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MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO COM AS TECNOLOGIAS

Aos poucos, a sociedade vai se conectando à internet, com consequências profundas no futuro próximo. Quanto mais conectada a sociedade, mais a educação poderá ser diferente. Não haverá tanta necessidade de ficarmos todos no mesmo lugar, para aprender ao mesmo tempo e com as mesmas pessoas. A conectividade abre possibilidades muito variadas de aprendizagem personalizada, flexível, ubíqua, integrada. Como ela é um processo caro e desigual, levará algum tempo até termos condições de generalizá-lo, e a educação permanecerá ainda com um forte viés presencial, o que dificulta mudanças profundas nas propostas educacionais.

Mudanças na educação presencial

A educação, em todos os níveis, será cada vez mais flexível. Quanto mais adulto o aluno, mais flexível será o processo. É absurdo exigir de um profissional adulto que ingressa no nível superior que refaça todos os níveis de ensino anteriores e frequente o mesmo curso que um aluno inexperiente, recém-saído do ensino médio. A resposta simplista para esse problema é que o profissional adulto faça um curso a distância. E por que não pode fazer um curso presencial mais flexível, adaptado ao seu nível de conhecimento?

Temos fundamentalmente duas modalidades de ensino: semipresencial e a distância ou on-line, com algumas variações. Numa cidade grande, com dificuldade de transporte, para alunos em fase de formação, o semipresencial parece ser mais adequado, ao menos nos próximos anos. Já quem mora longe do local do curso ou tem necessidade maior de flexibilidade espaçotemporal tem a opção do curso on-line, conectado de forma audiovisual, com vários níveis de tutoria. Os cursos mais longos, na fase de formação, necessitaram de mais contatos presenciais ou síncronos, ao passo que, na educação continuada e na pós-graduação, a tendência aponta para uma concentração maior nas atividades on-line, com algum momento presencial, para avaliação, enquanto o MEC assim exigir.

Para entender melhor a complexidade dessa utilização das tecnologias na educação brasileira, apresento a seguir as principais situações que enfrentamos.

1)Hoje, há muitas instituições com pouca inserção tecnológica, principalmente na internet. Muitas não têm o fundamental para sobreviver e demorarão para aproximar-se das possibilidades tecnológicas existentes. Grande parte da educação escolar está muito atrasada em relação ao que hoje é possível e tem outras prioridades. Essas instituições demorarão muito para chegar à sociedade da informação e do conhecimento. Sem dúvida, os investimentos governamentais diminuirão progressivamente esse atraso ou essa distância, mas a desigualdade é tão gritante que se passarão décadas até termos a maioria das escolas incorporadas efetivamente a essa nova ordem. Iniciativas como o computador barato para os alunos, sem dúvida, aceleram a inclusão, mas, se em quase metade das escolas não há sanitários decentes, o notebook provavelmente enfrentará problemas de manutenção, não de implantação.
Além da demora na implantação das redes físicas, deve ser levado em consideração o tempo de domínio efetivo de todas as possibilidades tecnológicas. Uma coisa é o uso pessoal da tecnologia, para comunicar-se, e outra é o domínio pedagógico, que vem da familiaridade e da realização de inúmeras experiências e práticas, até os professores se sentirem confortáveis no seu uso. Dominamos as tecnologias quando nem as percebemos, quando as utilizamos de forma quase automática, sem pensar. A etapa entre o acesso e a familiarização demora vários anos.

2)Outras escolas e universidades utilizam as tecnologias de forma pontual ou complementar. Costumam criar um portal com algumas funcionalidades virtuais: disponibilização de conteúdo, ferramentas para uso livre pelos professores (divulgação de programas, textos, fóruns, chats). Apoiam-se no virtual para resolver alguns problemas crônicos, como recuperação e dependência. Costumam também oferecer algumas disciplinas a distância, comuns a vários cursos, como língua portuguesa, metodologia de pesquisa, sociologia. Normalmente, esses cursos têm material pronto na web e os alunos podem consultar um tutor para tirar dúvidas e fazer avaliações presenciais.

3)Outras escolas poderiam utilizar mais as tecnologias, mas preferem investir em projetos pedagógicos engajados socialmente, desconfiadas de que as tecnologias complicam mais do que facilitam. Há um certo preconceito contra as possibilidades pedagógicas das tecnologias, que se reflete nas temáticas valorizadas nos grandes congressos dos educadores, em geral, distantes das tecnologias e mais preocupados com políticas. Esse grupo grande de escolas introduz as tecnologias com cautela, normalmente focando mais os aspectos administrativos que os pedagógicos e o uso pontual delas. Poderiam pensar o semipresencial ou o on-line de forma mais direta, mas continuam insistindo no modelo presencial como o mais conveniente.

