Tendo refletido sobre nossas representações e procurado uma amostra adequada de casos a investigar que cubra a variação total dos tipos do fenômeno sobre o qual queremos aprender e refletir, estamos prontos para começar a pensar a sério. Isso significa usar conceitos, declarações generalizadas sobre classes inteiras de fenômenos, e não declarações específicas de fato, que se apliquem a pessoas e organizações em toda parte, não apenas a estas pessoas aqui e agora, ou ali e naquele momento. Muitos cientistas sociais lidam com esses problemas de maneira dedutiva, tratando conceitos como constructos lógicos que podem ser desenvolvidos pela manipulação de algumas ideias básicas. Não simpatizo muito com esses esforços, que são divorciados demais do mundo empírico para reter minha atenção. Reconheço que isto é, sob alguns aspectos, uma questão de gosto.
Um modo de análise conceitual proveitoso e mais empírico tem sido desenvolver modelos ideal-típicos, que consistem em um “conjunto sistematicamente relacionado de critérios em torno de uma questão central” que seja “abstrata o bastante para ser aplicável a uma variedade de circunstâncias nacionais e históricas”.1 Usando esse método, por exemplo, Freidson resolve o espinhoso problema de definir o conceito de “poder profissional”, criando um modelo em que “a questão central do poder profissional situa-se no controle do trabalho pelos próprios trabalhadores profissionais, e não no controle, pelos consumidores, num mercado livre, ou pelos funcionários em um Estado centralmente planejado e administrado”.
Minha maneira favorita de desenvolver conceitos, porém, é num diálogo contínuo com os dados empíricos. Como conceitos são maneiras de sumarizar dados, é importante que eles sejam adaptados aos dados que vamos sumarizar. A discussão que desenvolvo a seguir descreve truques para fazer isso, maneiras de usar nossos dados para criar ideias mais complexas, que nos ajudarão a encontrar outros problemas que merecem ser estudados e novos aspectos sobre o que estudamos, ideias que merecem ser pensadas e incorporadas à nossa análise.
Todos nós trabalhamos com conceitos. O tempo todo. Não temos escolha, como Herbert Blumer mostrou numa crítica ao que era chamado, na época em que escreveu, de “operacionalismo”. Ele observou que não era possível haver ciência sem conceitos. Sem eles, não sabemos para onde olhar, o que procurar, ou como reconhecer o que estamos procurando quando o encontramos. Psicólogos, em período de grande popularidade quando Blumer escreveu, pensavam que podiam dispensar conceitos, pelo menos aqueles definidos em termos teóricos abstratos. Pensavam que podiam evitar dificuldades crônicas com discussões sobre definições, enunciando os conceitos de maneira simples, como aquilo que mediam com as operações que utilizavam para estudar o fenômeno que investigavam. No exemplo clássico, diziam que “inteligência”, cuja definição se debatia acaloradamente, era aquilo que os testes de inteligência mediam.
Sociólogos cometeram o mesmo equívoco em relação ao conceito de atitude. Muitos pesquisadores presumiam que as pessoas tinham pensamentos, disposições ou ideias (ou alguma coisa) — sumarizados como atitudes — dentro de si, à espera de serem liberados pela situação ou estímulo apropriado. O que era uma atitude, isso não estava claro. Cientistas discutiam a definição. Mas sua incapacidade de demarcar o que era atitude não os impedia de inventar mensurações de atitude, um processo em que as respostas das pessoas a uma longa lista de perguntas produziam um número que “mensurava” sua atitude com relação a filmes, estrangeiros, escolas ou partidos políticos. Os cientistas mediam a fidedignidade e a validade de atitudes, e fabricavam estatísticas que descreviam as relações das atitudes entre si e com outros fatos referentes a pessoas. Pensavam poder mostrar que as pessoas diferiam no tocante a atitudes com relação a isso ou aquilo, e que essas diferenças se correlacionavam com outras de maneira significativa.
Críticos se queixavam de que não havia uma compreensão geral dessa coisa que estava sendo medida. Os operacionalistas furtavam-se às queixas negando que tivessem dito algo sobre o conteúdo ou significado real das atitudes medidas: estas eram simplesmente o que os testes mediam, nada mais. Ninguém acreditava nisso. Se acreditasse, teria havido muito menos pesquisas sobre atitudes, inteligência ou as outras ideias importantes definidas operacionalmente. Porque, afinal, ninguém se interessa por medidas de teste em si mesmas — somente por inteligência, atitudes raciais ou propensões à violência, ou qualquer outra coisa que o teste supostamente meça.
Uma resposta favorita a ataques aos testes de atitude ou de inteligência era: “Você não chama isso de inteligência? Ótimo. Chame de X. Certo?” Poderíamos deflectir essa resposta irritante e insatisfatória realmente passando a nos referir ao item em questão como X. “Entendo, você mostrou que crianças de diversos grupos raciais diferem por dez pontos, em média, em alguma coisa chamada X. E daí?” Mas, é claro, ninguém está interessado em resultados diferenciais de crianças negras e brancas em X. Sem conteúdo, X não tem relevância alguma para qualquer questão de teoria ou política. Mas as pessoas realmente se importam com diferenças de inteligência, porque, se existirem, elas têm sérias consequências políticas e morais de um tipo que um mero X jamais poderia possuir. Quando um crítico chamasse pela terceira vez de X o que todos os envolvidos sabiam ser realmente inteligência, a discussão ficaria mais séria.
Esta crítica pode parecer estranha e antiquada, pois poucos cientistas sociais contemporâneos admitiriam ser operacionalistas do tipo que Blumer criticou. Muitos pesquisadores contemporâneos, porém, agem como se aceitassem uma variante dessa posição. No seguinte sentido: escolhem, como “indicador” do fenômeno sobre o qual querem falar, alguma coisa que tem uma relação imperfeita, por vezes extremamente imperfeita, com o próprio fenômeno, e depois tratam o indicador como se ele fosse aquele fenômeno. Perguntam às pessoas qual é sua ocupação e tratam a resposta como uma medida da classe social, localizando a ocupação citada numa lista de empregos cujo prestígio foi medido, ou situando-a numa classificação de grandes grupos ocupacionais do Censo. Podem dizer que estão medindo o que Karl Marx, Max Weber, W. Lloyd Warner ou C. Wright Milss queriam dizer quando falavam de “classe social”, mas isso não é óbvio nem particularmente crível. Pessoas que fazem essas medições não insistem que a ocupação de uma pessoa é classe social no sentido marxista ou weberiano, uma vez que não demonstraram nenhuma relação entre os dois empiricamente, mas suas análises e discussões afirmam implicitamente essa identidade. Por mais importante que seja, a medição não contribui muito para nossa compreensão dos conceitos que usamos.
Outra maneira de definir um conceito é colher exemplos de coisas que reconhecemos como corporificando aquilo a que ele se refere, e depois procurar o que há de comum nas ideias inevitavelmente confusas e historicamente contingentes que as pessoas usam de modo rotineiro. Alguns exemplos sociológicos comuns desse trabalho conceitual são habilitação, crime ou profissão. Tentamos formular uma definição que inclua todas as coisas que consideramos semelhantes e exclua as diferentes. Ficamos embaraçados se alguém consegue mostrar que alguma coisa que não considerávamos pertencente à nossa coleção de fato se enquadra nos termos da definição. Assim, pesquisadores tentaram definir “profissão” como um tipo especial de trabalho, diferente de outras ocupações. O que queriam incluir no agregado que sua definição reunia eram ocupações altamente respeitadas e bem-remuneradas, como medicina e advocacia. Assim, formularam sua definição arrolando os traços que caracterizavam essas ocupações. (Freidson, em Professionalism Reborn, faz uma cuidadosa exposição desses problemas e oferece soluções realistas e úteis para eles.)
Invariavelmente, um crítico industrioso e esperto encontrava uma ocupação que correspondia a todas as exigências da definição (longos anos de formação, um corpo de conhecimento especial, autorização pelo Estado e assim por diante), mas claramente “não se enquadrava”. O trabalho de encanador costumava se prestar bem para esse tipo de trapaça teórica. Encanadores têm os atributos incluídos nas definições-padrão de profissão: um corpo especial de conhecimento (experimente consertar seu próprio esgoto), longos anos de formação, autorização estatal e o resto. Mas “todo mundo sabe” que o trabalho de encanador não é uma profissão. O aparente paradoxo surge porque os itens da coleção cuja definição é formulada para abranger foram escolhidos com base numa variável não reconhecida: o prestígio social da ocupação. Se houvesse uma correlação perfeita entre prestígio e os demais critérios, não haveria problema. Mas não há.
Questões como essa surgem em muitas áreas do trabalho sociológico. O truque teórico que ajuda a resolvê-las é reconhecer que aquilo que faz parte da coleção a ser abrangida pela definição governa o tipo de definição a que chegaremos. E coletar os exemplos é o tipo de problema de amostragem considerado no Capítulo 3. Portanto, procuramos respostas para perguntas como: como construímos essas coletas? O que tipicamente excluímos? E que mal faz ser seletivo em nossas escolhas de exemplos? Problemas de definição surgem exatamente porque escolhemos essas coleções de modos que desconsideravam a injunção do Capítulo 3 de incluir em nossa amostra a variedade mais ampla possível de casos de um fenômeno. Aqui estão mais dois exemplos em que o mal é mais substancial, ou pelo menos mais visível, que no caso de “profissão” (que é, pelo menos na superfície, sobretudo um embaraço conceitual, embora as implicações políticas da definição desse termo sejam bastante sérias, como mostra Freidson).2
Sociólogos, economistas e outros cientistas sociais recorrem, implícita ou explicitamente, à ideia de “habilitação”. Afirmam que diferenças na remuneração, por exemplo, resultam da escassez de habilitações reais, de modo que pessoas que possuem habilitações raras são mais bem pagas. Que tornaria uma habilitação escassa? Uma coisa seria a distribuição diferencial de talento natural para exercê-la. Pessoas desafinadas teriam dificuldade em aprender a tocar centenas de músicas de ouvido, como eu tinha de fazer para conservar um emprego de pianista em bares. Algumas pessoas são capazes de manipular números facilmente e poderiam ser em especial boas na contabilidade, escrita fiscal ou para lidar com o dinheiro alheio. Algumas têm grande habilidade com uma agulha, e podem costurar e fazer tricô ou crochê primorosamente. Algumas têm jeito para lidar com pessoas, sabem como mitigar seus temores ou fazer com que se sintam à vontade. Algumas aprenderam a ter determinação e são boas nisso; são capazes de tomar decisões numa situação difícil, enquanto nós ficamos em volta chupando o dedo.
Outro fator que contribui para a escassez de uma habilitação pode ser o tempo de prática o ou dinheiro necessário para adquiri-la. Segundo essa teoria, as pessoas não investiriam muito do tempo e energia que poderiam investir em outra coisa se isso não fosse compensador. Assim, o número de pessoas desejosas de adquirir uma habilitação cairá se as recompensas ao seu exercício forem baixas. Se todos agirem dessa maneira economicamente racional, o número de pessoas em cada ocupação atingirá um equilíbrio num preço que os usuários se disporão a pagar pela habilitação, e os praticantes aceitarão receber.
Podemos certamente fazer uma longa lista de habilitações que as pessoas tiveram ao longo dos séculos. Seu exame deixaria claro que nem todas são igualmente recompensadas. Uma habilitação por si só não produz grandes recompensas. É preciso ter uma habilitação desejada por alguma outra pessoa que se disponha a pagar por ela. Se você dispuser de uma habilitação muito rara e intensamente desejada por pessoas muito ricas, será recompensado com generosidade. Se, por exemplo, for um dos poucos capazes de restaurar obras de arte danificadas possuídas por pessoas ricas que lhes atribuem extremo valor, será bem-pago para exercer essa habilitação. Se tiver uma habilitação que muitos outros têm — se for um dos milhões capazes de aprender rapidamente a preparar hambúrgueres numa franquia de fast-food, um grupo que tem mais integrantes do que qualquer um precisa —, você receberá o salário mínimo legal (ou menos, se os patrões pensarem que não serão pegos). Mesmo uma habilitação muito rara, porém, não lhe será de nenhum proveito, a menos que pessoas ricas o bastante para remunerá-la à razão que você gostaria realmente tenham desejo e necessidade dela. Minha capacidade de tocar centenas de músicas não era muito valorizada, porque as únicas pessoas que a desejavam eram regentes de orquestras e donos de bares que podiam, se isso ficasse caro demais, se arranjar com pianistas que sabiam muito menos que eu.
