Educar-se é impregnar de sentido cada
momento da vida, cada ato cotidiano.
Paulo Freire
A educação é como um caleidoscópio. Podemos enxergar diferentes realidades; podemos escolher mais de uma perspectiva de análise e cada uma terá sua lógica, seu fundamento, sua defesa, porque projetamos na educação nosso olhar parcial, nossas escolhas, nossa experiência.
Se queremos provar que a educação é um desastre e que a escola está atrasada, temos inúmeras estatísticas e experiências que o comprovam; basta acompanhar os índices de repetência, de abandono ou os resultados de alunos brasileiros em competições internacionais, ou observar as diferenças entre as escolas de elite e as da periferia.
Numa pesquisa realizada pelo Instituto de Cidadania,[4] foram ouvidos 3.501 brasileiros de 15 a 24 anos, de seis estados e 198 municípios, e o que mais chama a atenção é a abstinência cultural dos jovens brasileiros:
• 23% nunca leram um livro;
• 39% nunca foram ao cinema;
• 62% nunca foram ao teatro;
• 59% nunca foram a um show musical;
• 52% nunca estiveram numa biblioteca fora da escola.
Se quisermos provar que a escola é burocrática, amarrada e engessada, encontraremos mil exemplos de lentidão de gestão, de um verdadeiro cipoal de normas, leis, portarias, decretos federais, estaduais e municipais, de quebra de continuidade de projetos com a entrada de novos governantes. A escola é uma das instituições mais resistentes à mudança, junto com as grandes igrejas tradicionais.
Se, pelo contrário, quisermos mostrar que estamos avançando, que está havendo uma revolução silenciosa em escolas inovadoras, que há muitos grupos de profissionais competentes e de alunos realizando experiências fantásticas, que a escola está mudando aos poucos com novos projetos e uso criativo de tecnologias, também encontraremos bons exemplos para comprová-lo.
Tudo está acontecendo ao mesmo tempo: o atraso, a burocracia e a inovação. É importante ter uma visão realista, mas não desesperançada, niilista, destrutiva. Apostar mais na mudança, em novas possibilidades que se concretizam, do que no pessimismo desesperançador e corrosivo.
A educação é um processo de toda a sociedade – não só da escola – que afeta todas as pessoas, o tempo todo, em qualquer situação pessoal, social, profissional, e de todas as formas possíveis. Toda a sociedade educa quando transmite ideias, valores, conhecimento e quando busca novas ideias, valores, conhecimentos. Família, escola, meios de comunicação, amigos, igrejas, empresas, internet, todos educam e, ao mesmo tempo, são educados, isto é, aprendem, sofrem influências, adaptam-se a novas situações. Aprendemos com todas as organizações, grupos e pessoas a que nos vinculamos.
Pela primeira vez na história, percebemos que a educação não acontece só durante um período determinado de tempo, maior ou menor (educação básica, superior), mas ao longo da vida de todos os cidadãos e em todos os espaços. A educação não acontece só no espaço oficial, na escola e na universidade. Todas as instituições e organizações aprendem cada vez com mais intensidade e ininterruptamente. Essa percepção da urgência da aprendizagem de todos, o tempo todo, é nova.
A sociedade é educadora e aprendiz, ao mesmo tempo. Todos os espaços e instituições educam – transmitem ideias, valores, normas – e, ao mesmo tempo, aprendem, porque – com as mudanças estruturais – não existem modelos prontos e eles vão se adaptando ao novo, a cada situação que se apresenta.
A educação olha para trás, buscando e transmitindo referências sólidas no passado. Olha para hoje, ensinando os alunos a compreender a si mesmos e à sociedade em que vivem. Olha também para o amanhã, preparando os alunos para os desafios que virão.
As sociedades sempre encontraram suas formas de educar. Quanto mais avançadas, mais complexos se tornam seus processos de ensinar. A sociedade explicita seus valores básicos fundamentais em cada momento histórico e define os lugares, os conteúdos e procedimentos válidos por meio de diretrizes políticas.
As escolas e universidades são os espaços institucionais legitimados para a formação dos novos cidadãos. É o que se denomina educação escolar formal. O legislativo define políticas junto com o executivo (ministério e secretarias de educação). Há processos especiais para situações especiais, por exemplo, educação de jovens e adultos. Além da educação formal, há hoje processos intensos de educação não formal, de educação informal. Grupos, ONGs e empresas desenvolvem atividades complexas de capacitação, treinamento, atualização, independentes ou integradas à educação formal.
Hoje, reconhecendo os avanços na universalização da educação, esta adquire uma importância dramática na modernização do país. E há uma percepção crescente do descompasso entre os modelos tradicionais de ensino e as novas possibilidades que a sociedade já desenvolve informalmente e que as tecnologias atuais permitem.
A educação é a soma de todos os processos de transmissão do conhecido, do culturalmente adquirido e de aprendizagem de novas ideias, procedimentos e soluções desenvolvidos por pessoas, grupos, instituições, organizada ou espontaneamente, formal ou informalmente. Estamos numa fase de transição: nem estamos no modelo industrial (embora mantenhamos muitas de suas estruturas organizacionais e mentais) nem chegamos ao modelo da sociedade do conhecimento, embora parcialmente incorporemos alguns dos seus valores e expectativas.
A organização escolar é pesada e prudente. Prudente, para não embarcar em qualquer aventura, porque precisa preservar o passado, olhar para o presente e preparar para o futuro. Prudente, porque tem de encontrar denominadores comuns mínimos compatíveis com as diferenças e desigualdades nacionais e regionais. É pesada, porque burocratizou tanto toda a gestão em todos os níveis que, mesmo aumentando as ações de capacitação, parece que quase nada muda. Há uma sensação de desperdício de recursos, de não sair do lugar, de experiências pontuais interessantes, mas de extrema lerdeza, de peso cultural imobilizador. Aprendemos desde sempre em muitas salas de aula parecidas, em dezenas de milhares de aulas semelhantes, como alunos e como professores. E esse modelo industrial está consolidado e, de alguma forma, deu conta das demandas (apesar das inúmeras críticas). Por isso, é difícil superá-lo, principalmente quando ainda não temos outros modelos bem aprovados, testados e universalizados.