4)Um quarto grupo de escolas se empolga com as tecnologias, adota-as com rapidez, tem salas de aulas bem equipadas e laboratórios. Mas as utilizam dentro de um marco relativamente tradicional, que foca mais o ensino, o professor, o conteúdo. As tecnologias dão um verniz moderno, chamam a atenção (marketing), mas, no fundo, a escola continua a mesma de antes ou com poucas mudanças. Muitas escolas se encaixam nesse modelo, em que as tecnologias se integram ao convencional, prometendo mudanças que costumam ser periféricas e não radicais.

5)Há escolas que incorporam as tecnologias para baixar custos, encontrar modelos competitivos economicamente, enfrentar a concorrência cada vez mais acirrada no mercado. As que levam vantagem no Brasil são as universidades e os centros universitários particulares. Com maior autonomia, podem criar cursos rapidamente, diminuir sua duração, flexibilizá-los no presencial e oferecer alternativas a distância a preços acessíveis. Em geral, são grandes grupos, com muito marketing e rapidez de decisão. Oferecem vários “produtos” com preços diferentes para públicos com poder aquisitivo diferente. No presencial, oferecem cada vez mais cursos semipresenciais, com atividades a distância mais intensas. De outro lado, o educador começa a dar a mesma aula para várias turmas simultaneamente, introduzindo o conceito de professor responsável e professor tutor, utilizando programas de webconferência de baixo custo.

6)Há instituições que oferecem cursos semipresenciais ou on-line com vários formatos e projetos pedagógicos. Em umas, são cursos em que predominam o conteúdo e a compreensão da informação baseados em aulas prontas e textos. Em outras, focam-se mais a relação teoria e prática, a aprendizagem com os outros, a interaprendizagem, a pesquisa, o desenvolvimento de projetos, a aprendizagem colaborativa.

Do presencial para o semipresencial e o on-line

O semipresencial é o modelo mais viável para a maioria das escolas nos próximos anos. Em todos os níveis de ensino, teremos momentos juntos e atividades personalizadas de inserção em projetos, práticas e pesquisas combinadas com atividades de interação, de colaboração. Dependendo do projeto pedagógico do curso, da instituição, da idade do aluno, haverá diferentes formatos, níveis de flexibilidade e de orientação, mas todos os cursos exigirão muito menos presença física e terão menos horários rígidos.

O semipresencial tende a avançar, porque se adapta melhor à nova sociedade aprendente, conectada; porque as crianças e os jovens já têm uma relação com internet, redes, celular e multimídia muito mais familiar do que os adultos. Eles já vivem o semipresencial em muitas outras situações, a escola é que não os está acompanhando. O semipresencial avançará, também, porque, para os mantenedores das escolas, reduzirá custos de utilização de infraestrutura, de ocupação de espaço, de horas-aula de professores.

As ferramentas dos cursos semipresenciais e on-line estão evoluindo para plataformas digitais via TV, computador ou celular, muito mais audiovisuais e interativas. Será cada vez mais fácil falar com alguém, fazer uma apresentação a distância, discutir um projeto. Daí a relativa importância de estarmos fisicamente juntos. Será importante para nos conhecermos, olho no olho, para termos uma impressão mais direta um do outro. Depois, passaremos para o virtual-audiovisual-interativo e, no final de um módulo, voltaremos a estar juntos, retomaremos o contato, planejaremos novos projetos, compararemos os conhecimentos adquiridos e os complementaremos.

Outro aspecto importante é pensar em responder a uma demanda mais individualizada de aprendizagem; oferecer alternativas semipresenciais ou on-line para a aprendizagem aberta, isto é, focada no aluno, desenhada por ele, com a supervisão de um professor orientador. O essencial não é se o curso é semipresencial ou não, mas qual é o projeto pedagógico, que aprendizagem o aluno desenvolverá (escolha de conteúdos e competências), com que métodos, em que ritmo e com que tipo de ajuda (tutoria, feedback e avaliação) se desenvolverá. Essa proposta implica um desenho benfeito do curso, das atividades presenciais, síncronas e assíncronas, dos tempos presenciais e virtuais, do apoio administrativo e acadêmico.

Um exemplo dessa individualização da aprendizagem está no blended learning, em que utilizamos as tecnologias para pesquisa e leitura, para ouvir aulas ao vivo ou pela internet, para discutir com os colegas em fóruns e videochats e para fazer experiências tanto no mundo real como no virtual.

