nenhuma periculosidade, que não resistiram à detenção, terminou o STF por intervir na questão, aprovando a edição de Súmula Vinculante, nos seguintes termos: “Súmula 11: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” Lembremos que a efetivação da prisão é um ato eminentemente policial, não cabendo a juízes e membros do Ministério Público realizá-la. Logo, cabe aos agentes de polícia avaliar, no caso concreto, a necessidade de fazer uso das algemas. E, se utilizarem, devem lavrar um auto, por escrito, justificando a medida. Em salas de audiência ou no recinto do fórum, pode o juiz controlar o emprego de algemas, porém, sempre, valendo-se dos informes prestados pela escolta policial. Esta é que deve assumir a responsabilidade de garantir – ou não – a segurança de todos no recinto. Portanto, somente os agentes da escolta poderão avaliar se é indispensável o emprego de algemas.

O mandado de prisão será formalizado da seguinte maneira (art. 285, CPP): a) lavratura por escrivão ou escrevente, com assinatura do juiz, cuja autenticidade é certificada pelo escrivão-diretor; b) designação da pessoa a ser presa, com seus dados qualificadores (RG, nomes do pai e da mãe, alcunha, sexo, cor da pele, data do nascimento, naturalidade, endereço residencial e endereço comercial); c) menção da infração penal por ele praticada; d) declaração do valor da fiança, se tiver sido arbitrada, quando possível; e) emissão à autoridade policial, seus agentes ou oficial de justiça, competentes para cumpri-lo. Outros dados a estes se acrescentam, como praxe e seguindo as normas administrativas, que são: f) colocação da Comarca, Vara e Ofício de onde é originário; g) número do processo e/ou do inquérito, onde foi proferida a decisão decretando a prisão; h) nome da vítima do crime; i) teor da decisão que deu origem à ordem de prisão (preventiva, temporária, pronúncia, sentença condenatória etc.); j) data da decisão; k) data do trânsito em julgado (quando for o caso); l) pena aplicada (quando for o caso); m) prazo de validade do mandado, que equivale ao lapso prescricional.

Será expedido em duas vias, ambas assinadas pelo juiz, pois uma delas ficará com o preso, contendo dia, hora e lugar do cumprimento. O preso deve passar recibo no outro exemplar; recusando-se ou quando não souber assinar ou estiver impossibilitado a fazê-lo, tal situação será mencionada à parte, contendo a assinatura de duas testemunhas (art. 286, CPP).

Excepcionalmente, autoriza-se a prisão de alguém sem a exibição imediata do mandado de prisão. É o caso de infração inafiançável – considerada mais grave –, mas o preso deve ser imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado (art. 287, CPP). Pode-se igualmente fazê-lo ao juiz plantonista, pois nem sempre aquele que decretou a prisão está no fórum, em horário de expediente.

Importante cautela consta do art. 288 do Código de Processo Penal: “Ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandado ao respectivo diretor ou carcereiro, a quem será entregue cópia assinada pelo executor ou apresentada a guia expedida pela autoridade competente, devendo ser passado recibo da entrega do preso, com declaração de dia e hora”. Evita-se, com isso, o encarceramento sem causa e, o que seria ainda pior, o desaparecimento do preso, restando à família ou aos amigos procurar seu paradeiro por inúmeros locais, até para poder tomar as medidas cabíveis para viabilizar sua soltura.

A prisão por precatória é alternativa expressamente prevista em lei (art. 289, caput, CPP), pois o procurado pode estar em Comarca estranha à competência do juiz expedidor da ordem de captura. Recebida a precatória (expedida no original e fazendo constar o inteiro teor do mandado de prisão, com todos os seus requisitos, inclusive com duas cópias, para possibilitar o cumprimento do disposto no art. 286 do CPP), o juiz do local coloca o “cumpra-se”, tornando legal a prisão.

A urgência pode impor a remessa da ordem de prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão e o valor da fiança, se arbitrada (art. 289, § 1.o, CPP). A modernidade impele ao uso de instrumentos ágeis, tais como email ou fax, bastando que a autoridade a quem se fizer a requisição tome as precauções necessárias para checar a autenticidade da comunicação (art. 289, § 2.o, CPP). Ao recebê-lo (email ou fax), o magistrado do local deve providenciar a reprodução do mesmo em duas vias, para que uma seja entregue ao detido, colocando o seu “cumpra-se”. Aliás, acrescente-se que pode a autoridade policial telefonar a outra, de diferente circunscrição, solicitando a prisão de alguém, desde que tenha em mãos o mandado de prisão emitido por juiz de direito. A autoridade que se incumbir de cumprir a ordem deve certificar-se da sua origem (art. 299, CPP).

Dispõe o art. 289-A que o “juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade”. Com isso, viabiliza-se a prisão do procurado, em todo o Brasil, por qualquer policial.

A perseguição é outro fator que impõe determinadas cautelas à polícia, uma vez que o fugitivo pode passar ao território de outra Comarca, onde não mais teria atribuição para atuar o agente policial. Assim ocorrendo, faz-se a prisão no lugar onde for alcançado o procurado, mas ele será imediatamente apresentado à autoridade local para que esta possa certificar-se da regularidade do mandado de prisão ou mesmo para que lavre o auto de prisão em flagrante, conforme o caso (art. 290, CPP). Nesta última hipótese, a regularidade da prisão será avaliada pelo juiz local. Posteriormente, seguem os autos ao lugar onde se situa o juízo competente para a instauração do processo.

Legitima-se a perseguição em duas hipóteses: a) quando a autoridade policial avista o procurado e vai ao seu encalço sem interrupção, ainda que possa perdê-lo de vista; b) quando fica sabendo, por indícios ou informações confiáveis que o procurado passou, há pouco tempo, em determinada direção (art. 290, § 1.o, CPP).

Eventual dúvida quanto à identidade do executor da prisão ou quanto à legalidade do mandado deve ser imediatamente resolvida pela autoridade do lugar onde a detenção se realizou. Somente após é que se libera o preso para a transferência (art. 290, § 2.o, CPP). Registre-se que a lei, nessa situação, vale-se do termo custódia, ou seja, até que se verifique a regularidade da prisão, a pessoa detida fica sob custódia, querendo dizer sob proteção.

Outra formalidade da prisão, advinda da Constituição Federal, é que o preso tem direito a conhecer a identidade de quem é responsável pela sua captura, como se vê do art. 5.o, LXIV (“o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”). Naturalmente, tal medida é salutar para que, havendo abuso, a vítima saiba contra quem deve agir.

Mencionamos que a prisão deve ser realizada, se possível, sem o emprego de força. Mas, pode ocorrer resistência do procurado ou de terceiros, implicando em danos à pessoa ou a coisas. Assim ocorrendo, a autoridade policial deve providenciar a lavratura de um auto circunstanciado, assinado por duas testemunhas, narrando tudo o que houve (art. 292, CPP).

A resistência à prisão pode dar-se de forma ativa ou passiva. No primeiro caso, o preso investe contra o executor da ordem de prisão, autorizando que este, não somente use a força necessária para vencer a resistência, como também reaja. Há, nessa situação, autêntica legítima defesa. Se a agressão do sujeito a ser detido ameaçar a vida do executor, pode este, se indispensável, tirar a vida do primeiro. Por outro lado, a resistência pode ser passiva, com o preso debatendo-se, para não colocar algemas, não ingressar na viatura ou não ir ao distrito policial. Nessa hipótese, a violência necessária para dobrar sua resistência caracteriza, por parte do executor, o estrito cumprimento do dever legal. Qualquer abuso no emprego da legítima defesa ou do estrito cumprimento do dever legal caracteriza o excesso, pelo qual é responsável o executor da prisão. Note-se, por derradeiro, que o delito previsto no art. 329 do Código Penal (resistência) somente se perfaz na modalidade de resistência ativa.

image   PONTO RELEVANTE PARA DEBATE

A inconstitucionalidade e ilegitimidade da prisão especial

Dispõe o art. 295 do Código de Processo Penal que “serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial”, antes da condenação transitar em julgado as seguintes pessoas: a) ministros de Estado; b) governadores, prefeitos, secretários de Estado, vereadores, chefes de Polícia; c) membros dos Parlamentos Federal e Estadual; d) cidadãos inscritos no “Livro do Mérito”; e) oficiais das Forças Armadas e militares dos Estados e do Distrito Federal; f) magistrados; g) diplomados por qualquer faculdade superior; h) ministros religiosos; i) ministros do Tribunal de Contas; j) cidadãos que já tiverem exercido a função de jurado; l) delegados de polícia e agentes policiais. Além disso, existem várias outras categorias que, por leis especiais, conseguiram o mesmo benefício (ex.: sindicalistas – Lei 2.860/56).

A denominada prisão especial é, em nosso sentir, afrontosa ao princípio da igualdade previsto na Constituição Federal. Criou-se uma categoria diferenciada de brasileiros, aqueles que, presos, devem dispor de um tratamento especial, ao menos até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Menciona parte da doutrina, para justificar essa distinção, que a lei leva em consideração não a pessoa, mas o cargo ou a função que ela exerce. Não vemos, com a devida vênia, o menor sentido nisso. Quem vai preso é o indivíduo e não seu cargo ou sua função. Quem sofre os males do cárcere antecipado e cautelar é o ser humano e não o seu título. Em matéria de liberdade individual, devemos voltar os olhos à pessoa e não aos seus padrões sociais ou econômicos, que a transformem em alguém diferenciado.

O correto seria garantir prisão especial – leia-se, um lugar separado dos condenados – a todo e qualquer brasileiro que, sem ter experimentado a condenação definitiva, não deve misturar-se aos criminosos, mormente os perigosos. Entretanto, faz a lei uma discriminação injusta e elitista. Por mais que se argumente que determinadas pessoas, por deterem diploma de curso superior ou qualquer outra titulação, muitas vezes não acessíveis ao brasileiro médio, merecem um tratamento condigno destacado, porque a detenção lhes é particularmente dolorosa, é fato que qualquer pessoa primária, sem antecedentes, encontra na prisão provisória igual trauma e idêntico sofrimento.

Bastaria bom senso e boa vontade ao legislador e ao administrador dos estabelecimentos penitenciários para executar uma política humanizada de detenção, reservando-se celas e até mesmo pavilhões para os presos provisórios, separando-se, dentre esses, aqueles que são primários, sem qualquer antecedente, dos que já possuem condenações e, consequentemente, maior vivência no cárcere.

E mais, assegurando-se a todos, indiscriminadamente, condições decentes de vida, sem equiparar seres humanos a animais, como se vivessem em jaulas, sem qualquer salubridade. Nenhum mal – além daquele que a prisão em si causa – pode haver para um engenheiro (com diploma universitário) dividir o espaço com um marceneiro (sem diploma universitário), por exemplo, se ambos são pessoas acusadas da prática de um delito pela primeira vez. Por que haveria o portador de diploma de curso superior merecer melhor tratamento do que o outro? Somos da opinião que toda e qualquer forma de discriminação deveria ser abolida, inclusive a prisão especial.

A Lei 10.258/2001 buscou amenizar o problema, acrescentando os §§ 1.o a 5.o ao art. 295, mas não solucionou definitivamente a questão. O foco primordial deveria ser outro: a prisão é uma exceção e não a regra, razão pela qual, se for decretada, o tratamento dado aos detidos deveria pautar-se pela pessoa, seu caráter, sua personalidade, sua periculosidade e jamais por títulos que detenha. Não se vai construir uma sociedade justa separando-se brasileiros por castas, ainda que em presídios. O homem letrado e culto pode ser tão delinquente quanto o ignorante e analfabeto, por vezes até pior, diante do conhecimento que detém. Aos poucos, talvez, amenizando as regalias da prisão especial, possamos atingir o estado de igualdade exigido por um País que se pretende verdadeiramente democrático.

Criticando, igualmente, a prisão especial e os argumentos demagógicos na sua manutenção, MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES faz apenas uma ressalva importante, com a qual somos levados a concordar. Deve-se garantir a prisão especial unicamente às pessoas que, em virtude da função exercida, antes de serem levadas ao cárcere, possam ter sua integridade física ameaçada em convívio com outros presos. É o caso dos policiais, promotores, juízes, defensores, entre outros, que atuaram na justiça criminal. Fora daí, é manifesta confissão de inépcia do Estado de fornecer a todos os presos a mesma qualidade de vida dentro da prisão (Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial, 7. ed., p. 2.826).

Anote-se, em igual ótica, a lição de MARCELO SEMER: “Na vigência das Ordenações (entre 1603 e 1830), a mesma prisão que para um homem do povo seria em ferros, para nobres e autoridades, ou Doutores em Leis, Cânones ou Medicina, poderia ser domiciliar. (...) Continua sendo destinada aos ocupantes de certos cargos públicos, membros de algumas atividades profissionais e aos portadores de diploma de curso superior. As penas já não podem mais ser diferentes entre ricos e pobres (ou diplomados e não instruídos), afinal todos somos iguais perante a lei. A forma de cumpri-las, no entanto, acaba sendo diversa e privilegia a não promiscuidade dos eventuais presos da elite com os incultos” (A síndrome dos desiguais, p. 11).

Estabelece a Lei 5.256/67 que “nas localidades em que não houver estabelecimento adequado ao recolhimento dos que tenham direito a prisão especial, o juiz, considerando a gravidade das circunstâncias do crime, ouvido o representante do Ministério Público, poderá autorizar a prisão do réu ou indiciado na própria residência, de onde o mesmo não poderá afastar-se sem prévio consentimento judicial” (art. 1.o).

Como regra, não é necessária a utilização da prisão domiciliar, pois, na maioria das cidades e regiões, há possibilidade de se garantir a existência da prisão especial, mormente, agora, após a edição da Lei 10.258/2001, que permitiu a inserção desse tipo de preso em cela separada dos demais, embora em presídio comum. Excepcionalmente, defere-se o benefício. Violando-se a condição de permanecer recolhido em seu domicílio e comparecer ao fórum ou à polícia, quando chamado a fazê-lo, perde o réu ou indiciado o direito e pode ser colocado em estabelecimento penal comum, desde que separado dos demais presos – o que, atualmente, como já mencionado, foi previsto pela referida Lei 10.258/2001.

Na realidade, a prisão especial deve ser garantida até o trânsito em julgado da sentença condenatória, após o que será o condenado encaminhado para presídio comum, em convívio com outros sentenciados. Há exceções, estabelecidas em leis especiais, como é o caso dos policiais, que jamais serão misturados aos demais presos, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, para que não sejam vítimas de vinganças (cf. art. 84, § 2.o, da Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84).

Lembremos, ainda, que há possibilidade de progressão de regime durante o período de prisão especial, conforme estabelecido pela Súmula 717 do STF: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”.

8.   ANÁLISE DAS MODALIDADES DE PRISÃO CAUTELAR

8.1   Prisão temporária

É uma modalidade de prisão cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial, quando se tratar de apuração de infração penal de natureza grave. Está prevista na Lei 7.960/89 e foi idealizada para substituir, legalmente, a antiga prisão para averiguação (ver destaque abaixo), que a polícia judiciária estava habituada a realizar, justamente para auxiliar nas suas investigações. A partir da edição da Constituição de 1988, quando se mencionou, expressamente, que somente a autoridade judiciária, por ordem escrita e fundamentada, está autorizada a expedir decreto de prisão contra alguém, não mais se viu livre para fazê-lo a autoridade policial, devendo solicitar a segregação de um suspeito ao juiz.

Tendo por fim não banalizar a decretação da prisão temporária, torna-se necessário interpretar, em conjunto, o disposto no art. 1.o, I e II com o III, da Lei 7.960/89. Assim, o correto é associar os incisos I e II ao inciso III, viabilizando as hipóteses razoáveis para a custódia cautelar de alguém.

Portanto, há duas situações que autorizam a temporária:

1.a) “quando imprescindível para as investigações do inquérito policial” (inciso I), associando-se ao fato de haver “fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2.o); b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1.o e 2.o); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1.o, 2.o e 3.o); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1.o e 2.o) [acrescentou-se o § 3.o ao art. 158, cuidando do sequestro relâmpago, mas não houve alteração na Lei 7.960/89; parece-nos possível, entretanto, decretar a temporária nessa situação, por se tratar de lei processual, que admite analogia]; e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1.o, 2.o, e 3.o); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único) [o mencionado art. 223 foi revogado pela Lei 12.015/2009]; g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único) [os mencionados arts. 214 e 223 foram revogados pela Lei 12.015/2009]; h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único) [esse tipo penal foi revogado pela Lei 11.106/2005. Logo, atualmente, se o agente sequestrar pessoa, com fins libidinosos, incide na figura do art. 148, § 1.o, V, do Código Penal, continuando a autorizar a prisão temporária]; i) epidemia com resultado morte (art. 267, § 1.o); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com o art. 285); l) quadrilha ou bando [associação criminosa] (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1.o, 2.o e 3.o da Lei 2.889, de 01.10.1956), em qualquer de suas formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei 6.368, de 21.10.1976 [substituído pelo art. 33 da Lei 11.343/2006]); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei 7.492, de 16.06.1986)” (inciso III);

2.a) “quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade” (inciso II) em combinação com os crimes descritos no referido inciso III.

Acrescente-se, ainda, que o art. 2.o, § 4.o, da Lei 8.072/90, possibilitou a decretação da temporária a todos os delitos hediondos e equiparados, logo, os previstos nos arts. 1.o e 2.o da referida lei. Por isso, aos já mencionados acima, adicione-se a tortura e o terrorismo.

Enfim, não se pode decretar a temporária somente porque o inciso I foi preenchido, pois isso implicaria viabilizar a prisão para qualquer delito, inclusive os de menor potencial ofensivo, desde que fosse imprescindível para a investigação policial, o que soa despropositado. Não parece lógico, ainda, decretar a temporária unicamente porque o agente não tem residência fixa ou não é corretamente identificado, em qualquer delito. Logo, o mais acertado é combinar essas duas situações com os crimes enumerados no inciso III, e outras leis especiais, de natureza grave, o que justifica a segregação cautelar do indiciado. No mesmo sentido, MAURÍCIO ZANOIDE DE MORAES, Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial, 7. ed., p. 2.869; ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais, p. 230.

O prazo da prisão temporária será, como regra, de cinco dias, podendo ser prorrogado por outros cinco, em caso de extrema e comprovada necessidade (art. 2.o, caput, da Lei 7.960/89). Quando se tratar de crimes hediondos e equiparados, o prazo sobe para 30 dias, prorrogáveis por outros 30 (art. 2.o, § 4.o, da Lei 8.072/90). Não há decretação de ofício pela autoridade judiciária, ao contrário do que pode ocorrer com a preventiva, devendo haver requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial.

Terminando o prazo estipulado pelo juiz (com ou sem prorrogação), deve o indiciado ser imediatamente libertado, pela própria autoridade policial, independentemente da expedição de alvará de soltura pelo juiz. Note-se que a lei concede autorização para a libertação do indiciado, sendo dispensável a ordem judicial. Deixar de soltar o sujeito implica abuso de autoridade (art. 4.o, i, da Lei 4.898/65).

