Sumário: 3.1 Conceito – 3.2 Legitimidade do poder constituinte – 3.3 Origem – 3.4 Titularidade e exercício – 3.5 Natureza jurídica – 3.6 Espécies de poder constituinte: 3.6.1 Poder constituinte supranacional; 3.6.2 Poder constituinte originário; 3.6.3 Poder constituinte derivado – 3.7 Exercícios de fixação.
Estudar poder constituinte – potestas constituens – é estudar o instituto antecedente à Constituição e às reformas constitucionais.
Poder constituinte é exatamente o poder que cria a Constituição de um país ou estado, assim como a modifica.
Sempre é bom reforçar que não existe norma superior à Constituição, que está no último degrau de hierarquia normativa no país; assim, absolutamente todas as normas do ordenamento jurídico pátrio têm que ter seu fundamento de validade nesta indispensável norma. Esse fundamento de validade poderá ser direto (imediato), como, por exemplo, uma lei ordinária, ou indireto (mediato), como um decreto que regulamenta uma lei. Porém, que fique claro, a norma que “autoriza” a existência de todas as normas é a Constituição.
Por isso, este diploma é criado por um poder especial, diferente. Enquanto as demais espécies normativas são votadas e aprovadas pelo legislador ordinário, as Constituições são votadas e aprovadas pelo legislador constituinte, que na prática podem até ser a mesma pessoa (como na assembleia constituinte congressual), mas exercendo funções diferentes.
Neste ponto, é necessário fazer distinção entre poder constituinte – poder de criar e reformar as Constituições – e poder constituído, que seriam os poderes criados pela Constituição para exercer os poderes inerentes ao Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, o poder constituinte cria a Constituição, que, por sua vez, cria o Poder Legislativo, sendo errado afirmar que o poder Legislativo cria a Constituição.
Poder Constituinte |
Poder de criar e reformar as Constituições. |
Poder Constituído |
Órgãos (poderes) criados para exercer as funções atribuídas ao Estado. |
É possível distinguir poder constituinte formal e poder constituinte material:1
I – Poder constituinte formal é o poder de estabelecer às normas constitucionais uma forma específica e atribuir força jurídica peculiar a esta Lei maior, colocando-a no vértice do sistema normativo.
II – Poder constituinte material, por sua vez, seria o poder de autorregulação e auto-organização do Estado. Esse sentido é expressão da soberania estatal.
Para Jorge Miranda,2 o poder constituinte material precede o poder constituinte formal, e a razão é simples: a ideia de Direito é anterior à regra de Direito. Inicialmente, temos a consolidação de certa ideia que, posteriormente, é formalizada, com as peculiaridades estabelecidas no ideal.
Contudo, engana-se quem pensa que esta formalização realizada pelo poder constituinte formal é autônoma. Esse poder formalizador confere segurança, estabilidade e garantia ao poder constituinte material, protegendo-o dos possíveis vícios da legislação e da prática cotidiana do Estado e das forças políticas.
Por fim, é bom deixar registrado que poder constituinte não é temporário. É um poder que acompanha o cidadão permanentemente.3 Cada cidadão possui uma parcela deste poder, que pode ser exercido a qualquer momento.
Muitos se perguntam: o que dá legitimidade ao Poder Constituinte? O Min. Luís Roberto Barroso apresenta duas teses desenvolvidas nas últimas décadas que buscam fornecer legitimidade à superioridade jurídica concedida ao poder constituinte:
• Pré-compromisso ou autovinculação – teoria criada por Jon Elster5 segundo a qual, ao elaborar a Constituição, o povo impõe a si e ao poder soberano limitações que resguardam o processo político-democrático dos perigos e tentações que possam levar a abandoná-lo no futuro.
• Democracia dualista – desenvolvida por Bruce Ackerman,6 que divide a atividade política em duas:
a) política constitucional – que se pratica em momentos cívicos específicos de ampla mobilização do povo;
b) política ordinária – que fica a cargo da classe política e organismos do poder constituído.