Um modelo desse tipo de curso semipresencial é o de Engenharia Industrial da Universidade Aberta de Barcelona (curso de segundo ciclo ou de graduação profissional). O grau de presencialidade diminui progressivamente, à medida que o aluno avança nos estudos: ele frequenta a universidade, no máximo, duas tardes por semana (para todas as disciplinas). Essa carga presencial é de menos da metade da dos cursos presenciais tradicionais.

Esses encontros presenciais não são, em princípio, para aulas expositivas, são um espaço para tirar dúvidas, fazer apresentações de pesquisas e trabalhos, discutir resultados, fazer trabalhos em equipe, avaliações presenciais, palestras para aprofundamento de assuntos. Os alunos trabalham com “estudo de casos”; realizam “debates”, para aprender a argumentar e discutir, e fazem trabalhos colaborativos, para aprender a analisar, observar e tomar decisões em grupo. No entanto, é importante no virtual que os alunos se sintam acompanhados, que as dúvidas sejam respondidas com rapidez. Para isso, há uma equipe de apoio e tutoria e os alunos também cursam uma disciplina denominada “introdução ao ensino semipresencial” (Griful et al. 2005).

O semipresencial vai se tornando on-line pleno, conforme o aluno se torna mais autônomo, adulto, experiente. Os cursos começam com atividades mais presenciais, e a dosagem de atividades on-line aumenta com o aluno mais maduro, pesquisador, para diminuir as resistências culturais à mudança.

Com a evolução da comunicação audiovisual em tempo real, por teleaula, videoconferência ou internet de banda larga, podemos pensar em professores que atendem a várias turmas ao mesmo tempo, interagem com elas ao vivo e organizam atividades a distância, com a ajuda de assistentes. Alguns dos modelos atuais de educação a distância poderiam ser adotados na educação presencial. É interessante introduzir no presencial muitas das soluções e tecnologias utilizadas na educação a distância ou na educação on-line.

O papel do ministério e das secretarias da educação não é limitar, proibir, coibir, mas orientar, dar diretrizes, sem impor um único caminho ou método. Hoje, com receio de grupos que buscam facilidades e oportunismo, o ministério e as secretarias legislam de forma rígida e inibem experiências que já seriam possíveis, principalmente para a instituição isolada, mais dependente das decisões superiores. Com o modelo atual de 100 dias letivos e 75% de presença física, não é possível experimentar situações mais inovadoras na educação presencial.

Mudanças na educação a distância e on-line

É difícil delimitar o que é educação a distância, porque ela acontece dentro e fora de cursos presenciais. Por outro lado, com as tecnologias de comunicação instantânea, é difícil definir o conceito a distância. A educação a distância é um conceito mais amplo que o de educação on-line. Um curso por correspondência é a distância e não é on-line. Muitos cursos presenciais utilizam atividades de pesquisa pela internet, de discussão num fórum. São atividades de cursos a distância. A educação on-line pode ser definida como o conjunto de ações de ensino-aprendizagem desenvolvido por meios telemáticos, como a internet, a videoconferência e a teleconferência.[52]

A educação a distância acontece predominantemente pelos meios telemáticos e outros meios de comunicação, do correio à televisão. A educação on-line acontece cada vez mais em situações bem amplas e diferentes, da educação infantil até a pós-graduação, dos cursos regulares aos cursos corporativos. Abrange desde cursos totalmente virtuais, sem contato físico, passa por cursos semipresenciais, e vai até os cursos presenciais com atividades complementares fora da sala de aula, pela internet.

Também há uma certa confusão entre educação a distância e educação aberta. O Brasil tem educação a distância, mas não aberta, no sentido original, até agora. Na universidade aberta, da Espanha ou da Inglaterra, é possível para um adulto chegar à universidade sem o certificado de nível médio; no Brasil, até agora, isso não é possível. Uma universidade aberta também pode ser presencial.

Estamos numa fase de consolidação da educação a distância (EAD) no Brasil, principalmente no ensino superior. O país aprende rápido e os modelos de sucesso são logo imitados. Passamos de importadores de modelos de EAD para desenvolvedores de novos projetos, de programas complexos implantados com rapidez. Podemos enumerar algumas razões para esse crescimento expressivo:

o artigo 80 da LDB, que legalizou a educação a distância em todos os níveis, dando a ela segurança jurídica, o que antes não acontecia;

a demanda reprimida de milhões de alunos não atendidos, principalmente por dificuldades financeiras;

o fato de não haver um modelo tradicional consolidado de EAD, como em outros países, permitiu ao Brasil desenvolver formatos mais flexíveis e adequados para cada situação, com poucos ou muitos alunos, recursos e mídias;

a política de democratização do governo federal e de inclusão de muitos alunos pela educação a distância, principalmente com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB);

o brasileiro é aberto à adoção de novas tecnologias.