A demanda por habilitações varia historicamente. Conjunções temporárias de circunstâncias podem elevar o valor de habilitações que em geral não valem muito. Hobsbawm, em Labouring Men, descreveu a vitória improvável de um grupo de operários “não especializados” na grande greve do gás de Londres, em 1896. A cidade, na época, era iluminada em grande parte com gás natural, manufaturado pela coqueificação do carvão — isto é, pelo aquecimento do carvão em grandes fornos, de modo que o gás que continha fosse liberado para ser captado e canalizado para casas e fábricas. Quem fazia os fornos funcionarem — jogando o carvão dentro deles e mantendo-os acesos — eram operários não especializados. Qualquer pessoa podia trabalhar ali. Aquilo nunca exigira treinamento especial, além do que se adquiria na prática. Assim, quando os operários que faziam esse trabalho entraram em greve, tanto a sabedoria convencional quanto a teoria econômica diziam que era improvável que pudessem vencer.
Mas eles venceram a greve e obtiveram um generoso acordo dos patrões, que eram capitalistas tão gananciosos quanto poderíamos supor. Como os trabalhadores venceram? Hobsbawm mostra que esses operários não especializados tinham na realidade algumas habilitações muito importantes, e que uma conjuntura incomum de circunstâncias na época da greve havia tornado essas habilitações mais valiosas para os empregadores que de hábito. Formulemos a pergunta desta maneira: por que os empregadores não contrataram simplesmente outros homens não especializados para jogar carvão nos fornos? Por que não esperaram que a greve terminasse, manipulando a opinião pública para fazer seus teimosos empregados parecerem responsáveis pelo desconforto que as famílias estavam sofrendo e, assim, obrigá-los a ceder?
Os empregadores não deram esses passos óbvios por várias razões. Os fornecedores de gás estavam enfrentando uma nova concorrência na forma da eletricidade. Ainda uma novidade, a eletricidade era potencialmente uma maneira boa de iluminar casas, e se a greve se prolongasse por algum tempo, os clientes poderiam ser tentados a experimentar a nova forma de energia. Quanto mais a greve se prolongasse, mais clientes os fornecedores de gás perderiam para a eletricidade.
Além disso, os empregadores não poderiam substituir aqueles operários não especializados tão facilmente quanto poderíamos supor. Sem dúvida o que eles faziam não requeria grande escolaridade. Mas as máquinas de que cuidavam, embora não altamente técnicas, e portanto não exigindo, digamos, conhecimento de engenharia para seu manejo, eram velhas e cheias de manhas. Os fabricantes de gás vinham sendo negligentes, recolhendo seus lucros e submetendo a maquinaria apenas à manutenção estritamente necessária. Assim, as máquinas funcionavam, mas, como toda máquina velha, exigiam muito tato. Era preciso saber quando e onde aplicar um bom chute no forno. Estas talvez não fossem habilitações no sentido convencional, mas se os homens que os abasteciam de carvão não as possuíssem, os fornos não funcionavam. Os patrões poderiam contratar outros trabalhadores não especializados, mas, sem aquele conhecimento especial, os novos homens não conseguiriam fazer o trabalho.
Essa combinação de circunstâncias deu àqueles operários não especializados algumas habilitações pelo menos temporariamente valiosas, e eles tiraram proveito delas com habilidade para conseguir salários maiores. A lição importante para nós é que uma mesma habilitação pode ser especializada ou não, dependendo das circunstâncias. O significado do conceito de habilitação depende dos casos que temos em mente quando a definimos.
Assim, se você quiser aumentar seus ganhos negando-se a exercer uma habilitação, ela precisa ser tal que alguém com dinheiro a deseje. Suponha que você tenha as habilitações, elas sejam escassas e as pessoas as queiram, mas esses compradores potenciais de seus serviços prefeririam não lhe pagar tanto quanto suas habilitações poderiam valer no mercado livre. Este, a meu ver, é o sentido da pesquisa e do trabalho sobre o chamado “valor comparável”. Aqui está o problema: muitas pessoas pensam que as mulheres sofreram historicamente, e ainda sofrem, discriminação no mercado de trabalho. Uma grande variedade de estudos estatísticos mostra que os empregadores pagam menos às mulheres que aos homens sempre que podem. E quem pode acusá-los? O capitalismo, como disse Marx, é um sistema duro e empregadores que pagam mais do que precisam pelos componentes de seus produtos logo serão excluídos do mercado por fabricantes mais astutos, que conseguem vender o mesmo produto mais barato.
O exemplo dos operários do gás lança alguma luz sobre esse problema. Suponha que a lei finalmente proíba toda e qualquer discriminação com base no gênero; as mulheres devem receber tanto quanto os homens que fazem o mesmo trabalho. As mulheres continuarão ganhando menos. Por quê? Porque a distribuição de homens e mulheres entre as ocupações é distorcida. Nenhuma mulher joga na liga principal de beisebol e há muito poucos enfermeiros homens, e os jogadores da liga ganham muito mais que enfermeiras. Um número desproporcional de professores de primeiro grau é do sexo feminino; um número desproporcional de executivos de empresas é do sexo masculino. Se todos os enfermeiros, seja qual for o seu gênero, ganharem o mesmo, e todos os executivos, homens ou mulheres, ganharem o mesmo, mas os mesmos enfermeiros ganharem menos que os executivos, no fim das contas as mulheres ganharão menos em média, porque haverá um número maior delas em empregos menos bem-remunerados.
Como essa iniquidade pode ser sanada? Alguns reformadores atacaram o modo como as escalas de remuneração são estipuladas (os órgãos governamentais são os mais vulneráveis a esses ataques), observando que os salários são estipulados com referência às habilitações supostamente requeridas para a execução do trabalho, mas habilitações importantes em “ocupações femininas” (isto é, ocupações cujo contingente é na maioria de mulheres) são ignoradas ou não altamente valorizadas nessas análises. Se habilitações técnicas forem mais valorizadas que aquelas necessárias para lidar com situações sociais complexas, e os empregos que as mulheres têm maior probabilidade de obter — como os de enfermeira e professora — exigem menos habilitações técnicas e mais habilitações no campo das “relações humanas”, as mulheres ganharão menos mesmo que possuam habilitação igualmente elevada, embora em áreas diferentes.
Os defensores do statu quo argumentarão, é claro, que não é possível demonstrar que essas habilitações são comensuráveis. Mas esse, é claro, é o xis da questão. Se não forem, é porque não chegamos a um acordo sobre como medir habilitação. Mas, nesse caso, como sabemos que as habilitações dos homens valem mais? E é exatamente esse julgamento que está incorporado nas próprias escalas salariais atacadas.
Demorei muito tempo para introduzir a questão conceitual porque ela reside em exemplos como os que dei, não em palavreado abstrato. O problema é que conceitos pressupõem que examinemos a variação total das coisas que abrangem quando os formulamos e definimos. Agora podemos ver uma das razões da minha ênfase anterior em métodos de amostragem que produzam exemplos dessa variação. Se excluirmos alguns fenômenos por causa de ideias preconcebidas convencionais ou por qualquer outra razão que discuti anteriormente, nossos conceitos serão falhos. As generalizações de que esses conceitos são componentes conterão muito ruído, variação aleatória que nada tem de aleatoriedade, sendo antes o resultado de tendenciosidades sociais sistemáticas na seleção de casos que usamos para definir nossos conceitos.
O mesmo raciocínio se aplica ao conhecido fenômeno do crime do colarinho-branco. Por que Edwin Sutherland considerou necessário dedicar seu discurso presidencial na American Sociological Association (1940) ao tema do crime do colarinho-branco? Porque queria acusar seus colegas de um erro conceitual que tinha um fundamento similar na amostragem inadequada baseada em preconceitos convencionais e socialmente aprovados. Revistas e livros de criminologia, na época em que Sutherland proferiu seu ataque, estavam cheios de teorias sobre crime e pesquisas sobre crime. O que era crime, essa coisa de que todas essas teorias e pesquisas tratavam? Era a atividade que violava a lei criminal. Isso parecia bastante razoável. As pilhas de pesquisa que haviam sido feitas mostravam que o crime se relacionava estreitamente com pobreza, lares desfeitos e todos os outros índices convencionais da então chamada “patologia social”. Sutherland fez uma pergunta simples: como pode isso ser verdade quando há crimes cometidos por pessoas muito abastadas, que não exibem os sinais convencionais de patologia social, e pelas maiores e mais respeitadas empresas do país, que também não provinham de lares desfeitos?
A resposta era bastante simples. Ninguém, com certeza nenhum criminologista convencional, pensava que os crimes cometidos por pessoas abastadas e empresas eram, de alguma maneira fundamental, crimes “de verdade”. Ademais, os acusados envolvidos raramente viam-se condenados por violações criminais porque os casos eram muitas vezes julgados como ações civis. Se não havia condenações criminais, como poderia haver algum criminoso? O governo, de modo típico, estava mais interessado em fazer os maus sujeitos interromperem seus golpes pelo correio e suas fraudes com títulos e em obrigá-los a indenizar os que haviam sido enganados do que em mandar alguém para a cadeia. Mas isso não era uma consequência natural da natureza dos crimes, que podiam ser também processados sob estatutos criminais, e ocasionalmente o eram. Resultava de julgamentos feitos por promotores públicos que exerciam a liberdade que a lei lhes concedia para adotar procedimentos criminais ou civis.
Os promotores tinham outras razões para não exigir condenações criminais. Como a pesquisa posterior de Katz mostrou,3 crimes do colarinho-branco e crimes do tipo mais convencional diferem sob um outro aspecto importante. No crime comum, não há dúvida de que um delito foi cometido. Alguém foi roubado ou atacado. A pergunta é: quem fez isso? No crime do colarinho-branco, por outro lado, não há dúvida quanto à autoria. A grande cadeia de armazéns de fato rotulou carne que pesava 800 gramas com a etiqueta de um quilo. A questão não é quem fez isso, mas se isso é ou não um crime. Tal coisa, afinal, poderia ter acontecido porque a balança estava com defeito sem que a companhia soubesse, ou porque um açougueiro trapaceiro embolsava parte do lucro, ou por qualquer de várias razões que mostrariam que a empresa não tivera intenção criminosa. Assim, por ambos os conjuntos de razão, criminosos do colarinho-branco são condenados por crimes com muito menor frequência que criminosos comuns.
O raciocínio impecável de Sutherland era que, se decidíamos não incluir os crimes cometidos por pessoas ricas e empresas ao calcular nossas correlações, assegurávamos o resultado de que o crime estava correlacionado à pobreza e a tudo que a acompanha Não porque de fato estava, mas porque estávamos usando um conceito falho, que pretensamente continha todos os membros de uma dada classe, mas excluía um grande número desses membros com base na razão não examinada do prestígio social. Não tínhamos um achado empírico, mas um artefato criado por definição.
