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NOVOS DESAFIOS PARA O EDUCADOR

Continuo buscando, re-procurando.
Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.
Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço
e comunicar e anunciar a novidade.
Paulo Freire

O mais importante no educador

O importante, como educadores, é acreditarmos no potencial de aprendizagem pessoal, na capacidade de evoluir, de integrar sempre novas experiências e dimensões do cotidiano, ao mesmo tempo que compreendemos e aceitamos nossos limites, nosso jeito de ser, nossa história pessoal.

Ao educar, tornamos visíveis nossos valores, atitudes, ideias, emoções. O delicado equilíbrio e a síntese que fazemos no dia a dia transparecem nas diversas situações pedagógicas em que nos envolvemos. Os alunos e os colegas percebem como somos, como reagimos diante de diferenças de opinião, situações adversas, conflitos de valores. O que expressamos em cada momento, como pessoas, é tão importante quanto o conteúdo explícito de nossas aulas. A postura diante do mundo e dos outros é importante como facilitadora ou complicadora dos relacionamentos que se estabelecem com os que querem aprender conosco. Se gostamos de aprender, temos o desejo de que os outros aprendam. Se mostramos uma visão confiante e equilibrada da vida, facilitamos nos outros a forma de lidar com problemas, mostramos que é possível avançar no meio das dificuldades. Alguns educadores confundem visão crítica com pessimismo estrutural; só transmitem aos alunos visões negativas e desanimadoras da realidade. Esse substrato pessimista interfere profundamente na visão dos alunos. Da mesma forma, educadores com credibilidade e visão construtiva da vida contribuem muito para que os alunos se sintam motivados a continuar, a querer aprender, a aceitar-se melhor.

O educador é um ser complexo e limitado, mas sua postura pode contribuir para reforçar que vale a pena aprender, que a vida tem mais aspectos positivos que negativos, que o ser humano está evoluindo, que pode se realizar cada vez mais. Pode ser luz no meio de visões derrotistas, negativas, muito enraizadas em sociedades dependentes como a nossa.

Vejo, hoje, o educador como um orientador, um sinalizador de possibilidades, em que ele também está envolvido e se coloca como um dos exemplos das contradições e da capacidade de superação que todos temos. O educador é um testemunho vivo de que podemos evoluir sempre, ano após ano, tornando-nos mais humanos, mostrando que vale a pena viver.

Numa sociedade em mudança acelerada, além da competência intelectual, do saber específico, precisamos de educadores-luz, testemunhos vivos de formas concretas de realização humana, de integração progressiva, seres imperfeitos que vão evoluindo, humanizando-se, tornando-se mais simples e profundos ao mesmo tempo.

A aprendizagem de ser educador

O educador é especialista em conhecimento, em aprendizagem. Como tal, espera-se que, ao longo dos anos, aprenda a ser um profissional equilibrado, experiente, evoluído, que construa sua identidade pacientemente, integrando o intelectual, o emocional, o ético, o pedagógico.

O educador pode ser testemunha da aprendizagem contínua. Testemunho impresso nos seus gestos e na personalidade de que evolui, aprende, humaniza-se, torna-se pessoa mais aberta, acolhedora, compreensiva. Testemunha, também, das dificuldades de aprender, das dificuldades de mudar, das contradições do cotidiano, da aprendizagem de compreender-se e compreender.

Com o passar do tempo, o educador vai mostrando uma trajetória coerente, de avanços, de sensatez e firmeza. Passa por etapas em que se sente perdido, angustiado, sem foco. Retoma o rumo, depois, revigorado, estimulado por novos desafios, pelo contato com os alunos, pela vontade de continuar vivendo, aprendendo, realizando-se e frustrando-se, às vezes, mas mantendo o impulso de avançar. Há momentos em que se sente perdido, desmotivado. Educar tem muito de rotina, de repetição, de decepção. É um campo cada vez mais tomado por investidores, por pessoas que buscam lucros fáceis. E o educador sente-se parte de uma máquina, de uma engrenagem que cresce desproporcionalmente. Sente-se, em alguns momentos, insignificante, impotente, um número que pode ser substituído por muitos colegas ansiosos por encontrar trabalho. Sabe que sua experiência é importante, mas também que a concorrência é grande e que há muita gente disposta a ensinar por salários menores.