É muito difícil fazer uma avaliação abrangente e objetiva da EAD no Brasil, pela rapidez com que ela tem se expandido nos últimos anos, porque a maior parte das pesquisas foca experiências isoladas e porque há uma contínua interaprendizagem: cada instituição aprende com as outras e passa a imitar as propostas bem-sucedidas.

O crescimento exponencial dos últimos anos é um indicador sólido de que a EAD é mais aceita do que antes, mas ainda vista como uma solução para ações de grande impacto social (certificar milhares de pessoas simultaneamente) ou supletivas (educação de adultos), como uma forma de atingir quem está no interior, longe dos grandes centros, ou tem poucos recursos econômicos.

É gigantesco o crescimento dos cursos por satélite, com teleaulas ao vivo e tutoria presencial mais apoio da internet. As instituições que operam com esse modelo de aulas ao vivo para dezenas ou centenas de telessalas, simultaneamente, organizam, em cada uma, uma turma de até 50 alunos que assiste às aulas sob a supervisão de um tutor local e realiza algumas atividades complementares na sala. Nesse modelo, há alguma interação entre alunos e professores, por meio de perguntas enviadas pelo chat e que podem ser respondidas ao vivo, por teleconferência, depois de passar por um filtro de professores auxiliares ou tutores. Essas aulas são complementadas com atividades de leitura e pesquisa coordenadas por um tutor eletrônico, um tutor a distância. Os alunos têm os professores das disciplinas, um tutor presencial e um outro, virtual, que os acompanham ao longo do curso. Além das aulas e das atividades presenciais, os alunos desenvolvem atividades de leitura e pesquisa individualmente, com base em material impresso ou disponibilizado na web. É um modelo mais utilizado na formação de professores, que, diante da demanda existente, tem se espalhado com incrível rapidez nos últimos anos, dada a facilidade de criar telessalas em parceria com instituições regionais. Atingem fundamentalmente alunos que têm dificuldade de pagar um curso presencial ou que moram longe dos grandes centros. Algumas dessas instituições abrem milhares de vagas para cada curso. É um fenômeno novo, de grande impacto na educação e que precisa de mais acompanhamento e pesquisa.

O sucesso da teleaula se deve à facilidade da passagem para a EAD, ao contato com o professor, à relação olho no olho, pois uma parte das atividades é realizada localmente, em grupo, com um mediador, tutor ou professor assistente. Os alunos não precisam de tanta autonomia para gerenciar o tempo. Parece um curso presencial, com menos aulas, e é mais barato. O custo, sem dúvida, é um enorme atrativo. Muitos alunos de cursos de formação de professores me disseram que era a única forma de acesso ao ensino superior, diante da impossibilidade de pagar cursos presenciais.

Outro fator de sucesso é o custo decrescente das transmissões por satélite, tornando cada vez mais viável a abertura de novas salas. A infraestrutura local é relativamente simples e econômica, já que se costumam utilizar prédios ou salas que ficam vagos, principalmente à noite, em colégios que só funcionam no período diurno.

Entretanto, com esse crescimento rápido no número de alunos, de polos e de telessalas, na minha avaliação, fica muito difícil manter a qualidade. Com o tempo, o projeto original apresentado ao MEC vai sendo adaptado, modificado e, em geral, banalizado. Os cursos com grande número de alunos costumam ir reduzindo o tempo de qualificação de professores tutores ou assistentes, que passam a ser chamados para agir de forma generalista, isto é, como tutores de todas as disciplinas. Na prática, seu papel de orientação e facilitação de aprendizagem, intelectual e emocional, implica conhecimentos superiores aos exigidos. O crescimento rápido e a multiplicação do número de alunos, com a equipe de coordenação praticamente idêntica, sobrecarregam algumas pessoas que, por serem competentes, são cada vez mais solicitadas, o que torna seu trabalho mais superficial.

Algumas instituições usam material impresso combinado com o CD e a internet, como apoio à tutoria e à interação. Nelas, predominam os cursos baseados em conteúdos prontos, mas há também cursos em colaboração, com participação real e grupal na aprendizagem. O foco em projetos colaborativos também se desenvolve com rapidez e traz um dinamismo novo para a EAD. Outras escolas se apoiam em casos, em análise de situações concretas ou em jogos, o que lhes confere uma ligação grande com o mercado e com uma pedagogia participativa.

A EAD em rede está contribuindo para superar a imagem de individualismo, de que o aluno de EAD tem de ficar solitário, isolado em leituras e atividades distantes do mundo e dos outros. A internet traz a flexibilidade de acesso ao material, junto com a possibilidade de interação e participação; combina o melhor do off-line com o on-line, a possibilidade de conexão, de estar junto, de orientar, de tirar dúvidas, de trocar resultados. Nesses processos, é fundamental o papel do tutor na criação de laços afetivos. Os cursos bem-sucedidos, que têm menos evasão, dão muita ênfase ao atendimento do aluno, à criação desses vínculos afetivos.