Defendendo-se de Sutherland, criminologistas convencionais argumentaram, essencialmente, que “todo mundo sabia” que essas pessoas ricas e empresas não eram “realmente criminosas”. Isto é, se aceitássemos a ideia convencional de criminoso — um valentão com máscara no rosto que pula de trás dos arbustos, enfia um revólver nas suas costelas e pega seu dinheiro, um sujeito que faz do crime uma carreira, vive uma vida de crime, partilha a cultura do crime com outros semelhantes a ele (e esses criminosos eram, no pensamento convencional, homens, é claro) —, ficava claro que as pessoas agradáveis de terno e gravata que tomam nosso dinheiro à plena luz do dia sobre uma escrivaninha num escritório elegante, e as organizações em cujos prédios esses escritórios se situam, não se parecem em absoluto com isso. Podem tomar nosso dinheiro, mas não com um revólver; de fato, do modo como o fazem, podíamos nem perceber que havíamos sido roubados, a menos que alguém nos mostrasse.
Sutherland chegou à sua compreensão do crime do colarinho-branco usando um truque baseado num traço comum da vida organizacional. Como sugeri na discussão da amostragem, de forma típica, as organizações mentem acerca de si mesmas. Se isso for severo demais, eu diria que procuram dar a melhor impressão possível e preferem não mencionar coisas que as fariam parecer más, em especial quando esses eventos e atividades podem ser interpretados, plausivelmente, como desvios aleatórios ou falhas de caráter atribuíveis a indivíduos, coisas que, de todo modo, ninguém poderia esperar que uma empresa conseguisse evitar. Esta é a explicação geral que departamentos de polícia dão quando um de seus policiais é pego comportando-se mal: “Há algumas maçãs podres em todo o cesto.” A justificativa é destinada a opor-se a qualquer sugestão que admitiria a hipótese mais sociológica de que o cesto apodrece as maçãs — isto é, que a organização e a cultura do departamento poderiam desencaminhar policiais que em outras circunstâncias seriam cumpridores da lei.
Cientistas sociais serão induzidos em erro se aceitarem as mentiras que as organizações contam acerca de si mesmas. Se, em vez disso, procurarem lugares onde essas histórias não se sustentam, os eventos e atividades que as pessoas que falam em nome da organização ignoram, acobertam ou minimizam, encontrarão uma opulência de coisas para incluir no corpo de material a partir do qual constroem suas definições. O truque de Sutherland era simples. Ele procurava fatos que as empresas não poderiam incluir em seus relatórios anuais: os processos civis contra elas e os acordos que haviam feito para sustá-los; e as violações de lei criminal que os sociólogos não levavam em conta porque as empresas haviam conseguido evitar um processo criminal, resolvendo-as como matérias de lei civil.
Quando encontramos eventos e fatos que não são explicados nas histórias convencionalmente contadas sobre uma classe de organizações, em geral encontramos um novo elemento, ou “variável”, que precisa ser incorporado na definição do problema sob estudo. Uma versão mais geral do truque de Sutherland produz a teoria da rotulação do desvio.4 Da seguinte maneira: a história convencional sobre desvio é que as organizações responsáveis por lidar com ele realmente o fazem com eficácia. Podem não impedir que ele aconteça — departamentos de polícia podem não ser capazes de controlar todo policial velhaco —, mas uma vez que se saiba que aconteceu, descobrem-no e punem-no. Empresas podem não ser capazes de impedir empregados de fraudar clientes, mas pegam e punem os fraudadores.
Mas quando descobrimos que nem todos os desvios são detectados, e que a seleção de quais devem ser detectados não é aleatória, temos boas razões para pensar que encontramos uma outra peça no quebra-cabeça — a saber, um passo no processo de identificação e punição que consiste em não detectar certas pessoas e não punir algumas que foram detectadas. Assim ficamos sabendo que “desvio” inclui tanto a possível infração de uma lei ou regra quanto um processo de agir de alguma maneira contra quem quer que seja suspeito de ter cometido a infração. Quando observou que alguns que cometiam crimes não eram tratados da mesma maneira que outros, Sutherland viu que havia descoberto alguma coisa.
Lembremos que o que Sutherland descobriu não era um grande segredo. Toda organização aplica as regras pelas quais é responsável de uma maneira parcial e arbitrária. A originalidade de Sutherland consistiu em fazer dessa arbitrariedade o objeto de estudo. (Retornarei a essa distinção entre a infração da regra e a percepção e punição da infração da regra no Capítulo 5, quando examinarmos os usos da lógica combinatória para a pesquisa social.)
Todos estes exemplos mostram que os conceitos que não cobrem a variação completa dos casos a que pretensamente se aplicam são falhos. Generalizações que incluem conceitos falhos como termos da equação explanatória não explicarão tudo que afirmam explicar, como as explicações do crime baseadas em atividades de delinquentes juvenis não podiam explicar os crimes das grandes empresas. Incluir a variação total dos casos nos obriga a rever nossas generalizações, torná-las mais complexas e mais interessantes. Então, contendo menos ruído e menos variância injustificada, elas explicarão mais do que se destinam a explicar.
O truque aqui, para repetir, é reconhecer que as definições de conceitos repousam no que os exemplos em que se baseiam têm em comum. Por mais abstrata (ou “teórica”) que seja a definição resultante, ela exibe as marcas dessa seleção de casos muitas vezes não examinada. É por isso que insisti na necessidade de se buscarem representações que ampliem nossas ideias sobre o que poderia estar presente no mundo que estudamos. Se nossas representações forem baseadas numa amostra distorcida, teremos problemas. Se procurarmos sistematicamente casos excluídos, nosso trabalho ficará melhor.
Para recapitular nossos resultados até agora: definimos conceitos (em contraposição a descobrir sua verdadeira natureza), e nossas definições são moldadas pela coleção de casos que temos em mãos para com ela pensar sobre o problema. Suponha que reunimos uma boa coleção de casos e queremos avançar com a criação de um conceito útil. Como proceder? É verdade que isso requer alguma imaginação, alguma associação livre e alguma consulta do que outros disseram no passado, mas podemos fazer tudo isso e ainda não saber como criar um conceito. O que fazemos realmente?
Cientistas sociais fazem essa pergunta a si mesmos quando começam a colher dados sem ter muita noção do que é de verdade o problema que estão estudando. Isso acontece com mais frequência do que gostamos de admitir. Ocorre, por exemplo, quando concordamos em estudar um problema “prático”, definido por sua importância para as pessoas envolvidas nele. (Como muitas pesquisas são financiadas porque os problemas são prática e politicamente importantes, essa situação é comum.) “Os estudantes negros estão recebendo um tratamento equitativo na educação?”; seja como for que qualquer destes termos seja definido, esta não é uma pergunta formulada em termos sociológicos. Isso não significa que não seja importante ou interessante, mas sim que, ao estudá-la, teremos de transformá-la numa questão sociológica antes de termos alguma coisa de especial a dizer a seu respeito. Por enquanto, porém, não sabemos qual será essa questão. Só saberemos isso depois que examinarmos que tipos de organizações, instituições e processos estão envolvidos na produção desse problema (que tipo de máquina opera para fazer as coisas acontecerem daquela maneira), e somente nossa pesquisa nos dirá isso.
Assim, encontramo-nos com uma grande quantidade de dados, tentando descobrir o que poderia estar em questão do ponto de vista sociológico. Estudantes que se veem nessa dificuldade costumam dizer que querem “simplificar seu problema”, expressão ritual que algum professor lhes ensinou para evitar que a questão se torne complicada demais. Para estudantes, mas não só para eles, isso significa encontrar uma maneira de dizer alguma coisa que será defensável contra todos os ataques; se tornarem o problema estreito o bastante, poderão descobrir tudo a seu respeito, resolvê-lo de maneira conclusiva, e nenhum dos vagos inimigos que percebem à sua volta poderá pegá-los. (Discuti esses temores em Writing for Social Scientists.)
Estudantes que estão aprendendo a fazer trabalho de campo comumente sofrem dessa doença. Quando afinal conseguem tomar coragem e entrevistar alguém, não sabem o que perguntar. Quando observam alguma situação social, não sabem ao certo o que constitui seus “dados”, quais das coisas que veem e ouvem deveriam registrar. Isso ocorre porque não sabem qual é o seu problema, o que estão estudando. Sabem que devem fazê-lo, então registram tudo. Pelo menos aparentemente. Em consequência, suas anotações são dispersas, essencialmente incoerentes; suas entrevistas são vagas porque não dão às pessoas com quem estão falando nenhuma orientação sistemática sobre o que gostariam de saber.
Mas há alguma ordem no que fizeram, porque não podemos tomar as mais simples decisões a menos que tenhamos alguma ideia sobre o que estamos fazendo. Foi a representação que têm de pessoas, lugares e situações como os que estão examinando que os levou a fazer o que quer que tenham feito, a perguntar o que perguntaram, a dar atenção ao que deram, a ignorar o que ignoraram. Agora eles devem descobrir o que tinham em mente que os levou a fazer tudo isso. O problema é descobrir a representação que os levou a essa situação embaraçosa.
Meu truque nesses casos é uma versão de um velho jogo de salão. No jogo alguém diz, por exemplo, “Nine Wagner” [Nove Wagner]. O objetivo é adivinhar a pergunta para a qual essa é a resposta. Nesse caso, a pergunta que provoca essa resposta é: “Quem escreveu essa peça? Mozart?” E a resposta (tomei liberdades com a ortografia) é “Nein! Wagner!” [Não! Wagner!]. Assim, tentando descobrir o que está fazendo, você diz para si mesmo: “Os dados que tenho aqui são a resposta para uma pergunta. Que pergunta poderia eu estar fazendo para a qual estas anotações que tomei seriam uma resposta razoável?” Peço aos estudantes que releiam suas anotações com isso em mente, que façam de conta que fizeram tudo que fizeram com um intuito e conseguiram realizar exatamente o que pretendiam. Assim descobrirão o que fizeram.
Esse exercício em geral deixa os estudantes infelizes. Eles veem que, qualquer que fosse a ideia vaga que tinham em mente ao começar seu trabalho, não chegaram nem perto de pô-la em prática. Pressupostos não expressos e representações não reconhecidas — sobre o problema, porém mais provavelmente sobre o que podem esperar razoavelmente das pessoas em matéria de colaboração — os levaram a investigar tópicos que não pretendiam e que não os interessavam, geralmente assuntos sem importância e superficiais cuja virtude era virem à mente quando a conversa arrefecia. Os estudantes queriam saber sobre padrões de organização social, mas, sob a pressão de se comportarem como pesquisadores bem-informados, quando sabiam que não o eram, perguntavam às pessoas que entrevistavam e com quem conviviam sobre ninharias. Queriam saber sobre inquietação entre os operários de fábrica que estavam observando, mas só conversaram com eles sobre a comida no restaurante da empresa ou o jogo de futebol da véspera na televisão. E sabem que não se trata disso. Não fizeram o que deveriam ter feito para descobrir o que queriam saber.
Digo-lhes que não fiquem infelizes. Agora sabem o que estavam “realmente investigando”, sobre o que estavam perguntando em suas primeiras tentativas, e sabem que o que ficaram sabendo não era o que queriam saber. Cientes disso, podem mudar de direção, reformular suas perguntas e ter algo diferente para pôr em suas anotações. Agora é mais provável que seus dados digam respeito ao que querem investigar. E, se ficar claro que talvez não sejam capazes de ver alguma coisa que consideram importante, ou de perguntar algo que considerem importante, podem pensar em maneiras alternativas de chegar ao que lhes interessa.
Suas perguntas reformuladas constituem o princípio da construção conceitual. Eles veem aquilo em que não estão interessados e sobre o que não querem saber. Em geral não acham isso muito emocionante e pensam que desperdiçaram tempo numa direção errada. Mas não o fizeram. Só podem dizer que X não lhes interessa ao ter alguma noção do que lhes interessaria. Nomear o objeto de interesse é o início da conceituação.