Vivemos o paradoxo de manter algo em que já não acreditamos completamente, mas não nos atrevemos a incorporar plenamente novas propostas pedagógicas e gerenciais, mais adequadas à sociedade da informação e do conhecimento, para onde estamos caminhando rapidamente.
No entanto, os desafios sociais são tão gigantescos, as mudanças acontecidas e em fase de implantação são tão dramáticas em todos os setores, que estão pressionando violentamente a educação escolar por novas soluções em todos os níveis: nos valores, na organização didático-curricular, na gestão de processos. Estamos diante de uma tarefa imensa, histórica e que levará décadas: propor, implementar e avaliar novas formas de organizar processos de ensino-aprendizagem, em todos os níveis de ensino, que atendam às complexas necessidades de uma nova sociedade da informação e do conhecimento.
Na era do conhecimento, distribuir
conhecimento é distribuir renda.
Não há desenvolvimento sem inovação
tecnológica e não há inovação sem
pesquisa, sem educação, sem escola.
Moacir Gadotti
Escolas e universidades sempre estiveram ligadas a locais determinados, a cidades, regiões. Com as mudanças sociais e tecnológicas, as universidades se expandem para muitos outros territórios, principalmente para o virtual. Atingem os alunos que estão perto e também os distantes que estão conectados. As instituições educacionais se virtualizam cada vez mais, aumentam o seu raio de ação, flexibilizam seus projetos pedagógicos. Essas mudanças serão progressivas e irreversíveis, mas ainda tendem a repetir alguns modelos disciplinares e focados no conteúdo.
Linderman (apud Cavalcanti 1999, p. 44), pesquisando as melhores formas de educar adultos, afirmava já em 1926:
Nosso sistema acadêmico se desenvolveu numa ordem inversa: assuntos e professores são os pontos de partida, e os alunos são secundários. (...) O aluno é solicitado a se ajustar a um currículo preestabelecido. (...) Grande parte do aprendizado consiste na transferência passiva para o estudante da experiência e conhecimento de outrem.
Mais adiante, oferece soluções, quando afirma que “nós aprendemos aquilo que nós fazemos. A experiência é o livro-texto vivo do adulto aprendiz”. Lança assim as bases para o aprendizado centrado no estudante e do aprendizado do tipo “aprender fazendo”. Infelizmente, sua percepção ficou esquecida durante muito tempo (ibid.).
Em um curso de graduação de quatro anos em pedagogia, em uma das melhores universidades paulistas, alguns alunos confirmaram que mais da metade das aulas era de temas, autores e pesquisas repetidos. Havia superposição de conteúdo, de textos para leitura, de trabalhos a serem realizados pelos alunos. Dois anos seriam suficientes, na visão deles, para aprender o que o curso propunha. Há uma inércia na manutenção de projetos institucionais e pedagógicos previsíveis e pouco inovadores. A maior parte das instituições prefere repetir a arriscar. Os currículos são excessivamente rígidos, com disciplinas isoladas, sem interação. Há, em geral, pouca flexibilidade de espaço, tempo, organização de matérias.
Aumenta a preocupação com o lucro, com a rentabilidade do investimento feito. Muitas instituições baixam os custos das mensalidades, pela competitividade do mercado, e baixam também a qualidade do serviço, sobrecarregando as classes com mais alunos, piorando a remuneração dos docentes e funcionários, empobrecendo a infraestrutura.
Bons professores são as peças-chave na mudança educacional. Os professores têm muito mais liberdade e opções do que parece. A educação não evolui com professores mal preparados. Muitos começam a lecionar sem uma formação adequada, principalmente do ponto de vista pedagógico. Conhecem o conteúdo, mas não sabem como gerenciar uma classe, como motivar diferentes alunos, que dinâmicas utilizar para facilitar a aprendizagem, como avaliar o processo de ensino-aprendizagem além das tradicionais provas. Como costumam assumir, por necessidade, um número de aulas cada vez maior, tendem a reproduzir rotinas e modelos; procuram poupar-se para não sucumbir, dão o mínimo de atividades possíveis para diminuir o tempo de correção. Preparam superficialmente as aulas e vão incorporando esses modelos, que se tornam hábitos cada vez mais enraizados.
Hoje aproveitamos efetivamente, em média, menos da metade do tempo na sala de aula, pela percepção de que os cursos são muito longos e de que muitas das informações que acontecem na sala de aula poderiam ser acessadas ou recuperadas em outro momento. Muitos alunos e professores estão desmotivados com o ensino uniforme, padronizado, que não se adapta ao ritmo de cada um. Criticam o confinamento do processo de ensino-aprendizagem à sala de aula, sempre com as mesmas turmas, com a mesma programação, nos mesmos horários. São complicados os deslocamentos diários de professores e alunos de lugares distantes para estarem todos juntos na mesma sala, ao mesmo tempo, principalmente no nível superior.
Muitos professores costumam culpar os alunos, a escola, o salário, a jornada pela não mudança. Conhecem superficialmente os alunos, subestimam suas potencialidades. Mantêm uma postura generalista: a mesma proposta de aula vale para todos. Não avaliam de verdade. Dão trabalhos em grupo, sabendo que serão feitos por um ou dois alunos, e fazem vista grossa, porque preferem o pacto da mediocridade, do faz de conta.
Há professores “monocórdios”, “unitemáticos”, previsíveis. São professores de uma nota só. Sempre dão aulas do mesmo jeito, passam o mesmo tipo de exercícios, de atividades, de avaliação. Filtram tudo em perspectivas dualistas, maniqueístas, estereotipadas.
Há professores mosaicos, que fazem colagens. Atiram em todas as direções. Misturam sem critério autores, tendências, ideias. Não organizam, hierarquizam, sintetizam. Tudo para eles tem o mesmo peso, o mesmo valor, em geral, o que está na moda.
Há professores “papagaios”. Leem e repetem o que leem, empobrecendo e simplificando o sentido, encurtando o seu alcance. Reduzem textos complexos a interpretações empobrecedoras. Citam autores, em resumos, interpretações de terceiros, sem lê-los nem conhecê-los. Acomodam-se às exigências mínimas de cada instituição onde lecionam.