Na educação a distância, prevalecem dois modelos, com algumas variações. O modelo com teleaula, para múltiplas turmas simultaneamente, combinado com atividades presenciais e on-line, é um modelo muito atraente, porque combina mobilidade com a tradição de aprender com o especialista. Principalmente para pessoas mais simples, ele assusta menos e induz a pensar que a educação a distância depende ainda da informação do professor. As atividades a distância, se benfeitas, conferem autonomia aos alunos e, se combinadas com atividades colaborativas, podem compor um conjunto de estratégias muito interessantes e dinâmicas. O problema está na massificação, na manutenção de tutores generalistas mal pagos e tutores on-line sobrecarregados, como vimos.

O segundo modelo a distância é via redes, mais conhecido como educação on-line, em que o aluno se conecta a uma plataforma virtual e lá encontra materiais, tutoria e colegas para aprender. O modelo on-line é confundido com o modelo assíncrono, em que cada aluno começa em um período diferente, estuda sozinho e tem pouca orientação, daí a dificuldade de compreendê-lo. Mas, hoje, há muitas opções diferentes de estudos on-line e caminhamos para esse modelo com muito mais opções audiovisuais, interativas, fáceis de acessar e gerenciar e a custos bastante baixos.

Temos os cursos on-line assíncronos, baseados em conteúdos prontos e algum grau de tutoria, em que os alunos se inscrevem a qualquer momento. Temos esse mesmo tipo de curso, com mais interação, em que os alunos participam de grupos e debates, como parte das estratégias de aprendizagem. Combinam-se atividades individuais e de grupo e há também orientação mais permanente.

Um outro tipo de curso on-line tem períodos preestabelecidos. Começa em datas previstas e vai até o final com a mesma turma, como acontece em muitos cursos presenciais atualmente. Dentro desse formato, há dois modelos básicos, com variações. Um é o modelo centrado em conteúdos, em que o importante é a compreensão de textos, a capacidade de selecionar, de comparar e de interpretar ideias e analisar situações. Esses conteúdos podem estar disponíveis no ambiente virtual do curso e também em textos impressos ou em CDs. Geralmente, há tutores para tirar dúvidas e alguma ferramenta de comunicação assíncrona, como o fórum. Há um segundo modelo, em que se combinam leituras, atividades de compreensão individuais, produção de textos individuais, discussões em grupo, pesquisas e projetos em grupo, produção de grupo e tutoria bastante intensa. Nos cursos on-line que começam em períodos certos, com tempos predeterminados, é mais fácil formar grupos, trabalhar com módulos.

O conteúdo dos cursos e as atividades, em parte, estão preparados, mas dependem muito da qualidade e integração do grupo, da colaboração. O foco é mais em colaboração do que em leitura de textos. O importante nesse grupo são as discussões, o desenvolvimento de projetos e as atividades colaborativas. O curso, em parte, está pronto e, em parte, é construído por cada grupo.

Uma comunidade de aprendizagem on-line é muito mais que apenas um instrutor interagindo mais com alunos e alunos interagindo mais entre si. É, na verdade, a criação de um espaço no qual alunos e docentes podem se conectar como iguais em um processo de aprendizagem, em que podem se conectar como seres humanos. Logo, eles passam a se conhecer e a sentir que estão juntos em alguma coisa. Eles estão trabalhando com um fim comum, juntos (Pallof e Pratt 2002).

Uma variação desse modelo inclui encontros ao vivo, que podem ser para aulas expositivas ou para tirar dúvidas ou apresentar pesquisas. É um on-line mais semipresencial.

Os vários graus de presencialidade no on-line

Há cursos totalmente on-line, sem nenhum contato presencial nem virtual, em tempo real. Não no Brasil, por exigência do Ministério da Educação. Mas universidades norte-americanas e australianas, entre outras, oferecem esse tipo de curso.

Há aqueles com interação majoritariamente assíncrona e alguns encontros virtuais, para tirar dúvidas, manter vínculos. Em outros cursos, esses encontros virtuais assumem um caráter também de aula, além de orientação.

Há também cursos on-line com atividades presenciais previstas com alguma periodicidade (semanal, mensal, semestral), em locais próximos de onde mora o aluno (polos regionais), em que ele tira dúvidas, faz pesquisa, realiza atividades de laboratório com a supervisão do tutor e, depois, continua com as atividades on-line.