Ensinar tem momentos glamourosos, em que os alunos participam, envolvem-se, trazem contribuições significativas. Mas muitos outros momentos são banais; parece que nada acontece. É um entra e sai de rostos que se revezam no mesmo ritmo semanal de aula, exercícios, mais aulas, provas, correções, notas, novas aulas, novas atividades... A rotina corrói uma parte do sonho, a engrenagem despersonaliza, a multiplicação de instituições escolares torna previsíveis as atividades profissionais. Há um aumento de oferta profissional (mais vagas para professor), junto com uma diminuição das exigências para a profissão (mais fácil ter diploma, muitos estudantes em fase final contratados, aumento da concorrência). A tentação da mediocridade é real. Basta ir seguindo, para ficar anos como docente, ganhar um salário seguro, razoável. Os anos vão passando e, quando o professor percebe, já está na fase madura e se acomodou.

As etapas da aprendizagem do docente

Apesar de cada docente ter sua trajetória, há pontos coincidentes na evolução profissional. Relato a seguir uma síntese de questões que costumam aparecer – com muitas variáveis – na trajetória de muitos professores, baseado em minha observação e experiência.

A iniciação

Recém-formado, o professor começa a ser chamado para substituir um colega em férias, uma professora em licença-maternidade, dar algumas aulas no lugar de professores ausentes. Ainda se confunde com o aluno, intimamente se sente aluno, mas percebe que é visto pelos alunos como uma mistura de professor e aluno. Luta para se impor, para impressionar, para ser reconhecido. Prepara as aulas, traz atividades novas, preocupa-se em cativar os alunos, em ser aceito. Sente medo de ser ridicularizado em público com alguma pergunta impertinente ou muito difícil. Tem medo dos que o desafiam, dos alunos que não ligam para as suas aulas, dos que ficam conversando o tempo todo. Procura ser inovador e, ao mesmo tempo, percebe que reproduz algumas técnicas de lecionar que vivenciou como aluno, algumas até criticadas por ele mesmo. É uma etapa de aprendizagem, de insegurança, de entusiasmo e de muito medo de fracassar.

O tempo passa, os alunos vão embora, chegam outros, em outro semestre, e o processo recomeça. Agora, o professor já tem uma noção mais clara do que o espera. Planeja com mais segurança o novo semestre, repete alguns “macetes” que deram certo, busca textos diferentes, inova um pouco, arrisca mais. Vê que algumas atividades funcionam sempre e outras não. Descobre que toda turma tem comportamento semelhante, mas reage de forma diferente às mesmas propostas. E assim vai, por tentativa e erro, aprendendo a diversificar, a desenvolver um feeling de como está cada classe, de quando vale a pena insistir na aula teórica planejada e quando é preciso introduzir uma nova dinâmica, contar uma história, passar um vídeo, apressar o fim da aula etc.

A consolidação

De semestre em semestre, o jovem professor vai consolidando o seu jeito de ensinar, de lidar com os alunos, com as áreas de atuação. Consegue ter maior domínio de todo o processo. Isso lhe dá segurança, tranquilidade. Os colegas e coordenadores o indicam para novas turmas, novas disciplinas, novas instituições. Multiplica o número de aulas. Aumenta o número de alunos. É frequente, no ensino superior particular, um professor ter mais de 500 alunos por semana. Forma uma família. Vira um “tocador” de aulas. Cada vez mais, precisa aumentar o número de aulas, para manter a renda. Desenvolve algumas fórmulas para se poupar. Repete o mesmo texto em várias turmas e, às vezes, em várias disciplinas. Utiliza um mesmo vídeo para diversos temas. Dá trabalhos bem parecidos para turmas diferentes, em grupo. Lê cada vez mais rapidamente os trabalhos e as provas. Faz comentários genéricos: “continue assim”, “insuficiente”, “esforce-se mais”, “parabéns”, “interessante”. Prepara as aulas em cima da hora, com poucas mudanças. Repete fórmulas, métodos e técnicas aprendidos por longo tempo.

Crise de identidade

Sempre há alguma crise, mas essa é diferente: pega o professor em cheio. Aos poucos, dar aula se torna cansativo, repetitivo, insuportável. Parece que alguns coordenadores são mais “chatos”, “pegam mais no pé”. Algumas turmas também “não querem nada com nada”. As reuniões de professores são todas iguais, pura perda de tempo. Os salários são baixos. Outros colegas mostram que ganham mais em outras profissões. Renova-se a dúvida: vale a pena ficar como está ou dar uma guinada na vida profissional?