A maior parte reproduz modelos, receitas, esquemas. Corre atrás de novidades, de fórmulas. Precisa delas para sentir-se seguro ao ensinar. São os professores receitas. Mesmo querendo mudar, buscam a receita do novo. Não se renovam, inovam ou exploram as possibilidades. São repetidores, condensadores de textos, tarefeiros. Muitos têm dificuldade em relacionar, criar conexões, integrar o cotidiano com o conteúdo didático, em fazer a ponte entre a experiência dos alunos e o tema da aula. Como podem ensinar se não sabem aprender?
São muitos os professores que não gostam de ler, que leem só por obrigação. Que não se atualizam. Que não frequentam cinema, teatro, exposições, museus. Que não leem poesia, literatura. Que se alimentam dos programas da TV aberta, das telenovelas, dos big brothers, dos telejornais sensacionalistas.
Há professores desesperançadores. Só veem o negativo: no conteúdo, nos alunos, nas condições de trabalho, na vida. Ganham mal e, para compensar, multiplicam as atividades profissionais. Sentem-se pouco valorizados, incentivados, reconhecidos, motivados. Recebem muitos pacotes prontos, projetos decididos sem consulta. Todos conhecemos grupos esforçados, motivados, interessados, mas que são minoria no conjunto dos profissionais.
Com a explosiva privatização do ensino superior nos últimos anos, aumentou exponencialmente o número de alunos que trabalha de dia e estuda à noite e tem pouco tempo para pesquisar. Muitos desses alunos acreditam que basta ouvir o que o professor fala durante as aulas para acompanhar um curso universitário, com a consequente deterioração dos resultados. Constata-se uma falta de conhecimentos fundamentais para um universitário: capacidade avançada de ler, de compreender, de trabalhar autonomamente, o que dificulta sobremaneira o avanço das classes como conjunto.
A educação avança menos do que o esperado, porque enfrenta uma mentalidade predominantemente individualista, materialista, no nível pessoal e institucional, que busca soluções isoladamente. É difícil para a escola trabalhar com valores comunitários diante dessa avalanche de propostas individuais que acontecem a todo momento em todos os espaços sociais. Os meios de comunicação são os porta-vozes mais diretos e eficientes dessa mentalidade individualista, principalmente na publicidade. Ao mesmo tempo, a educação cada vez mais se torna commodity, um bem mercadológico, um negócio, sem dúvida em expansão, mas com grandes interesses e investimentos que buscam a lucratividade, a maior rentabilidade possível, o que significa, na maioria das situações de ensino privado, uma busca mais da eficiência do que da cidadania.
As mudanças demorarão mais do que alguns pensam, porque nos encontramos em processos desiguais de aprendizagem e evolução pessoal e social. Não temos muitas instituições e pessoas que desenvolvam formas avançadas de compreensão e integração, que possam servir como referência. Predomina a média, a ênfase no intelectual, a separação entre a teoria e a prática.
Temos grandes dificuldades no gerenciamento emocional, tanto pessoal como organizacional, o que dificulta o aprendizado rápido. São poucos os modelos vivos de aprendizagem integradora, que junta teoria e prática, que aproxima o pensar do viver.
A ética permanece contraditória entre a teoria e a prática. Os meios de comunicação mostram com frequência como alguns governantes, empresários, políticos e outros grupos de elite agem impunemente. Muitos adultos falam uma coisa – respeitar as leis – e praticam outra, deixando confusos os alunos e levando-os a imitar mais tarde esses modelos.
O autoritarismo da maior parte das relações humanas interpessoais, grupais e organizacionais espelha o estágio atrasado em que nos encontramos individual e coletivamente no desenvolvimento humano, no equilíbrio pessoal, no amadurecimento social. E somente podemos educar para a autonomia e para a liberdade com processos fundamentalmente participativos, interativos, libertadores, que respeitem as diferenças, que incentivem, que apoiem, orientados por pessoas e organizações livres.
Há uma defasagem acentuada entre os métodos de gestão nas empresas e nas escolas. Os métodos de racionalização administrativa são precários. Há muito desperdício, falta de profissionalismo nas decisões econômicas. Umas instituições só pensam em marketing e lucros e banalizam a qualidade didática. Outras mantêm estruturas administrativas pesadas, caras e ineficientes. Os métodos de organização da aprendizagem precisam ser urgentemente repensados, modificados, com coragem e efetividade, porque sua inadequação às possibilidades, aos tipos de aluno e às necessidades torna-se cada vez mais dramática.
A educação tem de surpreender, cativar, conquistar os estudantes a todo momento. A educação precisa encantar, entusiasmar, seduzir, apontar possibilidades e realizar novos conhecimentos e práticas. A escola é um dos espaços privilegiados de elaboração de projetos de conhecimento, de intervenção social e de vida. É um espaço privilegiado de experimentar situações desafiadoras do presente e do futuro, reais e imaginárias, aplicáveis ou limítrofes. Promover o desenvolvimento integral da criança e do jovem só é possível com a união do conteúdo escolar e da vivência em outros espaços de aprendizagem.
A escola e a universidade precisam reaprender a aprender, a ser mais úteis, a prestar serviços mais relevantes à sociedade, a sair do casulo em que se encontram. A maioria das escolas e universidades se distancia velozmente da sociedade, das demandas atuais. Sobrevivem, porque são espaços obrigatórios e legitimados pelo Estado, mas, a maior parte do tempo, frequentamos as aulas porque somos obrigados, não por escolha real, por interesse, por motivação, por aproveitamento. As escolas conservadoras e deficientes atrasam o desenvolvimento da sociedade, retardam as mudanças.
Se o ideal de igualdade é levado a sério, a educação democrática deve enfatizar a participação dos educandos na elaboração de todas as decisões sobre a vida em comunidade e o respeito com o qual eles têm de observar a essas regras, para que adquiram o sentido de responsabilidade.
Alexander Sutherland Neill, fundador da escola inglesa Summerhill, observava que as crianças educadas no princípio da democracia se tornavam mais capazes de questionar o senso comum e de aceitar as mudanças e os novos pensamentos. Dizia Neill que elas tendiam a “não ser guiadas pela massa”.
A liberdade é a capacidade e a possibilidade de a comunidade escolar criar suas regras. Daí porque o projeto político-pedagógico da escola está sempre sujeito a muitas transformações. A liberdade é uma relação, por isso, não se confunde com licença. Em nossa concepção de educação, educando e educador são sujeitos que aprendem e ensinam no mesmo passo. Assim, a liberdade é válida tanto para a gestão da escola como para sua epistemologia, o que supõe uma comunidade escolar sempre aberta a infinitos objetos, métodos e teorias.