Há ainda cursos com aulas por satélite e atividades presenciais periódicas em locais predeterminados, combinadas com atividades on-line e com avaliação presencial.

E, finalmente, há cursos semipresenciais, com encontros periódicos nas escolas e universidades e o restante em atividades on-line, com todas as variáveis metodológicas dos cursos presenciais.

Modelos híbridos on-line

Os modelos híbridos on-line, que têm atividades síncronas e assíncronas, parecem mais adequados para estudantes iniciantes, em fase de formação; progressivamente, podem-se diminuir os tempos síncronos, conforme os alunos adquirem mais autonomia.

Os cursos mais individualizados e assíncronos, nos quais o aluno se inscreve quando acha conveniente e segue o ritmo que lhe parecer melhor (dentro de certos limites), são mais indicados para alunos adultos com bastante experiência profissional. O on-line atual mais assíncrono e personalizado é para pessoas mais maduras, com experiência, e que precisam de flexibilidade e têm motivação e autodisciplina. Como pessoas adultas e motivadas, estão acostumadas a enfrentar desafios e a gerenciar o tempo, qualidades indispensáveis para a educação on-line assíncrona.

Caminhamos para o on-line mais audiovisual, com uma plataforma que integre todos os recursos. O on-line mais colaborativo pode ajudar alunos que têm dificuldade de concentração, de gerenciamento do tempo, com a criação de grupos para pesquisa, atividades colaborativas e também com o acompanhamento de professores orientadores de aprendizagem. Se cada aluno tem seu orientador, sente-se mais seguro, por ter a quem recorrer. A combinação de atividades em grupo e de orientação personalizada é um dos caminhos para que realmente a educação on-line avance.

Em todos esses modelos, costuma haver polos locais ou algum tipo de apoio ao aluno distante, com diversos graus de infraestrutura. Em geral, ela é mais adequada nas universidades públicas, com apoio de prefeituras locais. Há instituições que não têm polos locais predeterminados e fazem atividades de avaliação na sede ou em locais designados ad hoc.

O MEC criou em 2005 a Universidade Aberta do Brasil (UAB). Não se trata de uma universidade tradicional, mas de uma coordenadoria de projetos de ensino superior, que são executados por universidades públicas, com polos locais instalados por prefeituras e com incentivo financeiro de empresas estatais e privadas. O candidato passa por um processo de tutoria ativa, em polos regionais. Isso, aliado ao uso da informática, permite o monitoramento do desempenho e do fluxo de atividades, facilitando a identificação de possíveis dificuldades. A UAB está desenvolvendo cursos de graduação em áreas onde há demanda, o que provocará, em poucos anos, um reequilíbrio maior entre a oferta das universidades públicas e privadas.

No Brasil, não temos cursos certificados totalmente on-line, por imposição do Ministério da Educação, que exige, no mínimo, avaliações feitas de modo presencial. Também os grupos estrangeiros têm dificuldade em se instalar plenamente, pela necessidade de as instituições que atuarem aqui terem capital nacional e reconhecimento no MEC. Se os cursos on-line de instituições estrangeiras tivessem uma aprovação mais fácil pelo MEC, teríamos uma competição muito mais forte do que a atual.

Mudanças que a EAD está provocando na educação presencial

Como avaliador de cursos superiores a distância do Ministério da Educação, tenho ouvido, repetidas vezes, testemunhos de professores e coordenadores sobre o impacto inesperado dos bons cursos de educação a distância nos cursos regulares presenciais. Na implantação da EAD, costuma haver, nas universidades, uma certa desconfiança inicial e até um distanciamento generalizado. Alguns professores, chamados para escrever textos, percebem que não basta serem especialistas em sua área; precisam aprender a escrever de forma coloquial para os alunos, a comunicar-se afetivamente com eles, a preparar atividades detalhadas. Mais tarde, convidados para gerenciar alguns módulos a distância ou para supervisionar as atividades de professores assistentes ou tutores, constatam que a organização de atividades a distância exige planejamento, dedicação, comunicação e avaliação bem executados, caso contrário, os alunos se desmotivam e desaparecem.

Esses mesmos professores, ao voltarem para as salas de aula presenciais, costumam ter uma sensação de estranhamento, de que no presencial falta algo, de que o planejamento é muito menos rigoroso, que as atividades em sala são muito menos previstas, que o material poderia ser mais adequado e que a avaliação é decidida, muitas vezes, ao sabor dos acontecimentos. Professores e alunos, ao terem acesso a bons materiais a distância, costumam trazê-los também para a sala de aula presencial e isso vem contribuindo para a diminuição da separação que ainda há entre os que fazem cursos a distância e os presenciais, nas universidades.