Dei a impressão de que esse truque só poderia ser praticado por sociólogos que trabalham com dados qualitativos, não aprisionados por projetos de pesquisa, capazes de continuar mudando de ideia à medida que pesquisam. Na verdade, a introdução de microcomputadores na vida sociológica cotidiana libertou os sociólogos quantitativos de sua dependência dos supercomputadores, das longas esperas que essas máquinas provocavam entre ter uma ideia, pensar como testá-la nos dados disponíveis e realmente obter os resultados. Libertada do supercomputador, a análise quantitativa é muito mais interativa. As pessoas fazem análises fatoriais, que antigamente exigiam um ano de cálculos à mão, durante o tempo que levam para encher de novo a xícara de café. Tendo o custo do cálculo baixado de maneira tão drástica, pesquisadores podem fazer análises só por fazer, para testar um mero palpite.5 E isso por sua vez significa que também os pesquisadores quantitativos podem inspecionar as respostas que têm para ver que perguntas elas implicam. Os mesmos truques funcionarão para eles.
Esta é uma maneira um pouco diferente de tirar partido do reconhecimento de que conceitos são definidos. Sociólogos, preocupados em generalizar, querem estabelecer que o que estudaram não é o único caso do gênero. De que adiantaria obter um conhecimento seguro sobre algo se não fosse possível aplicar esse conhecimento em nenhum outro lugar? A preocupação é cultuada na conhecida distinção entre ciências idiográficas e nomotéticas. Os estudantes, em especial, penso eu, querem inserir seu caso (a coisa que estudaram) em alguma categoria conceitual, pela excelente razão de que, se conseguirem fazê-lo, todas as justificações para o estudo daquelas coisas estarão prontas e facilmente disponíveis.
Mas há um problema nisso. Não está claro que você pode dizer alguma coisa muito útil se focalizar apenas o que é comum a seu caso e a outros com que ele partilha a condição de membro de alguma classe. Quanto mais seriamente consideramos um caso, quanto mais nos esforçamos para compreendê-lo por completo, de modo que não haja nada sobre ele que precisemos esconder ou ignorar, mais difícil se torna vê-lo como “exatamente igual” a qualquer outro caso com que se assemelhe superficialmente.
Considere isso como uma escolha entre deixar a categoria conceitual definir o caso e deixar o caso definir a categoria. Deixamos a categoria definir o caso quando dizemos que o que estudamos é um caso de x, digamos, de burocracia, modernização, organização ou qualquer dos outros conceitos comuns que usamos para compreender o mundo social. Isso nos leva (não necessariamente, mas com muita frequência na prática) a pensar que tudo que é importante sobre o caso está contido no que sabemos sobre a categoria. Assim, analiticamente, temos apenas de examinar o caso para ver se ele tem todos os atributos que um membro daquela categoria deve possuir, sendo portanto uma das coisas descritas por aquele conceito. Checamos, por exemplo, se nosso caso tem todos os traços que, segundo Max Weber, uma burocracia deve apresentar. Nossa análise está completa quando mostramos que ele de fato tem todos esses traços (ou a maioria deles) e explicamos por que não tem os que não estão presentes. Ignoramos aqueles elementos do caso cuja presença ou ausência a descrição da categoria ignora. Essa estratégia nos ajuda a desenvolver uma teoria acrescentando casos à coleção de exemplos do tipo, e variações a ideias e princípios que outros desenvolveram para explicá-los. Isso é algo semelhante ao trabalho científico normal de articulação descrito por Kuhn.6
Quanto mais o mundo, tal como exemplificado em nosso caso, incluir exatamente o que nosso conceito inclui, e nada mais, melhor nossa análise funciona. Mas o mundo quase nunca é exatamente como o imaginamos. De fato, essa similaridade tão rara talvez só ocorra sob circunstâncias muito especiais. Acontece, por exemplo, quando fazemos nosso conceito sob medida para se ajustar a uma ocorrência particular. Se construo uma teoria da revolução generalizando a partir da Revolução Norte-Americana ou da Russa, minha teoria se ajustará ao caso em que a baseei. O mundo e nosso conceito se assemelham um ao outro, também, quando temos controle suficiente sobre o mundo para fazer com que ele se ajuste exatamente às nossas categorias. Latour explica que a ciência “funciona”, isto é, suas previsões são verificadas na prática, porque os cientistas podem mudar o mundo até que ele se assemelhe ao contexto em que fizeram suas descobertas. Louis Pasteur só conseguiu proteger vacas contra o antraz por meio de vacinação quando convenceu os fazendeiros a reproduzir em suas fazendas as características essenciais de seu laboratório. Diz ele: “Fatos e máquinas são como trens, eletricidade, pacotes de bytes de computador ou legumes congelados; podem ir para qualquer lugar, contanto que os trilhos pelos quais viajam não sofram a menor interrupção.”7 É extremamente difícil assentar os trilhos pelos quais a ciência social pode se deslocar. Um número grande demais de outras pessoas tem ideias conflitantes sobre como o mundo social deveria ser arrumado para que possamos arranjá-lo de modo a que nossas teorias funcionem. Assim, esses trilhos são mais bem-assentados em simulações por computador e, por vezes, em experimentos de laboratório. Diferentemente de Pasteur, cientistas sociais raramente podem convencer alguém a transformar suas casas ou comunidades reais (não simuladas) nos trilhos sobre os quais nossa teoria poderia correr.
Assim, a estratégia de deixar o conceito definir o caso é capaz de muita coisa, mas tem um preço: não vemos e investigamos aqueles aspectos de nosso caso que não estavam na descrição da categoria com que começamos. As coisas que deixamos de fora, contudo, retornam para nos incomodar. Quer as incluamos em nossa investigação ou não, elas ainda estão lá e continuam a operar na situação que estudamos, quase certamente influenciando os fenômenos que queremos compreender. Faz sentido incluí-las em nossa análise mesmo que nosso conceito não dê espaço para elas. E este é o argumento em favor da estratégia alternativa: deixar o caso definir a categoria. Como no exemplo anterior, tome a Revolução Norte-Americana como modelo e defina uma categoria que tenha todos os atributos (absolutamente todos, porque não sabemos o que excluir) desse caso. Tudo que descobrirmos sobre o caso se torna uma parte crucial do conceito. Que conseguimos fazer com isso? É possível criar uma generalização que funcione dessa maneira?
Deixar o caso definir o conceito nos permite determinar dimensões que poderíamos ver variando em outros casos. Descobrimos que os executivos de associações de poupança e empréstimo às vezes furtam dinheiro manipulando regras bancárias cuja complexidade torna difícil para os promotores decidir se o que fizeram é indiscutivelmente um crime. Isso identifica um aspecto de “crime” que não veríamos em casos de agressão física, nos quais ninguém duvida de que dar uma cacetada em alguém é crime. A generalização que resulta do nosso estudo é que a clareza ou ambiguidade da criminalidade de uma ação, e as coisas que afetam isso, são algo a incluir em todos os estudos futuros sobre “crime”. De certo modo, o resultado de trabalhar desta maneira não é um maior número de respostas, mas um maior número de perguntas.
Fiz um movimento sub-reptício na análise acima quando disse que seu resultado era um novo aspecto do crime a ser incluído em pesquisas futuras — a clareza ou a ambiguidade da criminalidade de uma ação. Vou explicar agora o que estava envolvido nesse movimento. Os sociólogos muitas vezes não conhecem quaisquer etapas intermediárias entre os fatos brutos do caso que estudaram e as categorias mais amplas, mais gerais, de análise social. Assim, podem descrever os achados de sua pesquisa sobre, digamos, o consumo de álcool e dar um salto a partir disso para falar sobre identidades ou auto-percepções, ou algum outro aspecto extremamente abstrato da organização ou da interação social. Em geral, nossa pesquisa nada tem de muito novo a dizer sobre auto-percepções ou identidade. Os pesquisadores costumam usar essas ideias gerais para orientar seu trabalho, para sugerir uma abordagem global e um conjunto muito geral de perguntas que poderiam fazer. As ideias servem como o que Lewontin chamou de “metáforas informadoras e organizadoras”, cujo papel é “introduzir ordem na confusão”.8 O que os pesquisadores que as utilizam descobrirem provavelmente não levará a nenhuma reformulação dessas ideias ou questões gerais. Na pior das hipóteses, o pesquisador anuncia com triunfo que o que estudou era de fato um caso do desenvolvimento da identidade ou do caráter adaptativo da organização social. Esse tipo de resultado não é útil para ninguém. Não acrescenta grande coisa a qualquer justificação que as teorias muito gerais a que está associado já tenham. E as teorias gerais não acrescentam muito aos estudos específicos. O conselho que oferecem é geral demais.
O que é útil é a descrição de algo mais geral que os fatos particulares que descobrimos, mas menos geral que noções de identidade e interação social. Algo intermediário, algo como as “teorias de médio alcance” para as quais Robert Merton nos alertou. Passei das condenações de executivos de instituições de poupança e empréstimo para a ideia da clareza ou ambiguidade da criminalidade de uma ação, mas não expliquei como o fiz. Quando ensino trabalho de campo, muitas vezes dou esse tipo de salto ao discutir as possíveis extensões dos achados de um aluno. Este é o aspecto do que faço que provoca com mais frequência a impressão de que algum tipo de truque mágico está sendo executado, que a maneira como passo de A para B não é algo que se possa aprender a imitar.
Durante os 25 anos em que lecionei na Universidade Northwestern, minha sala ficava sempre ao lado da de Bernard (ou Bernie) Beck, um dos grandes mestres e pensadores da sociologia, cujas qualidades são menos conhecidas do que deveriam. Aprendi mais com ele do que jamais poderei retribuir, em boa parte escutando, sem que ele percebesse, suas conversas com estudantes de pós-graduação sobre seus trabalhos em andamento. Nada do que ouvi foi mais útil para mim que seu truque para chegar a esse nível intermediário de pensamento acerca de um resultado de pesquisa. Como ele nunca publicou seu truque, que tem a elegância da simplicidade, tomo a liberdade do empréstimo.
Beck diz ao aluno que colheu alguns dados e agora está tentando compreender do que trata sua dissertação de pesquisa: “Diga-me o que encontrou, mas sem usar nenhuma das características definidoras do caso real.” Vou usar minha própria tese, um estudo das carreiras de professores de primeiro grau em Chicago, como exemplo.9 Se eu fosse um aluno pedindo a Beck que me ajudasse a descobrir que generalização minha pesquisa poderia produzir, ele provavelmente teria me perguntado primeiro o que eu realmente descobrira sobre os professores de Chicago. Eu poderia ter oferecido esta conclusão:
Esses professores fazem sua carreira mudando-se de uma escola para outra dentro do sistema escolar de Chicago, em vez de tentar cargos mais elevados, mais bem-remunerados, ou de se transferir para outros sistemas em outras cidades. Seus movimentos entre cargos no sistema escolar podem ser compreendidos como uma tentativa de encontrar uma escola em que as pessoas com quem interagem — alunos, pais, diretores, outros professores — atuariam mais ou menos da maneira como esperariam.
Se eu tivesse falado tudo isso a Beck, ele teria me pedido, usando esse truque: “Diga-me sobre o que é a sua pesquisa, mas agora você está proibido de usar as palavras ‘professor’, ‘escola’, ‘aluno’, ‘diretor’ ou ‘Chicago’.” Para atender-lhe, eu teria de escolher palavras mais gerais que as particularidades do meu caso, mas não tão gerais que eu perdesse a especificidade do que descobrira. Se eu começasse a falar sobre “identidade” ou “escolha racional” ou abstrações semelhantes de alto nível, perderia o que havia aprendido sobre movimentos de carreira resultantes de escolhas entre situações de trabalho mais e menos confortáveis. Portanto, eu poderia ter respondido que meu estudo mostrava como pessoas em sistemas burocráticos escolhem entre cargos potenciais avaliando a maneira como todos os demais participantes vão tratá-los e escolhendo lugares onde o equilíbrio será melhor, levando-se em conta o que quer que estejam tentando maximizar.