Janusz Korczak percebeu, ao longo dos 30 anos em que dirigiu o Lar das Crianças (1912-1942), que ao tratar a criança com a mesma dignidade e justiça com que se trata o adulto, sem oprimir sua vontade nem tentar forçar-lhe uma opinião, ela reproduz esse mesmo tratamento com as pessoas que a cercam e, quando adultas, tornam-se indivíduos mais justos (Korczak e Dallari 1986). O princípio fundamental de Korczak é de que o educador não deve se sobressair em relação ao educando, deve sempre levar a sério sua opinião, seu ponto de vista, porque a desfeita é dolorosa para a criança, oprime sua personalidade e seu amor-próprio. Em vez de mandar na criança, é preciso dar-lhe a oportunidade de se convencer, com base em suas experiências, numa atmosfera de confiança. Esse educador polonês proclamava a criança como um ser racional, que compreende bem suas necessidades, dificuldades e fracassos. Isso significa que ordens despóticas e leis dogmáticas não são adequadas ao ambiente educativo, são preferíveis a compreensão e a confiança.
O currículo precisa estar ligado à vida, ao cotidiano, fazer sentido, ter significado, ser contextualizado. Muito do que os alunos estudam está solto, desligado da realidade deles, de suas expectativas e necessidades. O conhecimento acontece quando algo faz sentido, quando é experimentado, quando pode ser aplicado de alguma forma ou em algum momento.
Os currículos agora terão de ser muito mais personalizados, mais sintonizados com as expectativas de cada aluno. Currículos personalizados: parece uma heresia diante da realidade atual, mas é para onde caminhamos. Ter orientadores, tutores para cada aluno, com os quais organizamos o processo de aprender e que nos ajudam a experimentar a relação teoria e prática. Os novos currículos valorizarão muito mais a inserção profissional, a aprendizagem já conseguida e a que acontece no cotidiano. Desde o começo de cada curso, os alunos estarão inseridos em projetos significativos, experiências vivas e refletidas. O aluno formado por internet e multimídia e que está sempre conectado está pronto para aprender com os colegas a desenvolver atividades significativas, a contribuir em cada etapa de um projeto. O currículo precisa ser repensado para que se torne importante para o aluno, para que este se sinta protagonista, sujeito, personagem principal. A escola tem de se adaptar ao aluno e não o contrário.
Os modelos fundamentalmente utilizados são os baseados na disciplinaridade, na transdisciplinaridade, na pluridisciplinaridade (estudo de um objeto por várias disciplinas) ou interdisciplinaridade (transferência de métodos de uma disciplina para outra). O modelo disciplinar está condenado ao fracasso a longo prazo. Dividir o conhecimento em fatias, sem interligação, favorece a organização administrativa, não a aprendizagem, que é vista cada vez mais como interdisciplinar.
São muitas as tentativas de buscar saídas para a organização tradicional, fragmentada, do ensino. Algumas mais importantes são: o método de solução de problemas, com inúmeras variáveis – desde a organização de um currículo em grandes problemas, em que há temas complementares, em paralelo, até um tema novo, com um problema ou caso (case) para estudo por grupos. Há instituições que, mesmo trabalhando por disciplinas, elaboram um projeto comum que lhes dá foco e que organiza as atividades de cada semestre ou bimestre e faz com que alunos e professores trabalhem de forma mais integrada e vejam a aprendizagem de forma mais significativa.
O que está claro é que, com a flexibilidade de organização do ensino e aprendizagem que as tecnologias possibilitam, o currículo também pode ser muito mais adequado a cada aluno. Não podemos continuar impingindo aos alunos a mesma sequência de conteúdos, tempo e espaço que predominou na sociedade industrial. Podemos oferecer alguns conteúdos comuns iniciais e depois personalizar o percurso. Em cada semestre, podemos trabalhar temas baseados em problemas, desenvolvendo pesquisas que se transformem em projetos, que sejam desenvolvidos a maior parte do tempo virtualmente, pela interação de grupos e supervisão de professores, e que, ao final, sejam apresentados para todos presencialmente e divulgados em páginas web.
Haverá maior flexibilidade de tempos, horários e metodologias do que há atualmente. Outras instituições – e esperamos que muitas – caminharão para tornar-se ou continuar sendo organizações democráticas, centradas nos alunos, que desenvolvem situações ricas de aprendizagem sem asfixiar os jovens, incentivando-os, que desenvolvem valores de colaboração, de cidadania em todos os participantes.
A aprendizagem precisa cada vez mais incorporar o humano, a afetividade, a ética, mas também as tecnologias de pesquisa e comunicação em tempo real. Mesmo compreendendo as dificuldades brasileiras, a escola que hoje não tem acesso à internet está deixando de oferecer ao aluno oportunidades importantes na preparação para o seu futuro e o do país.
Caminhamos na direção da democratização das organizações escolares com apoio das tecnologias. Estas são fundamentais para a mudança e os processos flexíveis, abertos e diferenciados de ensino-aprendizagem.
Uma boa escola começa com um bom gestor. Muitos excelentes professores são maus gestores. O bom gestor é fundamental para dinamizar a escola, para buscar caminhos, para motivar todos os envolvidos no processo. No meio de tantas escolas públicas com tantos problemas, visitei várias vezes uma escola municipal da periferia de São Paulo. Essa instituição era simples, com um clima cordial entre professores e funcionários. A maioria está lá há muito tempo. Qual o segredo? O diretor. Um homem dinâmico, acolhedor, que conversa com professores e alunos, atrai pessoas da comunidade para apoiar a escola. Não tem grandes recursos, tem pessoas motivadas, unidas por sua amizade e carisma. Um bom gestor muda uma escola.
Uma direção motivada, orientada por metas claras compartilhadas com professores, pais e alunos é onde tudo começa. Em virtude das baixas condições de trabalho, o que vemos, no Brasil, especialmente na periferia das grandes cidades, é uma alta rotatividade de diretores e professores, além de um excesso de faltas; há diretores que não ficam mais do que um ano à frente de uma escola. Não se premia quem se esforça nem se pune quem demonstra baixo desempenho e, para completar, o envolvimento dos pais é pequeno e o currículo, desinteressante. (Dimenstein 2007)
O exemplo de Gary Wilson, que recuperou sete escolas públicas carentes, é fundamental para enxergarem-se os caminhos da nova gestão escolar.