A EAD on-line nos mostra a importância do planejamento, da organização, da preparação de bons materiais, fáceis de compreender, de navegar, que facilitem imensamente o trabalho do aluno. A EAD nos mostra a importância do autodidatismo, da aprendizagem dirigida, pois o professor não precisa concentrar toda a sua energia em transmitir a informação, pode disponibilizar materiais para leitura individual e realização de atividades programadas, combinando o seu papel de informador com o de mediador e o de contextualizador. A EAD nos faz descobrir como é importante estarmos juntos e como, ao estarmos juntos, podemos resolver facilmente os problemas e as dúvidas. Isso facilita a criação de confiança, de laços afetivos.

A educação a distância on-line nos liberta do modelo de um professor para um grupo de alunos como o único possível. É um luxo ter um grande profissional somente para poucos alunos. O grande especialista, o professor brilhante pode ter hoje muito mais chances de mostrar o seu valor. Pode participar de cursos em que é o professor responsável, com aulas magistrais, que são completadas e atualizadas por professores assistentes em vários estados e grupos. Os grandes professores podem transformar-se em orientadores, em palestrantes, em coordenadores de atividades de muitos grupos.

A educação on-line de qualidade reafirma o princípio por demais conhecido de que o foco principal está mais na aprendizagem do que no ensino, e o faz concentrando toda a proposta pedagógica em que o aluno aprenda sozinho e em grupo, com leituras, pesquisas, projetos e outras atividades propostas de forma equilibrada, progressiva e bem dosada ao longo do curso.

Na EAD, na maior parte do tempo, o professor não “leciona”, mas acompanha, gerencia, supervisiona, avalia o que está acontecendo. Seu papel de professor muda claramente: orienta, mais do que explica. Isso também pode acontecer na educação presencial, mas, até agora, desenvolvemos a cultura da centralidade do papel do professor como o falante, o que informa, o que dá as respostas. A EAD de qualidade nos mostra algumas formas de focar mais a aprendizagem do que o ensino.

Um bom curso a distância tem um equilíbrio entre atividades individuais e aprendizagem colaborativa, em grupos. Esse equilíbrio pode ser incorporado ao ensino presencial: os alunos podem desenvolver atividades sozinhos e em grupos, participando de projetos, pesquisas e outras atividades compartilhadas. Para isso, não precisam ir todos os dias para uma mesma sala, estar com professores em tempos e horários totalmente previsíveis. Alunos com acesso à internet em outros locais que não a universidade podem realizar atividades colaborativas sem estar juntos. Alunos com dificuldades de acesso encontrarão como conectar-se na própria universidade, em bibliotecas e laboratórios. Justifica-se, assim, uma maior flexibilidade de organização nos horários e tempos de sala de aula e nos outros tempos de aprendizagem supervisionada, sem necessariamente obrigar os alunos a estarem com o professor no mesmo tempo e lugar.

O design educacional de um curso a distância também pode ser adaptado, em determinados momentos, ao presencial. Algumas disciplinas mais básicas ou comuns a vários cursos podem ser colocadas na web depois de um bom planejamento do curso. Esse material, leve, atraente e comunicativo, pode servir de base para a informação necessária do aluno, que o acessa pessoalmente, antes de realizar algumas atividades. Essas disciplinas com material na web podem ser compartilhadas por mais de um professor ou tutor, quando são muitos os alunos. Isso permite que possam ser oferecidas quase integralmente a distância.

Muitas instituições estão colocando algumas disciplinas a distância em cursos presenciais como parte dos 20% possíveis. Em geral, as universidades começam por disciplinas de recuperação, como forma de atender aos alunos com mais dificuldades e evitar o inchaço de turmas. Depois, oferecem a distância disciplinas comuns a vários cursos, como metodologia de pesquisa, sociologia e outras. O importante é experimentar diversas soluções para diversos cursos. Todos estamos aprendendo.

Modelos educacionais para os próximos anos

A educação caminha, fundamentalmente, em duas direções diferentes, uma mais centrada na transmissão de informações e outra mais focada na aprendizagem e em projetos. Ambas terão muita interferência das tecnologias e formatos diferentes dos que conhecemos, principalmente no presencial.

Modelo 1: A multiplicação do ensino centrado no professor, na transmissão da informação, de conteúdo e na avaliação de conteúdos aprendidos

Esse modelo terá diversos formatos, tanto no ensino presencial como no ensino a distância:

multiplicação de aulas de transmissão em tempo real (teleaulas), com acesso, às vezes, em uma telessala e, às vezes, em qualquer lugar onde estiverem os alunos; depois, haverá atividades de leitura, pesquisa, compreensão de textos, avaliação de conteúdo;

aulas simultâneas para várias salas (vários campi), com um professor principal e professores assistentes, combinadas com atividades on-line em plataformas digitais;

aulas gravadas e acessadas a qualquer tempo e de qualquer lugar pela internet ou pela TV digital, focando conteúdo, compreensão e avaliação dessa compreensão; os alunos poderão tirar dúvidas em determinados períodos da semana.