Foi assim que dei o passo do fato de que executivos do setor bancário furtam para minha declaração acerca da clareza ou ambiguidade da criminalidade de uma ação. Reformulei a afirmação de que “os executivos de associações de poupança e empréstimo às vezes furtam dinheiro manipulando formulários bancários cuja complexidade torna difícil para os promotores decidir se o que fizeram é indiscutivelmente um crime” sem usar nenhuma das particularidades. Não mencionei “executivos”, “poupança e empréstimo” ou qualquer dos outros detalhes. Disse a que classe cada um deles pertencia, e assim acabei falando sobre a ambiguidade da criminalidade de uma ação, uma dimensão que poderia ser útil no estudo de qualquer atividade criminosa. Eu poderia dar mais um passo e falar sobre algo menos específico que lei criminal — regras em geral —, e isso me permitiria introduzir casos tão interessantes quanto a validade de certas jogadas no beisebol, que dependem de regras tão ambíguas quanto qualquer uma do direito criminal.
Você poderia argumentar que, afinal, beisebol e negócios bancários não têm muito em comum. Certo. Cada vez que fazemos uma comparação como esta e encontramos tal similaridade constatamos também imediatamente tal diferença. Tanto a similaridade quanto a diferença nos dão categorias sobre as quais devemos pensar e que temos de usar em nossas análises. A similaridade diz, como forma de comparação: “Todo conjunto de regras é claro em certo grau e ambíguo em outro.” A diferença diz, como forma de outro tipo de generalização: “Dentro das organizações (como no beisebol e nos negócios bancários) em que regras são feitas e aplicadas, outras coisas ocorrem, de modo que essas regras variarão ao longo de uma dimensão que vai da clareza à ambiguidade.” O estabelecimento de comparações desse tipo revela outras complexidades na criação e aplicação de regras, complexidades que podem ser examinadas em futuras pesquisas.
A consequência imediata desse resultado é que todo estudo pode dar uma contribuição teórica, acrescentando alguma coisa nova que precisa ser pensada como uma dimensão daquela classe de fenômeno. Isso só não seria verdadeiro quando os dois casos fossem idênticos sob todos os aspectos — mas isso é tão improvável que não vale a pena temê-lo.
Aqui está uma abordagem diferente à mesma ideia. Embora pensemos sobre eles, especulemos sobre eles e os definamos, os conceitos não são simplesmente ideias, ou especulações, ou matéria de definição. De fato, os conceitos são generalizações empíricas que cabe testar e refinar com base nos resultados empíricos da pesquisa — isto é, no conhecimento do mundo.
Em geral temos dificuldade em aplicar conceitos a casos reais de fenômenos sociais: eles de certo modo se ajustam, mas não exatamente. É por isso que raras vezes definimos um fenômeno por um único critério sem ambiguidade. Não dizemos: “Se tiver tromba, é um elefante, sem dúvida;” ou: “Se as pessoas trocam bens com base em preço, é um mercado.” Se falássemos assim, saberíamos com certeza se um caso era ou não uma das coisas em que estávamos interessados. (Isto é uma espécie de exagero. Mesmo assim, teremos todos os problemas associados à decisão do que é uma tromba ou uma troca com base em preço.)
Os conceitos que nos interessam, contudo, em geral têm múltiplos critérios. Max Weber não definiu burocracia por um só critério. Deu uma longa lista de traços característicos: a existência de arquivos escritos, cargos definidos como carreiras, decisões tomadas por regras e assim por diante. De maneira similar, os cientistas sociais de hábito definem cultura segundo múltiplos critérios: ela consiste em compreensões partilhadas, transmitidas de uma geração para a seguinte; em proposições que corporificam os valores básicos de uma sociedade e assim por diante.
No mundo em que vivemos, contudo, os fenômenos raramente têm todos os atributos exigidos para que sejam, sem ambiguidade, membros de uma classe definida por múltiplos critérios. Uma organização tem arquivos escritos, e toma decisões por regras estritas, mas não tem carreiras para os funcionários. É uma burocracia ou não? Certa organização tem, no papel, todos os atributos que Weber atribuiu a uma burocracia, mas é do tipo em que acontecem coisas como as que vemos neste incidente (relatado por Gordon e colegas num estudo do acesso do público à informação que devia estar legalmente disponível em repartições de cidades, do município e do estado em Illinois, sob várias leis relativas à liberdade de informação):
Quando um professor do Centro de Assuntos Urbanos da Universidade Northwestern procurou alguns dados sobre eleições em Chicago, por exemplo, foi-lhe dito clara e repetidas vezes, em pessoa, por um funcionário de sobrenome irlandês, que esses dados, embora legalmente públicos, não estavam disponíveis. Um dia, quando ele insistia em que deveriam estar disponíveis, um funcionário de sobrenome italiano passou os olhos no nome do professor na solicitação escrita e interrompeu para perguntar: “Masotti. É italiano?” O dr. Masotti disse que sim e falou brevemente em italiano com o funcionário; este então chamou um outro sujeito italiano que, após 30 minutos de trabalho, produziu um conjunto completo dos dados inicialmente “não disponíveis”.10
Mesmo que tenha arquivos, regras e todos os outros critérios weberianos, isso é uma burocracia?
Uma primeira razão que torna importantes essas discussões sobre definições é que os títulos descritivos que corporificam esses conceitos raramente são neutros, sendo usados como termos de elogio ou censura. “Cultura”, por exemplo, é quase sempre boa coisa (“burocracia”, como no exemplo acima, é quase sempre má). Assim, parece-nos importante decidir, acima de considerações técnicas, se podemos dizer que um grupo tem cultura ou não. Não queremos recompensar com a aprovação indicada por esse título honorífico um bando de gente que não o merece. Suponhamos que os membros de um grupo partilhem compreensões, um elemento que mencionei acima como muitas vezes incluído em definições de cultura, mas inventem essas compreensões quando necessário, em vez de transmiti-las de geração para geração. Isso é uma cultura ou não? Alguns cientistas sociais não gostariam de dar a um “mau” grupo que faz essas coisas (por exemplo, um bando delinquente) a honra de ter uma “cultura” real; querem guardar uma palavra tão boa para organizações louváveis.11 (Um problema interessante surge quando historiadores descobrem que o que pareciam ser tradições hereditárias que corporificavam valores primordiais etc., havia na verdade sido inventado não muito tempo antes, assim como descobriram que a cultura escocesa tal como corporificada nas tradições dos antigos clãs e seus tartans costumeiros havia sido inventada por comerciantes de lã com excesso de mercadoria em estoque.)
Um outro problema pode ser formulado de maneira mais técnica: suponha que você tem x critérios para um objeto e chama os objetos que têm todos os critérios x de O. Que nome você dá aos objetos que têm x – 1, x –2 ou x – n dos critérios? A solução simples é chamá-los não-O e ignorar a diferença entre eles — isto é, tratá-los como se a única coisa importante a seu respeito fosse o que não são. Mas isso muitas vezes é insatisfatório porque dificilmente algum dos objetos que estudamos tem todos os critérios; em vez disso, apresentam diferentes misturas deles — o que Wittgenstein chamou de “semelhanças de família”. As burocracias que estudamos são parecidas, mas não idênticas como as moléculas de cobre. Podemos, é claro, dar um nome a cada combinação de possibilidades. Na realidade, raramente o fazemos, porque esse expediente gera depressa um número muito grande de possibilidades com que não estamos teórica ou praticamente preparados para lidar. (Métodos para manipular a complexidade existem, vou discuti-los no Capítulo 5.)
Assim, conceitos como burocracia são na realidade, tal como usualmente os usamos, generalizações que dizem: “Vejam, esses critérios x realmente andam juntos, mais ou menos, o tempo todo, o bastante para que possamos alegar que estão todos presentes em cada objeto O, embora quase todos os Os tenham de fato a maioria deles, não todos.” Isso gera um problema porque muitos dos nossos casos não funcionam como a teoria diz, precisamente porque lhes falta um atributo importante, responsável por esse aspecto do comportamento de O.
Muitas vezes podemos contornar essas dificuldades, porque o número de casos é pequeno ou porque não faltam aos objetos que colhemos atributos importantes para o problema que estamos tentando resolver. Mas quando não podemos, deveríamos reconhecer que nosso “conceito” não era apenas uma ideia, mas uma generalização empírica que dizia que todos aqueles critérios andavam juntos.
Um bom exemplo tomado do mundo dos assuntos práticos tem a ver com o conceito de “residir” em algum lugar. Quando o Censo de 1960 deixou de contar grande número de homens jovens negros, as consequências políticas obrigaram os estatísticos e pesquisadores de survey a considerar com seriedade o problema. A questão prática que o comitê de pesquisa encarregado do problema teve de enfrentar foi como conduzir o Censo seguinte de modo a contar pessoas não registradas na vez anterior.12 O Censo dos Estados Unidos deve contar as pessoas onde elas residem, para fins de representação política, de modo que a questão assumiu um duplo aspecto: como podemos encontrar as pessoas onde elas residem de modo que preencham nossos formulários, e o que significa residir em algum lugar (porque se compreendermos o que significa residir em algum lugar saberemos como encontrá-las)?
As discussões do comitê de especialistas revelou uma profunda ambiguidade na noção de residir em algum lugar. O que significa isso? Para cada critério proposto, era possível imaginar uma exceção perfeitamente razoável. Você reside onde dorme: se estou em férias no México, resido no México? É onde você dorme usualmente: sou um caixeiro-viajante, não durmo usualmente em nenhum lugar particular. É onde você recebe sua correspondência: muitas pessoas pegam sua correspondência em agências do correio ou na livraria City Lights em São Francisco, mas não residem nesses lugares. É onde você sempre pode ser encontrado: para mim, no momento, esse lugar é São Francisco, na Califórnia, mas certamente não passo todo o meu tempo lá. É onde você guarda suas roupas, é onde…
Para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, todos esses lugares são um só. Elas em geral dormem no lugar em que recebem correspondência, que é também onde guardam suas roupas e podem ser encontradas mais facilmente. Mas para a maioria das pessoas, em algumas ocasiões, e para algumas delas o tempo todo, esses são lugares diferentes: guardam suas roupas num lugar e dormem em outro. Para elas o conceito simplesmente não é adequado e, se quisermos levá-las em conta, teremos de decompô-lo nos indicadores que o integram e tratar cada um em separado. Em outras palavras, temos de nos dar conta de que a generalização empírica corporificada no conceito não é verdadeira: todos aqueles critérios não andam juntos o tempo todo.
Podemos utilizar o fato de elementos constitutivos de um conceito não se manterem unidos como gostaríamos como o ponto inicial para expandir nossa teoria do mundo e torná-la mais complexa. Marisa Alicea fez isso em seu estudo sobre migrantes que retornam a Porto Rico — gente que, tendo se mudado de San Juan ou Ponce para Nova York ou Chicago, volta depois para a ilha.13 Ela mostrou que, de fato, essas pessoas se transferem com frequência de cá para lá entre suas duas moradas. Assim, é enganoso pensar nelas como migrantes, e muito mais realista e útil considerar que têm, como ela diz, “duas bases de moradia”. Levar esse resultado a sério significa que mais um “fato” incorporado no conceito de “residir em algum lugar” — que as pessoas “residem” num único lugar — deve ser visto como simplesmente mais uma possibilidade que pode ou não ser verdadeira num dado caso.
Algumas vezes perturbei ouvintes com exemplos deste tipo, que parecem acarretar um construtivismo extremo, que torna impossível qualquer pesquisa. Eles ficam em especial perturbados quando, após o exemplo de “morar em algum lugar”, menciono o modo como Harold Garfinkel14 desconcertou demógrafos descrevendo o caso de Agnes, um transexual que havia mudado de gênero socialmente e depois fisicamente, e perguntando em seguida como o Censo poderia ter certeza de haver classificado alguém corretamente como homem ou mulher. Seria preciso baixar as calças de cada um para ter certeza da classificação? — perguntou ele. Se não podemos usar nem ideias tão simples quanto residir em algum lugar ou ser homem ou mulher, como podemos observar ou contar alguma coisa?