Em 2000, a Lochburn Middle School, escola do distrito de Clover Park, no estado de Washington, estava para fechar as portas: o rendimento de seus 800 alunos era muito inferior ao mínimo exigido pela avaliação externa feita periodicamente pelo governo. Em um dia normal, raramente a presença dos alunos chegava a 50%. Os professores, havia muito, tinham desistido de ensinar. Hoje essa unidade é um modelo de escola bem-sucedida. O que aconteceu nesse período? A escola foi praticamente “adotada” pela comunidade: sindicatos, igrejas, estabelecimentos comerciais e entidades não governamentais começaram a participar do processo de ensino e aprendizagem, entrando na sala de aula para ajudar estudantes que tinham dificuldades, assumindo a responsabilidade de orientar os jovens em sua trajetória escolar até a universidade. Grandes e pequenas empresas doam dinheiro e recursos materiais para que nada falte aos alunos. (Gentile 2004)
O trabalho primeiro do gestor Gary Wilson é motivar professores, funcionários e alunos, valorizando-os, escutando-os e depois traçando um plano de ação focando o que é prioritário. Em seguida, envolve as lideranças do bairro, os meios de comunicação locais e o trabalho voluntário da comunidade. Se escolas condenadas se recuperaram, qualquer escola pode ser atuante, inovadora.
Qualquer escola pode ser uma escola que se articule efetivamente com os pais, com a comunidade, que incorpore seus saberes, que preste serviços e aprenda com ela. Uma escola que prepare os professores para um ensino focado na aprendizagem viva, criativa, experimentadora, presencial, virtual, com professores menos “falantes”, mais orientadores, que ajudem a aprender fazendo; com menos aulas informativas e mais atividades de pesquisa, experimentação, projetos; com professores que desenvolvam situações instigantes, desafios, solução de problemas, jogos. Uma escola que fomente redes de aprendizagem entre professores das mesmas áreas e, principalmente, entre alunos, que aprendem com seus pares, como nos projetos aluno-monitor da Microsoft. Uma escola com apoio de grandes bases de dados multimídia, de multitextos de grande impacto (narrativas, jogos de grande poder de sensibilização), com acesso a muitas formas de pesquisa e de desenvolvimento de projetos. Uma escola que privilegie a relação com os alunos, a afetividade, a motivação, a aceitação, o conhecimento das diferenças. Que envolva afetivamente os alunos, dê suporte emocional, leve os alunos a acreditar em si mesmos. Que coloque pessoas cuidando dos que têm mais dificuldades emocionais, como faz o Colégio Peretz, de São Paulo, onde ex-alunos, agora universitários, acompanham alguns estudantes com dificuldades: “O mais importante é olhar para a possibilidade e não para a dificuldade”, diz Rita de Cássia Rizzo, diretora de escola.[5]
“É difícil implantar uma mudança educacional, porque as escolas têm pouquíssimo tempo para se dedicarem a inovações”, justifica o sociólogo Boudewijn van Velzen, coordenador de assuntos internacionais do Centro Nacional pelo Aperfeiçoamento das Escolas (APS).[6] Van Velzen garante que decisões tomadas nos gabinetes não levam materiais didáticos até os alunos nem aumentam a frequência de bibliotecas e laboratórios. “Se, na escola, os diretores e professores não se mexerem, nada acontecerá”, afirma. “O resultado de uma grande reforma está no conjunto dos pequenos passos dados nas milhares de escolas de todo o estado.”
De acordo com o APS, cada problema da escola deve ser atacado por um plano de ação, elaborado com base nas seguintes questões: Que objetivo se pretende alcançar? O que será feito? Quem irá participar de cada etapa da atividade? Como e quando as etapas serão realizadas? Quais os resultados previstos para cada fase do trabalho? O plano deve ser específico, mensurável, atraente, realista e executado a tempo, ou seja, precisa ser smart (iniciais de specific, measurable, attractive, realistic e (on) time).
Vale a pena destacar, entre muitos outros, os projetos de escolas inovadoras como a Escola da Ponte de Portugal,[7] a Escola Lumiar[8] e a Escola Municipal Amorim Lima,[9] ambas de São Paulo.
Na contramão, diante da competição feroz por novos alunos, existem alguns sistemas de ensino padronizados, de alcance nacional e internacional, que comercializam modelos prontos para milhares de escolas no país e também no exterior. Dão assessoria em marketing e gestão empresarial, além de apoio pedagógico: material didático (apostilas, cadernos de exercícios e CD-ROM, portal na internet); capacitação de professores e coordenadores pedagógicos, além de serviços como cursos e palestras.
Para escolas pequenas, é uma forma de ter um projeto pedagógico interessante e bom material de apoio. O problema surge quando há uma imposição rígida de material e recursos. Alguns sistemas são mais flexíveis. Diante da concorrência, da dificuldade de captar alunos, é inevitável esse tipo de franquia, porque oferece projetos completos, que seduzem pais e barateiam os custos da escola. Muitos professores se queixam de falta de liberdade e de cronogramas apertados. Algumas prefeituras também estão aderindo a esses modelos padronizados.[10] Embora possamos compreender as razões mercadológicas do sucesso de grandes grupos e franquias na educação, cada escola pode caminhar na direção da gestão autônoma, adaptada à sua região e não depender tanto de modelos criados uniformemente.
As mudanças na educação dependem, em primeiro lugar, de termos educadores maduros intelectual e emocionalmente, pessoas curiosas, entusiasmadas, abertas, que saibam motivar e dialogar. Pessoas com as quais valha a pena entrar em contato, porque dele saímos enriquecidos.
O educador autêntico é humilde e confiante. Mostra o que sabe e, ao mesmo tempo, está atento ao que não sabe, ao novo. Mostra para o aluno a complexidade do aprender, a nossa ignorância, as nossas dificuldades. Ensina aprendendo a relativizar, a valorizar a diferença, a aceitar o provisório. Aprender é passar da incerteza a uma certeza provisória, que dê lugar a novas descobertas e a novas sínteses.