Assim, a vontade manifestada naqueles momentos especiais prevalece sobre os momentos rotineiros. Esses momentos especiais, recheados de vontade cívica, dão legitimidade à hierarquia.
A adaptação da Constituição às demandas dos novos tempos se faz por interpretações, mutação e reforma. Essa atualização atua como uma renovação do pré-compromisso original. Nas situações-limites, o poder constituinte originário volta à cena, rompendo a ordem anterior que se tornou indesejada.7
De início, é bom não confundir poder constituinte com sua teoria. Desde a primeira sociedade politicamente organizada, podemos dizer que houve poder constituinte; porém, sua teoria sobre a legitimidade, limites, formas e modos de exercício só surgiu no século XVIII, por obra de reflexão iluminista.8
Seguindo essa linha, na Antiguidade, seja na Grécia ou em Roma, as leis de conteúdo constitucional, apesar de constituintes, não se diferenciavam formalmente das demais normas, podendo ser alteradas pelo órgão legislativo ordinário ou pela intervenção individual. Na Idade Média, as regras de matéria constitucional eram costumeiras; desta forma, só o tempo poderia mudá-las. No início da época moderna, da mesma forma, não se conheceu a teoria constituinte, apesar de já considerarem as leis fundamentais distintas das demais por sua matéria, superioridade e estabilidade.9
Até mesmo na elaboração da primeira Constituição escrita do mundo moderno, a Constituição norte-americana de 1787, não houve uma discussão prévia sobre o poder constituinte.
Somente em 1789, às vésperas da revolução francesa (que eclodiu no mesmo ano), a teoria do poder constituinte tomou corpo.
Antes disso, em julho de 1788, foi editado o “ato de convocação”, autorizando os franceses a apresentarem propostas acerca da reforma do Estado, tendo sido produzidos mais de 40.000 textos. O texto de maior destaque foi um dos quatro escritos pelo político, escritor e abade Emmanuel Sieyès.
Nesse texto, demonstrando a inconformidade com o poder opressor estatal, Emmanuel Joseph Sieyès publicou um manifesto chamado Qu’est-ce que le Tiers État? (Que é o Terceiro Estado?), no qual, inspirado no liberalismo de John Locke e na ideia de contrato social de Jean-Jacques Rousseau, pugnou por mais direitos à nação.
Nessa obra, Sieyès buscava conceder poderes à nação, fazendo distinção entre poder constituinte e poder constituído. O primeiro seria permanente, incondicionado e ilimitado, só encontrando freios no direito natural; o segundo, por seu turno, receberia investidura, poderes e limites por ordens do primeiro – poder constituinte que pertencia à nação.10
Desta sorte, o Estado absolutista e teocrático deveria ceder espaço à vontade da nação, que deveria escolher seus representantes, e todos deveriam se submeter às leis editadas pelos escolhidos pelo povo.
Nesses termos, a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte possibilitaria a restauração da legitimidade do poder político porque a Constituição seria promulgada pelos representantes da nação.
Com isso, Sieyès adaptou a ideia que o inspirou para garantir sua efetividade. Enquanto Jean-Jacques Rousseau buscava a participação direta do indivíduo, Sieyès vislumbrou a sua impossibilidade e incluiu na ideia de poder constituinte a representação política.11
Buscava, assim, retirar parcela do poder do primeiro Estado (clero) e do segundo Estado (monarquia), para transferi-lo ao terceiro Estado (burguesia), surgindo, então, a teoria da soberania nacional.
É bom registrar que, apesar de posição amplamente majoritária atribuir a paternidade do poder constituinte a Sieyès, La Fayette discorda, afirmando que os norte-americanos já haviam feito a distinção entre poder constituinte e poder constituído em suas Convenções, inclusive na carta que gerou a Constituição de 1787.12
Como afirmado anteriormente, o poder constituinte não se confunde com sua teoria. Na realidade, na Constituição norte-americana o poder constituinte foi exercido, assim como as convenções que organizavam aquele Estado, que, para tanto, estabeleceu diferentes poderes. Porém, a teorização deste poder peculiar deve-se realmente a Sieyès.