A pesquisa de Alicea mostra que ver o conceito como uma generalização empírica nos ajuda a evitar erros analíticos. Convencionalmente, pensamos que migrantes residem num único lugar de cada vez e que, quando se deslocam, deixam de residir onde costumavam e passam a fazê-lo em algum outro lugar. Bom, é claro que vão para algum outro lugar. Mas na realidade têm algum tipo de residência (que tipo, é claro, é a pergunta pesquisável que faz com que valha a pena entrar nesse tipo de complicação) em dois lugares, tanto nos Estados Unidos quando em sua cidade natal em Porto Rico. Não podemos supor que residir no segundo lugar significa exatamente o mesmo que significava quando moravam onde costumavam, antes de migrar. Antes de se mudar, podiam pensar no Lar1 como o único que tinham. Tendo adquirido o Lar2, porém, podiam decidir que não precisavam abrir mão do primeiro, podendo passar a ir e vir entre os dois, assim como pessoas com algum dinheiro vão para suas casas de campo todo ano. O patético da história é que talvez essas pessoas não tenham, em nenhum dos dois lugares, algumas das boas coisas que um “verdadeiro lar” nos dá, como uma base econômica segura ou uma base afetiva de pessoas que nos conhecem e amam. (Mas ter dois lares tampouco é necessariamente uma privação. A pesquisa de Carol Stack mostra como crianças pobres que podem “fugir” e morar por algum tempo com um vizinho ou parente dois números adiante na mesma rua podem se beneficiar de seus múltiplos lares.)
O truque de ver conceitos como generalizações empíricas ajuda a resolver problemas criados pela insistência inteiramente irrefletida de que todas as propriedades de um conceito andam sempre juntas. Dissociá-las e tratá-las como capazes de variar de maneira independente transforma um problema técnico numa oportunidade para crescimento e articulação teóricos.
Uma vez lecionei uma disciplina intitulada “Clássicos da pesquisa social”. Um dos livros que lemos no curso foi o de Jane Mercer, Labeling the Mentally Retarded, um estudo sobre o modo como o rótulo “retardado mental” era aplicado nas escolas de Riverside, na Califórnia. Esse estudo prova, tão bem quanto só um ideólogo gostaria de ver provado, que retardo fronteiriço (em contraposição ao retardo “real” que é acompanhado por deficiências físicas óbvias etc.) é uma doença que garotos mexicanos e negros contraem quando entram na escola e da qual se curam ao deixá-la.
Um dia, senti-me compelido em aula a fazer uma preleção sobre a ideia de que todos os termos que descrevem pessoas são relacionais — isto é, só têm sentido quando considerados como parte de um sistema de termos. Esta não é uma ideia nova. Eu a vi formulada dessa maneira pela primeira vez por um historiador marxista (talvez E.P. Thompson ou Eric Hobsbawm) que disse que “classe” era um termo relacional: expressões como “classe média” ou “classe trabalhadora” só têm significado uma em relação à outra, ou em relação a “classe alta”, e o significado é o caráter da relação. “Classe trabalhadora” significa que o sujeito trabalha para pessoas que são membros da “classe proprietária”.
Isto parece bastante óbvio. Mas é uma dessas coisas óbvias que as pessoas reconhecem e depois ignoram. Como a ignoram? Imaginando que uma classe, por ter uma cultura ou modo de vida característico, seria o que é em qualquer sistema de relações em que estivesse inserida. Não quero dizer com isto que não há culturas de classe, mas sim insistir em que tais culturas resultam do fato de algum grupo de pessoas estar relacionado com algum outro de uma maneira que cria, pelo menos em parte, as condições em que seu modo de vida característico se desenvolve.
Significado semelhante foi associado à ideia de um país ser “subdesenvolvido”. Nesse caso, isso era feito pelo estratagema simples de tratar “subdesenvolvido” como particípio passado do verbo “subdesenvolver-se”, o que deixava óbvio que havia alguns outros países ou organizações que faziam aquele subdesenvolvimento ser o que era. Nesse caso, há obviamente duas coisas distintas: ser subdesenvolvido só tem sentido em relação a outros lugares que são desenvolvidos, e a distribuição do “desenvolvimento” como um traço é criada pelas ações deliberadas de algumas dessas outras organizações.
Considerei isto em aula quando uma das alunas, uma psicóloga clínica que achou difícil aceitar as conclusões de Mercer, insistiu em que retardo mental não era, afinal de contas, apenas uma questão de definição ou de relações. Pelo menos, disse ela, há alguns casos em que as crianças são profundamente retardadas. Comecei minha resposta perguntando aos alunos se achavam que eu era alto ou baixo. (Eu tenho 1,78m, o que, naquela época, não me tornava particularmente alto, mas tampouco baixo.) Eles pareceram confusos e fizeram um gesto que indicava que eu era mediano. Insisti numa resposta e, é claro, não puderam dá-la. Contei que costumava ser um dos membros mais baixos do corpo docente quando tinha um colega que media 2,04m e outro que media 1,97m, mas havia ficado mais alto desde que eles haviam ido embora. Perguntei a uma aluna japonesa visitante se não era verdade que eu seria alto no Japão. Ela riu, embaraçada, e finalmente disse que sim. Acrescentei que, quando estava no curso secundário, tinha uma altura razoável para jogar basquete, mas hoje já não teria, e continuei mostrando que não poderíamos desejar conhecer um fato mais real que a altura — certamente tão real, digamos, quanto o retardo ou a inteligência.
O truque nesse caso é situar qualquer termo que pareça descrever um traço de uma pessoa ou grupo no contexto do sistema de relações a que pertence. Isso nos mostra que o traço não é apenas o “fato físico”, ou seja o que for, mas sim uma interpretação desse fato, uma atribuição de significado a ele, que depende das outras coisas a que esteja ligado. A primeira coisa a que ele está ligado são outros traços, aos quais foram igualmente atribuídos significados, de modo que eles constituem um sistema de possibilidades. A escala que vai de “profundamente retardado” a “retardado”, a “normal”, a “bem-dotado” e chega a “gênio” é um bom exemplo.
Mas, podemos continuar analisando, a que mais esse sistema está conectado? Por que essas distinções parecem “naturais” para uma pessoa não mais que razoavelmente sensata? Por que parecem razoáveis o bastante e importantes o bastante para orientar nossa conduta? Salientei que eu mesmo era “profundamente” retardado… na área do desenho. Nunca consegui desenhar uma árvore ou um cachorro como os dos “bons desenhistas” da minha turma. Em consequência, sempre me sentira envergonhado. Essa incapacidade havia afetado minha vida de algumas maneiras não desprezíveis. Uma outra aluna confessou ser “profundamente retardada” na área da música, tão incapaz de cantar uma canção que recebera ordem de simplesmente fechar a boca quando sua turma no curso primário cantava em festas.
Por que essas declarações eram irônicas, não sérias? Porque, obviamente, essas incapacidades “não fazem nenhuma diferença”. Nada de realmente mau nos acontece se não somos capazes de desenhar ou cantar. Pode ser desagradável e medianamente vergonhoso. Desejaríamos talvez ser capazes de fazer essas coisas simples com tanta facilidade quanto os outros. Mas nosso mundo não está organizado de maneira a exigir que sejamos capazes de cantar ou desenhar.
Nosso mundo, contudo, está organizado de tal modo que as pessoas devem ser capazes de fazer algumas coisas que os “retardados” não podem realizar com facilidade, ou bem, ou em absoluto. Para ser bem-sucedido, pelo menos num nível que algumas pessoas e instituições definem como mínimo, é preciso ser capaz de ler um pouco, saber um pouco de aritmética, entender o que está se passando e assimilar vários tipos de ideias e habilidades num certo tempo, ler mapas, ver as horas, compreender instruções e assim por diante. De outro modo, você é “obtuso”.
Lewis Dexter, escrevendo sobre “The politics of stupidity”, mostrou que todas essas habilidades resultam do fato de nossos ancestrais e contemporâneos terem construído e conservado um mundo que as torna mais ou menos necessárias.15 Seria possível construir um outro tipo de mundo em que uma necessidade similar de graciosidade física e destreza faria parte dos atributos físicos indispensáveis. Nesse mundo, poderia ser necessário, para abrir uma porta, executar algum movimento físico bastante complexo que seria difícil para os desajeitados; certas pessoas muito desajeitadas não seriam capazes de abri-la de maneira alguma. Poderíamos chamar essas pessoas de “palermas” e mandar construir entradas especiais, nos lugares, para seu uso, quem sabe lhes dar algumas aulas corretivas na esperança de recuperá-las para uma vida produtiva, embora talvez fôssemos forçados a concluir tristemente que sua dotação genética tornava isso impossível.
Assim, há uma grande diferença entre um traço físico e sua importância social. Todos nós temos todo tipo de traços, apenas alguns dos quais são socialmente marcados como importantes por causa da maneira como estão inseridos num sistema de relações. Eles se tornam importantes quando a organização dos arranjos materiais e sociais os tornam “necessários”. Consideremos a altura. Se você for mais ou menos alto que uma determinada faixa, nossos arranjos físicos tornam isso inconveniente. Se você for baixo demais, seus pés não alcançarão o chão quando se sentar em cadeiras padrões; se for alto demais, baterá a cabeça na moldura da porta se não tiver cuidado. Nossos arranjos sociais são um pouco mais clementes; mesmo assim, mulheres muito altas e homens muito baixos estão expostos a dificuldades para encontrar parceiros que os outros não têm.
Tudo isso tem uma dimensão histórica. Vários séculos atrás, a altura média das pessoas era menor do que é hoje — assim, os vãos de porta construídos nos séculos XV e XVI, a menos que tenham sido reformados, vão surpreender as pessoas e fazê-las dar cabeçadas. Ou tomemos a habilidade de fazer contas simples. Qualquer pessoa, agora, que não consiga fazer somas, subtrações e outras operações aritméticas simples é certamente “obtusa”, talvez “retardada”. Mas essas habilidades nem sempre foram exigidas. Patricia Cline Cohen mostrou em A Calculating People que foi só num momento avançado do século XIX que o norte-americano comum realmente começou a precisar dessas habilidades; antes disso, lojistas e escriturários podiam precisar delas, mas não uma pessoa comum. Ela chama essas habilidades de numeracy, em analogia a literacy. O termo enfatiza que exatamente porque essas são hoje habilidades socialmente valorizadas, incorporadas a nossas operações cotidianas, que as consideramos tão importantes; numa época anterior podiam ser ornamentos culturais interessantes, como cantar e tocar flauta, mas certamente não “importantes”.
Habilidades e traços não se tornam apenas mais importantes; ficam também menos importantes. O livro de Diana Korzenik, Drawn to Art, descreve as mudanças, em diferentes momentos, da importância da habilidade para desenhar na sociedade norte-americana. Em meados e no final do século XIX, algumas pessoas importantes concluíram que a razão pela qual os Estados Unidos estavam ficando para trás na industrialização era que os americanos não sabiam desenhar. Muitas invenções e adaptações no maquinário eram feitas no chão de fábrica, onde operários criavam melhoramentos e invenções com base em sua experiência minuciosa das operações envolvidas. Para que essas invenções se concretizassem, os operários precisavam saber desenhar projetos a partir dos quais as peças e equipamentos necessários pudessem ser construídos. Mas os trabalhadores norte-americanos não haviam sido instruídos em desenho mecânico e não eram tão bons nisso quanto, por exemplo, os trabalhadores alemães. Medidas foram tomadas: um movimento para proporcionar cursos corretivos para adultos, de modo que os trabalhadores pudessem adquirir essa necessária habilidade; uma pressão para que o desenho fosse ensinado de maneira mais sistemática nas escolas primárias. Porém essa ênfase no desenho teve uma duração relativamente curta; outros desenvolvimentos fizeram com que o desenho afinal não fosse tão importante, o que significou que, na década de 1930, eu pude fazer todo o curso primário e ser considerado um aluno brilhante embora não soubesse desenhar (e tivesse, ademais, uma caligrafia horrível, o que teria sido uma grave deficiência na era pré-máquinas de escrever).