Por enquanto, “vai tocando”. Torce para que haja muitos feriados, para que os alunos não venham em determinados dias. Qualquer motivo justifica não dar aula. Cria muitas atividades em classe: leituras em grupo, pesquisa na biblioteca, na internet, vídeos longos. Isso lhe permite descansar um pouco, ficar na sala dos professores, poupar a voz.

Muitas vezes, essa crise profissional vem acompanhada de uma crise afetiva. Sente-se, intimamente, bastante só, apesar das aparências. E, em algum momento, a crise bate mais fundo: “o que é que eu faço aqui?”; “qual é o sentido da minha vida?”; “tem tanta gente que sabe menos e está melhor!”; “como defender uma sociedade mais justa num país onde só os mesmos ficam mais e mais ricos?”.

Olha para trás e vê muitos recém-formados ansiosos para entrar na escola de qualquer jeito, ganhando menos do que ele. E esses jovens “petulantes” têm outra linguagem, dominam mais a internet, estão cheios de ideias. Embora faça cursos de atualização, sente-se ultrapassado em muitos pontos. Sempre foi preparado para dar respostas, para ser o centro do saber e agora descobre que não tem certezas, que cada vez sabe menos, que há muitas variáveis para uma mesma questão e que novas pesquisas questionam verdades que pareciam definitivas. Essa sensação de estar fora do lugar, de inadequação, vai aumentando e um dia explode. A crise se generaliza. Nada faz sentido. A depressão toma conta dele. Já não tem vontade de levantar, chega atrasado, falta cada vez mais.

Mudanças

Diante de crises, alguns professores desistem, “jogam a toalha”. Outros procuram saídas, fugas e terminam se acalmando e se acomodando. Tornam-se previsíveis, repetitivos. Outros ainda, diante da insatisfação, procuram uma nova atividade profissional, mais empolgante, e dão aulas como complemento, como “bico”. Encontramos também os que, nas crises, procuram refletir sobre sua vida profissional e pessoal, encontrar caminhos, reaprender a aprender. Atualizam-se, observam mais, conversam, meditam. Aos poucos, buscam uma nova síntese, um novo foco. Começam pelo externo, por estabelecer um relacionamento melhor com os alunos, procurando escutá-los mais. Preparam melhor as aulas, utilizam novas dinâmicas, novas tecnologias. Leem novos autores, abrem novos horizontes. Refletem mais, ouvem mais. Descobrem que precisam se aceitar melhor, ser mais humildes e confiantes. E assim, pouco a pouco, redescobrem o prazer de ler, de aprender, de ensinar, de viver. Estão mais atentos ao que acontece ao seu lado e dentro de si. Procuram simplificar a vida, consumir menos, relaxar mais. Veem exemplos de pessoas que envelhecem motivadas para aprender e isso lhes dá estímulo para seguir adiante, para renovar-se todos os dias. Tornam-se mais humanos, acolhedores, compreensivos, tolerantes, abertos. “Sinto-me como alguém que envelhece crescendo” (Rogers 1992, p. 33). Essa é a atitude maravilhosa de quem gosta de aprender. Aprender dá sentido à vida, a todos os momentos dela, mesmo quando está no fim.

Há professores que se burocratizam na profissão. Outros se renovam com o tempo, tornam-se pessoas mais humanas, ricas e abertas. As chances são as mesmas; os cursos são os mesmos; os alunos também são iguais. A diferença é que uma parte muda de verdade, busca novos caminhos, e a outra se acomoda na mediocridade, esconde-se nos ritos repetidos. Muitos professores se “arrastam” pelas salas de aula, ao passo que outros, nas mesmas circunstâncias, encontram forças para continuar, melhorar, realizar-se.

O educador bem-sucedido

Por que, nas mesmas escolas, nas mesmas condições, com a mesma formação e os mesmos salários, uns professores são bem-aceitos, conseguem atrair os alunos e realizar um bom trabalho profissional, e outros não?