Antes da teorização do poder constituinte, na Idade Média, prevalecia a teoria da soberania divina, em que o poder soberano pertencia a Deus (omnis potestas a Deo). Esta teoria perdurou ao longo da Idade Média, sob o domínio da Igreja Católica e da filosofia aristotélico-tomista.13
A força do cristianismo perdurou por séculos e manteve sua importância ao final da Idade Média, quando surgiu a teoria da soberania do monarca. Por esta teoria, a Igreja, com a bênção do Papa, nomeava o monarca, rei ou príncipe “indicado” por Deus. Essa união (Estado, monarquia e Igreja) perdurou até a consolidação do Estado moderno.14
A mudança do poder permanente para o poder temporário ocorreu com a revolução francesa, trazendo a teoria da soberania nacional, em que a soberania era atribuída à nação, como visto no tópico anterior.
A soberania nacional poderia ser dividida em:15
a) soberania nacional alienável – transfere a titularidade do poder político;
b) soberania nacional inalienável – transfere o exercício do poder político.
Entretanto, com o amadurecimento do processo democrático, a titularidade do poder constituinte e, por consequência, a soberania passaram a pertencer ao povo. Nasceu, assim, a teoria da soberania popular, que perdura até os dias atuais.
Para que justiça seja feita, não se pode olvidar que a Constituição dos Estados Unidos da América, anterior às ideias de Sieyès, já concebia o povo, e não a nação, como titular do poder supremo. No preâmbulo da Constituição norte-americana está escrito “We the people...”16 (Nós o povo...).
No Brasil, as Constituições de 182417 e de 189118 citavam a soberania nacional. Somente em 193419 começou a previsão voltada à soberania popular, que foi seguida pelas Constituições de 1937,20 194621 e 1967.22 Atualmente, o povo é o titular do poder supremo, e sobre este não há mais controvérsias.
Seguindo a linha norte-americana, a Constituição brasileira de 1988 traz em seu preâmbulo a frase “Nós, representantes do povo brasileiro...”,23 e, para colmatar, o art. 1.º, caput, faz referência ao Estado Democrático de Direito, e o parágrafo único do mesmo artigo repisa que “todo poder emana do povo...”.24
Os mesmos dispositivos que concedem poderes ao povo delegam este poder para outras pessoas exercerem-no. Por isso, salutar diferenciar titularidade de exercício desse poder.
Apesar de a titularidade ser concedida ao povo, seu exercício, ou seja, o desempenho da função constituinte, por vezes, é atribuída a representantes, como ocorreu com a Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição de 1988.
Há quem distinga o exercício do poder constituinte em direto, indireto ou misto:25
a) Exercício direto – Quando há elaboração e/ou reforma popular da Constituição; v.g., aclamação em revolução;
b) Exercício indireto – Quando há elaboração e/ou reforma representativa da Constituição; v.g., Assembleia Constituinte;
c) Exercício misto – Quando há elaboração e/ou reforma combinada da Constituição, isto é, quando povo e representantes desenvolvem atividades constituintes; v.g., exigência de plebiscito para vigência da Constituição confeccionada pelos representantes.
Que o poder constituinte derivado é um poder de direito não há dúvidas, na medida em que sua previsão está na Constituição da República e nas Constituições estaduais; porém, divergência surge ao analisar a natureza jurídica do poder constituinte originário, pois este não está positivado, ocasião na qual surgem três posições doutrinárias sobre o assunto:
a) Poder de direito (ou jurídico)26 – Esta posição acredita na existência de um Direito natural anterior ao Estado e superior a este; logo, o poder constituinte fundamenta-se em um poder natural de organizar a vida social.27
b) Poder de fato (extrajurídico)28 – Por esta, acredita-se que o poder constituinte se autolegitima, transcendendo o direito positivo.
c) Poder político29 – Sua existência e ação independem de previsão no direito. Na verdade, segundo essa posição, o poder constituinte seria tanto jurídico, pois precede a edição das normas constitucionais, como fático, pois produz fundamento de validade na ordem jurídica.
Esta última parece ser a posição mais acertada acerca do assunto.