A única ressalva para manter a prisão fica por conta da decretação de prisão preventiva, que passaria a viger após o término da temporária. Tem-se admitido que, durante o prazo de prisão temporária, a autoridade policial, constatando que prendeu a pessoa errada ou não havendo mais necessidade da custódia cautelar, liberte o suspeito ou indiciado, sem autorização judicial. Nesse ponto, cremos equivocada tal atuação, pois somente quem prende é que pode determinar a soltura, no caso o juiz, salvo se a própria lei contiver a autorização. Não é o caso. Preceitua o art. 2.o, § 7.o, da Lei 7.960/89, que “decorrido o prazo de cinco dias de detenção, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo se já tiver sido decretada sua prisão preventiva” (grifamos). Logo, a libertação é decorrência do término do prazo e não deveria ocorrer, sem ordem judicial, em pleno decurso do mesmo.

image   PONTO RELEVANTE PARA DEBATE

A prisão para averiguação

Trata-se de um procedimento policial desgastado pelo tempo, pelo incremento dos direitos e garantias individuais e, sobretudo, pela Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5.o, LXI, preceitua dever ocorrer a prisão somente em decorrência de flagrante e por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária.

Assim, não mais tem cabimento admitir-se que a polícia civil ou militar detenha pessoas na via pública, para “averiguá-las”, levando-as presas ao distrito policial, onde, como regra, verifica-se se são procuradas ou não. Trata-se de instrumento de arbítrio, que, uma vez fosse admitido, ampliaria os poderes da polícia em demasia, a ponto de cidadão algum ter a garantia de evitar a humilhação do recolhimento ao cárcere.

É lógico que o Estado mantém o seu poder de polícia, investigando e cuidando de obter dados de pessoas suspeitas, em atitudes estranhas à normalidade, sob pena de se tornar inviável prender qualquer sujeito procurado, pois nem mesmo os documentos um policial poderia exigir de alguém. O que se deve evitar é a privação da liberdade de uma pessoa, a pretexto de investigar sua vida pregressa.

A prisão somente pode ser realizada diante de flagrante delito ou porque um juiz expediu ordem nesse sentido. No mais, deve a polícia cumprir seu mister, abordando, se preciso for, pessoas na via pública, solicitando identificação e procedendo à verificação necessária no mesmo lugar onde houve a abordagem, sem delongas e exageros, que possam configurar atentado à liberdade de locomoção. Constitui crime de abuso de autoridade (art. 4.o, a, da Lei 4.898/65), “ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual sem as formalidades legais ou com abuso de poder”.

A única possibilidade de existência da prisão para averiguação ocorre nas transgressões militares e quando houver suspensão momentânea das garantias constitucionais, por força do estado de defesa ou de sítio. Esta é a posição de CELSO DE MELLO e de CELSO BASTOS, citada por este último (Comentários à Constituição do Brasil, v. 2, p. 292).

8.2   Prisão em flagrante

Flagrante significa tanto o que é manifesto ou evidente, quanto o ato que se pode observar no exato momento em que ocorre. Neste sentido, pois, prisão em flagrante é a modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal (crime ou contravenção penal).

Autoriza-se essa modalidade de prisão na Constituição Federal (art. 5.o, LXI), sem a expedição de mandado de prisão pela autoridade judiciária, daí por que o seu caráter administrativo, já que seria incompreensível e ilógico que qualquer pessoa – autoridade policial ou não – visse um crime desenvolvendo-se à sua frente e não pudesse deter o autor de imediato.

O fundamento da prisão em flagrante é justamente poder ser constatada a ocorrência do delito de maneira manifesta e evidente, sendo desnecessária, para a finalidade cautelar e provisória da prisão, a análise de um juiz de direito. Por outro lado, assegura-se, prontamente, a colheita de provas da materialidade e da autoria, o que também é salutar para a verdade real, almejada pelo processo penal. Certamente, o realizador da prisão fica por ela responsável, podendo responder pelo abuso em que houver incidido. De outra parte, essa prisão, realizada sem mandado, está sujeita à avaliação imediata do magistrado, que poderá relaxá-la, quando vislumbrar ilegalidade (art. 5.o, LXV, CF). Ressalte-se, no entanto, que, analisada e mantida pelo juiz, passa a ter conteúdo jurisdicional, tanto que a autoridade coatora é o magistrado que a sustentou, tão logo dela teve conhecimento.

A natureza jurídica da prisão em flagrante é de medida cautelar de segregação provisória do autor da infração penal. Assim, exige-se apenas a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade, outros dois requisitos para a configuração do crime. É a tipicidade o fumus boni juris (fumaça do bom direito).

Tem essa modalidade de prisão, inicialmente, o caráter administrativo, pois o auto de prisão em flagrante, formalizador da detenção, é realizado pela Polícia Judiciária, mas torna-se jurisdicional, quando o juiz, tomando conhecimento dela, ao invés de relaxá-la, prefere mantê-la, pois considerada legal. Tanto assim que, havendo a prisão em flagrante, sem a formalização do auto pela polícia, que recebe o preso em suas dependências, cabe a impetração de habeas corpus contra a autoridade policial, perante o juiz de direito. Entretanto, se o magistrado a confirmar, sendo ela ilegal, torna-se coatora a autoridade judiciária e o habeas corpus deve ser impetrado no tribunal.

Quanto ao periculum in mora (perigo na demora), típico das medidas cautelares, é ele presumido quando se tratar de infração penal em pleno desenvolvimento, pois lesadas estão sendo a ordem pública e as leis. Cabe ao juiz, no entanto, após a consolidação do auto de prisão em flagrante, decidir, efetivamente, se o periculum existe, permitindo, ou não, que o indiciado fique em liberdade.

A reforma implementada pela Lei 12.403/2011 tornou obrigatório, para o magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, as seguintes medidas (art. 310, CPP): a) relaxar a prisão ilegal; b) converter a prisão em flagrante em preventiva, desde que presentes os requisitos do art. 312 do CPP e se forem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP; c) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Portanto, não há mais espaço para que o juiz simplesmente mantenha a prisão em flagrante, considerando-a “em ordem”. Ele deve convertê-la em preventiva ou determinar a soltura do indiciado, por meio da liberdade provisória.

A única hipótese de se manter alguém no cárcere, com base na prisão em flagrante, decorre da revogação da liberdade provisória, pelo não cumprimento de suas condições. Mesmo assim, parece-nos ideal que o magistrado, quando revogar o benefício, promova a conversão da prisão em flagrante em preventiva; afinal, motivos existem, tendo em vista o desprezo do indiciado/réu em relação aos requisitos estabelecidos para a liberdade provisória.

Há casos em que, apesar da prisão ser realizada, o auto não precisa ser formalizado, como ocorre nas infrações de menor potencial ofensivo, desde que o detido comprometa-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal, conforme preceitua a Lei 9.099/95 (art. 69, parágrafo único). Embora a referida lei mencione que não se imporá “prisão em flagrante”, deve-se entender que esta não será apenas formalizada através do auto, pois qualquer do povo pode prender e encaminhar à delegacia o autor de uma infração de menor potencial ofensivo, até pelo fato de que tipicidade existe e o leigo não é obrigado a conhecer qual infração é sujeita às medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95, e qual não é. Por outro lado, convém mencionar a inviabilidade total de se prender em flagrante o usuário de drogas, conforme prevê o art. 48, § 2.o, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

8.2.1   Flagrante facultativo e flagrante obrigatório

Conferiu a lei a possibilidade de qualquer pessoa do povo – inclusive a vítima do crime – prender aquele que for encontrado em flagrante delito, num autêntico exercício de cidadania, em nome do cumprimento das leis do país (art. 301, CPP). É o flagrante facultativo.

Quanto às autoridades policiais e seus agentes (Polícia Militar ou Civil), impôs o dever de efetivá-la, sob pena de responder criminal e funcionalmente pelo seu descaso. E deve fazê-lo durante as 24 horas do dia, quando possível. Cuida-se do flagrante obrigatório.

Quando qualquer pessoa do povo prende alguém em flagrante, está agindo sob a excludente de ilicitude denominada exercício regular de direito (art. 23, III, CP); quando a prisão for realizada por policial, trata-se de estrito cumprimento de dever legal (art. 23, III, CP).

Existem algumas exceções constitucionais ou legais à realização da prisão em flagrante, pois há pessoas que, em razão do cargo ou da função exercida, não podem ser presas dessa forma ou somente dentro de limitadas opções.

É o que ocorre nos seguintes casos: a) diplomatas, que não são submetidos à prisão em flagrante, por força de convenção internacional, assegurando-lhes imunidade; b) parlamentares federais e estaduais, que somente podem ser detidos em flagrante de crime inafiançável e, ainda assim, devem, logo após a lavratura do auto, ser imediatamente encaminhados à sua respectiva Casa Legislativa; c) magistrados e membros do Ministério Público, que somente podem ser presos em flagrante de crime inafiançável, sendo que, após a lavratura do auto, devem ser apresentados, respectivamente, ao Presidente do Tribunal ou ao Procurador-Geral de Justiça ou da República, conforme o caso; d) Presidente da República, cumprindo-se o estabelecido no art. 86, § 3.o, da Constituição Federal (“enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão”).

image   PONTO RELEVANTE PARA DEBATE

A prisão em flagrante nos crimes de ação privada ou pública condicionada

Na realidade, pode haver a prisão em flagrante, desde que haja, no ato de formalização do auto, se a vítima estiver presente, autorização desta. Não há cabimento, no entanto, na realização da medida constritiva, se o ofendido não confere legitimidade à concretização da prisão, até porque não será possível, em seguida, lavrar o auto.

Mas, a solução, nesse caso, não deve ser rígida. Caso a vítima não esteja presente – ou seja incapaz de dar o seu consentimento – lavra-se a prisão e busca-se colher a manifestação do ofendido para efeito de lavratura do auto de prisão em flagrante. Ensina TALES CASTELO BRANCO que a solução oferecida por BASILEU GARCIA é a mais adequada, ou seja, realiza-se a prisão do autor do delito, tomando-se o cuidado de provocar a manifestação da vítima ou de seu representante legal, antes da lavratura do auto. Não havendo concordância o preso será restituído à liberdade. E completa: “Seria muito iníquo não admitir, por simples amor ao formalismo, que o estuprador de uma criança não pudesse ser capturado sem a presença de seu representante legal. Justifica-se a captura, porém, a lavratura do auto de prisão em flagrante só ocorrerá se a vítima ou seu representante legal demonstrar o seu interesse nesse sentido, dentro do prazo improrrogável de vinte e quatro horas, que é aquele destinado para o encerramento da peça coativa, uma vez que, nesse lapso temporal, o autuado já deverá ter recebido a Nota de Culpa. Para a autuação basta a manifestação inequívoca da vítima ou de seu representante legal, não sendo necessária, ainda, a representação ou a queixa. Entretanto, se no prazo de vinte e quatro horas (prazo estabelecido para a entrega da Nota de Culpa) o flagrante não estiver lavrado, impõe-se a soltura do preso. Essa soltura não impede, pelo contrário, aconselha, que a autoridade competente elabore minucioso Boletim de Ocorrência, ou, mesmo, ouça, cautelosamente e com a discrição recomendável, as partes envolvidas, documentando o acontecimento, na expectativa da manifestação dos interessados. Se houver manifestação positiva, e lavrando-se o auto respectivo, o processo (com a denúncia, após a representação, ou a queixa) deverá ser instaurado no prazo de cinco dias, sob pena de não se justificar a manutenção do confinamento, pois não seria cabível admitir que a prisão pudesse ser mantida durante os seis meses que a vítima tem para iniciar a ação penal” (Da prisão em flagrante, p. 64-65).

Não se exige que o ofendido, em crime de ação privada, manifeste seu intento de maneira expressa e sacramentada para que a prisão em flagrante seja devidamente realizada. Basta a sua aquiescência, ainda que informal.

8.2.2   Flagrante próprio ou perfeito

É constituído das hipóteses descritas nos incisos I e II do art. 302 do Código de Processo Penal. Ocorre, pois, quando o agente está em pleno desenvolvimento dos atos executórios da infração penal (inciso I). Nessa situação, havendo a intervenção de alguém, impede-se o prosseguimento da execução, redundando, muitas vezes, em tentativa. Mas, não é raro que, no caso de crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, a efetivação da prisão ocorra para impedir, apenas, o prosseguimento do delito já consumado.

Pode ainda dar-se quando o agente terminou de concluir a prática da infração penal, ficando evidente a materialidade do crime e da autoria (inciso II). Embora consumado o delito, não se desligou o agente da cena, podendo, por isso, ser preso. A esta hipótese não se subsume o autor que consegue afastar-se da vítima e do lugar do delito, sem que tenha sido detido.

8.2.3   Flagrante impróprio ou imperfeito

Ocorre quando o agente conclui a infração penal – ou é interrompido pela chegada de terceiros – mas sem ser preso no local do delito, pois consegue fugir, fazendo com que haja perseguição por parte da polícia, da vítima ou de qualquer pessoa do povo.

Note-se que a lei faz uso da expressão “em situação que faça presumir ser autor da infração” (inciso III do art. 302), demonstrando, com isso, a impropriedade do flagrante, já que não foi surpreendido em plena cena do crime. Mas, é razoável a autorização legal para a realização da prisão, pois a evidência da autoria e da materialidade mantém-se, fazendo com que não se tenha dúvida a seu respeito. Exemplo disso é o do agente que, dando vários tiros na vítima, sai da casa desta com a arma na mão, sendo perseguido por vizinhos do ofendido. Não foi detido no exato instante em que terminou de dar os disparos, mas a situação é tão clara, que autoriza a perseguição e prisão do autor. A hipótese é denominada pela doutrina de quase flagrante.

Evitando-se conferir larga extensão à situação imprópria de flagrante, para que não se autorize a perseguição de pessoas simplesmente suspeitas, mas contra as quais não há certeza alguma da autoria, utilizou a lei a expressão logo após, querendo demonstrar que a perseguição deve iniciar-se em ato contínuo à execução do delito, sem intervalos longos, demonstrativos da falta de pistas. Nas palavras de ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “a perseguição há que ser imediata e ininterrupta, não restando ao indigitado autor do delito qualquer momento de tranquilidade” (As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 101). Acrescentam SAMPAIO JÚNIOR e CALDAS NETO: “a situação de perseguição deve, pois, ser compreendida como a tomada de todas as diligências que sejam necessárias para traçar um roteiro da fuga do suposto autor do ilícito e o encampar material das diligências para efetuar sua prisão, se o caso estiver fora dos limites circunscricionais da esfera da atuação da autoridade policial do local do fato” (Manual de prisão e soltura sob a ótica constitucional, p. 120).

Eis porque é ilegal a prisão de alguém que consegue ficar escondido, sem que sua identidade seja conhecida, por horas seguidas, até que a polícia, investigando, consiga chegar a ele. Utiliza-se, como norma de apoio, para a interpretação desta, o disposto no art. 290, § 1.o, a e b, do Código de Processo Penal (ser o agente avistado e perseguido em seguida à prática do delito, sem interrupção, ainda que se possa perdê-lo de vista por momentos, bem como se ficar sabendo, por indícios ou informações confiáveis, que o autor passou, há pouco tempo, em determinado local, dirigindo-se a outro, sendo, então, perseguido). No mais, cabe ao bom senso de cada magistrado, ao tomar conhecimento da prisão em flagrante impróprio, no caso concreto, avaliar se realmente seguiu-se o contido na expressão “logo após”.

A perseguição, por sua vez, pode demorar horas ou dias, desde que tenha tido início logo após a prática do crime.

8.2.4   Flagrante presumido

Não deixa essa hipótese de ser igualmente uma modalidade de flagrante impróprio ou imperfeito. Constitui-se na situação do agente que, logo depois da prática do crime, embora não tenha sido perseguido, é encontrado portando instrumentos, armas, objetos ou papéis que demonstrem, por presunção, ser ele o autor da infração penal (inciso IV do art. 302 do CPP). É o que comumente ocorre nos crimes patrimoniais, quando a vítima comunica à polícia a ocorrência de um roubo e a viatura sai pelas ruas do bairro à procura do carro subtraído, por exemplo. Visualiza o autor do crime algumas horas depois, em poder do veículo, dando-lhe voz de prisão.

Também neste contexto não se pode conferir à expressão “logo depois” uma larga extensão, sob pena de se frustrar o conteúdo da prisão em flagrante. Trata-se de uma situação de imediatidade, que não comporta mais do que algumas horas para findar-se. O bom senso da autoridade – policial e judiciária –, em suma, terminará por determinar se é caso de prisão em flagrante. Convém registrar a posição de ROBERTO DELMANTO JUNIOR, conferindo a este caso uma interpretação ainda mais restrita que a do inciso anterior: “É que, devido à maior fragilidade probatória, a expressão ‘logo depois’ do inciso IV deve ser interpretada, ao contrário do que foi acima afirmado, de forma ainda mais restritiva do que a expressão ‘logo após’ do inciso III. Em outras palavras, se o indigitado autor está sendo ininterruptamente perseguido, desde o momento da suposta prática do delito, aí sim admitir-se-ia elastério temporal maior” (As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 105).

As diligências eventuais e casuais feitas pela polícia não podem ser consideradas para efeito de consolidar a prisão em flagrante. Muitas vezes, sem ter havido perseguição alguma, após a ocorrência de um delito, a polícia começa uma investigação e, por acaso, chega à residência de alguém que, de fato, tomou parte no crime. Não cabe, nessa hipótese, a prisão em flagrante, ainda que se argumente ser o caso do flagrante presumido, pois encontrada a pessoa com instrumentos ou armas usadas no cometimento da infração penal.

Convém citar a lembrança trazida por TALES CASTELO BRANCO, a respeito de voto consagrado do Desembargador Costa Manso: “Não se pode encampar, sob o nome de flagrante, diligências policiais mais ou menos felizes, que venham, porventura, a descobrir e prender, com alguma presteza, indigitados autores de crimes. É preciso não confundir os efeitos probatórios que possam resultar de tais diligências, quanto ao mérito da ação, e as consequências processuais, rigorosíssimas, decorrentes da flagrância, em si mesma considerada. Pois que esta, nos crimes inafiançáveis, sujeita o acusado à prisão, contemporaneamente ao delito. (...) A flagrância, em qualquer de suas formas, por isso mesmo que se apoia na imediata sucessão dos fatos, não comporta, dentro da relatividade dos juízos humanos, dúvidas sérias quanto à autoria. Daí a grande prudência com que se deve haver a justiça, em não confundi-la com diligências policiais, post delictum, cujo valor probante, por mais forte que pareça não se encadeie em elos objetivos, que entrelacem, indissoluvelmente, no tempo e no espaço, a prisão e a ‘atualidade ainda palpitante do crime’” (Da prisão em flagrante, p. 54).

Por outro lado, o bloqueio feito em via pública ou estrada por policiais em atuação fiscalizatória (poder de polícia do Estado) pode validar uma hipótese de flagrante presumido, caso seja encontrado alguém em procedimento de fuga ou trazendo consigo objeto ou instrumento do crime, recém-praticado, cabendo, então, a prisão em flagrante. Confira-se exemplo dado por MAURÍCIO HENRIQUE GUIMARÃES PEREIRA sobre bloqueio feito em estrada, onde se encontra pessoa autora recente de crime: “A situação de quem é bloqueado em estrada não é de perseguido em relação a quem executa o bloqueio, mas em relação a quem o vem efetivamente perseguindo e o alcança pelo atraso provocado pelo bloqueio, o que não impede que possa estar em estado de flagrante delito ficto – hipótese do inc. IV – para quem executa o bloqueio” (Habeas corpus e polícia judiciária, p. 228). Logo, poderá ser preso em flagrante tanto na hipótese do inciso III como na do inciso IV do art. 302, respeitada a relação de imediatidade entre a ocorrência da infração e a prisão efetivada.