Não há uma única forma ou um único modelo. Isso depende muito de personalidade, competência, facilidade de aproximar e gerenciar pessoas e situações. Uma das questões que determinam o sucesso profissional maior ou menor do educador é a capacidade de relacionar-se, de comunicar-se, de motivar o aluno de forma constante e competente. Alguns professores conseguem uma mobilização afetiva dos alunos pelo magnetismo pessoal, pela simpatia, pela capacidade de sinergia, de estabelecer um rapport, uma sintonia interpessoal grande. É uma qualidade que pode ser desenvolvida, mas alguns a possuem em grau superlativo e a exercem intuitivamente, o que facilita o trabalho pedagógico.

Uma das formas de estabelecer vínculos é mostrar genuíno interesse pelos alunos. Os professores de sucesso não se preparam para o fracasso, mas para o êxito em seus cursos. Preparam-se para desenvolver um bom relacionamento com os alunos e para isso os aceitam afetivamente antes de os conhecerem, predispõem-se a gostar deles antes de começar um novo curso. Essa atitude positiva é captada consciente e inconscientemente pelos alunos, que reagem da mesma forma, dando-lhes crédito, confiança, alimentando expectativas otimistas. O contrário também acontece: professores que se preparam para a aula prevendo conflitos, que estão cansados da rotina, passam consciente e inconscientemente esse mal-estar, que é correspondido com desconfiança dos alunos, distanciamento, expectativas pessimistas.

É muito tênue o que fazemos em aula para facilitar a aceitação ou provocar a rejeição. É um conjunto de intenções, gestos, palavras e ações traduzidos pelos alunos como positivos ou negativos, que facilitam a interação, o desejo de participar de um processo grupal de aprendizagem, de uma aventura pedagógica, o desejo de aprender ou, pelo contrário, levantam barreiras e desconfianças que desmobilizam.

O sucesso pedagógico depende também da capacidade de expressar competência intelectual, de mostrar que conhecemos de forma pessoal determinadas áreas do saber, que as relacionamos com os interesses dos alunos, que podemos aproximar a teoria da prática e a vivência da reflexão teórica.

A coerência entre o que o professor fala e o que faz na vida é um fator importante para o sucesso pedagógico. Se um professor une sua competência intelectual, emocional e ética, causa um profundo impacto nos alunos. Estes estão muito atentos à pessoa do professor, não somente ao que ele fala. A pessoa fala mais que as palavras. A junção da fala competente com a pessoa coerente é didaticamente poderosa.

As técnicas de comunicação também são importantes para o sucesso do professor. Um educador que fala bem, que conta histórias interessantes, que tem feeling para sentir o estado de ânimo da classe, que se adapta às circunstâncias, que sabe jogar com as metáforas, o humor, que usa as tecnologias adequadamente, sem dúvida, consegue bons resultados com os alunos. Estes gostam do professor que os surpreende, que traz novidades, que varia técnicas e métodos de organizar o processo de ensino-aprendizagem.

Ensinar sempre será complicado, pela distância profunda que existe entre adultos e jovens. Por outro lado, essa distância nos torna interessantes, justamente porque somos diferentes. Podemos aproveitar a curiosidade que suscita encontrar uma pessoa com mais experiência, realizações e fracassos. Um dos caminhos de aproximação ao aluno é pela comunicação pessoal de vivências, histórias, situações que ele ainda não conhece em profundidade. Outro é o da comunicação afetiva, da aproximação pelo gostar, pela aceitação do outro como ele é e encontrar o que une, o que identifica, o que se tem em comum.

Um professor que se mostra competente, humano, afetivo, compreensivo atrai os alunos. Não é a tecnologia que resolve esse distanciamento, mas ela pode ser um caminho para a aproximação mais rápida: valorizar a rapidez, a facilidade com que crianças e jovens se expressam tecnologicamente ajuda a motivá-los, a querer se envolver mais. Podemos aproximar nossa linguagem da deles, mas ela sempre será muito diferente. O que facilita são as entrelinhas da comunicação linguística: a entonação, os gestos aproximadores, a gestão de processos de participação e acolhimento, dentro dos limites sociais e acadêmicos possíveis.

O educador não precisa ser “perfeito” para ser um bom profissional. Fará um grande trabalho apresentando-se da forma mais próxima ao que ele é naquele momento, “revelando-se” sem máscaras, sem jogos. Quando se mostra como alguém que está atento para evoluir, aprender, ensinar. O bom educador é um otimista, sem ser “ingênuo”, consegue “despertar”, estimular, incentivar as melhores qualidades de cada pessoa.