Quem é capaz de dizer quais traços são importantes o bastante para serem transformados na base de distinções sérias e decisivas? Por vezes são nossos colegas próximos que decidirão por si mesmos se minha incapacidade para desenhar ou sua incapacidade para fazer contas ou a incapacidade dela de cantar são sérias o bastante para assegurar um tratamento especial negativo, ou se minha capacidade de lembrar e tocar imediatamente um milhar de músicas populares no piano ou sua capacidade de imitar Cary Grant, Groucho Marx ou Judy Garland asseguram recompensas especiais. Por vezes, e é aí que os resultados de Mercer são tão importantes, a decisão é posta nas mãos de profissionais especializados, que possuem métodos esotéricos especiais para fazer essas determinações. Um dos achados verdadeiramente chocantes de Mercer é que desproporções raciais e étnicas flagrantes naquilo que se rotula como retardamento não aparecem quando professores encaminham crianças de suas turmas para testes de inteligência — entre as crianças encaminhadas, revela-se a mesma proporção de mexicanos, negros e anglo-saxões que na população escolar geral. Não, a super-representação flagrante de mexicanos só aparece quando os testes são aplicados e quando a decisão de classificar uma criança como retardada é tomada por alguém que não tem contato com a criança na realidade da sala de aula e não pode interpretar os resultados crus dos testes à luz de outros conhecimentos sobre a criança. Assim, a profissionalização dessas decisões, através do desenvolvimento de especialidades e monopólios ocupacionais, é outra importante variável histórica que afeta a maneira como “traços individuais” podem ser incorporados num conjunto de relações sociais que os tornam importantes.
Política e poder afetam de maneira semelhante o modo como sistemas de relações tornam alguns traços importantes. Se um traço negativo está sendo atribuído a indivíduos, pessoas poderosas conseguem muitas vezes impedir que isso aconteça consigo ou com os seus. Se algo de bom está sendo distribuído, elas farão o possível para obtê-lo para si e para os seus. Na década de 1980, o Congresso dos Estados Unidos (presumivelmente tentando dar às pessoas de classe média algo para compensar os recursos especiais que se destinavam à educação das crianças mais pobres, chamadas “desprotegidas”) autorizou um programa para crianças “bem-dotadas e talentosas”. Suponho que a distinção espelha, do lado positivo, a diferença entre “profunda” e “levemente” retardado.
Esse programa criou um problema para professores de artes visuais nas escolas públicas: como selecionar as crianças que são bem-dotadas ou talentosas e por isso merecem instrução e oportunidades extras? Embora os pais de classe média estejam, em geral, mais interessados em outros tipos de habilidades e talentos que os associados às artes visuais, se há alguma coisa a ganhar, eles a querem. Desejam-na com tal intensidade que os que decidem quem deve obter esse tratamento especial precisam de uma maneira cientificamente defensável de fazer as escolhas envolvidas. E foi assim que fui parar numa conferência que, pelo título, devia ser sobre “criatividade” nas artes, mas revelou-se de fato ser sobre: “Você é capaz de criar um teste para alguma habilidade tal que eu possa dizer aos pais que as crianças entraram no Programa para Bem-Dotados e Talentosos com base nos resultados fornecidos por ele, e por favor me deixe em paz, não posso fazer nada se o resultado de seu filho foi baixo?”
Assim o problema dos professores tornou-se um problema dos aplicadores de testes. O que medir para avaliar habilidade em artes visuais? Esse foi um problema sério porque é muito mais difícil concordar quanto a um critério em arte do que em matemática ou leitura. Há, contudo, uma coisa que “todo mundo sabe” ser importante para artes visuais, e calha de ser a coisa que eu não sei: desenhar. Infelizmente, não é óbvio que a capacidade de desenhar, mesmo supondo que ela possa ser testada com relativa facilidade, esteja estreitamente relacionada a, digamos, sucesso como artista visual, não mais que habilidades conceituais como a capacidade de visualizar relações espaciais ou a sensibilidade para cor ou qualquer outra coisa. Além disso, é óbvio que, usando um critério de sucesso como artista, você poderia incluir habilidades sociais e de negócios, como capacidade de se promover. Ademais, algumas artes visuais, sobretudo a fotografia, não exigem absolutamente nenhuma habilidade para desenhar, de modo que qualquer teste baseado em desenho cometeria necessariamente alguns erros gritantes.
Qual é o sentido desta longa digressão sobre “bem-dotados e talentosos”? O poder dos pais da classe média pode afetar a maneira como esse sistema de relações é montado e torná-lo, assim, mais ou menos importante, e mais ou menos disponível para pessoas de diferentes tipos. Mas seu poder pode não ser suficiente para superar o poder dos profissionais bem- estabelecidos em cujas mãos essas determinações caíram.
Outra coisa que este exemplo mostra é que há pelo menos dois tipos de sistemas de relações envolvidos. Num deles, a posição considerada desejável é no meio, na média de qualquer coisa que esteja sendo medida, como altura. Isso lembra a sugestão de Everett Hughes, discutida antes, de que examinemos desvios em relação à média em duas direções, procurando tanto as pessoas que têm mais de alguma coisa quanto as que têm menos. No exemplo dele, não se deseja desviar da maneira modal de organizar as relações sexuais, seja sendo “pior” que outros (de maneiras que produzem rótulos como “devasso” ou “prostituta”) ou “melhor” (sendo, digamos, um “santarrão”). Em outros sistemas relacionais, contudo, as reputações e seus resultados ficam “melhores” quanto mais você avança numa direção, e piores quanto mais avança na outra. A inteligência, e também outros traços, como habilidade artística, são assim.
Para resumir este conjunto de truques: insira os termos no conjunto completo de relações que eles implicam (como “alto’” implica “baixo” e “talentoso” implica “não talentoso”). Depois examine como esse conjunto de relações está organizado agora e foi organizado em outros tempos e em outros lugares (como ao compreender que não saber aritmética tem um significado diferente e consequências diferentes hoje e 150 anos atrás). Finalmente, veja como as coisas vieram a ser organizadas da maneira como estão agora, e que conexões com outros arranjos sociais sustentam esse conjunto de relações.
Há anos tenho um exemplar de Investigações filosóficas de Ludwig Wittgenstein, mas o li do modo como Everett Hughes me disse que lesse os escritos de Georg Simmel: não para obter uma plena compreensão do que o autor poderia ter querido dizer, mas como uma maneira de gerar ideias que eu pudesse usar em minhas próprias pesquisas e em meu pensamento. Uma das ideias de Wittgenstein tornou-se uma parte habitual de meu repertório. Como foi provocada por uma passagem das Investigações, penso nela como o truque de Wittgenstein.
Ao discutir os problemas filosóficos da intenção e da vontade num dos parágrafos numerados que compõem o livro, Wittgenstein faz esta observação: “Não nos esqueçamos disto: quando ‘eu ergo meu braço’, meu braço se levanta. E surge o problema: o que resta se eu subtrair o fato de que meu braço se levanta do fato de que ergo meu braço?”16 Essa é a essência do truque: se eu retirar de um evento ou objeto X alguma qualidade Y, o que sobra?
Este truque nos ajuda a eliminar o que é parte de uma ideia por acidente ou contingência daquilo que está em seu núcleo; nos ajuda a separar o que é central para nossa imagem de um fenômeno do exemplo particular em que ele está inserido, como Wittgenstein isola o cerne de nossa imagem intuitiva da intenção separando dela a ação física contingente. Aqui está um exemplo. Uma vez participei de uma mesa-redonda de discussão sobre arte moderna. Outro convidado da mesa havia se tornado um colecionador sério, em grande escala, de arte contemporânea três anos antes. Na sua vez de falar, ele discorreu com conhecimento de causa e longamente sobre sua “coleção”, que consistia, é claro, de grande número de pinturas, esculturas e outros objetos. Enquanto o escutava, pensei: “Tenho uma casa cheia de pinturas e outros objetos, tal como ele, mas não tenho uma coleção. Por que não?” Apliquei então o truque de Wittgenstein. Perguntei a mim mesmo: “Que sobra se subtrairmos da ideia de uma coleção o fato de que esse colecionador tem um grande número de pinturas e outros objetos de arte em sua casa?” Voltei-me para meus dados — a palestra que o colecionador estava dando — em busca da resposta. Ele imediatamente me deu parte da solução para o problema: sua coleção, em contraposição a meu mero acúmulo de objetos, tinha, ele disse, uma “direção”. Não era apenas uma variedade de coisas sem propósito, o resultado de extravagância e capricho; menos pejorativamente, não representava a aplicação espontânea de seu próprio gosto. Resultava de um conhecimento corporificado e de sensibilidade treinada (sua própria e de seus conselheiros), tendo portanto um objetivo e uma estrutura concretos e explícitos. Da mesma maneira, sua coleção tinha um “futuro”. Dirigia-se para algum lugar. Seria objeto de repetidas avaliações por especialistas. Era parte de um mundo de atividade e progresso artísticos, sendo sua própria acumulação um ato relevante naquele mundo. Minhas coisas, em contraposição, eram apenas isto: coisas que eu tinha comprado porque gostava delas, obras que tinha adquirido em troca de minhas fotografias; acumulá-las era simplesmente um ato privado, sem significação alguma para ninguém senão para mim mesmo. (A palavra “simplesmente” é importante aqui, significando, como é frequente no discurso filosófico, “meramente” ou “não mais que”.)
De fato, enquanto o colecionador falava, dei-me conta de que ter os objetos em casa (no escritório ou em qualquer lugar em que realmente morasse ou trabalhasse) não era realmente necessário para que ele tivesse uma coleção. A acumulação dos objetos em algum lugar não é necessária para a ideia de coleção. Por que não? Se você é um marchand especializado na arte mais recente (caso desse colecionador), você insiste, antes de vender uma peça (o marchand que era o terceiro integrante da mesa explicou-me isto), que o comprador torne a obra disponível para empréstimo a museus de modo a poder figurar em exposições. Se você, um marchand, está tentando construir a reputação de um artista, de nada lhe adianta que uma obra importante dele fique pendurada na sala de visitas de alguém no Meio-Oeste, por mais caro que a tenha vendido. A peça deve estar onde possa ser vista por “pessoas importantes” (isto é, atores importantes no mundo em que pinturas como essas são exibidas, compradas e vendidas) e assim contribuir para o desenvolvimento de uma carreira. Muitos museus fazem mostras que são parte desse processo, e o comprador de uma obra deve tornar sua aquisição disponível para eles. De fato, eu estivera em Amsterdam alguns meses antes e vira, numa mostra de obras de artistas nova-iorquinos no Stedelijk Museum, muitas peças dos artistas representados pelo marchand que participava da mesa-redonda, algumas pertencentes à coleção do colecionador. Assim, colecionadores verdadeiramente sofisticados podem não ver frações consideráveis de suas coleções por longos períodos de tempo. De fato, é claro, as coleções de algumas pessoas, ou partes delas, encontram-se com frequência emprestadas de maneira mais ou menos permanente para museus (que esperam ser legatários dessas obras no testamento do colecionador).