8.2.5   Flagrante preparado ou provocado

Trata-se de um arremedo de flagrante, ocorrendo quando um agente provocador induz ou instiga alguém a cometer uma infração penal, somente para assim poder prendê-lo. Trata-se de crime impossível (art. 17, CP), pois inviável a sua consumação. Ao mesmo tempo em que o provocador leva o provocado ao cometimento do delito, age em sentido oposto para evitar o resultado. Estando totalmente na mão do provocador, não há viabilidade para a constituição do crime.

Disciplina o tema a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. É certo que esse preceito menciona apenas a polícia, mas nada impede que o particular também provoque a ocorrência de um flagrante somente para prender alguém. A armadilha é a mesma, de modo que o delito não tem possibilidade de se consumar. Ex.: policial disfarçado, com inúmeros outros igualmente camuflados, exibe relógio de alto valor na via pública, aguardando que alguém tente assaltá-lo. Apontada a arma para a pessoa que serve de isca, os demais policiais prendem o agente. Inexiste crime, pois impossível sua consumação.

Há certos casos em que a polícia se vale do agente provocador, induzindo ou instigando o autor a praticar determinada ação, mas somente para descobrir a real autoria e materialidade de um crime. Assim sendo, não se dá voz de prisão por conta do eventual delito preparado e, sim, pelo outro, descoberto em razão deste.

É o que ocorre nos casos de tráfico ilícito de entorpecentes. Ilustrando, o art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, possui dezoito formas alternativas de conduta. Assim, caso o policial se passe por viciado, com o fim de comprar drogas, o traficante ao ser detido, no ato da venda, não será autuado por vender, mas porque trazia consigo ou tinha em depósito substância entorpecente. Afinal, as condutas anteriores configuram crime permanente. Cuida-se de hipótese validada pela jurisprudência. Acrescente-se interessante colocação de MAURÍCIO HENRIQUE GUIMARÃES PEREIRA: “Na gíria policial, a conduta do policial que se faz passar por viciado, perante traficante, para seduzi-lo a exibir o entorpecente que guarda, é conhecida por ‘descolar entorpecente’, o que deixa certo que a substância preexiste à ação policial, mas em lugar incerto, pelo que o estado flagrancial revelado por essa conduta, para extremá-lo do flagrante provocado, pode ser nominado de ‘flagrante comprovado’” (Habeas corpus e polícia judiciária, p. 230).

8.2.6   Flagrante forjado

Trata-se de um flagrante totalmente artificial, pois integralmente composto por terceiros. É fato atípico, tendo em vista que a pessoa presa jamais pensou ou agiu para compor qualquer trecho da infração penal. Imagine-se a hipótese de alguém colocar no veículo de outrem certa porção de entorpecente, para, abordando-o depois, conseguir dar voz de prisão em flagrante por transportar ou trazer consigo a droga. A mantença do entorpecente no automóvel decorreu de ato involuntário do motorista, motivo pelo qual não pode ser considerada conduta penalmente relevante.

8.2.7   Flagrante esperado

Essa é uma hipótese viável para autorizar a prisão em flagrante e a constituição válida do crime. Não há agente provocador, mas simplesmente chega à polícia a notícia de que um crime será, em breve, cometido. Deslocando agentes para o local, aguarda-se a sua ocorrência, que pode ou não se dar da forma como a notícia foi transmitida. Logo, é viável a sua consumação, pois a polícia não detém certeza absoluta quanto ao local, nem tampouco controla a ação do agente criminoso. Poderá haver delito consumado ou tentado, conforme o caso, sendo válida a prisão em flagrante, se efetivamente o fato ocorrer.

Eventualmente, é possível que uma hipótese de flagrante esperado transforme-se em crime impossível. Ilustrando: caso a polícia obtenha a notícia de que um delito vai ser cometido em algum lugar e consiga armar um esquema tático infalível de proteção ao bem jurídico, de modo a não permitir a consumação da infração de modo nenhum, trata-se de tentativa inútil e não punível, tal como prevista no art. 17 do Código Penal.

8.2.8   Flagrante diferido ou retardado

É a possibilidade que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores dados e informações a respeito do funcionamento, dos componentes e da atuação de uma organização criminosa. Veja-se o disposto nos arts. 3.o e 8.o da Lei 12.850/2013: “Art. 3.o Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: (...) III – ação controlada (...). Art. 8.o Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. (...)”.

Outro exemplo encontra-se no art. 53, II, da Lei 11.343/2006: “a não atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”.

8.2.9   Flagrante nos crimes permanentes e habituais

Crimes permanentes são aqueles que se consumam com uma única ação, mas o resultado tem a potencialidade de se arrastar por largo período, continuando o processo de consumação da infração penal. Portanto, aquele que sequestra determinada pessoa, enquanto a detiver em seu poder, cerceando sua liberdade, está em franca execução do crime. O delito consumou-se no momento da privação da liberdade, arrastando esse estado na linha do tempo, pois continua a ferir o bem jurídico protegido. Logicamente, por uma questão de bom senso, cabe prisão em flagrante a qualquer momento (art. 303, CPP).

Crimes habituais são aqueles cuja consumação se dá através da prática de várias condutas, em sequência, de modo a evidenciar um comportamento, um estilo de vida do agente, que é indesejável pela sociedade, motivo pelo qual foi objeto de previsão legal. Uma única ação é irrelevante para o Direito Penal e somente o conjunto se torna figura típica, o que é fruto da avaliação subjetiva do juiz, dependente das provas colhidas, para haver condenação.

Logo, inexiste precisão para determinar ou justificar o momento do flagrante, tornando inviável a prisão. Diversamente, o crime permanente, com o qual é frequentemente confundido – a ponto de alguns sustentarem que existe crime habitual permanente –, consuma-se em uma única conduta, capaz de determinar o resultado, sendo que este se arrasta sozinho, sem a interferência do agente, que se omite.

Note-se o que ocorre com a pessoa que possui em depósito substância entorpecente: primeiramente, o agente coloca a droga em sua casa (ação). A partir daí, o resultado (ter em depósito) arrasta-se por si mesmo, sem novas ações do autor (omissão). Essa situação fática é completamente distinta daquela configuradora do delito habitual. Este, diferentemente do permanente, não é capaz de gerar estado de flagrância, até porque a reiteração de atos é justamente a construtora da sua tipicidade, não se tratando de prolongamento da consumação.

Tratamos do tema, minuciosamente, em nosso Código Penal comentado, no contexto da classificação dos crimes (nota 5, i, ao Título II da Parte Geral) e cuidando, especificamente, do delito previsto no art. 229 (nota 37). Embora seja matéria controvertida na doutrina e na jurisprudência, preferimos acompanhar os magistérios de FREDERICO MARQUES (Elementos de direito processual penal, v. 4, p. 89), TOURINHO FILHO (Código de Processo Penal comentado, v. 1, p. 530) e TALES CASTELO BRANCO (Da prisão em flagrante, p. 71), não admitindo a hipótese de prisão em flagrante, sob pena de aceitarmos a ocorrência de detenções injustificadas e indevidas.

8.2.10 Formalidades para a lavratura do auto de prisão em flagrante

Preceitua o art. 304 do Código de Processo Penal que, apresentado o preso à autoridade competente (como regra, é a autoridade policial) ouvirá esta o condutor e as testemunhas que o acompanharem, bem como interrogará o indiciado a respeito da imputação, lavrando-se auto por todos assinado. Há possibilidade legal de ser o auto lavrado pela autoridade judiciária ou mesmo por um parlamentar, como demonstra a Súmula 397 do Supremo Tribunal Federal (“O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito”).

A Lei 11.113/2005 introduziu uma modificação na redação do caput e do § 3.o do art. 304 do CPP, permitindo que o condutor, após ser ouvido e ter assinado o auto, recebendo cópia do recibo de entrega do preso, possa deixar o local. Na sequência, serão ouvidas as testemunhas e o indiciado, dispensando-se cada um que já tiver prestado seu depoimento. O objetivo da lei é prático: voltou-se à liberação dos policiais que tiverem dado voz de prisão ao autor do crime (o que é comum), na medida em que finalizarem suas declarações. Antes, os policiais e outras testemunhas precisavam assinar o auto de prisão em flagrante somente ao final da sua lavratura, que pode levar muitas horas; atualmente, conforme forem ouvidos, podem deixar o recinto, não necessitando aguardar o término de todas as inquirições para seguir nos seus afazeres.

O condutor é a pessoa (autoridade ou não) que deu voz de prisão ao agente do fato criminoso. Quanto às testemunhas, utiliza a lei o termo no plural, dando indicação de ser preciso mais que uma para a formalização do flagrante. Entretanto, atualmente, admite-se que o condutor – tendo ele também acompanhado o fato – possa ser admitido no contexto como testemunha. Assim, é preciso haver, pelo menos, o condutor e mais uma testemunha. Por outro lado, convém frisar ser o ideal que as testemunhas se refiram ao fato criminoso relacionado à prisão, porém é possível a admissão de pessoas que tenham apenas presenciado o momento da detenção. Um crime ocorrido no interior de uma residência, por exemplo, onde estavam somente agente e vítima, sem testemunhas, pode comportar flagrante. Nessa hipótese, as testemunhas a ouvir referem-se somente ao momento da prisão.

O interrogatório do indiciado não é obrigatório, uma vez que a Constituição Federal assegura o direito ao silêncio (art. 5.o, LXIII). Entretanto, querendo prestar declarações, elas serão colhidas nos termos preceituados pelos arts. 185 a 196 do Código de Processo Penal, com as adaptações necessárias (por exemplo: tratando-se de flagrante, fase do inquérito policial, que é inquisitivo, não há sentido em seguir o disposto no art. 188 do CPP, que permite perguntas às partes – promotor e defensor).

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A efetividade do direito ao silêncio em face da prisão em flagrante

O texto constitucional preceitua que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (...)” (art. 5.o, LXIII, CF). Indiscutivelmente, no momento da formalização da prisão, na delegacia de polícia, lavrando-se o auto, deve a autoridade policial informar o indiciado de seu direito ao silêncio. Ocorre que, antes disso, realizou-se a captura e a real detenção do sujeito, quando agentes policiais (ou quaisquer do povo) deram voz de prisão, cerceando a liberdade individual. Neste momento, ao contrário do que se dá em outros países, a polícia brasileira não está habituada a recitar ao preso os seus direitos constitucionais, dentre os quais o de que pode permanecer calado, afinal, tudo o que disser pode ser usado contra os interesses da defesa. Lembremos que as declarações do preso, ouvidas pelos policiais, no exato instante em que há o cerceamento à liberdade, podem transformar-se em prova testemunhal, quando aqueles policiais serão inquiridos em juízo, narrando, então, que o réu teria “confessado” a autoria do delito.

Ora, confissão alguma houve, pois policiais não estão autorizados a colher essa modalidade de declaração. Por isso, se não for garantido ao preso, no momento da efetivação da prisão, o direito ao silêncio, a garantia constitucional ficará esvaziada, dando ensejo a prejuízos irreversíveis ao acusado.

Nesse prisma, MARTA SAAD ensina que “a prisão em flagrante, enquanto captura, é diversa da formalização que se segue, por meio do auto de prisão em flagrante delito. E, por isso, deve-se entender que o preso deve ser assim considerado desde o momento da captura, e não apenas da formalização do auto de prisão, sendo-lhe assegurados, desde logo, todos os direitos constitucionalmente assegurados, entre eles o direito ao silêncio” (Direito ao silêncio na prisão em flagrante. Prado, Geraldo (coord.), Processo penal e democracia, p. 435).

A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. Nas 24 horas seguintes à prisão, o auto de prisão em flagrante será encaminhado ao juiz competente acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será encaminhada cópia integral para a Defensoria Pública. O preso receberá, no mesmo prazo, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas.

Por vezes, não é só a invocação do direito ao silêncio que obstaculiza a realização do interrogatório, uma vez que outras situações impeditivas podem ocorrer. Ilustrando: o indiciado pode estar hospitalizado, porque trocou tiros com a polícia e não está em condições de depor.

O indiciado menor de 21 anos não mais precisa ser ouvido com a presença de um curador. O Código Civil estipula que o maior de 18 anos é plenamente capaz para todos os atos da vida civil, razão pela qual pode ser considerado apto a prestar depoimento sem a assistência de qualquer pessoa. Ademais, a Lei 10.792/2003 revogou expressamente o art. 194 do CPP, que exigia a presença de curador para o interrogatório judicial de réu menor de 21 anos.

Registre-se ser a prisão em flagrante uma exceção à regra da necessidade de existência de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária para a detenção de alguém. Por isso, é preciso respeitar, fielmente, os requisitos formais para a lavratura do auto, que está substituindo o mandado de prisão expedido pelo juiz. Assim, a ordem de inquirição deve ser exatamente a exposta no art. 304 do CPP: o condutor, em primeiro lugar; as testemunhas, em seguida, e, por último, o indiciado. A inversão dessa ordem deve acarretar o relaxamento da prisão, apurando-se a responsabilidade da autoridade.

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O relaxamento da prisão em flagrante promovido pela autoridade policial

A norma processual penal (art. 304, § 1.o, CPP) não está bem redigida, a nosso ver. Não é crível que a autoridade policial comece, formalmente, a lavratura do auto de prisão em flagrante, sem certificar-se, antes, pela narrativa oral do condutor, das testemunhas presentes e até mesmo do preso, de que houve, realmente, flagrante por um fato típico.

Assim, quando se inteira do que houve e acreditando haver hipótese de flagrância, inicia a lavratura do auto. Excepcionalmente, no entanto, pode ocorrer a situação descrita no § 1.o do art. 304, isto é, conforme o auto de prisão em flagrante desenvolve-se, com a colheita formal dos depoimentos, observa a autoridade policial que a pessoa presa não é, aparentemente, culpada.

Afastada a autoria, tendo sido constatado o erro, não recolhe o sujeito, determinando sua soltura. É a excepcional hipótese de se admitir que a autoridade policial relaxe a prisão. Ao proceder desse modo, pode deixar de dar voz de prisão ao condutor, porque este também pode ter-se equivocado, sem a intenção de realizar prisão ilegal.

Instaura-se, apenas, inquérito para apurar, com maiores minúcias, todas as circunstâncias da prisão. Note-se que isso se dá no tocante à avaliação da autoria, mas não quando a autoridade policial percebe ter havido alguma excludente de ilicitude ou de culpabilidade, pois cabe ao juiz proceder a essa análise. MAURÍCIO HENRIQUE GUIMARÃES PEREIRA explica que “o Delegado de Polícia pode e deve relaxar a prisão em flagrante, com fulcro no art. 304, § 1.o, interpretado a contrario sensu, correspondente ao primeiro contraste de legalidade obrigatório” quando não estiverem presentes algumas condições somente passíveis de verificação ao final da formalização do auto, como, por exemplo, o convencimento, pela prova testemunhal colhida, de que o preso não é o autor do delito; ou, ainda, quando chega à conclusão de que o fato é atípico (Habeas corpus e polícia judiciária, p. 233-234). No mesmo prisma, ROBERTO DELMANTO JUNIOR, citando CÂMARA LEAL, menciona que “se as provas forem falhas, não justificando fundada suspeita de culpabilidade, a autoridade, depois da lavratura do auto de prisão em flagrante, fará pôr o preso em liberdade” (As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 121).

Acrescentamos, ainda, o importante aspecto relativo à constatação da tipicidade, que inspira a autoridade policial a lavrar o auto de prisão em flagrante. Prevalece, hoje, o entendimento doutrinário e jurisprudencial de ser admissível o uso do princípio da insignificância, como meio para afastar a tipicidade. Ora, se o delegado é o primeiro juiz do fato típico, sendo bacharel em Direito, concursado, tem perfeita autonomia para deixar de lavrar a prisão em flagrante se constatar a insignificância do fato. Ou, se já deu início à lavratura do auto, pode deixar de recolher ao cárcere o detido. Lavra a ocorrência, enviando ao juiz e ao Ministério Público para a avaliação final, acerca da existência – ou não – da tipicidade.

Evidencia-se, pela menção feita no art. 304, § 1.o, do CPP (“e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo”), de que o auto de prisão em flagrante é peça hábil a dar início ao inquérito policial, substituindo a portaria do delegado. Destarte, terminada a sua lavratura, continuam as investigações. Se o indiciado for mantido preso pelo juiz, ao tomar conhecimento do auto, deve ser o inquérito concluído em 10 dias; do contrário, sendo colocado em liberdade, o prazo aumenta para 30 dias, podendo ser prorrogado (art. 10, CPP). A referência feita a processo não está mais em vigor, pois representava a época em que a autoridade policial – nas contravenções penais, por exemplo – podia iniciar o processo diretamente na delegacia.

A referência à remessa dos autos à autoridade competente (art. 304, § 1.o, CPP), quando for o caso, é a mostra de que o auto de prisão em flagrante pode ser lavrado por autoridade distante do lugar onde o crime foi praticado. É ato administrativo, não se submetendo, rigidamente, aos princípios que regem a competência. Pode, por exemplo, ter havido longa perseguição e o indiciado ter sido preso em Estado diverso de onde se originou o crime. A autoridade do lugar da prisão lavrará o auto, remetendo-o para a outra, competente para a investigação e apuração do fato.

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A apresentação espontânea do autor do delito à autoridade policial e a prisão em flagrante

Cremos que pode evitar a consolidação da prisão em flagrante, por ausência dos requisitos do art. 302 do CPP, bem como pelo fato do agente ter manifestado a nítida intenção de colaborar com a apuração do fato e sua autoria, o que afastaria o periculum in mora.

Por outro lado, não se pode utilizar o artifício da apresentação espontânea unicamente para afastar o dever da autoridade policial de dar voz de prisão em flagrante, com a lavratura do auto, a quem efetivamente merece.

Pensemos no indivíduo que mata, cruelmente, várias pessoas e, logo em seguida, com a roupa manchada de sangue e o revólver na mão, adentra uma delegacia, apresentando-se. Por que não poderia a autoridade dar voz de prisão em flagrante, se o crime acaba de ocorrer e o agente está com a arma utilizada em plena evidência de ser o autor? Além disso, há o clamor popular e o periculum in mora instala-se.

Certamente que, depois, poderá o juiz conceder-lhe liberdade provisória, se entender cabível, levando até em consideração o fato de ter havido apresentação espontânea.

Em posição contrária, sustentando que a apresentação espontânea sempre impede a prisão em flagrante, está o magistério de TALES CASTELO BRANCO: “Não perduram mais dúvidas de que o autor do crime, que acaba de ser cometido, não pode ser preso em flagrante quando de sua apresentação espontânea à autoridade. A conclusão decorre da análise do art. 317 do Código de Processo Penal, que trata da apresentação espontânea do acusado, capitulando-a, separadamente, como modalidade distinta da prisão em flagrante. Tudo indica que o legislador não quis autorizar que a prisão em flagrante tomasse o lugar da prisão preventiva. É como se tivesse escrito: A apresentação espontânea do acusado à autoridade impedirá a decretação da prisão em flagrante. O ponto principal a ser considerado, portanto, não é o estado de flagrância, mas, sim, a espontaneidade da apresentação”. Embora haja a defesa da proibição da prisão, o próprio autor flexibiliza o seu entendimento ao dizer que “não há regras matemáticas para o aferimento dessa espontaneidade, tudo dependendo das variações concretas de cada caso” (Da prisão em flagrante, p. 76). Vale acrescentar que a opinião do referido autor foi proferida quando ainda vigente o art. 317 do CPP (“a apresentação espontânea do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei autoriza”), hoje revogado pela Lei 12.403/2011.