Os grandes educadores atraem não só pelas suas ideias, mas pelo contato pessoal. Dentro ou fora da aula, chamam a atenção. Há sempre algo surpreendente e diferente no que dizem, nas relações que estabelecem, na forma de olhar, de comunicar-se, de agir. São um poço inesgotável de descobertas. No entanto, boa parte dos professores é previsível, não surpreende, repete fórmulas, sínteses e deixa-se levar pela última moda intelectual, sem questioná-la.
É importante termos educadores/pais com amadurecimento intelectual, emocional, comunicacional e ético, que facilitem a organização da aprendizagem. Pessoas abertas, sensíveis, humanas, que valorizem mais a busca que o resultado pronto, o estímulo que a repreensão, o apoio que a crítica, capazes de estabelecer formas democráticas de pesquisa e de comunicação.
As mudanças na educação dependem também de administradores, diretores e coordenadores mais abertos, que entendam todas as dimensões do processo pedagógico, além das empresariais, ligadas ao lucro; que apoiem os professores inovadores; que equilibrem o gerenciamento empresarial, tecnológico e humano, contribuindo para que haja um ambiente de maior inovação, intercâmbio e comunicação.
As mudanças na educação dependem também dos alunos. Alunos curiosos e motivados facilitam enormemente o processo, estimulam as melhores qualidades do professor, tornam-se interlocutores lúcidos e parceiros de caminhada do professor-educador. Alunos motivados aprendem e ensinam, avançam mais, ajudam o professor a ajudá-los melhor. Alunos que provêm de famílias abertas, que apoiam as mudanças, que estimulam afetivamente os filhos, que desenvolvem ambientes culturalmente ricos, aprendem mais rapidamente, crescem mais confiantes e se tornam pessoas mais produtivas.
Nosso desafio maior é caminhar para um ensino e uma educação de qualidade, que integrem todas as dimensões do ser humano. Para isso, precisamos de pessoas que façam essa integração, em si mesmas, do sensorial, intelectual, emocional, ético e tecnológico, que transitem de forma fácil entre o pessoal e o social, que expressem nas palavras e ações que estão sempre evoluindo, mudando, avançando.
Os seres humanos adoram rituais, datas comemorativas, dias de festa. Gostam dos calendários, dos ciclos, dos ritos de passagem, como as festas de 15 anos, de casamento, de ingresso na faculdade e de formatura. Vivem uma tensão permanente entre a previsibilidade do rito e a emoção do novo, do diferente; entre o real vivido e o real imaginado. Os ritos os acalmam e o diferente os estimula.
A educação está cheia de rituais: de entrada, de permanência e de saída. Em nossa mente vive o conceito de semestralidade, o do período de aulas, dos exames, de férias. Parece que sem eles não aprendemos de verdade.
Ao mesmo tempo, essa previsibilidade nos sufoca, empobrece, banaliza. A busca pela novidade, pela mudança, pelo diferente atrai e assusta. Desejamos mudar, mas nos sentimos confortáveis nos modelos conhecidos, nos rituais sempre repetidos. Só quando esses rituais se tornam insuportáveis, incongruentes e antieconômicos é que o desejo de mudança começa a pesar e nos empurra para novos caminhos.
Parte das pessoas já está nessa fase de transição para outros modelos, já superou o medo da mudança. Uma outra boa parte ainda prefere, mesmo com ressalvas, manter-se na segurança dos ritos conhecidos. Apesar do desejo de mudança, para a maioria, não é tão fácil realizá-la.
Um dos momentos-chave para entender as mudanças na educação aconteceu em um curso intensivo que ministrei em um colégio particular de Curitiba. Os professores do ensino médio apontavam como era difícil dar aula para adolescentes desmotivados, dispersivos, barulhentos, indisciplinados. Uma professora de português deu um depoimento diferente. Segundo ela, não tinha problemas maiores com esses mesmos alunos. E detalhou o seu método de trabalho:
1)“Eu gosto dos meus alunos e me preparo positivamente para as aulas.” Gostar dos alunos, gostar deles como são, com as dificuldades que trazem, do jeito que se vestem, falam e escrevem. Gostar deles: é óbvio, mas fundamental para obter sucesso pedagógico. Muitos professores parece que não apreciam os alunos, sentem-se distantes deles, só os criticam e se preparam para a aula como para uma guerra e, evidentemente, ela acontece.
2)“Procuro surpreendê-los sempre.” Crianças e jovens gostam de novidades, de sair da rotina. A professora dizia que os alunos aguardavam sempre por alguma surpresa. Às vezes, de caráter pedagógico: um vídeo diferente, uma nova dinâmica. Outras, simplesmente uma peça de vestuário, um chapéu, algo que tivesse relação com a aula. As aulas são diferentes umas das outras. Essa professora utiliza bastantes tecnologias de ilustração como vídeos, CDs, DVDs, pesquisas na internet. Todo educador precisa surpreender e cativar seus alunos, sempre.
3)“Faço os acordos possíveis para as atividades, as pesquisas e a forma de apresentação.” A professora procura negociar com os alunos os subtemas de uma pesquisa, a forma de apresentá-los e divulgá-los. Os alunos fazem suas propostas e chegam a um acordo com a professora. Uns preparam um vídeo, outros, um CD, outros, uma peça de teatro. Acontece sempre um grande evento no fim do semestre, para ampliar a repercussão dos trabalhos. Os alunos se sentem valorizados, levados em consideração e correspondem participando com entusiasmo.
Na educação, o mais importante não é utilizar grandes recursos, mas desenvolver atitudes comunicativas e afetivas favoráveis e algumas estratégias de negociação com os alunos, chegar a consenso sobre as atividades de pesquisa e a forma de apresentá-las para a classe. Por que, se isso parece tão simples, os colegas dessa professora se queixavam tanto dos mesmos alunos que com ela colaboravam?
Cada organização precisa encontrar sua identidade educacional, suas características específicas, seu papel. Um projeto inovador facilita as mudanças organizacionais e pessoais, estimula a criatividade, propicia mais transformações. Um bom diretor ou administrador pode contribuir para modificar uma ou mais instituições educacionais. Uma parte das nossas dificuldades em ensinar deve-se também a mantermos no nível organizacional e interpessoal formas de gerenciamento autoritário, pessoas que não estão acompanhando profundamente as mudanças na educação, que buscam o sucesso imediato, o lucro fácil, o marketing como estratégia principal.