O professor-aprendiz

Quando pensamos em educação, costumamos pensar no outro, no aluno, no aprendiz e esquecer como é importante olhar os profissionais do ensino como sujeitos e objetos também de aprendizagem. Ao enfocá-los como aprendizes, muda-se a forma de ensinar. Se nos vemos como aprendizes, antes de professores, adotamos uma atitude mais atenta, receptiva e temos mais facilidade de nos colocar no lugar do aluno, de nos aproximar da maneira como ele vê, de modificar nossos pontos de vista.

A atitude primeira do educador profissional de se perceber como aprendiz o torna atento ao que acontece ao seu redor, sensível às informações do ambiente, dos outros. É preciso que ele se coloque junto com o aluno como professor-ensinante e professor-aprendiz. Isso parece óbvio, ou só um jogo de palavras, mas não é, e essa mudança de atitude tem grandes consequências. Se nos colocamos, como professores, sempre e somente no lugar dos alunos, trabalhamos com informações úteis para eles, adquirimos uma grande capacidade de senti-los, de adaptar a nossa linguagem, de sintonizar com suas aspirações, e isso é bom. Se, ao mesmo tempo em que pensamos no aluno, também nos sentimos como alunos, estamos aprendendo junto, fazemos a ponte entre informação, conhecimento e sabedoria, entre a teoria e a prática, entre o conhecimento adquirido e o novo.

Quais são as consequências? Se aprendermos mais, de verdade, se incorporarmos a aprendizagem mútua, evoluiremos mais rapidamente, entenderemos melhor os mecanismos envolvidos na aprendizagem, as dificuldades, os conflitos pessoais e os dos nossos alunos. Se aprendemos mais e melhor, só nos falta encontrar o caminho para nos comunicarmos com os alunos, sermos mediadores entre o ponto em que nos encontramos e o ponto no qual eles estão.

Educadores são pessoas com dificuldades e problemas, como qualquer outra, mas deles se espera que, como especialistas em conhecimento e aprendizagem, consigam compreender melhor as questões fundamentais do mundo, dos outros e de si mesmos, que saibam fazer escolhas sensatas e mostrar na prática o que aprenderam teoricamente.

É preocupante o contraste entre o que se espera de muitos educadores com currículos brilhantes e o que se observa no seu comportamento prático, tão egocêntrico e insensível. Por outro lado, é muito gratificante encontrar educadores e gestores com grande capacidade de compreender, ouvir e aprender; educadores nos quais podemos confiar e que estão prontos a nos ajudar a crescer. Nesta sociedade altamente tecnológica e complexa, é deles, educadores humanistas, que precisamos mais do que nunca.

Roteiros previsíveis e semidesconhecidos

Se nos apresentarmos como professores que aprendem e não só que ensinam, viveremos duas situações interligadas, mas diferentes. Em muitas ocasiões, colocamo-nos diante dos alunos como quem já conhece, já percorreu o caminho anteriormente e quer ajudá-los a fazer essa travessia. Ensinar o que já conhecemos é o que fazemos quando transmitimos experiências, vivências, exemplos, situações, leituras. Mas há momentos e situações que escapam ao nosso controle, em que nos vemos também como aprendizes, em que começamos a enxergar de uma outra forma, sem ainda ter feito todo o percurso. Nessas situações, somos professores que estão aprendendo e, ao mesmo tempo, mostrando o processo de aprender enquanto ele acontece e não só seu resultado.

Tomemos um exemplo. Se já estivemos em Madri ou Barcelona, podemos ser guias dos alunos, ajudá-los a escolher os melhores pontos turísticos para visitar, fornecer-lhes informações mais precisas sobre o que estão vendo etc. Nosso conhecimento prévio nos torna conhecedores e mediadores confiáveis. Isso nos dá segurança e confere segurança também aos alunos: têm um guia competente.

No entanto, há momentos em que podemos convidar os alunos para uma aventura, para visitar uma cidade desconhecida, fazendo um caminho diferente, que ainda não percorremos. Apesar de nossa experiência como viajantes conhecedores, há elementos que nos escapam, há conhecimentos que precisamos atualizar rapidamente. Haverá um maior número de surpresas, os alunos poderão trazer informações significativas que desconhecemos. Nesta última situação, aprendemos juntos, embora possamos cometer alguns erros de percurso, perder em alguns momentos, ficar em dúvida sobre quais escolhas são as mais acertadas. E os alunos, sendo corresponsáveis pelo processo, também estarão mais motivados e darão contribuições mais significativas.