Concordamos, pois, com a impossibilidade de estabelecer regras rígidas para essa situação, razão pela qual preferimos sustentar que a prisão em flagrante de quem se apresenta espontaneamente pode ser possível, conforme o caso.

8.2.11 Controle jurisdicional da prisão em flagrante

Dentro de 24 horas, a contar da efetivação da prisão, deve-se dar nota de culpa ao preso e enviar os autos da prisão em flagrante ao juiz competente (arts. 306 e 307, CPP).

Esse prazo é improrrogável, pois a prisão, ato constritivo de cerceamento da liberdade, configura um natural constrangimento, motivo pelo qual não se devem admitir concessões. Não se contam as 24 horas a partir do término da lavratura do auto, pois isso ampliaria muito o tempo para que o indiciado ficasse sabendo, formalmente, qual o teor da acusação que o mantém preso. O prazo se inicia quando a prisão se concretiza, ainda fora da delegacia de polícia.

A nota de culpa é o documento informativo oficial, dirigido ao indiciado, comunicando-lhe o motivo de sua prisão, bem como o nome da autoridade que lavrou o auto, da pessoa que o prendeu (condutor) e o das testemunhas do fato. Aliás, é direito constitucional tomar conhecimento dos responsáveis por sua prisão e por seu interrogatório (art. 5.o, LXIV, CF).

Se a nota de culpa não for expedida (ou for expedida fora do prazo), entendemos configurar-se ato abusivo do Estado, proporcionando o relaxamento da prisão em flagrante, bem como medidas penais – abuso de autoridade, se for o caso, havendo dolo – e administrativas contra a autoridade policial. Há quem sustente que a não expedição da nota de culpa pode implicar responsabilidade da autoridade, mas não afetaria a prisão em flagrante realizada. Com isso não podemos aquiescer, já que essa modalidade de prisão, sem o prévio aval do juiz, prescinde do mandado, mas tem uma série de formalidades fundamentais a seguir. Não respeitadas estas, a solução é considerar ilegal a detenção e não simplesmente tomar providência contra o agente do Estado.

É preciso juntar o comprovante de entrega da nota de culpa ao indiciado aos autos do inquérito.

Quando o crime é cometido na presença da autoridade competente para a lavratura do auto de prisão em flagrante – ou mesmo contra esta –, estando ela no exercício das suas funções, não há cabimento em se falar em condutor, ou seja, aquele que leva o preso até a autoridade encarregada da formalização da prisão. Por isso, dada a voz de prisão, o auto se faz com menção a essa circunstância, ouvindo-se as testemunhas e o indiciado (é preciso manter essa ordem, ainda que, da leitura do art. 307 do CPP, possa-se crer deva o indiciado falar antes das testemunhas). Em seguida, segue-se o procedimento normal, enviando-se o auto ao juiz. Se quem lavrou o auto foi o próprio magistrado – o que não é aconselhável fazer – logicamente ele mesmo já conferiu legalidade à prisão. Se houver algum questionamento, deve ser feito por habeas corpus, diretamente ao tribunal.

Registremos ser a remessa dos autos da prisão em flagrante à autoridade judiciária competente, antes de tudo, uma imposição constitucional, pois somente o juiz pode averiguar a legalidade da prisão, tendo o dever de relaxá-la, se for considerada ilegal (art. 5.o, LXV, CF).

Ao avaliar a prisão em flagrante, é preciso que o magistrado fundamente a decisão de sua manutenção e, igualmente, o faça se resolver colocar o indiciado em liberdade provisória, com ou sem fiança. Nessa ótica, está a lição de ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO: “Daí a indispensável exigência de que essa decisão seja integralmente justificada: quanto à legalidade, devem ser explicitadas as razões pelas quais se entende válido o flagrante; quanto à necessidade, nos mesmos moldes em que tal dever é imposto em relação ao provimento em que se decreta uma prisão preventiva” (A motivação das decisões penais, p. 227).

Se não houver autoridade policial no lugar onde a prisão efetivou-se, o preso deve ser apresentado à do local mais próximo (art. 308, CPP).

8.3   Prisão preventiva

Trata-se de uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei. No ensinamento de FREDERICO MARQUES, possui quatro pressupostos: a) natureza da infração (alguns delitos não a admitem, como ocorre com os delitos culposos); b) probabilidade de condenação (fumus boni juris, ou seja, “fumaça do bom direito”); c) perigo na demora (periculum in mora); e d) controle jurisdicional prévio (Elementos de direito processual penal, v. 4, p. 58).

8.3.1   Momento da decretação e período de duração

Conforme dispõe o art. 311 do Código de Processo Penal, ela pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, em razão de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou mediante representação da autoridade policial. O juiz pode decretá-la, de ofício, desde que no curso da ação penal.

A Lei 12.403/2011 trouxe relevante novidade para a legitimidade ativa do requerimento da prisão preventiva, permitindo que a vítima do crime, por meio do assistente de acusação, o faça. Cuida-se da ampliação da participação do ofendido no processo penal, não somente para assegurar eventual indenização civil, mas também para promover o andamento e o deslinde da causa, conforme seus anseios de justiça.

É rara a decretação da prisão preventiva durante a fase da investigação policial, sendo por vezes incompreensível que o juiz o faça, pois atualmente existe, como medida cautelar mais adequada, a prisão temporária, indicada justamente para os crimes mais graves, que estariam a demandar a segregação cautelar do investigado.

Se não cabe, por exemplo, prisão temporária para o caso de incêndio, porque a Lei 7.960/89 não o arrola dentre os delitos que comportam a medida (art. 1.o, III), teria sentido decretar a prisão preventiva? Somente em caráter excepcional, como poderia ocorrer se estivéssemos cuidando de indiciado com inúmeros antecedentes e imputação da prática de vários crimes contra a incolumidade pública, não merecedor da liberdade, pois coloca em risco a ordem pública. Mas, essa situação, repita-se, é incomum, de modo que a preventiva se tornou escassa durante a fase do inquérito.

A instrução criminal, período que, como regra, comporta a decretação da prisão preventiva, segue do ajuizamento da ação penal, com o recebimento da denúncia ou da queixa, até o término da coleta das provas (arts. 402, 411, § 2.o, e 533, CPP), no procedimento comum e no procedimento do júri. Em qualquer fase posterior, a hipótese é excepcional (ex.: enquanto se aguarda o julgamento a ser realizado em plenário do Tribunal do Júri).

Inexiste, em lei, um prazo determinado para sua duração, como ocorre, ao contrário, com a prisão temporária. A regra é que perdure, até quando seja necessário, durante a instrução, não podendo, é lógico, ultrapassar eventual decisão absolutória – que faz cessar os motivos determinantes de sua decretação – bem como o trânsito em julgado de decisão condenatória, pois, a partir desse ponto, está-se diante de prisão-pena.

Torna-se muito importante, entretanto, respeitar a razoabilidade de sua duração, não podendo transpor os limites do bom senso e da necessidade efetiva para a instrução do feito. Passamos a defender a existência do princípio constitucional implícito, inerente à atuação do Estado, consistente na duração razoável da prisão cautelar (consultar o subitem 3.3.4 do Capítulo IV).

A prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo esta se prolongar indefinidamente, por culpa do juiz ou por atos procrastinatórios do órgão acusatório. Se assim acontecer, configura constrangimento ilegal. Por outro lado, dentro da razoabilidade, havendo necessidade, não se deve estipular um prazo fixo para o término da instrução, como ocorria no passado, mencionando-se como parâmetro o cômputo de 81 dias, que era a simples somatória dos prazos previstos no Código de Processo Penal para que a colheita da prova se encerrasse. Atualmente, outros prazos passaram a ser estabelecidos pelas Leis 11.689/2008 e 11.719/2008, consistentes em 90 dias, para a conclusão da formação da culpa no júri (art. 412, CPP) ou 60 dias, para a designação da audiência de instrução e julgamento no procedimento ordinário (art. 400, caput, CPP), ou ainda de 30 dias, para a designação de audiência de instrução e julgamento no procedimento sumário (art. 531, CPP).

A Lei 12.850/2013, em seu art. 22, parágrafo único, mencionou que “a instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu”.

A despeito de todos esses prazos para a conclusão da instrução, defendemos uma interpretação lógico-sistemática. Por isso, deve-se seguir o princípio geral da razoabilidade, hoje adotado pela maioria dos tribunais brasileiros, vale dizer, sem prazo fixo para o término da instrução.

Na realidade, os prazos estabelecidos para a conclusão dos atos de instrução são impróprios, vale dizer, não há sanção alguma se forem descumpridos. Porém, isso não significa que ultrapassá-los, sem motivo razoável, possa manter o acusado preso indefinidamente.

Em outros termos, deve-se terminar, em nível ideal, a instrução nos prazos fixados em lei. Porém, havendo fundamento para que tal não se dê, admite-se a prorrogação e, existindo prisão cautelar, adota-se o princípio da razoabilidade. Além disso, deve-se respeitar a proporcionalidade, critério correlato, para que o tempo de segregação provisória não se torne o indevido cumprimento antecipado da pena.

Cada caso concreto deve ser, isoladamente, analisado. Não se pode ter uma padronização.

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A justa medida da razoabilidade e da proporcionalidade na prática

Razoável é a prisão cautelar cujo tempo de duração é o menor possível em face dos concretos elementos extraídos do processo, a saber: a) complexidade da causa (delito único, porém intrincado e repleto de ramificações; vários crimes com concurso material ou formal); b) número de réus (quanto maior o número, mais defensores estão presentes e atuantes, impedindo o célere andamento do feito); c) número de processos em andamento na Vara ou no Tribunal (Varas cumulativas, com feitos criminais e civis, apresentam pauta esgotada para audiências; Varas criminais com número excessivo de processos; Tribunais com longa espera para inserção de processos em pauta de julgamento); d) atuação do juiz (como presidente da instrução, é fundamental ser dinâmico, firme e real condutor dos trabalhos); e) atuação das partes (órgão acusatório e defesa, que atuam nos prazos legais ou procrastinam seus misteres).

A razoabilidade é o extrato desses fatores, devendo ser apurada no caso concreto. Ilustrando, um processo de crime e réu únicos, em Vara sem excesso de processos, deve ter um trâmite célere, seguindo-se os prazos legais, sob pena de gerar constrangimento ilegal no tocante à razoável duração da prisão cautelar. Por outro lado, vários delitos, com inúmeros corréus, em Vara sobrecarregada de feitos, pode provocar extensa duração da prisão provisória, embora nos limites da razoabilidade.

Proporcional é a prisão cautelar cujo período de duração não excede os limites da pena mínima prevista para o delito – e muito menos o máximo – nem tampouco chega a superar prazos relativos à concessão de benefícios de execução penal, a saber: a) avaliação do mínimo e do máximo cominados em abstrato para o crime em apuração no processo; b) análise das condições pessoais do réu (primário ou reincidente; bons ou maus antecedentes etc.); c) potencial aplicação da pena mínima (ou superior ao mínimo); d) verificação dos benefícios relativos à progressão (1/6, 2/5, 3/5, conforme a natureza do delito); e) checagem da potencial concessão de penas alternativas (aplicação de pena privativa de liberdade até 4 anos); f) registro de potencial concessão de sursis (pena privativa de liberdade até 2 anos, como regra); g) exame do eventual regime inicial de cumprimento de pena privativa de liberdade (fechado, semiaberto ou aberto).

A proporcionalidade é o conjunto desses elementos, merecendo consideração no caso concreto. Exemplificando, réu primário, respondendo por roubo simples, sujeito a uma pena mínima potencial de quatro anos, com possível regime aberto ou semiaberto, não deve ser recolhido cautelarmente, pois desproporcional. Nem se deve debater a razoabilidade nesse hipótese. Por outro lado, acusado reincidente, em processo por latrocínio, sujeito a uma pena mínima de 20 anos de reclusão, por delito hediondo, pode remanescer preso provisoriamente por um lapso equivalente a seis meses (somente para exemplificar), sem sentença condenatória, pois proporcional.

Unindo-se os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade tem-se o quadro ideal para controlar a duração da prisão cautelar.

A previsão de decretação da prisão preventiva como ato de ofício do magistrado, logo, sem que qualquer interessado o provoque, é mais uma mostra de que o juiz, no processo penal brasileiro, afasta-se de sua posição de absoluta imparcialidade, invadindo seara alheia, que é a do órgão acusatório, podendo decretar medida cautelar de segregação sem que qualquer das partes, envolvidas no processo, tenha solicitado. Insistimos, pois, que o nosso sistema de processo é misto, ou, como bem definiu Tornaghi, inquisitivo garantista.

A decretação da prisão permite ao indiciado ou réu a impetração de habeas corpus. A negativa em decretá-la, quando requerida pelo Ministério Público ou pelo querelante autoriza o ingresso de recurso em sentido estrito (art. 581, V, CPP). Quando requerida pelo assistente, em caso de indeferimento, não há recurso cabível. Esta é uma falha ainda existente no Código de Processo Penal.

Se houver representação da autoridade policial, negada a preventiva, nada há a fazer, exceto se o Ministério Público concordou com o pleito e, portanto, passou a uma posição de interessado. Se tal se der, cabe-lhe interpor recurso em sentido estrito, como já mencionamos.

8.3.2   Requisitos para a decretação da prisão preventiva

São sempre, no mínimo três: prova da existência do crime (materialidade) + indício suficiente de autoria + uma das situações descritas no art. 312 do CPP, a saber: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem econômica; c) conveniência da instrução criminal; d) garantia de aplicação da lei penal.

A prova da existência do crime é a certeza de que ocorreu uma infração penal, não se podendo determinar o recolhimento cautelar de uma pessoa, presumidamente inocente, quando há séria dúvida quanto à própria existência de evento típico.

Essa prova, no entanto, não precisa ser feita, mormente na fase probatória, de modo definitivo e fundada em laudos periciais. Admite-se que haja a certeza da morte de alguém (no caso do homicídio, por exemplo), porque as testemunhas ouvidas no inquérito assim afirmaram, bem como houve a juntada da certidão de óbito nos autos. O laudo necroscópico posteriormente pode ser apresentado.

O indício suficiente de autoria é a suspeita fundada de que o indiciado ou réu é o autor da infração penal. Não é exigida prova plena da culpa, pois isso é inviável num juízo meramente cautelar, feito, como regra, muito antes do julgamento de mérito.

Cuida-se de assegurar que a pessoa mandada ao cárcere, prematuramente, sem a condenação definitiva, apresente boas razões para ser considerada como agente do delito. Lembremos ser o indício uma prova indireta, como se pode ver do disposto no art. 239 do CPP, permitindo que, através do conhecimento de um fato, o juiz atinja, por indução, o conhecimento de outro de maior amplitude. Portanto, quando surge uma prova de que o suspeito foi encontrado com a arma do crime, sem apresentar versão razoável para isso, trata-se de um indício – não de uma prova plena – de ser o autor da infração penal. A lei utiliza a qualificação suficiente para demonstrar não ser qualquer indício o demonstrador da autoria, mas aquele que se apresente convincente, sólido. Sobre o tema, pronuncia-se ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, afirmando que o indício suficiente é aquele que autoriza “um prognóstico de um julgamento positivo sobre a autoria ou a participação” (A motivação das decisões penais, p. 223).

A garantia da ordem pública é a hipótese de interpretação mais ampla e flexível na avaliação da necessidade da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.

A garantia da ordem pública pode ser visualizada por vários fatores, dentre os quais: gravidade concreta da infração + repercussão social + periculosidade do agente. Um simples estelionato, por exemplo, cometido por pessoa primária, sem antecedentes, não justifica histeria, nem abalo à ordem, mas um latrocínio repercute negativamente no seio social, demonstrando que as pessoas honestas podem ser atingidas, a qualquer tempo, pela perda da vida, diante de um agente interessado no seu patrimônio, elementos geradores, por certo, de intranquilidade.

Note-se, ainda, que a afetação da ordem pública constitui importante ponto para a própria credibilidade do Judiciário, como vêm decidindo os tribunais pátrios. Apura-se o abalo à ordem pública também, mas não somente, pela divulgação que o delito alcança nos meios de comunicação – escrito ou falado. Não se trata de dar crédito único ao sensacionalismo de certos órgãos da imprensa, interessados em vender jornais, revistas ou chamar audiência para seus programas, mas não é menos correto afirmar que o juiz, como outra pessoa qualquer, toma conhecimento dos fatos do dia a dia acompanhando as notícias veiculadas pelos órgãos de comunicação. Por isso, é preciso apenas bom senso para distinguir quando há estardalhaço indevido sobre um determinado crime, inexistindo abalo real à ordem pública, da situação de divulgação real da intranquilidade da população, após o cometimento de grave infração penal.

Outro fator responsável pela repercussão social que a prática de um crime adquire é a periculosidade (probabilidade de tornar a cometer delitos) demonstrada pelo indiciado ou réu e apurada pela análise de seus antecedentes e pela maneira de execução do crime. Assim, é indiscutível que pode ser decretada a prisão preventiva daquele que ostenta, por exemplo, péssimos antecedentes, associando a isso a crueldade particular com que executou o crime.

Em suma, um delito grave – normalmente são todos os que envolvem violência ou grave ameaça à pessoa – associado à repercussão causada em sociedade, gerando intranquilidade, além de se estar diante de pessoa reincidente ou com péssimos antecedentes, provoca um quadro legitimador da prisão preventiva.

Mas não se pode pensar nessa medida exclusivamente com a união necessária do trinômio aventado. Por vezes, pessoa primária, sem qualquer antecedente, pode ter sua preventiva decretada porque cometeu delito muito grave, chocando a opinião pública (ex.: planejar meticulosamente e executar o assassinato dos pais). Logo, a despeito de não apresentar periculosidade (nunca cometeu crime e, com grande probabilidade, não tornará a praticar outras infrações penais), gerou enorme sentimento de repulsa por ferir as regras éticas mínimas de convivência, atentando contra os próprios genitores. A não decretação da prisão pode representar a malfadada sensação de impunidade, incentivadora da violência e da prática de crimes em geral, razão pela qual a medida cautelar pode tornar-se indispensável.

Fator que desautoriza a decretação da preventiva é o argumento de que o agente estará melhor sob a custódia do Estado do que solto nas ruas, onde pode ser objeto da vingança de terceiros, inclusive de parentes da vítima. Cabe ao indiciado ou réu procurar a melhor maneira de se proteger, se for o caso, mas não se pode utilizar a custódia cautelar para esse mister.

Os crimes hediondos e equiparados não devem provocar a automática decretação de prisão preventiva, uma vez que, embora graves, podem ser cometidos por agentes sem periculosidade e não gerar repercussão social.

Outros dois elementos, que vêm sendo considerados pela jurisprudência, atualmente, dizem respeito à particular execução do crime (ex.: premeditados meticulosamente, com percurso criminoso complexo; utilização de extrema crueldade etc.) e ao envolvimento com organização criminosa.

Portanto, cabe ao juiz verificar todos os pontos de afetação da ordem pública, buscando encontrar, pelo menos, um binômio para a sua decretação (ex.:gravidade concreta do crime + péssimos antecedentes do réu; envolvimento com organização criminosa + repercussão social; particular execução do delito + gravidade concreta da infração penal etc.).