Os cursos presenciais se tornarão progressivamente semipresenciais. Exigirão alguns momentos de encontro físico, mais frequentes no primeiro ano do curso, diminuindo essa frequência posteriormente. O restante do tempo será dedicado a atividades de aprendizagem baseadas em leituras, compreensão de textos, solução de dúvidas e realização de processos de avaliação de compreensão de conteúdo.

Nos cursos a distância, haverá modelos pela TV digital ou plataformas multimídias web, com alguns momentos de aulas ao vivo ou gravadas, atividades de leitura, pesquisa, com orientação de professores e avaliação de compreensão de conteúdo. E teremos cursos totalmente prontos, disponibilizados ao ritmo de cada aluno, com uma mistura de materiais audiovisuais e impressos, combinados com tutoria on-line. Caminharemos para realizar avaliações on-line, sem a obrigatoriedade da presença física.

Modelo 2: O foco na aprendizagem, no aluno e na colaboração

Em instituições educacionais mais focadas no aluno e na aprendizagem do que no professor e na transmissão de informação, teremos alguns momentos de informação ao vivo ou gravada, mas predominarão a experimentação, o desenvolvimento de atividades individuais e grupais de aprendizagem teórico-prática, de projetos de pesquisa acadêmicos, de inserção no ambiente de trabalho, de intervenção e modificação de uma realidade social, de criação de contextos. Os professores orientarão mais do que ensinarão, acompanharão mais do que informarão. Organizarão, orientarão e avaliarão processos e “não darão aula”, no sentido tradicional de foco na transmissão da informação. Esses cursos serão semipresenciais ou totalmente on-line. Teremos algumas escolas ou universidades mais inovadoras, que trabalharão sem disciplinas, por solução de problemas, por projetos transdisciplinares, sem um currículo totalmente predeterminado.

A maior parte das instituições fará um mix de conteúdo e pesquisa, de algumas aulas informativas e de orientação de pesquisa, um mix entre disciplinas e projetos interdisciplinares integrados.

A formatação desses modelos centrados no aluno e na aprendizagem incluirá o uso frequente de tecnologias conectadas, móveis e multimídia para grupos pequenos e grandes. Os modelos serão semipresenciais ou on-line, com muita ênfase no planejamento, desenvolvimento e avaliação de atividades de pesquisa, de projetos. As aulas presenciais servirão para planejar as etapas da pesquisa. Depois, acontecerá a pesquisa por meio de acompanhamento virtual e, ao final, os alunos voltarão ao presencial, para avaliação e organização de novas propostas de pesquisa, e assim sucessivamente.

Os cursos a distância desse modelo focado no aluno utilizam mais as ferramentas colaborativas, a pesquisa individual e grupal, a publicação compartilhada, o conceito de portfólio individual e grupal construído ao longo do processo.

Cada vez mais, haverá o uso de tecnologias de comunicação em tempo real. No primeiro modelo pedagógico, mais para ouvir o professor; no segundo, mais para interagir, orientar e colaborar.

Nos cursos a distância, teremos os que focam a transmissão via teleaula, com alguma interação para perguntas e dúvidas, e os que são oferecidos pela rede, com base em aulas gravadas ou ao vivo, com alguma interação para dúvidas. O modelo centrado na transmissão da informação tende a ser mais barato, a ganhar mais em escala, a ter um efeito multiplicador maior. Por isso, será adotado por mais instituições nos próximos anos, pela melhor relação custo-benefício e por reforçar os padrões já conhecidos de ensino. O segundo modelo, por precisar de mais orientação, é de mais qualidade, criativo e inovador; mas tende a ser mais caro, apesar de poder ser rentável em pequena e grande escala. Precisará, porém, de gestão muito atenta e criteriosa. As instituições que souberem aplicar bem esse modelo centrado no aluno e na colaboração terão um reconhecimento social muito maior e tenderão a crescer a médio e longo prazo.

Com esses dois modelos básicos, teremos inúmeras variações, modelos híbridos, que procurarão equilibrar transmissão de informação e colaboração, conteúdo e pesquisa, informação pronta e conhecimento construído. O que parece certo é que teremos cada vez menos aulas presenciais e mais compartilhamento virtual das experiências de aprender com alguém mais preparado (os professores) e de aprender juntos, em rede.