Assim, usando o truque de Wittgenstein, o que resta quando retiramos de “coleção” a ideia de grande quantidade de objetos de arte acumulados em casa? O que parecia restar (pelo menos naquela situação, mas penso que seria uma visão comum do problema) era a ideia de que o colecionador é uma pessoa que tem os recursos financeiros e culturais (que mais tarde Pierre Bourdieu chamou de “capital cultural”) para escolher e adquirir objetos que representam tendências que virão a se revelar importantes em arte moderna. Em sua palestra, o colecionador disse algo mais ou menos assim: “A ideia é descobrir como obter a melhor obra de arte de um artista que será historicamente significativo, obras que se revelarão uma parte importante da história da arte. A recompensa do colecionador é ter seu julgamento aprovado pela história.” Nessa visão, o local onde os objetos se encontram era irrelevante, e possuir objetos por si só não faz de alguém um colecionador. Os objetos são meramente os símbolos visíveis da ação decisiva do colecionador de arriscar seu dinheiro e reputação de sagacidade e sensibilidade na escolha de obras de arte, e essa é a ação crucial para a compreensão do que é uma coleção. (É por isso que alguns membros do mundo da arte contestam a caracterização de Joseph Hirshhorn, que deu seu nome a um importante museu de arte em Washington D.C., como um grande colecionador. Alguém pode, protestam eles, ser um grande colecionador se, como se diz que ele fez muitas vezes, simplesmente entra no estúdio de um artista e após uma rápida olhada em volta compra tudo que está ali? Onde estão a sagacidade e a sensibilidade nisso? Esta, é claro, é uma queixa do mundo das artes, não um julgamento sociológico.) E, obviamente, não é apenas a ação que o colecionador pratica o importante para a compreensão da ideia de uma “coleção”; é também a ação do resto do mundo ao tornar o que o colecionador acumulou importante na história da arte ou não. (Inspirei-me nas análises de Raymonde Moulin17 dos mercados de arte francês e internacional para algumas dessas ideias. Um leitor atento perceberá também que esse truque é uma outra maneira de descrever o que estudamos sem usar nenhuma das particularidades, o que é feito pelo truque de Beck.)
O truque de Wittgenstein, portanto, permite-nos isolar os traços genéricos de uma série de casos que pensamos ter algo em comum, os traços a partir dos quais podemos construir a generalização que é um conceito. Depois de isolar esse traço genérico de alguma relação ou processo social e lhe dar um nome, criando assim um conceito, podemos procurar o mesmo fenômeno em outros lugares além daquele em que o encontramos. O estudo das culturas das prisões fornece um ótimo exemplo.
Estudiosos de prisões18 demonstraram que os internos das prisões masculinas desenvolviam uma cultura complexa. Criavam governos de presos que assumiam muitas das funções de manter a ordem; desenvolviam mercados informais mas ordenados de cigarros, drogas, uniformes de presidiário feitos sob medida para os elegantes e uma variedade de serviços pessoais; organizavam a atividade sexual; impunham um estrito código de comportamento que proibia dar-se informação sobre outros presos para carcereiros e funcionários.
Analistas da cultura da prisão atribuíram essas invenções à privação da vida naquele ambiente: privados de autonomia, os prisioneiros esforçavam-se para criar uma estrutura governamental que lhes devolvia alguma autonomia, e um código de comportamento (do qual a proibição de denunciar outros prisioneiros para o pessoal da prisão era um componente importante) que preservava essa autonomia; privados de drogas, roupas elegantes e outros bens a que estavam acostumados fora da prisão, improvisavam um sistema de relacionamentos homossexuais predatórios específicos à prisão que não ameaçavam as concepções que tinham de si mesmos como machos. A generalização sociológica, uma especificação de um conjunto mais amplo de ideias que remonta a William Graham Summer, era que os presos desenvolvem coletivamente uma cultura que resolve os problemas criados pelas privações da vida carcerária.
Até aí, tudo bem. Com essa teoria em mente, Ward e Kassebaum estudaram uma prisão de mulheres.19 Não encontraram nenhuma das coisas que a teoria da cultura da prisão os levara a esperar. Ao contrário. Até os funcionários da prisão se queixavam da falta de um código de conduta entre as internas: as mulheres não cessavam de se denunciar umas às outras de uma maneira que causava grandes transtornos tanto para elas quanto para o pessoal da prisão. Não existia nenhum mercado clandestino real. A vida sexual não era organizada no estilo predatório da prisão masculina; em vez disso, as mulheres desenvolviam pseudofamílias, com mulheres masculinizadas atuando como maridos e pais de uma coleção de esposas e filhas.20
Essas diferenças — a ausência de qualquer das coisas previstas pela teoria da vida carcerária disponível — invalidavam a generalização de que as privações da vida carcerária levavam à criação de uma cultura da prisão? E isso representava por sua vez que não se podia fazer nenhuma generalização sobre prisões? Em absoluto. Elas significavam que as generalizações não expressam o fato de que todas as prisões são iguais, mas sim que há um processo, o mesmo onde quer que ocorra, em que variações nas condições criam variações nos resultados (o que é, de todo modo, uma forma de generalização muito superior).
Nesse caso, a teoria não estava errada, mas era preciso inserir os valores corretos das variáveis, por assim dizer, para verificar sua correção. Ainda era possível dizer que as privações da vida carcerária levavam à criação da cultura da prisão, mas isso só era verdade se compreendêssemos que essas privações eram diferentes para homens e mulheres. Elas não se viam privadas de autonomia porque, como explicaram aos pesquisadores, nunca tinham sido autônomas; sempre tinham vivido sob a proteção de um homem e sujeitas à sua autoridade: um pai, marido ou amante. Era exatamente desse tipo de proteção que a prisão as privava. Assim, em vez de desenvolver um governo de presas para substituir uma autonomia de que não sentiam falta, desenvolviam um sistema de relacionamentos homossexuais em que uma mulher fazia o papel do protetor masculino.
Mulheres recém-chegadas à prisão sentiam-se em especial temerosas porque, em razão de variações nas distribuições de gênero do crime, as prisões masculinas têm muitos criminosos profissionais cumprindo pena por assalto, roubo e outros crimes menos violentos, ao passo que a maioria das mulheres é presa por drogas, prostituição e pelo tipicamente amador “crime passional” — isto é, assassinato. Por abrigarem mais assassinas, as prisões femininas parecem lugares muito perigosos, mesmo para as assassinas que sabem não serem elas próprias perigosas (queriam apenas matar aquela única pessoa que lhes fizera mal). Assim, até as assassinas procuram quem as proteja. De maneira similar, as prisões femininas tipicamente permitem às internas comprar as coisas que desejam, como cosméticos e roupas, por isso não há necessidade de mercado clandestino.
Em suma, as presas são privadas de coisas diferentes que os presos, tanto porque suas vidas fora da prisão — e, portanto, suas necessidades dentro dela — são diferentes quanto porque as prisões femininas são administradas de maneira diferente. Sua cultura responde a essa diferença. A generalização continua verdadeira, mesmo que os resultados sejam muito diferentes.
A lição geral neste caso, o truque a ser aplicado em outros lugares, é não confundir um caso específico de algo com a classe inteira de fenômenos a que pertence. A privação provavelmente conduz ao desenvolvimento de práticas culturais destinadas a aliviá-la em toda sorte de contextos, mas o que constitui privação pode variar consideravelmente.
Temos maior tendência a confundir uma parte da classe com o todo dessa maneira quando a classe tem um nome bem-conhecido que se aplica a um conjunto de casos igualmente bem-conhecido. É por isso que pessoas que estudam “educação” quase sempre estudam escolas. É nelas que a educação ocorre, não? Todo mundo sabe disso. Educação, convencionalmente definida, consiste em pessoas instruídas ensinando quem é menos instruído, e de modo típico, como não é de surpreender, menos poderoso e menos bem-situado (crianças ou imigrantes, por exemplo), e fazendo isso em escolas. A educação é isso.
Se, no entanto, pensarmos em educação como processos sociais genéricos, não há razão para supor que ela ocorra somente em escolas. Poderíamos tentar redefini-la como o aprendizado de coisas por pessoas, sejam quais forem essas coisas e seja onde e como quer que essa atividade aconteça. Nesse sentido poderíamos incluir em nossa coleção de casos o modo como ladrões ensinam a outros as técnicas mais recentes de seu ofício, ou o modo como jovens ensinam outros a usar drogas ou a fazer sexo. Mas isso não passa de ironia barata, porque todo mundo sabe que essas atividades não são “educação”, pelo menos não o que qualquer leigo sensato entende por isso. Educação quer dizer escolas.
Mas não há absolutamente razão alguma para se supor que o aprendizado ocorre em escolas, mesmo que essa seja a história que as escolas contam sobre si mesmas e a história em que membros bem-socializados de nossa sociedade acreditam, ou pelo menos fingem acreditar para não parecerem malucos. Podemos estudar, como um exemplo de aprendizado, de que modo os jovens aprendem a usar maconha. Podemos descobrir, como fizeram Schaps e Sanders21 em 1970 (e isso poderia ser diferente em outro momento) que as moças aprendem tipicamente com seus amigos homens, ao passo que os rapazes aprendem uns com os outros. Ignorando os casos convencionais que definem o conceito, ampliamos seu alcance. Descobrimos novas pessoas que desempenham a tarefa de ensinar e novas relações em que isso é feito.
É muito provável que o processo pelo qual os rapazes ensinam as amigas a fumar maconha tenha muito em comum com outras atividades em que conhecimento, habilidades e ideias são transmitidos. Ele poderia, por exemplo, assemelhar-se ao sistema descrito por Gagnon e Simon,22 em que moças ensinam rapazes a encetar um romance, o que vinham praticando na solidão durante bastante tempo, ao passo que os rapazes as ensinam a fazer sexo, o que eles vinham praticando de maneira semelhante na solidão. Se o processo funciona, e um aprende o que o outro sabe, eles podem conseguir se apaixonar mais ou menos da maneira padrão.
Esses processos de ensinamento entre pares e de aprendizado mútuo podem, por sua vez, ter seus equivalentes em escolas e em outras das chamadas instituições educacionais. Usuários de computador pessoal frequentemente ensinam uns aos outros a usar suas máquinas, apesar ou talvez por causa das instruções padronizadas mais convencionais disponíveis aqui e ali. Como já foi mostrado muitas vezes,23 estudantes em instituições educacionais convencionais ensinam uns aos outros a lidar com as restrições, exigências e oportunidades que esses lugares corporificam: quanto do trabalho prescrito você realmente precisa fazer, por exemplo.
Para considerar uma outra variação do modelo-padrão de educação, alguns tipos de ensinamento e aprendizado são, diferentemente da educação elementar e secundária que forma os casos arquetípicos que definem o conceito, totalmente voluntários: aulas de piano, tênis e francês são todas assim. Elas têm lugar em estabelecimentos com fins lucrativos, são muitas vezes, se não sempre, individuais e não têm duração fixa. Os estudantes não recebem créditos nem notas. Apenas tomam aulas enquanto sentem que elas lhes proporcionam algum benefício. A distribuição de poder entre aluno e professor é tão diferente da encontrada na escola estereotípica que certamente será de um tipo genérico um tanto diferente.24
Uma maneira excelente, talvez a melhor, de aumentar o alcance de um conceito é esquecer por completo o nome e concentrar-se no tipo de atividade coletiva que está tendo lugar. Um bom exemplo dessa estratégia é a análise de Erving Goffman25 do que lugares com as características genéricas das “instituições totais” tinham em comum no tocante ao modo como seus internos (fossem eles freiras, marinheiros no mar ou pacientes mentais) tinham de viver e os tipos de ajustamentos necessários para viver dessa maneira. Ou sua análise das formas sociais características que se desenvolviam em torno de pessoas com estigmas de vários tipos.26 O brilhantismo dessas análises foi mostrar que, no sentido genérico que ele tinha em mente, todas as pessoas possuíam algum tipo de estigma, não apenas as que eram cegas ou mutiladas, e toda instituição era, sob alguns aspectos, uma instituição total. Trocar os conteúdos convencionais de um conceito por um sentido de seu significado como forma de ação coletiva amplia seu alcance e nosso conhecimento.
É hora de considerar, no próximo capítulo, algumas maneiras mais formais de trabalhar com conceitos, maneiras que usam as ferramentas da lógica formal séria.