A garantia de ordem econômica é uma espécie do gênero anterior (garantia da ordem pública). Nesse caso, visa-se, com a decretação da prisão preventiva, impedir que o agente, causador de seriíssimo abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área.

Equipara-se o criminoso do colarinho branco aos demais delinquentes comuns, na medida em que o desfalque em uma instituição financeira pode gerar maior repercussão na vida das pessoas, do que um simples roubo contra um indivíduo qualquer. Assim, continua-se contando com os elementos já descritos: gravidade do delito; repercussão social; periculosidade do agente; particular modo de execução; envolvimento com organização criminosa, de maneira a garantir que a sociedade fique tranquila pela atuação do Judiciário no combate à criminalidade invisível de muitos empresários e administradores de valores, especialmente os do setor público.

Não é possível permitir a liberdade de quem retirou e desviou enorme quantia dos cofres públicos, para a satisfação de suas necessidades pessoais, em detrimento de muitos, pois o abalo à credibilidade da Justiça é evidente. Se a sociedade teme o assaltante ou o estuprador, igualmente tem apresentado temor em relação ao criminoso do colarinho branco. Note-se o disposto no art. 30 da Lei 7.492/86: “Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada (...)” (grifamos), o que demonstra que, em delitos contra a ordem econômico-financeira, torna-se relevante o dano provocado pelo criminoso, que, efetivamente, causa repugnância ao resto da população.

A conveniência da instrução criminal é o motivo resultante da garantia de existência do devido processo legal, no seu aspecto procedimental. A conveniência de todo processo é que a instrução criminal seja realizada de maneira escorreita, equilibrada e imparcial, na busca da verdade real, interesse maior não somente da acusação, mas, sobretudo, do réu. Diante disso, abalos provocados pela atuação do acusado, visando à perturbação do desenvolvimento da instrução criminal, que compreende a colheita de provas de um modo geral, é motivo a ensejar a prisão preventiva. Configuram condutas inaceitáveis a ameaça a testemunhas, a investida contra provas buscando desaparecer com evidências, ameaças dirigidas ao órgão acusatório, à vítima ou ao juiz do feito, dentre outras.

Com a edição da Lei 12.403/2011, criaram-se novas medidas cautelares, alternativas à prisão preventiva, prevendo-se, como um requisitos para a decretação dessas cautelares, a necessidade da investigação ou da instrução criminal. Pode-se pretender a equiparação desse elemento com a conveniência da instrução criminal, própria da preventiva; entretanto, o ideal é considerá-los em diferentes gradações. Conforme o grau e a intensidade da perturbação gerada para a instrução criminal, pode-se escolher entre a medida cautelar (situações mais leves) e a prisão preventiva (casos mais graves). No tocante à investigação criminal, conforme o grau da necessidade, fica o magistrado entre a medida cautelar e prisão temporária, como regra. Se não for cabível a temporária, pode-se decretar a preventiva.

A garantia de aplicação da lei penal significa assegurar a finalidade útil do processo penal, que é proporcionar ao Estado o exercício do seu direito de punir, aplicando a sanção devida a quem é considerado autor de infração penal. Não tem sentido o ajuizamento da ação penal, respeitando-se o devido processo legal para a aplicação da lei penal ao caso concreto, se o réu age contra esse propósito, tendo, nitidamente, a intenção de frustrar o respeito ao ordenamento jurídico.

Não bastasse já ter ele cometido o delito, que abala a sociedade, volta-se, agora, contra o processo, tendo por finalidade evitar que o direito de punir se consolide. Exemplo maior disso é a fuga deliberada da cidade ou do País, demonstrando que não está nem um pouco interessado em colaborar com a justa aplicação da lei.

No mesmo prisma, já exposto, deve-se captar o grau e a intensidade do caso concreto, voltado à garantia da aplicação da lei penal, para optar entre a decretação de medida cautelar alternativa ou da prisão preventiva. Afinal, consta como requisito para a medida cautelar a necessidade para aplicação da lei penal (art. 282, I, CPP), do mesmo modo que está presente no art. 312 do CPP.

8.3.3   Fundamentação da prisão preventiva

Exige a Constituição Federal que toda decisão judicial seja fundamentada (art. 93, IX), razão por que, para a decretação da prisão preventiva, é indispensável que o magistrado apresente as suas razões para privar alguém de sua liberdade. É o previsto igualmente no art. 315 do Código de Processo Penal. Essa fundamentação pode ser concisa, sem implicar nulidade ou constrangimento ilegal.

A mera repetição dos termos legais, entretanto, é inadmissível, dizendo o juiz, por exemplo, que decreta a prisão preventiva, tendo em vista que há “prova da materialidade”, “indício suficiente de ser o réu o autor” e para “garantir a ordem pública”, sem especificar em quais fatos se baseia para extrair tal conclusão.

A fundamentação do magistrado concentrando-se no parecer do Ministério Público pode ser admitida em certos casos. Se o referido parecer do membro do Ministério Público estiver bem estruturado, apontando e esgotando toda a análise das provas, que estão a demonstrar a necessidade da prisão preventiva, nada impede que o juiz o acolha integralmente. Seria inútil exigir do magistrado a mera reprodução, em suas próprias palavras, novamente daquilo que já foi exposto. Em contrário, está a lição de ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO: “nessa situação, incumbe ao juiz efetivamente decidir sobre esse ponto, até porque sua função é indelegável, não cabendo remissão ao que entenderam a autoridade policial ou o órgão da acusação, sendo imprescindível, portanto, a fundamentação expressa” (A motivação das decisões penais, p. 221).

Havendo coautoria ou participação, deve o magistrado analisar, individualmente, os requisitos para a decretação da prisão preventiva. Pode ocorrer de um corréu ameaçar uma testemunha sem a ciência dos demais, sendo injusta a decretação da custódia cautelar de todos. O mesmo se diga quanto à revogação. Se o motivo deixou de existir quanto a um corréu, deve ele – e somente ele – ser beneficiado pela liberdade. Assim também a lição de FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO (Processo penal – O direito de defesa: repercussão, amplitude e limites, p. 114).

8.3.4   Circunstâncias legitimadoras e circunstâncias impeditivas da prisão preventiva

O art. 313 do Código de Processo Penal especifica que a prisão preventiva será admissível nos casos de crimes dolosos, punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos (inciso I), se o acusado tiver sido condenado por outro delito doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o prazo depurador do art. 64, I, do Código Penal (inciso II), bem como se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (inciso III).

Pode-se, ainda, decretar a preventiva quando houver dúvida quanto à identidade civil da pessoa suspeita ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la. Nessa hipótese, o preso deve ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra causa justificar a manutenção da prisão cautelar (art. 313, parágrafo único).

A primeira delas – admissão somente para crimes dolosos – descarta a preventiva para crimes culposos ou contravenções penais. A previsão é correta, pois não tem cabimento recolher, cautelarmente, o agente de delito não intencional, cuja periculosidade é mínima para a sociedade e cujas sanções penais são também de menor proporção, a grande maioria comportando a aplicação de penas alternativas à privativa de liberdade. Além disso, estabelece-se outro patamar: os crimes dolosos, que comportam preventiva, devem ter pena máxima abstrata superior a quatro anos. Portanto, ilustrando, crimes como o furto simples já não comportam prisão cautelar, diretamente decretada, como regra.

A segunda especifica caber a prisão preventiva aos réus reincidentes em crimes dolosos, com sentença transitada em julgado. Noutros termos, é preciso que o crime anterior seja doloso e já exista condenação definitiva; sob outro aspecto, o novo crime também precisa ser doloso. Dentre a anterior condenação e a atual não pode ter decorrido o período de cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do Código Penal. Se assim ocorrer, a possibilidade de gerar reincidência esvai-se. Deixa-se de lado o reincidente em crime culposo ou aquele que já foi condenado por delito doloso, mas torna a praticar crime culposo – ou vice-versa –, pois, apesar de reincidente, não se leva em consideração para fins de custódia cautelar.

Essa menção à reincidência em crime doloso, em nosso entendimento, é inócua. Não se deve decretar a prisão preventiva somente por conta da reincidência, mas, sim, porque os fatores do art. 312 do CPP estão presentes. E, caso estejam, ainda que primário o agente, decreta-se a preventiva.

A terceira hipótese autoriza a prisão preventiva em casos de violência doméstica e familiar contra vítimas consideradas frágeis (mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo e deficiente). O objetivo da preventiva é assegurar a execução das medidas protetivas de urgência, não se destinando a vigorar por toda a instrução criminal. Exemplo: decreta-se a prisão cautelar do marido, que agrediu a esposa, para que esta possa sair em paz do lar, consolidando-se a separação do casal. Não mais que isso. Afinal, o delito de lesão corporal, com violência doméstica prevê pena mínima de três meses de detenção (art. 129, § 9.o, CP), razão pela qual, em função da existência da detração, se o réu ficar detido durante toda a instrução, é possível que cumpra mais tempo detido em cautela do que todo o período de pena, que lhe foi fixado.

Por outro lado, cuidando-se de delito de ameaça, cuja pena de detenção varia entre três e seis meses (ou multa), com maior justificativa, deve-se controlar a decretação da prisão preventiva, pois o período de pena definitiva é muito curto. Qualquer exagero na duração da medida cautelar restritiva da liberdade pode gerar nítida teratologia.

Quanto às circunstâncias que limitam a preventiva, enumera o art. 314 do CPP as hipóteses de exclusão da ilicitude do art. 23 do Código Penal (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal). Logo, se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato por conta de uma delas, não decretará em caso algum a prisão cautelar.

Logicamente, não se exige, nesse caso, a perfeita constatação de que a excludente estava presente, mas indícios fortes da sua existência. A decisão final somente será proferida ao término da instrução, devendo o réu ser mantido fora do cárcere nesse período. Logo, ainda que ele conturbe a instrução, tendo em vista a taxatividade da norma processual penal, fica livre da prisão preventiva.

Cremos, ainda, que podem ser incluídas as excludentes de culpabilidade, por analogia, uma vez que também são causas de exclusão do crime, não se justificando a decretação da prisão preventiva contra quem agiu, por exemplo, sob coação moral irresistível ou em erro de proibição.

8.3.5   Modificações fáticas da situação determinante da prisão ou da soltura do réu

É possível que o juiz tenha indeferido o pedido do Ministério Público de decretação da prisão preventiva do réu, por não ter constatado causa válida para isso, espelhando-se nas provas que dispunha no processo, naquele momento. Entretanto, surgindo nova prova, é natural que a situação fática tenha apresentado alteração, justificando outro pedido e, consequentemente, a decretação da medida cautelar.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado em via inversa. Se o acusado foi preso, logo no início, porque se dizia que ele ameaçava testemunhas, é possível que, em seguida aos depoimentos destas, que negam ao juiz as pretensas ameaças, caiba a revisão da medida, colocando-se o acusado em liberdade (art. 316, CPP).

8.3.6   A apresentação espontânea do acusado

Do mesmo modo que anteriormente sustentamos, no tocante à possibilidade de ser efetivada a prisão em flagrante de quem, logo após o crime, apresenta-se à autoridade policial, espontaneamente, pois neste ato pode estar camuflado o nítido desejo de burlar a aplicação da lei, fazemos o mesmo neste contexto.

Ao autor de infração penal grave, que provocou sério abalo à ordem pública, por exemplo, cabe a decretação de prisão preventiva e o simples comparecimento espontâneo do acusado diante da autoridade policial ou judiciária não pode servir de impedimento a tal medida. Se assim ocorresse, seria muito fácil aos sujeitos realmente perigosos subtraírem-se à aplicação da lei penal, continuando, inclusive, a conturbar a tranquilidade social.

Portanto, se a apresentação espontânea for capaz de elidir a causa da prisão preventiva – como a demonstração de que não pretende fugir – pode o magistrado deixar de decretá-la, sem dúvida. Mas, se for apenas um subterfúgio para escapar da indispensável custódia cautelar, deve o juiz decretá-la sem titubear.

A Lei 12.403/2011 revogou o art. 317, que dispunha: “A apresentação espontânea do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza”. Essa norma, em nossa visão, terminava por aclarar o óbvio: se os requisitos da preventiva estivessem presentes, com ou sem apresentação espontânea, podia-se decretar a prisão cautelar. Por isso, revogado o referido artigo, permanecemos fieis à nossa posição supraexposta.

8.4   Prisão decorrente de pronúncia

Ao decidir a respeito da admissibilidade da acusação, optando por remeter o caso a julgamento pelo Tribunal do Júri, deve o magistrado manifestar-se acerca da possibilidade do réu aguardar solto o seu julgamento. Observa-se, pela nova redação do § 3.o do art. 413 (“O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código”), que a lei passa a considerar a prisão por pronúncia uma exceção, lastreada, quando decretada, nos requisitos da prisão preventiva.

Por isso, o juiz deve, sempre, decidir a respeito da prisão, mantendo-a e recomendando o réu no presídio em que se encontra, ou determinando a sua captura, caso a prisão seja decretada e ele esteja solto. Naturalmente, para elaborar essa análise, o juiz deve agir com prudência e bom senso, do mesmo modo que atua quando decide a respeito da possibilidade de o acusado aguardar solto o processamento de seu recurso, em caso de condenação.

Na verdade, não mais interessam, como pontos isolados, a reincidência e os antecedentes criminais do réu. Somente quando estiver presente o requisito da garantia da ordem pública (art. 312, CPP), que pode abranger, também, a avaliação da reincidência e dos maus antecedentes, terá o juiz condições de decretar a prisão cautelar. Por outro lado, caso ocorra a pronúncia por delito apenado com detenção (como ocorre com o infanticídio ou com o autoaborto), cujo início do cumprimento se dará nos regimes semiaberto ou aberto (conforme art. 33, caput, do Código Penal) ou mesmo quando se tratar de crime apenado com reclusão, mas na forma tentada e cuja pena a ser aplicada seja, possivelmente, suscetível de receber algum benefício, que mantenha o sentenciado fora do cárcere, deve o magistrado manter a sua liberdade, deixando de decretar a prisão.

Convém registrar que, após a pronúncia, estando o réu preso, torna-se ultrapassada qualquer alegação de excesso de prazo na formação da culpa, conforme dispõe a Súmula 21 do STJ: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”.

Outra das razões que podia levar o magistrado a não permitir a permanência do acusado em liberdade, aguardando o julgamento pelo Tribunal Popular, era a sua situação de ausente. Com a edição da Lei 11.689/2008, não mais se admite a decretação da prisão cautelar porque o réu não foi intimado pessoalmente da pronúncia ou não compareceu para o julgamento em plenário.

Outro ponto pacífico na jurisprudência é que, se o acusado teve a prisão preventiva decretada, permanecendo recolhido ao longo da instrução, não há, como regra, motivo para ser solto justamente quando a pronúncia é proferida. Eventualmente, havendo motivo para revogar a preventiva, pode o juiz reavaliar o caso, colocando o acusado em liberdade. E mais, se o réu foi preso cautelarmente, assim aguardando até a pronúncia, nesta decisão basta que o magistrado mencione que continuará preso pelos mesmos motivos já expostos anteriormente, sendo desnecessário fundamentar mais uma vez.

Pode, ainda, o julgador decretar – ou manter – outra medida cautelar alternativa (art. 319, CPP), se presentes os seus requisitos (art. 282, I e II, CPP). É viável que o magistrado converta uma medida cautelar alternativa em preventiva, se encontrar os requisitos do art. 312 do CPP, ou faça o oposto, convertendo a preventiva em cautelar alternativa, constatando não mais ser necessária a privação da liberdade.

8.5   Prisão decorrente de sentença condenatória recorrível

Dispunha o art. 594 do Código de Processo Penal: “o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto”. Esse dispositivo foi revogado pela Lei 11.719/2008.

Passa-se a considerar, para a decretação da prisão cautelar, em razão de sentença condenatória, o disposto pelo art. 387, § 1.o, do CPP: “O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta.”.

O réu que aguardou preso o decorrer da instrução deve continuar detido, como regra, após a prolação da sentença condenatória, mormente se foi aplicado o regime fechado. Se antes do julgamento de mérito, que o considerou culpado, estava cautelarmente recolhido, com mais lógica assim deve permanecer após a condenação. Excepcionam-se desse raciocínio os casos em que os motivos que levaram à prisão cautelar, durante a instrução, findaram.

Sob outro aspecto, caso o juiz imponha ao acusado o regime aberto, não importando em que situação ele se encontra, não há cabimento em mantê-lo no cárcere, pois, se confirmada a decisão, o cumprimento de sua pena se dará, praticamente, em liberdade. Por outro lado, caso a pena fixada pelo magistrado seja branda, levando-se em conta o tempo de prisão cautelar (sobre o qual incidirá a detração, conforme dispõe o art. 42 do Código Penal) e também o período que deverá aguardar para que seu recurso seja julgado, pode ser de flagrante injustiça mantê-lo preso. Afinal, a pena total aplicada pode ser inferior ao tempo de detenção cautelar, o que não é razoável.

Em suma, torna-se imperiosa a utilização da proibição de recorrer em liberdade com cautela e prudência, conforme o caso concreto que cada réu apresente.

No caso de apelação em decorrência de condenação por crime hediondo ou equiparado, tem sido comum que os réus recorram presos, levando-se em consideração serem as penas normalmente elevadas para tais delitos, haver a imposição do regime fechado inicial, bem como estar presente a necessidade de se garantir a ordem pública. Vale salientar, entretanto, que os tribunais pátrios, em especial o STF, têm concedido diversas ordens de habeas corpus para garantir a liberdade provisória de réus, cuja imputação é de delito hediondo ou assemelhado, desde que os requisitos do art. 312 do CPP inexistam, o que nos parece correto.

Apesar disso, não se deve olvidar ser indispensável que o juiz fundamente as razões que o levam a decretar a prisão ou mesmo quando deixe de fazê-lo, não sendo viável uma imposição de segregação cautelar imotivada, ou baseando-se em citação singela de texto legal. Saliente-se, ainda, preceituar a Lei 8.072/90 poder o juiz, se fundamentar convenientemente, permitir o recurso em liberdade (art. 2.o, § 3.o).

Pode ocorrer, ainda, a desnecessidade da prisão cautelar para recorrer, a despeito de condenação por crime hediondo, uma vez que a pena aplicada e o benefício concedido tornem inviável o recolhimento ao cárcere. Exemplificando: em uma tentativa de estupro, cuja pena seja de dois anos, permitida inclusive a concessão de sursis, é desnecessária a prisão cautelar. Quanto à tortura e ao terrorismo (delitos equiparados aos hediondos), aplica-se a mesma regra.

Em relação ao tráfico ilícito de entorpecentes, havia preceito especial, na revogada Lei 6.368/76 (Lei de Tóxicos, art. 35), que impunha, sempre, o recolhimento do réu para apelar. Está em vigor, atualmente, o art. 59 da Lei 11.343/2006: “Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1.o, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória”. Adotou-se, portanto, a mesma regra do revogado art. 594 do Código de Processo Penal. Tratando-se de lei especial, não se aplica a nova regra do CPP.