É preciso equilibrar o planejamento institucional e o pessoal nas organizações educacionais. Ter um planejamento flexível e criatividade sinérgica; equilíbrio entre a flexibilidade (que está ligada ao conceito de liberdade, de criatividade) e a organização (na qual há hierarquia, normas, maior rigidez): nem planejamento fechado nem criatividade desorganizada, que vira só improvisação.
Avançaremos mais se soubermos adaptar os programas previstos às necessidades dos alunos, criando conexões com o cotidiano, com o inesperado; se transformarmos a sala de aula em uma comunidade de investigação. Avançaremos mais se aprendermos a equilibrar planejamento e criatividade, organização e adaptação a cada situação, a aceitar os imprevistos, a gerenciar o que podemos prever e a incorporar o novo, o inesperado. O planejamento aberto, que prevê, que está pronto para mudanças, para sugestões, adaptações. A criatividade, que envolve sinergia, diversas habilidades em comunhão, valorização das contribuições de cada um, estimulando o clima de confiança e de apoio.
Com a flexibilidade, procuramos adaptar-nos às diferenças individuais, respeitar os diversos ritmos de aprendizagem, integrar as diferenças locais e os contextos culturais. Com a organização, buscamos gerenciar as divergências, os tempos, os conteúdos, os custos, estabelecemos os parâmetros fundamentais. Traçamos linhas de ação pedagógica gerais que norteiam as ações individuais, sem sufocá-las. Respeitamos os estilos de dar aula que dão certo. Respeitamos as diferenças que contribuem para o mesmo objetivo. Personalizamos os processos de ensino-aprendizagem, sem descuidar do coletivo. Encontramos o estilo pessoal de dar aula, em que nos sentimos confortáveis e conseguimos realizar melhor os objetivos.
Ensinar e aprender exigem hoje muito mais flexibilidade espaçotemporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais abertos de pesquisa e de comunicação. Uma das dificuldades atuais é conciliar a extensão da informação, a variedade das fontes de acesso, com o aprofundamento da sua compreensão, em espaços menos rígidos, menos engessados. Temos informações demais e dificuldade em escolher quais são significativas para nós e em integrá-las a nossa mente e a nossa vida.
A aquisição da informação dependerá cada vez menos do professor. As tecnologias podem trazer hoje dados, imagens, resumos de forma rápida e atraente. O papel do professor – o papel principal – é ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-los, a contextualizá-los. O papel do educador é mobilizar o desejo de aprender, para que o aluno se sinta sempre com vontade de conhecer mais.
Aprender depende também do aluno, de que ele esteja pronto, maduro, para incorporar a real significação que a informação tem para ele, para incorporá-la vivencialmente, emocionalmente. Enquanto a informação não fizer parte do contexto pessoal – intelectual e emocional –, não se tornará verdadeiramente significativa, não será aprendida verdadeiramente.
Avançaremos mais pela educação positiva do que pela repressiva. É importante não começar pelos problemas, pelos erros, não começar pelo negativo, pelos limites. E sim pelo positivo, pelo incentivo, pela esperança, pelo apoio na capacidade de aprender e de mudar. Ajudar o aluno a acreditar em si, a se sentir seguro, a se valorizar como pessoa e se aceitar plenamente em todas as dimensões da vida. Se o aluno acredita em si, será mais fácil trabalhar os limites, a disciplina, o equilíbrio entre direitos e deveres, a dimensão grupal e social.
Cada vez se consolida mais nas pesquisas de educação a ideia de que a melhor maneira de modificá-la é por metodologias ativas, focadas no aluno, como a metodologia de projetos de aprendizagem ou a de solução de problemas. Essas metodologias tiram o foco do “conteúdo que o professor quer ensinar”, permitindo que o aluno estabeleça um vínculo com a aprendizagem, baseado na ação-reflexão-ação. Os projetos podem estar centrados em cada área de conhecimento isoladamente (projetos dentro de cada disciplina) ou integrar áreas de conhecimento de forma mais ampla (projetos interdisciplinares).
O caminho imediato mais fácil parece ser o de combinar a organização por disciplinas – em que cada uma também pode organizar atividades de pesquisa e projetos – e, ao mesmo tempo, trabalhar com projetos de forma integrada, com base em um tema fundamental comum para cada período, desde o começo até o final de cada curso. Todos os alunos desenvolvem pesquisas em pequenos grupos, dentro da mesma temática geral, que terminam em um produto, que pode ser acadêmico ou de intervenção social. Esse produto é apresentado para todos e pode ser publicado ou aplicado.
Nas palavras do professor Eduardo Chaves:[11]
A educação deixa de ser centrada em conteúdos disciplinares (conteudocêntrica) e passa a ser centrada no desenvolvimento de competências e habilidades. A educação deixa de ser centrada no ensino (didatocêntrica) e passa a ser centrada na aprendizagem. A educação deixa de ser centrada no professor (magistrocêntrica) e passa a ser centrada no aluno. A educação deixa de ser algo passivo para o aluno e passa a ser algo no qual ele ativamente participa.
Em outras palavras, a introdução da metodologia de projetos de aprendizagem é condição sine qua non para uma educação que tenha como objetivo criar as condições objetivas que permitam que as crianças se transformem, das criaturas incompetentes e dependentes que são ao nascer, em seres humanos adultos competentes e autônomos, capazes de escolher e definir um projeto de vida e transformá-lo em realidade. Na verdade, a metodologia de projetos de aprendizagem é a única compatível com uma visão de educação e aprendizagem que encare o aluno como protagonista, como parte da solução e não do problema:
Não consigo ver como é que se pode promover uma educação para o desenvolvimento humano apoiando a educação tradicional, centrada no ensino dos conteúdos das disciplinas curriculares tradicionais. (...) Na metodologia (de projetos) muitas inovações podem ser colocadas em prática (seja a distância ou presencial). Os alunos têm mais autonomia, aprendem (também) através da pesquisa, apoiada no trabalho em grupo (colaborativo), que, como nasce de uma situação concreta, é contextualizado.[12]
Com as escolas cada vez mais conectadas à internet, os papéis do educador se multiplicam, diferenciam e complementam, exigindo uma grande capacidade de adaptação, de criatividade diante de novas situações, propostas, atividades. Em alguns cursos, além das aulas presenciais, os professores desenvolvem atividades complementares a distância. Em outros, as aulas são presenciais, mas há uma incidência maior de atividades virtuais, que podem liberar os alunos de alguns encontros presenciais. Em outros cursos, ainda, só há um ou dois encontros presenciais e a maior parte das aulas e atividades é feita a distância. Finalmente, organizamos cursos em que o professor não mantém contato físico com os alunos e todas as atividades são realizadas basicamente pela internet.