O poder constituinte pode ser dividido em três espécies: supranacional, originário (inaugural ou inicial) e derivado. Este último, por sua vez, se subdivide em outras três, que seriam: derivado de reforma, derivado difuso e derivado decorrente. Este poder decorrente se subdivide em mais dois: derivado decorrente institucionalizador e derivado decorrente de reforma estadual.
É o poder de reorganização dos Estados soberanos que aderem a um direito comunitário, por meio de tratados constitutivos de organização supranacional, com o fim de legitimar o processo de integração regionalizada.30
A fonte de validade desse poder está na cidadania universal, na vontade de integração, na diversidade de ordenamentos jurídicos e no conceito inovador de soberania.31
Pelo exposto, esta espécie de poder constituinte está “acima” do Estado, na medida em que uma norma comum a vários entes soberanos reestruturará a base de cada estado signatário, alterando, e.g., seu sistema monetário e de fronteiras.
Eles renunciam, pois, a uma parte de sua soberania para aderirem a esta norma comunitária, o que não é usual. Pode-se afirmar que, por não formarem federação ou confederação, seria uma forma sui generis de Estado composto.
A União Europeia, evolução da Comunidade Econômica Europeia e constituída pelo tratado de Maastricht/1992, para alguns, já poderia ser considerada expressão desse poder supranacional.
Apesar de os holandeses e franceses terem rejeitado, em 2005, o texto da Constituição Europeia, em dezembro de 2009 foi aprovado o tratado de Lisboa, que seria uma versão mais suave da Constituição Europeia. Este diploma altera a estrutura e o funcionamento da União Europeia.
A supranacionalidade é uma tendência que cada vez mais ganha corpo, porque estamos vivendo esse movimento sem volta de globalização do direito Constitucional.
Canotilho até propõe a criação de uma teoria da interconstitucionalidade, para estudar as relações entre as Constituições, analisando a concorrência, convergência, justaposição e conflito entre várias constituições e de vários poderes constituintes dentro do mesmo espaço político.32
O poder constituinte originário (inicial, inaugural ou de 1.º grau) é o poder de criar a Constituição do Estado soberano. O exercício desse poder gera alteração no regime jurídico de todo o país. A mudança de regime ocasionada pelo exercício de poder constituinte originário é chamada de transconstitucionalização.
Esse poder pode ser dividido em poder constituinte fundacional (ou histórico), que estrutura o Estado pela primeira vez, criando (fundando) o novo ente, e poder constituinte pós-fundacional (ou revolucionário), que seriam todos os poderes que reordenassem o Estado já existente.
Há doutrina33 que alega a inexistência de interrupção ou recomeço do Estado pelo poder constituinte chamado doutrinariamente de originário. O poder constituinte fundacional é realmente originário, sem quaisquer referências de ordens constitucionais anteriores. O poder constituinte pós-fundacional, por mais que seja “independente”, representa a continuidade e, cada vez que se apresenta, teria um pouco menos da real força constituinte. Por isso, distinguem-se poder constituinte pré-constitucional, que seria o absoluto, sem compromisso com ordens pretéritas, e poder constituinte constitucional, que seria a expressão do poder constituinte que deve dar continuidade ao Estado.
Existem três formas pelas quais o poder constituinte originário pode se manifestar:
a) Movimento revolucionário
Este seria o melhor exemplo de exercício direto do poder constituinte, na medida em que, na revolução vitoriosa, necessariamente há a ruptura do regime anterior e “o nascimento de uma nova Constituição material, a que se segue, a curto, a médio ou em longo prazo, a adequada formalização”.34
Assim, o povo, titular do poder, impondo a sua vontade, determina uma nova e legítima ordem constitucional material, que, posteriormente, é formalizada.
Em pleno período de ditadura, Francisco Campos confirmou, nos considerandos do Ato Institucional 2, de 27 de outubro de 1965, que “a Revolução é um movimento que veio da inspiração do povo brasileiro para atender às suas aspirações mais legítimas: erradicar uma situação e unir Governo que afundavam o País na corrupção e na subversão”. E continuou: “A revolução investe-se, por isso, no exercício do Poder Constituinte, legitimando-se por si mesma”.