Dessa forma, em muitos casos, o traficante deve ser segregado cautelarmente para poder recorrer, salvo se o juiz, com bons fundamentos, permitir que ele permaneça em liberdade. Afinal, as penas aplicadas (previstas na nova Lei de Drogas) são elevadas e, dificilmente, permitem qualquer benefício penal para permanecer em liberdade. O bom senso indicará ao magistrado o melhor caminho a seguir, pois há traficantes considerados de menor periculosidade, tanto que até mesmo gozam de causa de diminuição de pena (art. 33, § 4.o, Lei 11.343/2006). Podem, pois, permanecer em liberdade, porque praticamente inofensivos. Exemplo: seria o caso da idosa mãe de um preso que, atendendo ao clamor do filho, leva-lhe pequena quantidade de droga no presídio. Embora possa ser condenada por tráfico ilícito de drogas, tem condições de permanecer em liberdade, aguardando o resultado do seu recurso.

Pode, ainda, o julgador decretar – ou manter – outra medida cautelar alternativa (art. 319, CPP), se presentes os seus requisitos (art. 282, I e II, CPP). É viável que o magistrado converta uma medida cautelar alternativa em preventiva, se encontrar os requisitos do art. 312 do CPP, ou faça o oposto, convertendo a preventiva em cautelar alternativa, constatando não mais ser necessária a privação da liberdade.

image   PONTO RELEVANTE PARA DEBATE

A prisão para recorrer, o tempo de espera para o julgamento da apelação e o princípio da razoabilidade

A Justiça brasileira, de um modo geral, ainda padece de lentidão e burocracia, embora já exista preceito constitucional expresso, homenageando a economia processual: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5.o, LXXVIII, CF). A jurisprudência vale-se, atualmente, do princípio da razoabilidade para determinar a soltura do acusado, por excesso de prazo, bem como para mantê-lo preso, quando não se perceber outra alternativa, por se tratar de crime grave, agente perigoso e, muitas vezes, vislumbrar-se atitudes procrastinatórias da própria defesa. Não se pode olvidar o contexto dos recursos, afinal, os tribunais também têm o dever de defender o princípio da celeridade e lutar pela razoável duração do processo. Logo, uma apelação, quando não se permitiu a permanência do condenado em liberdade, precisa, identicamente, ser julgada em prazo justo. Assim não ocorrendo, há de se contar com a sensibilidade de desembargadores e ministros para conceder, se for o caso, habeas corpus de ofício, colocando o sentenciado em liberdade. Das duas uma: ou a apelação entra em pauta com brevidade ou se solta o recorrente. Consulte-se: STF: “A Turma deferiu habeas corpus em que condenado a cumprimento de pena em regime integralmente fechado [hoje suprimido do nosso ordenamento processual penal] pretendia o relaxamento de sua prisão, sob alegação de excesso de prazo, a fim de que pudesse aguardar, em liberdade, o julgamento da apelação por ele interposta. Na espécie, a interposição da apelação se dera em 21.08.2001, tendo sido suspenso seu julgamento, em virtude de pedido de vista. Considerou-se que o pedido de vista, apesar de legítimo, implicara novo retardamento no julgamento da apelação, e que essa demora sobrepujaria os juízos de razoabilidade, sobretudo porque o paciente já se encontrava preso há mais de 5 anos e 4 meses. Precedentes citados: HC 84.921-SP (DJU 11.03.2005) e HC 84.539 MC-QO/SP (DJU 14.10.2005)” (HC 88.560-SP, rel. Sepúlveda Pertence, 08.08.2006, Informativo 435). Atualmente, passamos a sustentar a existência do princípio constitucional processual implícito, inerente à atuação do Estado, consistente na duração razoável da prisão cautelar (consultar o subitem 3.3.4 do Capítulo IV).

8.6   Medidas cautelares alternativas à prisão

8.6.1   Espécies de medidas cautelares

A Lei 12.403/2011 inseriu no cenário processual penal medidas cautelares, restritivas da liberdade, porém diversas da prisão. São previstas no art. 319 do CPP: a) comparecimento periódico em juízo, conforme as condições e prazo estabelecidos pelo magistrado, para justificar e esclarecer suas atividades; b) proibição de acesso e frequência a certos lugares quando, por relação com o fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante deles para evitar o risco de novos crimes; c) vedação de manter contato com certa pessoa, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou réu dela permanecer distante; d) vedação de se ausentar da Comarca, quando a permanência seja necessária ou conveniente ao processo ou à investigação; e) recolhimento domiciliar, no período noturno e nos dias de folga, quando o investigado ou réu tenha residência e trabalho fixos; f) suspensão da função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira se houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; g) internação provisória do réu, em hipóteses de crimes cometidos com violência ou grave ameaça, se os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável, havendo o risco de reiteração; h) fiança, quando a infração admitir, para garantir o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento e em caso de resistência injustificada à ordem judicial; i) monitoração eletrônica.

As novas medidas em matéria processual já são conhecidas em outros institutos, seja como condição para o cumprimento da pena no regime aberto, gozo de suspensão condicional do processo ou livramento condicional, seja como pena alternativa ao cárcere. De toda forma, pretende-se aplicar, agora, as mesmas medidas restritivas à liberdade como forma de contornar a decretação da prisão preventiva. Assim, em lugar da prisão cautelar, pode-se determinar o recolhimento domiciliar do acusado, desde que compatível com o caso concreto.

A fiança pode ser cumulada com outras medidas cautelares (art. 319, § 4.o, CPP), bem como pode o magistrado fixar medidas isoladas ou cumulativas (art. 282, § 1.o, CPP). Tais medidas podem ser requeridas pelas partes (Ministério Público, querelante e assistente de acusação – este pode solicitar a prisão preventiva, logo, pode também pleitear qualquer outra cautelar) ou decretadas de ofício pelo juiz, durante a instrução; na fase investigatória, dependem de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público.

Note-se uma ilogicidade: o querelante e o assistente de acusação podem requerer a prisão preventiva, durante a investigação (art. 311, CPP), mas, pelo rigor do art. 282, § 2.o, do CPP, somente podem pleitear a decretação de cautelares, diversas da prisão, em juízo. Ora, quem pode o mais (requerer a prisão), pode o menos (outras medidas alternativas). Parece-nos, pois, cabível que o querelante e o assistente possam requerer a decretação de qualquer das medidas previstas no art. 319 do CPP também durante a fase investigatória.

Em compatibilidade com a medida de proibição de se ausentar da Comarca (art. 319, IV), pode-se vedar o indiciado ou réu de sair do País. Para tanto, serão comunicadas as autoridades encarregadas da fiscalização das fronteiras, intimando-se o indiciado ou acusado a entregar o passaporte, em 24 horas (art. 320, CPP). Se houver recusa ou omissão dolosa, pode o intimado responder pelo crime de desobediência.

Havendo prisão em flagrante, se não for caso de conversão em prisão preventiva, desde que presentes os requisitos do art. 312 do CPP, deve o juiz conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Nesse ato, pode impor medidas cautelares compatíveis com a situação do indiciado ou réu (art. 321, CPP).

8.6.2   Requisitos para a decretação das medidas cautelares

As medidas cautelares alternativas à prisão não podem ser impostas pelo juiz sem necessidade e adequação. Não são medidas automáticas, bastando que haja investigação ou processo. Elas restringem a liberdade individual, motivo pelo qual precisam ser fundamentadas.

Há dois requisitos genéricos: a) necessariedade; b) adequabilidade. Estes são cumulativos, ou seja, ambos precisam estar presentes para autorizar a imposição de medidas cautelares (art. 319, CPP).

O primeiro requisito genérico divide-se em três: a.1) para aplicação da lei penal; a.2) para a investigação ou instrução criminal; a.3) para evitar a prática de infrações penais, nos casos previstos em lei. Esses três são alternativos, ou seja, basta a presença de um deles para configurar a necessariedade.

A aplicação da lei penal associa-se, em menor grau, ao requisito da prisão preventiva – para assegurar a aplicação da lei penal – previsto, também, no art. 312 do CPP. Esse elemento é ligado, como regra, à possibilidade de fuga do agente do crime. Para comportar diversos graus, deve-se avaliar a hipótese concreta. Ilustrando: se o indiciado ou réu não tem residência e emprego fixos, pode-se pressupor a possibilidade de fuga; inexiste razão para a preventiva, mas é viável a decretação de medida cautelar alternativa, como o comparecimento em juízo, mensalmente, para informar e justificar atividades. Caso a hipótese de fuga seja evidente, pois o indiciado ou acusado está vendendo tudo o que tem e se desligou do emprego, pode-se partir para a preventiva.

A investigação ou instrução criminal vincula-se, em menor grau, ao elemento da preventiva – por conveniência da instrução criminal – conforme art. 312 do CPP. Normalmente, visualiza-se esse requisito quando o indiciado ou réu perturba a colheita da prova de alguma forma (destruindo documentos, ameaçando testemunhas etc.). Havendo a suspeita de que poderá ameaçar qualquer testemunha, ou mesmo a vítima, pode-se decretar a medida cautelar de distanciamento dessa pessoa. Quando houver maior concretude em relação à ameaça, por exemplo, decreta-se a preventiva.

Tudo depende, ainda, do crime, pois há infrações que não comportam preventiva, diretamente decretada, mas somente medidas alternativas (vide art. 313, I, CPP).

A questão ligada a evitar a prática de infrações penais espelha a hipótese do inimputável ou semi-imputável, autor de fato grave (violento ou com ameaça à pessoa), que deve ter a internação provisória decretada (art. 319, VII, CPP).

O segundo requisito genérico divide-se em três: b.1) gravidade do crime; b.2) circunstâncias do fato; b.3) condições pessoais do indiciado ou acusado.

A gravidade do crime deve ser visualizada de modo concreto. Não importa o conceito abstrato de gravidade, mas exatamente o que o fato representa. Ilustrando, o homicídio é crime grave por natureza, bastando checar a elevada pena a ele cominada. No entanto, concretamente, há que se perquirir qual homicídio realmente foi praticado com singularidade, de forma a despertar particular atenção da comunidade. Eis a gravidade concreta. Não fosse assim, todo autor de homicídio deveria ser preso cautelarmente, de maneira padronizada, o que não ocorre, nem deve dar-se.

Aliás, há súmulas do STF (718) e do STJ (440) especificando que a gravidade abstrata do crime não serve de baliza para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena. É um bom sinal de que a gravidade abstrata não serve de orientação ao magistrado para a tomada de decisões concretas no processo.

As circunstâncias do fato ligam-se à tipicidade derivada (qualificadoras/privilégios e causas de aumento/diminuição), basicamente. Um crime, na figura simples, como o roubo (art. 157, caput, CP), é menos grave do que um roubo com causa de aumento (art. 157, § 2.o, CP). Por isso, deve o magistrado levar em conta a concretude do fato delituoso para optar entre aplicar ou não medidas cautelares.

As condições pessoais do indiciado ou acusado são muito importantes para vários institutos penais, inclusive para a individualização da pena (art. 59, CP). Não menos relevantes devem ser para o contexto da cautelaridade processual penal. Há diferença entre o primário e o reincidente, entre o agente que possui antecedentes criminais e o que não os possui, dentre outro fatores pessoais. Lembremos, inclusive, ser importante analisar tais condições até mesmo para a decretação da preventiva, no cenário da garantia da ordem pública.

Passa-se a demandar do juiz, para fins processuais, a individualização da medida cautelar. Em perfeita harmonia com os fins do princípio constitucional da individualização da pena, que abomina a padronização da sanção penal, quer-se individualizar a restrição à liberdade na fase processual.

Qualquer medida cautelar (prisão ou alternativa) deve ser fixada de acordo com o caso concreto, levando em consideração a pessoa do indiciado ou réu, sem nenhum padrão estabelecido de antemão.

8.6.3   Aplicação do contraditório e da ampla defesa

Como regra, antes de decretar qualquer medida cautelar alternativa à prisão (art. 319, CPP), deve o juiz ouvir a parte contrária, que, no caso, é o indiciado ou réu, como prevê o art. 282, § 3.o, do Código de Processo Penal.

Cuida-se de consagração dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Por vezes, o pedido formulado pelo interessado (Ministério Público, querelante ou assistente) não apresenta consistência, algo que poderá ser apontado pelo maior interessado no indeferimento.

Em casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, não se ouve o indiciado ou réu antes da decretação, nada impedindo que se promova a sua oitiva depois. Seria um autêntico contraditório diferido.

8.6.4   Descumprimento da medida cautelar alternativa

Em caso de descumprimento injustificado das obrigações impostas, ouvido antes o indiciado ou réu, em homenagem à ampla defesa, pode o juiz, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, seu assistente ou do querelante, substituir a medida por outra, impor mais uma em cumulação ou, em último caso, decretar a preventiva (art. 282, § 4.o, CPP).

A qualquer tempo, o magistrado pode rever a medida decretada, entendendo não ser o caso de mantê-la, bem como voltar a decretá-la, se novas razões advierem (art. 282, § 5.o, CPP).

A prisão preventiva passa a ser considerada, expressamente, como última opção (art. 282, § 6.o, CPP).

image   PONTO RELEVANTE PARA DEBATE

A decretação da prisão preventiva, para qualquer crime, em caso de descumprimento de medida cautelar alternativa

A Lei 12.403/2011 foi editada contendo um aparente conflito de normas. Em primeiro lugar, deve-se salientar que o surgimento das medidas cautelares (art. 319, CPP) constituem uma efetiva alternativa à prisão cautelar. Há diversos casos concretos em que a restrição à liberdade, quando necessária e adequada, pode dar-se em esfera diferenciada do cárcere.

Porém, o processo penal não pode prescindir do rigor do Estado para controlar quem abusa do direito à liberdade, colocando em risco a investigação ou a instrução, bem como a sociedade como um todo. Do mesmo modo que se cultua a presunção de inocência, louva-se a segurança pública, como direitos de todo indivíduo.

A prisão preventiva é a ultima ratio (última opção); não se deve decretá-la, salvo quando outra medida restritiva, de menor alcance, for inviável. Por isso, surge a seguinte dúvida: impondo-se medida cautelar alternativa à prisão, mas não cumprida, pode o Judiciário, sempre, decretar a preventiva? Cremos que sim. Essa é a lógica do sistema trazido pela Lei 12.403/2011.

Criam-se medidas alternativas ao cárcere, mas a garantia de que elas serão, realmente, cumpridas é a autoridade estatal de, no último caso, impor a prisão cautelar. Por isso, existe o preceito geral, previsto no art. 282, § 4.o, do CPP (“em último caso, decretar a prisão preventiva”).

Ocorre que, feita uma interpretação literal dos arts. 312 e 313 do CPP, pode-se entender que a prisão preventiva somente seria cabível, em caso de descumprimento de medida cautelar alternativa, se a situação concreta indicar crime doloso com pena privativa máxima superior a quatro anos (art. 313, I). Noutros termos, se o autor de um furto simples perturbar a instrução, o juiz pode impor medida cautelar restritiva; descumprida esta, como a pena máxima para esse delito é de quatro anos, nada se poderia fazer. Gera-se o absurdo da impunidade, permitindo-se que uma faixa de autores de crime façam o que quiserem, pois estariam imunes à força coercitiva estatal.

Autores de delitos cuja pena máxima não for superior a quatro anos poderiam de tudo fazer, desde ameaçar qualquer pessoa, passando por fugir e até mesmo perpetuar na atividade criminosa, ao arrepio da autoridade judiciária.

Não vemos tal possibilidade. Por isso, qualquer que seja o crime, havendo o descumprimento de medida cautelar alternativa, cabe a decretação de prisão preventiva.

8.6.5   A detração no contexto das medidas cautelares alternativas

A detração é um benefício ao sentenciado, a ser implementado em execução penal, consistente no cômputo na pena privativa de liberdade e na medida de segurança do prazo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro (art. 42, CP). O sentido do mencionado benefício é provocar uma compensação, sob o ponto de vista prático, entre o período em que o réu permaneceu detido, considerado inocente, em situação de prisão cautelar, e a prisão-pena, a ser cumprida em virtude da condenação.

Tratando-se de benefício, torna-se fundamental estar previsto expressa e detalhadamente em lei. Surgem, com a Lei 12.403/2011, novas medidas cautelares, diversas da prisão, cuja finalidade é justamente impedir a decretação da segregação provisória. Entretanto, tais medidas não deixam de representar uma restrição à liberdade do acusado, motivo pelo qual se pode debater a viabilidade da detração no seu contexto.

A hipótese não se encontra expressamente prevista em lei, motivo pelo qual, em tese, não poderia ser aplicada. Assim sendo, decretada uma medida cautelar não se poderia compensar, posteriormente, diante da fixação de pena privativa de liberdade ou outra qualquer.

Entretanto, em Direito Penal, permite-se, quando possível, para evitar distorções e injustiças, o instituto da analogia in bonam partem (em benefício do acusado). São situações análogas as seguintes: a) prisão provisória antes da condenação, seguida de imposição de pena privativa de liberdade = desconta-se nesta o período daquela, pois de mesma natureza; b) medida cautelar de proibição de frequentar lugares, seguida do estabelecimento de pena restritiva de direitos de proibição de frequentar lugares = por analogia, desconta-se nesta o período daquela, visto serem de mesma natureza.

Não acarreta situações análogas outras hipóteses, tais como: a) medida cautelar de manter-se afastado da vítima, seguida de condenação ao cumprimento de pena em regime semiaberto = aquele período não afeta o tempo de prisão, pois ambos são de natureza diversa.

8.7   Prisão domiciliar

A Lei 12.403/2011 criou a prisão domiciliar, para a fase processual, prevendo hipóteses de cumprimento da prisão preventiva em residência, fora do cárcere fechado.

Os casos são os seguintes, conforme prevê o art. 318 do CPP: a) maior de 80 anos; b) pessoa extremamente debilitada por motivo de doença grave; c) agente imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência; d) gestante a partir do sétimo mês ou sendo a gravidez de alto risco.

Exige-se prova idônea de qualquer dessas situações (art. 318, parágrafo único, CPP).

Lembremos que a prisão domiciliar não é nova medida cautelar restritiva da liberdade; cuida-se, apenas, do cumprimento da prisão preventiva em residência, de onde somente pode o sujeito sair com autorização judicial.

O juiz somente deve autorizar a transferência ou o recolhimento do agente, quando decretada a prisão preventiva, para sua residência nesses casos extremos. Nenhuma outra hipótese pode ser admitida.

O magistrado pode autorizar o recolhimento em prisão domiciliar; logo, depende do caso concreto (ex.: o chefe do crime organizado, extremamente perigoso, embora com 80 anos, não pode ser recolhido em casa).

Outro ponto relevante: não se deve vulgarizar a prisão domiciliar como já se fez com a prisão albergue domiciliar. Esta somente seria possível às pessoas enumeradas no art. 117 da Lei de Execução Penal (situações similares ao art. 318 do CPP), mas foi estendida a todos os condenados ao regime aberto, onde não houvesse Casa do Albergado. Exterminou-se o regime aberto em determinados lugares, por falta de fiscalização.

Tratando-se de prisão cautelar, voltada a um réu presumidamente inocente, torna-se fundamental que seja ela essencial ao processo. Se o juiz resolver esticar o benefício a todo e qualquer réu, somente porque, na Comarca, há falta de vagas na cadeia, melhor será a revogação da preventiva. Mais adequado ter um réu solto do que um ficticiamente preso em casa.

A prisão cautelar é para ser cumprida em cárcere fechado ou não atingirá os objetivos fixados em lei. Como assegurar a ordem pública com um réu entrando e saindo de sua residência quando bem quiser? Se a pena, no regime aberto, já se desvirtuou, é fundamental que não se estenda tal situação para o contexto cautelar.