O professor alterna cursos on-line com um número de alunos semelhante ao das aulas convencionais com outros com 300, 500 ou vários milhares de alunos, em que ele gerencia uma equipe de professores assistentes e monitores, que, por sua vez, atendem a turmas menores de alunos. Em determinados cursos, o professor é somente um autor, não participa diretamente do andamento das atividades. O conteúdo é tratado e editado por uma equipe, que o adapta para as mídias e o perfil do público. O professor participa de formas diferentes e exerce papéis diferentes nas diversas situações que se apresentam na educação on-line.
O professor precisa aprender a trabalhar com tecnologias sofisticadas e tecnologias simples; com internet de banda larga e com conexão lenta; com videoconferência multiponto e teleconferência; com softwares de gerenciamento de cursos comerciais e com softwares livres. Ele não pode se acomodar, porque, a todo momento, surgem soluções novas para facilitar o trabalho pedagógico, soluções que não podem ser aplicadas da mesma forma para cursos diferentes.
O professor cada vez mais será solicitado por outras instituições acadêmicas e corporativas para participar em um módulo ou parte de um curso, muitas vezes distante do local onde se encontra. Em determinados cursos, poderá criar comunidades de aprendizagem, com grande interação, enfatizando a construção grupal do conhecimento. Em outros, será pedido que interaja o mínimo com os alunos, para diminuir custos, porque esse é o padrão da instituição ou da coordenação. Em alguns cursos, poderá pensar em vídeos, apresentações complexas e câmeras para visualizar e interagir com os alunos, como videochats. Já em outros, receberá a orientação de não utilizar o chat, por ser dispersivo, ou de focar mais o texto impresso e utilizar a internet como mídia complementar, pela dificuldade de acesso de uma parte significativa dos alunos. Ele precisa ter flexibilidade para adaptar-se a situações muito diferentes e sensibilidade para escolher as melhores soluções possíveis para cada momento.
O professor está começando a aprender a trabalhar nestas situações: com poucos e muitos alunos, com mais ou menos encontros presenciais, com um processo personalizado (professor autor-gestor) ou mais despersonalizado (separação entre o autor e o gestor de aprendizagem). Quanto mais situações diferentes experimente, mais bem preparado estará para vivenciar diferentes papéis, metodologias, projetos pedagógicos, muitos ainda em fase de experimentação.
Estamos caminhando para um conjunto de situações de educação plenamente audiovisuais, com possibilidade de forte interação, integrando o que de melhor conhecemos da televisão (qualidade de imagem e som, imagens ao vivo) com o melhor da internet (acesso a bancos de dados, pesquisa individual e grupal, desenvolvimento de projetos em conjunto, a distância). Tudo isso exige uma pedagogia muito mais flexível, integradora e experimental. Estamos aprendendo a desenvolver propostas pedagógicas diferentes para situações de aprendizagem diferentes. As instituições sérias, mesmo quando têm muitos alunos, encontrarão formas de organizá-los para que consigam aprender com qualidade. As instituições que só buscam o lucro disponibilizarão cursos prontos, com pouca interação e apoio, massificando o processo de ensino-aprendizagem, como acontece também no ensino presencial.
Todas as universidades e organizações educacionais, em todos os níveis, precisam experimentar como integrar o presencial e o virtual, garantindo a aprendizagem significativa. Não temos muitas referências que transitem pelo presencial e pelo virtual de forma integrada. Até agora, temos cursos em sala de aula ou cursos a distância, criados e gerenciados por grupos em núcleos específicos, pouco próximos da educação presencial. É importante que os núcleos de educação a distância das universidades saiam do seu isolamento e se aproximem dos departamentos e grupos de professores interessados em flexibilizar suas aulas, para facilitar esse trânsito.[13]
Um dos grandes pontos de estrangulamento da educação on-line é a tensão entre os educadores humanistas e os tecnológicos:
• Os humanistas focam a comunicação, a interação, a construção do conhecimento, a criação de comunidades de aprendizagem. Os tecnológicos ressaltam o avanço dos softwares, a velocidade de transmissão, as soluções telemáticas.
• Os que conhecem as tecnologias têm nos prometido soluções, facilidades, grandes mudanças. Os que focam mais as dimensões humanas do ensino-aprendizagem falam mais de olho no olho, de comunicação afetiva, de valores.
• Os humanistas dizem que as tecnologias são importantes, mas, em geral, resistem o quanto podem a sua utilização mais ampla, inovadora. Permanecem ancorados na sala de aula como espaço de resistência, fora do qual não vale a pena avançar.
• Os educadores tecnológicos, impulsionados por administradores em busca de resultados, ampliam mais e mais o número de alunos atendidos simultaneamente, focam predominantemente o conteúdo, a autoaprendizagem e limitam a interação ao mínimo, porque ela eleva dramaticamente os custos.
Precisamos dos educadores humanistas na educação on-line para experimentar formas de interação entre virtual e presencial e nos ajudar a encontrar caminhos para equilibrar quantidade e qualidade nos diversos tipos de situação em que nos encontramos hoje. Precisamos que nos mostrem como criar novas formas de interação, como incentivar a pesquisa individual e em grupo, a avaliação ao longo do curso, o estabelecimento de vínculos, a discussão aberta de valores importantes para a sociedade.
Necessitamos dos educadores tecnológicos, que nos tragam as melhores soluções para cada situação de aprendizagem, que facilitem a comunicação com os alunos, que orientem a confecção dos materiais adequados para cada curso, que humanizem as tecnologias e as mostrem como meios e não como fins.
É importante humanizar as tecnologias: são meios, caminhos para facilitar o processo de aprendizagem. É importante também inserir as tecnologias nos valores, na comunicação afetiva, na flexibilização do espaço e tempo do ensino-aprendizagem.