Se nos apresentarmos como professores-aprendizes e não só como especialistas em viagens, proporemos aos alunos novos caminhos, novos desafios, e não só roteiros previsíveis. Os roteiros previsíveis dão segurança, tranquilizam, mas, na segunda ou terceira vez, já perdem a graça. Muitos professores se comportam como guias turísticos que percorrem sempre os mesmos roteiros, repetem as mesmas falas, realizam as mesmas atividades. Na décima viagem, será muito difícil manter a empolgação, a não ser fazendo um grande esforço. Como professores-aprendizes, mesmo que conheçamos os roteiros, estaremos atentos a novos detalhes, a novas informações, a novos caminhos. Criaremos estratégias de motivação diferentes, entrevistaremos pessoas desconhecidas. Dentro da previsibilidade do roteiro, faremos inúmeras variações (porque também estamos aprendendo junto).

Se somos professores-aprendizes inovadores, podemos combinar roteiros previsíveis, trilhados com diferentes estratégias e caminhos, com roteiros semidesconhecidos, em que não somos tão especialistas e em que propomos que o grupo esteja mais atento para aprendermos juntos, para utilizar todas as experiências prévias de todos, para trocar mais informações. Sem dúvida, mais arriscado, contudo é mais excitante.

Numa sociedade como a nossa, com tantas mudanças, rapidez de informações e desestruturação de certezas, não podemos ensinar só roteiros seguros, caminhos conhecidos, excursões programadas. Precisamos arriscar um pouco mais, navegar juntos, trocar informações, apoiados no guia um pouco mais experiente, mas que não tem todas as certezas, porque elas não existem, como antes se pensava.

Muitos transformam a educação em uma agência de viagens, com roteiros pré-programados, previsíveis. É, sem dúvida, mais seguro, fácil para todos e confortável. Hoje é insuficiente esse modelo. Precisamos combiná-lo com roteiros semiprevisíveis, semiestruturados, com pontos de apoio sólidos, mas com muitos momentos livres, para permitir escolhas personalizadas, e momentos de aventura, em que todos nos sintamos empolgados e efetivamente participantes de uma aprendizagem coletiva e inovadora.

O que é importante para ser educador hoje

Algumas diretrizes são importantes para o professor que quer ser excelente profissional:[25]

Crescer profissionalmente, atento a mudanças e aberto à atualização.

Conhecer a realidade econômica, cultural, política e social do país, lendo atenta e criticamente jornais e revistas impressos e na internet.

Participar de atividades e projetos importantes da escola.

Escolher didáticas que promovam a aprendizagem de todos os alunos, evitando qualquer tipo de exclusão e respeitando as particularidades de cada aluno, como sua religião ou origem étnica. Surpreender, cativar, conquistar os estudantes a todo momento.

Orientar a prática de acordo com as características e a realidade dos alunos, do bairro, da comunidade.

Participar como profissional das associações da categoria e lutar por melhores salários e condições de trabalho.

Utilizar diferentes estratégias de avaliação de aprendizagem – os resultados são a base para elaborar novas propostas pedagógicas. Não há mais espaço para quem só sabe avaliar com provas.

Aprendendo a construir a identidade pedagógica pessoal

Cada um de nós vai construindo sua identidade com os pontos de apoio que considera fundamentais e que definem escolhas. Cada um tem uma forma peculiar de ver o mundo, de enfrentar situações inesperadas. Filtramos tudo com nossas lentes, experiências, personalidade, formas de perceber, sentir e avaliar a nós mesmos e aos outros. Uns precisam viver em um ambiente superorganizado e não conseguem produzir se houver desordem, já outros não dão a mínima importância para a bagunça ou fazem dela um hábito. Uns precisam de muita antecedência para realizar uma tarefa, ao passo que outros só produzem sob a pressão do último momento.

Na construção da nossa identidade, é importante como nos vemos, como nos sentimos, como nos situamos em relação aos outros. Muitos fomos educados para depender da aprovação dos demais, pensando mais em agradar os outros do que no que realmente desejamos. Todos já experimentamos inúmeras formas de comparação; já ficamos em segundo plano; já fomos deixados de lado; já sofremos diversas perdas. Tudo isso interfere na nossa autoimagem pessoal e profissional.