9.   LIBERDADE PROVISÓRIA

A Constituição Federal estabelece que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (art. 5.o, LXVI), significando, nitidamente, que a prisão é exceção e a liberdade, regra. Aliás, não poderia ser diferente em face do princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5.o, LVII).

A ideia central da liberdade provisória é a seguinte: presa em flagrante – excepcionalmente em decorrência de outras situações, como será visto – a pessoa terá o direito de aguardar o seu julgamento solta, pagando fiança ou, sem que o faça, conforme o caso, afinal, é presumidamente inocente.

9.1   Liberdade provisória com fiança

Fiança é uma garantia real, consistente no pagamento em dinheiro ou na entrega de valores ao Estado, para assegurar o direito de permanecer em liberdade, no transcurso de um processo criminal.

Considera-se a fiança uma espécie do gênero caução, que significa garantia ou segurança. Diz-se ser a caução fidejussória, quando a garantia dada é pessoal, isto é, assegurada pelo empenho da palavra de pessoa idônea de que o réu vai acompanhar a instrução e apresentar-se, em caso de condenação. Esta seria a autêntica fiança.

Com o passar dos anos, foi substituída pela denominada caução real, que implica o depósito ou a entrega de valores, desfigurando a fiança. Ainda assim, é a caução real a feição da atual fiança, conforme se vê no Código de Processo Penal (cf. LUIZ OTAVIO DE OLIVEIRA ROCHA e MARCO ANTONIO GARCIA BAZ, Fiança criminal e liberdade provisória, p. 109; ESPÍNOLA FILHO, Código de Processo Penal brasileiro anotado, v. 3, p. 487; TOURINHO FILHO, Código de Processo Penal comentado, v. 1, p. 557; MIRABETE, Código de Processo Penal interpretado, p. 431).

A finalidade da fiança é assegurar a liberdade provisória do indiciado ou réu, enquanto decorre o inquérito policial ou o processo criminal, desde que preenchidas determinadas condições. Entregando valores seus ao Estado, estaria vinculado ao acompanhamento da instrução e interessado em apresentar-se, em caso de condenação, para obter, de volta, o que pagou.

Além disso, a fiança teria a finalidade de garantir o pagamento das custas (quando houver), da indenização do dano causado pelo crime (se existente), da prestação pecuniária (se couber) e também da multa (se for aplicada).

O instituto da fiança encontrava-se desmoralizado e quase não tinha aplicação prática. Justificava-se a afirmação pela introdução, no Código de Processo Penal, do parágrafo único do art. 310, que autorizou a liberdade provisória, sem fiança, aceitando-se o compromisso do réu de comparecimento a todos os atos do processo, para qualquer delito. Ora, tal situação foi capaz de abranger delitos como o homicídio simples, cuja pena mínima é de seis anos de reclusão era considerado inafiançável (art. 323, I, CPP, na anterior redação). Se o juiz podia conceder liberdade provisória para réus de crimes mais graves (hoje, até mesmo para delitos hediondos e equiparados), por que não poderia fazer o mesmo quando o indivíduo cometesse um furto simples? Não teria cabimento, nem justiça, estabelecer a fiança para o crime menos grave, deixando em liberdade provisória, sem qualquer ônus, o autor de delito mais grave.

Comungamos do entendimento exposto por SCARANCE FERNANDES: “Perdeu, assim, a fiança muito da sua importância. De regra, aquele que tem direito à liberdade provisória com fiança terá também direito à liberdade provisória sem fiança, e obviamente essa solução, por ser mais benéfica, é a que deve ser acolhida pelo juiz” (Processo penal constitucional, p. 310). É certo, lembra o mesmo autor, que a fiança ainda pode ter algumas vantagens, como o procedimento mais simplificado para a sua concessão, não se exigindo nem mesmo a oitiva prévia do Ministério Público, além de ser autorizada a fixação da fiança, em alguns delitos, pela própria autoridade policial.

Sempre defendemos que, para aperfeiçoar o instituto da fiança no Brasil, todos os delitos deveriam ser afiançáveis. Os mais leves, como já ocorre atualmente, comportariam a fixação da fiança pela própria autoridade policial, enquanto os mais graves, somente pelo juiz. Mas, desde o homicídio até um mero furto, como mencionamos anteriormente, seriam objeto de fixação de fiança. Ela retornaria a ter um papel relevante, abrangendo sempre o réu com melhor poder aquisitivo, vinculando-o ao acompanhamento da instrução, desde que os valores também fossem, convenientemente, atualizados e realmente exigidos pelo magistrado.

A Lei 12.403/2011 teve por fim corrigir várias das distorções supramencionadas, autorizando a fiança para quase todos os delitos, exceto para os que a própria Constituição Federal veda.

Desse modo, somente não cabe fiança, nos termos do art. 323, para os seguintes delitos: a) racismo; b) tortura, tráfico de drogas, terrorismo e hediondos; c) cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

Igualmente, veda-se a fiança, conforme art. 324: a) aos que tiverem quebrado fiança, no mesmo processo, anteriormente ou infringido, sem justo motivo, qualquer das obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do CPP; b) em caso de prisão civil ou militar; c) quando presentes os motivos da preventiva.

O sistema torna-se mais racional, pois, para o homicídio simples (exemplo supracitado) passa a caber fiança, assim como para o furto simples. Equiparam-se as situações.

Entretanto, por efeito constitucional, os delitos enumerados no art. 323 do CPP continuam não comportando fiança, mas toleram liberdade provisória sem fiança. Não deixa de continuar a representar uma contradição poder soltar um acusado de estupro, sem fiança, mas estabelecer a mesma medida para o acusado de receptação simples.

Note-se, no entanto, não ser culpa do legislador ordinário. A demagogia foi realizada em 1988, quando da feitura da Constituição Federal, impedindo-se fiança para os delitos considerados graves, mas não vendando a liberdade provisória, sem a fixação de fiança. Está feito o mal. Resta remediar.

Os valores da fiança foram atualizados e a possibilidade de fixação da garantia real, aumentada. Parece-nos justo que se use a fiança, pois é uma das mais eficientes medidas para segurar o réu/indiciado no distrito da culpa. Se ele fugir, perde os bens que deu em garantia, algo que muitos não querem que ocorra.

Pela nova disposição legal, a autoridade policial pode fixar fiança para os crimes cuja pena máxima não seja superior a quatro anos (art. 322, CPP). Nos demais casos, cabe ao juiz (art. 322, parágrafo único, CPP).

9.1.1   Hipóteses que vedam a concessão de fiança

Estão previstas nos arts. 323 e 324 do Código de Processo Penal, razão pela qual os crimes que não se encaixam nesses dispositivos são afiançáveis.

Segundo os mencionados artigos, não se concede fiança:

a) nos crimes de racismo;

b) nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;

c) nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

d) aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP;

e) em caso de prisão civil ou militar;

f) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.

Analisando as referidas hipóteses temos o seguinte:

a) o crime de racismo (figuras previstas na Lei 7.716/89) é, constitucionalmente, considerado inafiançável (art. 5.o, XLII), embora assim não devesse ser. Afinal, as penas previstas para tais infrações são relativamente baixas, comportando variados benefícios, que implicam liberdade para o seu cumprimento (sursis, regime aberto, pena alternativa etc.). Por outro lado, no sistema processual penal, considerando-se o delito inafiançável, admite-se a concessão de liberdade provisória sem fiança;

b) os crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e hediondos também são considerados inafiançáveis em virtude de norma constitucional (art. 5.o, XLIII). Embora muitos deles comportem penas elevadas, cremos despropositado proibir a fiança. Pensamos ser mais adequado recolher uma quantia aos cofres públicos para auferir a liberdade, vinculando-se ao distrito da culpa, do que ser libertado sem fiança.

c) os crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são inafiançáveis por determinação constitucional (art. 5.o, XLIV). Nem ao menos se tem lei específica prevendo-os, pois a Lei de Segurança Nacional encontra-se defasada e incompatível com o atual texto constitucional.

d) os réus que tiverem infringido seus deveres, impostos pela anterior concessão de fiança por certo, no mesmo feito, não devem tornar a receber o benefício.

Estabelecem os arts. 327 e 328 do CPP o seguinte: “A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada” (327); “O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado” (328).

e) as prisões civil e militar não comportam fiança, pois têm natureza jurídica completamente diversa da prisão processual. A primeira destina-se ao devedor de alimentos, como forma de obrigá-lo a satisfazer sua dívida. A segunda volta-se à disciplina da caserna, não dizendo respeito à órbita civil.

f) a previsão de que não cabe fiança, quando presentes os requisitos da prisão preventiva, é óbvia. Nenhum tipo de liberdade é compatível com a prisão cautelar.

Atualmente, entretanto, deve-se destacar o disposto no art. 301 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97): “Ao condutor do veículo, nos casos de acidente de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela”. A medida é correta e veio em boa hora, pois não teria o menor sentido exigir-se que o motorista socorra a vítima de um acidente automobilístico, somente para ser preso em flagrante, assim que chegar ao hospital.

Em determinadas leis especiais, encontramos também a proibição da fiança, como ocorre no caso do art. 31 da Lei 7.492/86, que cuida dos crimes contra o sistema financeiro, desde que punidos com reclusão, vedando a concessão de fiança. Nada fala quanto à liberdade provisória, sem fiança, autorizando-a, pois.

9.1.2   Valor da fiança

Os valores da fiança estão fixados no art. 325 do Código de Processo Penal, em valores atualizados.

São as seguintes faixas: a) de um a cem salários mínimos, quando se cuidar de infração cuja pena privativa de liberdade, no patamar máximo, não for superior a quatro anos; b) de dez a duzentos salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade prevista for superior a quatro anos.

É viável, conforme a situação econômica do preso: a) dispensar a fiança, na forma do art. 350 (“nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso. Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4.o do art. 282 deste Código”); b) reduzir o valor da fiança até o máximo de dois terços; c) aumentar a fiança em até mil vezes.

O principal critério para o estabelecimento do montante específico da fiança é a situação econômica do réu, dentre outros previstos no art. 326 do CPP.

Portanto, além de levar em consideração a gravidade da infração penal (as duas faixas estão expostas nos incisos I e II do art. 325, ou seja, máximo da pena privativa de liberdade, até quatro e superior a quatro), precisa-se ponderar se o acusado é incapaz de pagar aqueles valores, mesmo que fixados no mínimo. Assim sendo, pode-se reduzir ainda mais, atingindo o corte máximo de dois terços – atribuição tanto da autoridade policial, quanto do juiz.

Se persistir a impossibilidade de pagamento, pode-se considerar o réu pobre, concedendo-lhe a liberdade provisória, sem fiança, o que somente o magistrado poderá fazer. Por outro lado, acusados, financeiramente abonados, devem ter a fiança aumentada. Toma-se o valor máximo estabelecido para o crime, conforme os incisos I e II do art. 325, elevando-se até mil vezes mais. Tal medida deve ser tomada apenas pelo juiz.

Os outros cinco critérios para a determinação do valor da fiança, além das três faixas supramencionadas, são os seguintes (art. 326, CPP):

a) natureza da infração: o art. 325 encarregou-se, nos incisos I e II, de prever faixas de fixação da fiança, conforme a gravidade da infração penal, razão pela qual é desnecessário voltar a esse critério. Deve-se levar em consideração, para a subsunção da infração penal ao valor da fiança cabível, todas as circunstâncias legais de aumento ou diminuição da pena. No caso das causas de diminuição, aplica-se o mínimo, sobre o máximo em abstrato previsto para o delito. No caso das causas de aumento, coloca-se o máximo, sobre o máximo em abstrato previsto para a infração penal;

b) condições pessoais de fortuna: trata-se do principal elemento, sob pena de tornar a fiança inútil ou despropositada. Deve-se analisar a situação econômica do beneficiário, para, então, estabelecer o valor justo para ser pago ou entregue;

c) vida pregressa do acusado: são os seus antecedentes criminais. Destarte, aquele que for reincidente ou tiver maus antecedentes deve ter um valor mais elevado de fiança a pagar, diante da reiteração na vida criminosa;

d) periculosidade: trata-se de um elemento imponderável por si mesmo, constituindo a união da vida pregressa com a gravidade do crime, associado à personalidade do agente. Se for considerado perigoso, o valor da fiança deve ser mais elevado, dificultando-se a sua soltura;

e) provável importância das custas: como a lei mencionou somente custas, não se pode pensar na indenização pelo crime, nem na multa.

9.1.3   Condições da fiança

São as seguintes:

a) obrigação de comparecimento diante do juiz ou do delegado todas as vezes que for intimado para atos do inquérito ou da instrução criminal, bem como para o julgamento (art. 327, CPP);

b) obrigação de não mudar de residência sem prévia permissão da autoridade processante (art. 328, CPP);

c) obrigação de não se ausentar por mais de oito dias de sua residência, sem comunicar à autoridade o lugar onde pode ser encontrado (art. 328, CPP).

O afiançado deve manter-se em lugar de pronta e rápida localização pela autoridade. Assim, para que determinado ato processual ou procedimental se realize torna-se imperiosa a sua intimação, que contará com a necessidade de uma eficaz localização. Se ele alterar sua residência, sem comunicar onde será encontrado, não haverá condições de se proceder à intimação, podendo prejudicar o andamento processual ou do inquérito. A ausência prolongada pode sinalizar uma possibilidade de fuga, o que é incompatível com o benefício auferido. Entretanto, cremos exageradas as condições deste artigo. O importante é saber onde encontrá-lo, sem necessidade de que obtenha permissão prévia para mudar de endereço ou, então, não poder ausentar-se para uma viagem qualquer, por mais de 8 dias, se nem procurado foi nesse período;

d) obrigação de não tornar a cometer infração penal dolosa durante a vigência da fiança (art. 341, V, CPP);

e) obrigação de não obstruir ao andamento do processo (art. 341, II, CPP);

f) obrigação de cumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança (art. 341, III, CPP);

g) obrigação de cumprir ordem judicial (art. 341, IV, CPP).

9.1.4   Fiança definitiva

Significa que, quando prestada, para assegurar a liberdade provisória do indiciado ou do réu, não está mais sujeita ao procedimento verificatório, que se instaurava no passado (art. 330, CPP).

Houve época em que a fiança era provisória, isto é, para apressar o procedimento de soltura, depositava o interessado determinado valor, que poderia ser metal precioso, por exemplo, estando sujeito à verificação posterior sobre o seu real preço de mercado, além de se passar à análise das condições pessoais do beneficiário.

Atualmente, a fiança é considerada definitiva, porque tudo isso é checado antecipadamente, concedendo-se a liberdade provisória sem verificação posterior. Mas, em determinados casos, o legislador permitiu que houvesse um reforço de fiança, conforme se vê no art. 340 do CPP.

Uma das formas de prestar fiança é pelo depósito em dinheiro. Se for apresentada moeda estrangeira, faz-se a conversão, conforme o câmbio do dia, depositando-se o valor devido. Em contrário, sustentando que a lei quer referir-se à moeda nacional, razão pela qual, se for apresentada a estrangeira, deve ser equiparada a metal precioso, estão as posições de LUIZ OTAVIO DE OLIVEIRA ROCHA e MARCO ANTONIO GARCIA BAZ (Fiança criminal e liberdade provisória, p. 110).

Outra possibilidade é o depósito de pedras, objetos e metais preciosos, que dependem de um exame mais acurado, pois, diferentemente do dinheiro, cujo valor é nítido, podem apresentar distorções. Apresentar ouro, como garantia, pode significar ser um metal de 14 quilates, cujo valor de mercado é bem diferente daquele que possui 18 quilates, por exemplo. Essa é a razão de se impor, nesse caso, a avaliação do perito, que pode ser um único, nomeado pela autoridade policial ou judiciária, conforme a situação.

Existe, também, a possibilidade de apresentação de bens sujeitos à hipoteca, que, conforme dispõe o art. 1.473 do Código Civil, podem ser os seguintes: “I – os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II – o domínio direto; III – o domínio útil; IV – as estradas de ferro; V – os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI – os navios; VII – as aeronaves; VIII – o direito de uso especial para fins de moradia; IX – o direito real de uso; X – a propriedade superficiária”.

A execução da hipoteca, caso necessário, não se faz no juízo criminal. Se a fiança for perdida ou quebrada, caso tenha sido a garantia oferecida na forma de hipoteca, cabe ao Ministério Público requerer a venda, em hasta pública, do bem ofertado, para garantir o ressarcimento das custas, da indenização da vítima ou da multa, bem como dos valores que serão destinados ao Fundo Penitenciário Nacional (art. 348, CPP).

O valor correspondente à fiança deve ser recolhido ao fundo penitenciário, estadual, se houver, ou federal, computando-se correção monetária.

Os valores devem ser depositados em agência de banco estadual, existente no prédio do fórum, mas, em se tratando de crime da competência federal, normalmente segue para o Banco do Brasil S/A ou para a Caixa Econômica Federal. Se arbitrada pelo juiz, o cartório expede guia própria de recolhimento. Uma das vias será anexada aos autos, comprovando o pagamento, enquanto outra segue para a instituição financeira. Lança-se, imediatamente, o valor recolhido no Livro de Fiança, cuja existência no cartório e na delegacia é obrigatória (art. 329, CPP), anotando-se o número da conta judicial ao qual está vinculado, para efeito de futuro levantamento.

Se houver impossibilidade de pronto depósito, o que pode ocorrer nos finais de semana ou feriados, não se deve prolongar a prisão do beneficiário da fiança por conta disso. Entrega-se, então, o valor ao escrivão da polícia ou do fórum para que o depósito, em conta judicial, seja feito posteriormente.

No caso de prisão em flagrante, a autoridade que presidiu a lavratura do auto é a responsável pela concessão da fiança, desde que seja legalmente possível. A autoridade policial somente não pode fazê-lo, quando se tratar de crime apenado com pena máxima, em abstrato, superior a quatro anos. Entretanto, se quem presidir o auto for o juiz, certamente poderá ele cuidar disso, sempre que julgar apropriada a fixação de fiança.

Por outro lado, quando a prisão se der em função de mandado, competente para decidir sobre a fiança é a autoridade judiciária que a determinou ou aquela a quem foi requisitada (art. 332, CPP). Determina o art. 285, parágrafo único, d, do Código de Processo Penal, que a autoridade judiciária, ao expedir o mandado de prisão, deve fazer inserir o “valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração”. Tal providência se deve para facilitar a soltura do indiciado ou réu. Assim, tão logo seja detido, pode providenciar o recolhimento da fiança, a fim de ser colocado em liberdade provisória. Entretanto, se houve omissão, sendo afiançável a infração, cabe estabelecer o seu valor o juiz ou a autoridade policial – esta, quando não se tratar de crimes apenados com pena máxima superior a quatro anos – que houver de cumprir a ordem.

Para a concessão da fiança, não há necessidade de ouvir previamente o Ministério Público (art. 333, CPP). Em seguida, abre-se vista para sua ciência, requerendo o membro da instituição o que julgar devido, como o reforço da garantia (art. 340), ou mesmo recorrendo contra a sua concessão (art. 581, V). Aceitando que a vista seja posterior à concessão: MIRABETE (Código de Processo Penal interpretado, p. 443); FREDERICO MARQUES, citando BASILEU GARCIA (Elementos de direito processual penal, v. 4, p. 159); TOURINHO FILHO (Comentários ao Código de Processo Penal, v. 1, p. 575). Defendendo que o Ministério Público deve ser sempre ouvido antes: LUIZ OTAVIO DE OLIVEIRA ROCHA e MARCO ANTONIO GARCIA BAZ (Fiança criminal e liberdade provisória, p. 107-108).

Registremos, ainda, que a qualquer tempo, desde a prisão em flagrante até o trânsito em julgado de decisão condenatória, pode ser a fiança concedida (art. 334, CPP).

A recusa ou demora da autoridade policial para estabelecer o valor da fiança abre caminho para apresentar uma petição ao juiz, com o fim de requerê-la. O magistrado, ouvindo os motivos da autoridade que se recusou ou se omitiu em fixá-la, poderá conceder o benefício.

A redação do art. 335 do CPP, no sentido de que o preso “pode prestá-la, mediante simples petição”, ou seja, independentemente da decisão judicial, não corresponde à realidade. Quer-se dizer que o preso não precisa aguardar, indefinidamente, a autoridade policial decidir a respeito, encaminhando seu desejo de prestar fiança e obter a liberdade provisória, diretamente ao juiz. Não é preciso impetrar habeas corpus contra o delegado, bastando singelo pedido ao magistrado. Se este negar, agora sim, cabe a impetração de habeas corpus junto ao tribunal. A autoridade judiciária competente é a prevista na organização judiciária local. Havendo mais de uma, o correto é efetuar-se a distribuição imediata do inquérito, fruto do flagrante, justificador do pedido de fiança, para selecionar o magistrado competente.

Os valores dados como fiança ficam sujeitos ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, em caso de condenação (art. 336, CPP).

9.1.5   Consequências possíveis da fiança

São as seguintes:

a) fiança sem efeito: é o resultado da negativa ou omissão do indiciado ou réu em complementar o valor da fiança, reforçando-a, quando necessário. Torna-se a concessão sem efeito e o sujeito deve retornar ao cárcere. O valor que ele recolheu, no entanto, será integralmente restituído (art. 337, CPP). A restituição igualmente ocorre se o acusado for absolvido ou tiver extinta a sua punibilidade. Caso se trate da extinção da punibilidade, envolvendo apenas a pretensão executória, as custas e a indenização podem ser retidas (art. 336, parágrafo único);

b) fiança inidônea: é a denominação da fiança que não poderia ter sido concedida, seja porque a lei proíbe, seja porque os requisitos legais não foram corretamente preenchidos (art. 338, CPP);

c) cassação da fiança: ocorre quando a autoridade judiciária percebe ter sido incabível a sua fixação, seja porque o crime não comporta, porque a lei expressamente veda (como ocorre nos crimes hediondos), porque o réu é reincidente em crime doloso (certidão comprobatória que chegou atrasada, por exemplo) ou qualquer outro motivo a demonstrar que a concessão foi indevida (art. 338, CPP). Pode haver a cassação de ofício ou a requerimento do Ministério Público, não podendo a autoridade policial fazê-lo sozinha. Nessa hipótese, devolve-se o valor recolhido a quem a prestou, expedindo-se a ordem de prisão. A cassação pode ser feita, inclusive, em segundo grau, quando houver recurso do Ministério Público contra a sua irregular concessão.

O mesmo se dá se houver inovação na classificação do delito (art. 339, CPP). Acreditava-se (na polícia ou em juízo) que a infração era afiançável, porém, depois de oferecida a denúncia ou mesmo de um aditamento, nota-se não ser o caso. Exemplo: a autoridade policial, crendo tratar-se do delito previsto no art. 38 da Lei 11.343/2006 (um médico ministra, culposamente, droga em excesso ao paciente) fixa fiança para quem foi preso em flagrante. Entretanto, o promotor o denuncia por tráfico ilícito de entorpecentes (art. 33 da mesma Lei), convencendo-se ter havido dolo na conduta. Cabe a cassação da fiança, que foi indevidamente concedida, mesmo porque é vedada para esse tipo de delito. O valor será restituído a quem o recolheu;

d) reforço da fiança: significa que o valor recolhido foi insuficiente, algo que somente se constatou em verificação posterior à obtenção, pelo preso, da liberdade provisória.

São as seguintes situações, descritas no art. 340 do CPP:

d.1) quando o valor tomado for insuficiente, por ter havido engano da autoridade policial ou judiciária. Ex.: oferece-se um metal precioso, cujo valor de mercado está distante daquele apontado pela primeira avaliação. Outro exemplo: quando se enganar na faixa de fixação dos valores da fiança, cobrando a menos do que deveria (art. 325, I e II, CPP);

d.2) depreciação material ou perecimento dos bens. Essa situação pode ocorrer de diversas formas. Se o preso forneceu metal precioso, mas seu valor, no mercado, despencou, por conta da existência de uma mutação econômico-financeira qualquer, deve haver o reforço. Pode existir, ainda, o perecimento de uma aeronave, que fora dada em hipoteca, devendo o réu repor a garantia;

d.3) inovação da classificação do delito. É a situação em que, embora alterada a classificação do crime, continua a ser permitida a fiança, só que em valor mais elevado (art. 325, I e II, CPP). Deve, então, o réu cuidar de repor o seu valor. Não o fazendo, será ela tornada sem efeito, restituindo-se o valor e expedindo-se o mandado de prisão;

e) quebra da fiança: considera-se quebrada a fiança, quando o beneficiário não cumpre as condições que lhe foram impostas para gozar da liberdade provisória (art. 341, CPP).

Assim ocorre se, intimado regularmente, deixar de comparecer a importante ato do processo ou do inquérito, sem motivo justo, comprovado de pronto. Outra situação advém quando o acusado cometer nova infração penal dolosa, sem necessidade de julgamento final, pois isto iria ferir o espírito da garantia, que é colocar na rua o sujeito comprometido a não tornar a perturbar a ordem. Logicamente, caberá ao bom senso do juiz verificar o tipo de infração cometida e sua repercussão, pois pode tratar-se de algo sem relevância. Somem-se a estas, as condições fixadas no art. 328 (mudança de endereço sem prévia autorização, ausência por mais de oito dias da residência, sem comunicação do paradeiro). Além disso, provoca a quebra da fiança qualquer ato deliberado de obstrução ao andamento processual e o descumprimento de medida cautelar imposta cumulativamente à fiança.

A prática de ato deliberado de obstrução ao andamento do feito pode gerar causa para a decretação da prisão preventiva, com base na conveniência da instrução (art. 312, CPP). Além disso, o descumprimento de medida cautelar também pode dar margem à preventiva, dependendo do critério judicial (art. 312, parágrafo único, CPP).

O quebramento da fiança é, sempre, determinado pelo juiz, nunca pela autoridade policial.

A quebra da fiança provocará a perda de metade do valor apresentado como garantia, cabendo ao magistrado decidir se aplica outra medida cautelar ou decreta a prisão preventiva (art. 343, CPP);

f) restauração da fiança: uma vez cassada, autoriza-se o recurso em sentido estrito (art. 581, V, CPP), podendo, naturalmente, o tribunal dar-lhe provimento, restaurando-se, então, exatamente a fiança que fora suprimida.

Pode o magistrado, no juízo de retratação desse recurso, rever a decisão e restaurar a fiança. Lembre-se que não há efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, de modo que, tendo sido a cassação um nítido constrangimento ilegal, cabe a impetração de habeas corpus;

g) perda da fiança: ocorre a perda total do valor recolhido, a título de fiança, caso o réu seja condenado, definitivamente, e não se apresentar para cumprir a pena (art. 344, CPP). É a sanção por não ter respeitado o compromisso de se mostrar toda vez que for regularmente intimado. Ora, quando é condenado à pena privativa de liberdade, o oficial ou a autoridade encarregada de prendê-lo dirige-se ao local onde disse que estaria, não devendo haver frustração. Se lá não se encontrar é porque rompeu tal compromisso, sendo por isso sancionado com a perda total desse valor. O mesmo pode ocorrer se o sentenciado for intimado a cumprir pena restritiva de direitos e não o fizer.

Nessa situação, abate-se do valor da fiança as custas (se houver), a indenização do dano (quando existente), a prestação pecuniária (se estabelecida) e a multa (se foi fixada). O restante segue para o Fundo Penitenciário Nacional, em conta própria, hoje no Banco do Brasil S/A, ou ao Fundo Penitenciário Estadual, quando existente no Estado;

h) restituição da fiança: realiza-se quando o réu não infringir as condições – inexistindo quebra da fiança –, caso seja condenado e apresente-se para cumprimento da pena, podendo levantar o valor recolhido, com a única ressalva de serem pagas as custas, a indenização à vítima e a multa, da forma como já expusemos em notas anteriores (art. 347, CPP).

10. LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA

Há previsão legal para a concessão de liberdade provisória sem fiança, a saber:

a) quando o juiz verificar, lendo o auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato escudado por qualquer das excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do Código Penal (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal), conforme dispõe o art. 310, parágrafo único, do CPP. Falta, nesse caso, para a sustentação da medida cautelar, o fumus boni juris. A única possibilidade de segurar o indiciado preso é não acreditar na versão de qualquer excludente de ilicitude.

Entretanto, havendo fortes indícios de que alguma delas está presente, melhor colocar a pessoa em liberdade do que segurá-la detida. O ideal é que o magistrado faça isso o mais breve possível, justamente para impedir que pessoas, sob o manto protetor das excludentes – algo que pode ser ampliado também para as excludentes de culpabilidade –, permaneça encarcerada. Não tendo sido concedida de início, pode o juiz rever sua anterior decisão a qualquer tempo, inclusive durante o andamento da instrução processual;

b) quando o magistrado verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizem a prisão preventiva (art. 310, III, CPP) e não for cabível a fiança. Não há, nesse caso, periculum in mora. A medida cautelar, que foi a lavratura do flagrante, não mais se justifica, uma vez que seu contraponto, a preventiva, não preenche seus requisitos;

c) quando o réu for pobre e não puder arcar com o valor da fiança (art. 350, CPP). Não seria mesmo justo que o rico fosse beneficiado pela liberdade provisória e o pobre ficasse preso, unicamente por não dispor de recursos para custear a fiança. Estarão, nesse caso, sempre presentes as condições fixadas nos arts. 327 (comparecimento a todos os atos e termos do processo ou inquérito) e 328 (mudança de residência, sem prévia autorização ou ausência da residência por mais de oito dias, sem fornecer o paradeiro).

10.1 Inviabilidade de concessão da liberdade provisória e contradição do sistema

De tempos em tempos, o Legislativo edita leis ordinárias, buscando combater a criminalidade organizada ou violenta. Nesses pacotes improvisados, costuma-se inserir norma destinada a vedar a liberdade provisória, como se isso fosse a chave para a segurança pública. Exemplos: a) Lei 9.034/95 (antiga Lei do Crime Organizado), conforme art. 7.o; b) Lei 9.613/98 (Lavagem de Dinheiro), conforme estipulado no art. 3.o (hoje, revogado pelo advento da Lei 12.683/2012).

Vale registrar que, com a edição da Lei 11.343/2006, cuidando das drogas ilícitas, buscou-se renovar a proibição de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, às hipóteses de tráfico de entorpecentes (art. 44). No entanto, nem bem entrou em vigor, alguns meses após, surgiu a Lei 11.464/2007 retirando a proibição de concessão de liberdade provisória a todos os crimes hediondos e assemelhados, dentre estes o tráfico ilícito de drogas. Logo, por óbvio, cabe liberdade provisória a tais infrações penais.

Outra menção fundamental é a proclamação da inconstitucionalidade do art. 21 e dos parágrafos únicos dos arts. 14 e 15 da Lei 10.826/2003, que vedavam a liberdade provisória (art. 21) e a fiança (parágrafos únicos dos arts. 14 e 15), pelo Supremo Tribunal Federal, em maio de 2007.

Há determinadas incoerências legislativas que merecem reparo. É certo que o art. 5.o, LXVI, estipula que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (grifo nosso), demonstrando que é o legislador o primeiro a decidir quais indiciados ou acusados merecem e quais não merecem o benefício da liberdade provisória, um instituto típico dos casos de prisão em flagrante.

Afinal, quando não houver flagrante, descabe falar em liberdade provisória. O juiz está autorizado a decretar a prisão temporária (durante a investigação policial) ou a preventiva (durante a instrução processual, como regra), que são medidas cautelares, cujos efeitos, quando cessam, não comportam liberdade provisória, mas simples revogação da medida constritiva. Por isso, resta certa ilogicidade no sistema.

Se o indivíduo é preso em flagrante, quando a lei veda a liberdade provisória, não poderá receber o benefício da liberdade provisória, mesmo sendo primário, de bons antecedentes e não oferecendo maiores riscos à sociedade. Mas se conseguir fugir do local do crime, apresentando-se depois à polícia, sem a lavratura do flagrante, poderá ficar em liberdade durante todo o processo, pelo mesmo crime, pois o juiz não está obrigado a decretar a prisão preventiva.

Parece-nos incompreensível essa desigualdade de tratamento. Assim, o correto é exigir uniformidade de raciocínio e de aplicação da lei processual penal a todos os indiciados e acusados, não sendo cabível vedar a liberdade provisória, única e tão somente porque o agente foi preso em flagrante, pela prática de determinados delitos.

As leis que proíbem a concessão de liberdade provisória não afastam a possibilidade de relaxamento da prisão ilegal. Assim, se o flagrante lavrado não preenche os requisitos legais ou se a prisão perdura por mais tempo do que o permitido em lei, é possível haver o relaxamento. Nesse sentido, confira-se a Súmula 697 do STF: “A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo”. Anote-se que a referida Súmula foi editada antes do advento da Lei 11.464/2007, que passou a permitir liberdade provisória para os delitos hediondos e equiparados.

Por fim, deve-se ressaltar que, aos poucos, a jurisprudência vai rompendo com essas proibições lançadas em lei ordinária, buscando privilegiar a presunção de inocência e a necessariedade real da prisão cautelar. No mesmo sentido, o Legislativo tem revogado normas proibitivas da liberdade provisória, o que não deixa de ser um inconteste avanço.

▶   LEMBRETE

Em homenagem aos princípios da presunção de inocência e da legalidade estrita da prisão cautelar, não se pode mais aceitar que o legislador promova a vulgarização da proibição à liberdade provisória. O dispositivo constitucional do art. 5.o, LXVI, menciona que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Ora, a situação é nítida: a prisão cautelar é exceção; a liberdade, regra. Dessa forma, é completamente incoerente – e inconstitucional – vedar, sem qualquer justificativa plausível e sem o estabelecimento de requisitos a serem preenchidos na situação concreta, a liberdade de quem está aguardando o deslinde do seu processo criminal. Valemo-nos do mesmo argumento já utilizado em nossa tese Individualização da pena: se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena (art. 5.o, XLVI), é natural que exista a referida individualização. Os critérios para a concessão (ou negação) são legislativos, mas não se pode fazer desaparecer o direito. Por isso, foi proclamada inconstitucional, pelo STF, a proibição, pura e simples, da liberdade provisória, no cenário do Estatuto do Desarmamento e noutros casos similares.

10.2 Definição jurídica do fato e liberdade provisória

Embora o juiz, por ocasião do recebimento da denúncia ou queixa, não deva alterar a definição jurídica do fato – o que só está autorizado a fazer na fase do art. 383 do Código de Processo Penal –, pode e deve analisar o tema, sob o prisma exclusivo da possibilidade de concessão de liberdade provisória ao acusado.

Como vimos, somente para ilustrar, havia delitos, qualificados como hediondos pela lei, que não admitiam a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança. Assim, apresentando denúncia contra réu preso em flagrante por homicídio qualificado, impossibilitada estaria a concessão de liberdade provisória. Entretanto, era possível que o juiz vislumbrasse, desde logo, a possível desclassificação do delito para a forma simples ou até mesmo para a espécie culposa. Se tal ocorresse, não sendo o caso de rejeitar a denúncia, pois a qualificadora imputada encontrava respaldo nas provas do inquérito, sendo polêmica, no caso, a definição jurídica do fato, podia o magistrado, fundamentando, conceder a liberdade provisória.

Exemplo disso seria uma denúncia acoimando de fútil um homicídio praticado por ciúme. Sendo hipótese polêmica a aceitação dessa motivação do crime como fútil, embora o fato esteja constando no inquérito – o delito foi mesmo causado pelo ciúme do réu – a definição jurídica é que se poderia alterar. Não teria sentido manter o acusado preso durante toda a longa instrução do processo do júri para depois ser desclassificada a infração penal. Teria ele direito a aguardar em liberdade o seu julgamento definitivo. Era o que devia corrigir o juiz, na ocasião de deliberar sobre o direito à liberdade provisória, nas situações de hediondez. E deve continuar a desse modo agir o magistrado, em outras hipóteses similares, quando a liberdade provisória, por alguma razão, for vedada. Assim já se manifestava FREDERICO MARQUES, ao comentar a extinta hipótese da prisão preventiva obrigatória: “A qualificação do fato delituoso, na denúncia, só por si não basta para autorizar a prisão obrigatória. Se o juiz entender que esse fato se enquadra em norma penal que não autoriza a prisão preventiva compulsória, só será decretada a custódia cautelar se presente também algum dos pressupostos do art. 312” (Elementos de direito processual penal, v. 4, p. 64). Em igual sentido: TOURINHO FILHO (Comentários ao Código de Processo Penal, v. 1, p. 630).

image   Síntese

Prisão: é a privação da liberdade de ir e vir, recolhendo-se a pessoa humana ao cárcere.

Prisão temporária: trata-se de uma modalidade de prisão cautelar, cuja finalidade é garantir a investigação policial, desde que voltada a crimes de particular gravidade, devidamente descritos em lei.

Prisão preventiva: é uma espécie de prisão cautelar, com o objetivo de assegurar a aplicação da lei penal, a conveniência da instrução criminal ou garantir a ordem pública ou econômica, desde que provada a materialidade do crime e indícios suficientes de autoria.

Prisão em flagrante: cuida-se de prisão iniciada administrativamente, por força de voz de prisão dada por qualquer pessoa, independentemente de mandado judicial, formalizada pela lavratura do auto pela autoridade policial, submetida à confirmação do juiz. A partir dessa decisão, torna-se prisão cautelar, submetida aos mesmos critérios da prisão preventiva.

Prisão para recorrer: é uma espécie de prisão cautelar imposta a quem é condenado a pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semiaberto, desde que estejam presentes os requisitos da prisão preventiva.

Prisão em decorrência de pronúncia: trata-se de prisão cautelar, aplicável a quem é pronunciado para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso em crime sujeito a pena privativa de liberdade, em regime fechado ou semiaberto, desde que estejam presentes os requisitos da prisão preventiva.

Liberdade provisória: é a concessão de liberdade sob condições a quem foi preso em flagrante (excepcionalmente, para o preso por condenação ou pronúncia), para que possa aguardar a finalização do processo criminal sem necessidade de ficar recolhido ao cárcere.

Fiança: é a garantia real, consistente no pagamento de quantia em dinheiro ou na entrega de valores ao Estado, com o fim de assegurar o direito de permanecer em liberdade durante o transcurso de processo criminal.

Medida cautelar: trata-se de providência acautelatória, cuja finalidade é evitar a causação de dano ou lesão a algum direito ou interesse. No âmbito processual penal, cuida-se de instrumento restritivo de direito individual em nome do interesse coletivo, com vistas à garantia da segurança pública. A medida cautelar, diversa da prisão, consiste em qualquer instrumentalização visando ao estreitamento da liberdade de ir, vir e ficar, sem a sua completa privação.