Sempre existem modelos inatingíveis de beleza, de riqueza, de sucesso, de realização afetiva. É intensa a pressão social para que nos sintamos infelizes, diminuídos em alguns pontos ou para que nos contentemos com pouco. Muitos permanecem imobilizados pelo medo do julgamento alheio, pelo medo de falhar. Vivem para fora, para serem aceitos. E, sem essa aceitação, sentem-se inseguros e representam papéis sociais nem sempre autênticos.

Internamente – mesmo quando aparentemente o negamos – temos consciência de que somos frágeis, contraditórios, inconstantes e, em alguns campos, inferiores a outros. Boa parte dos nossos descaminhos, das nossas dificuldades, perdas e problemas advém da não aceitação plena, de não acreditar no nosso potencial. Essa construção da identidade, que vimos realizando tão penosamente, não a podemos modificar magicamente. Podemos, contudo, aprender a modificar alguns processos de percepção, emoção e ação.

Construímos a vida sobre fundamentos autênticos ou falsos. As construções em falso são como andaimes ou contrapesos para segurar uma parte do prédio que pode vir abaixo. Quanto mais muros de contenção, paredes duplas e contrafortes criamos, quanto mais estruturas paralelas levantamos, menos evoluímos a longo prazo, menos nos realizamos. Se o que nos leva a realizar coisas é a necessidade de reconhecimento, de aceitação, de sermos queridos, o foco está distorcido e podemos agir a vida toda em falso.

Hoje, dá-se muita ênfase às profissões de visibilidade, de divulgação, de marketing, que propiciam ser reconhecido, como ser modelo, ator, esportista. Muitos buscam a televisão, querem ser entrevistados, aparecer em colunas de jornais. Precisam de reconhecimento social como condição fundamental para sentir-se bem. E a profissão docente tem perdido bastante glamour, é bastante desvalorizada economicamente, o que costuma interferir na autoimagem do professor.

É importante reconhecer nossas qualidades, valorizá-las, destacá-las e buscar formas de colocá-las em prática, escolhendo situações em que elas sejam mais testadas e necessárias. Estar atento ao que acontece e ir antecipando, prevendo, testando, avaliando. Podemos ir muito além de onde estamos, de onde imaginamos e de onde os outros nos percebem. Podemos modificar nossa percepção, aprendendo a aceitar-nos plenamente e intimamente como somos, sem comparações nem desvalorizações, quando ninguém nos vê, quando não temos de representar para alguém, e seguir adiante, no nosso ritmo, acreditando no nosso potencial.

Para mudar o mundo, podemos começar mudando a visão que temos dele e de nós. Ao mudar nossa visão das coisas, tudo continua no mesmo lugar, mas o sentido muda, o contexto se altera.

A comunicação autêntica estabelece conexões significativas na relação com o outro. Desarma as resistências e provoca, geralmente, uma resposta positiva, ativa e desarmada. Em contrapartida, a comunicação agressiva gera reações semelhantes no outro e pode complicar todo o processo.

A cada dia, torna-se mais importante termos mais pessoas na sociedade e, especificamente, na educação que sejam capazes de se relacionar de forma aberta com os outros, que facilitem a comunicação com colegas, alunos, administração e famílias. Pessoas maduras emocionalmente, que saibam gerenciar conflitos pessoais e grupais; que tenham suficiente flexibilidade para compreender diferentes pontos de vista e intuição para aproximar-se de forma adequada de diferentes pessoas e formas de viver.

Necessitamos urgentemente dessas pessoas para mudar o enfoque fundamental das práticas educacionais, para vivenciar práticas mais ricas, abertas e significativas de comunicação pedagógica inovadora, profunda, criativa, progressista.

Felizmente, mais pessoas estão mudando ou querendo mudar. Isso é um excelente sinal de que é possível realizar um grande trabalho na educação brasileira. Vamos concentrar-nos nesses grupos que estão prontos para o novo, que procuram aprender, que estão dispostos a avançar, a experimentar formas mais profundas de comunicação pessoal e tecnológica.

Temos um longo trabalho, no campo político, para implementar ações estruturais de apoio à mudança integrada, que contemplem diretrizes, currículos e processos. É importante incentivar as pessoas, os grupos e as instituições que buscam soluções novas e sérias em educação. E a universidade pode oferecer subsídios teóricos e pedagógicos para essa mudança.