A revolução, apesar de ofender em muitas vezes a legalidade, é banhada de legitimidade, posto que realizada de acordo com os anseios do povo. Diversamente, o golpe de estado não é dotado de legalidade nem de legitimidade, vez que é realizado por grupos fechados, muitas vezes denominados “elites”.
Refutar o golpe de Estado gera o risco de deslegitimar Constituições geradas desta forma, por não serem fruto do poder constituinte. Por isso, para legitimar Constituições advindas de golpe de Estado, é prudente seguir doutrina de Paulo Bonavides,35 que diferencia revolução e golpe de Estado, afirmando que “o primeiro, como poder jurídico, é o poder constituinte do Direito Constitucional; o segundo, como poder extrajurídico, é o poder constituinte da Ciência Política”.
É exatamente quando o ato constituinte compete a um grupo restrito de pessoas ou mesmo a uma única pessoa, sem intervenção de órgão de representação popular, que temos o ato constituinte unilateral, e a Constituição é dita como outorgada,36 o que, para alguns, configura em poder constituinte usurpado.37
Há quem diferencie o termo “Constituição” do vocábulo “carta”. A primeira seria realizada por meio da vontade popular, a segunda seria outorgada.
b) Assembleia Nacional Constituinte (ou Convenção Constitucional)
É o órgão composto pelo conjunto de pessoas eleitas pelo povo e para o povo, a quem incumbe o exercício da função constituinte.
Nesta hipótese, tem-se o exercício indireto da função constituinte e a aplicação da técnica do procedimento constituinte indireto (ou representativo), pois a participação do povo esgota-se com a eleição de seus representantes.38
A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) pode ser dividida em duas espécies:
I – Assembleia Nacional Constituinte Pura – Os representantes do povo são eleitos somente para o exercício do poder constituinte; após a promulgação e publicação da Constituição, o mandato termina.
II – Assembleia Nacional Constituinte Congressual – Os eleitos, após exercer a função constituinte, mantêm seus mandatos para exercer função legislativa.
Quando fruto de Assembleia Nacional Constituinte, a Constituição é dita promulgada (ou votada).
c) Plebiscito ou referendo
É o que ocorre nas Constituições cesaristas, em que a validade do texto constitucional fica na dependência da aprovação popular. Nesta hipótese, temos o procedimento constituinte indireto39 e o exercício misto do poder constituinte.
Apesar de diversos exemplos, o primeiro e mais emblemático foi a Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, que, no art. VII, previa: “The Ratification of the Conventions of nine States, shall be sufficient for the Establishment of this Constitution between the States so ratifying the Same” (A ratificação, por parte das convenções de nove Estados, será suficiente para a adoção desta Constituição nos Estados que a tiverem ratificado). A citada ratificação ocorreu com sucesso em 1789.
A atual Constituição francesa de 1958, elaborada no governo Charles De Gaulle, foi legitimada, da mesma forma, por referendo posterior. Napoleão40 e Hitler41 também se valeram de consultas populares. Ocorre que nesses dois últimos casos o povo foi objeto de clara manipulação, fenômeno que ficou conhecido como “manipulação das massas”.
São três as principais características do poder constituinte originário:
O exercício do poder constituinte originário é inicial, pois não está respaldado em nenhuma ordem jurídica anterior. Ademais, inaugura uma nova ordem jurídica no país, fazendo surgir um novo estado jurídico.
Levando em conta que a Constituição é o fundamento da validade (imediato ou mediato) de todas as normas do ordenamento jurídico pátrio, todas as leis preexistentes terão que ser relidas à luz da nova Constituição. E a isso damos o nome de filtragem constitucional, que nada mais é do que a reanálise das normas anteriores, passando pelo filtro interpretativo da Constituição.
Pelo que foi exposto, cumpre analisar qual o impacto causado por uma nova Constituição diante da Constituição anterior e da norma infraconstitucional preexistente.
• Impacto da nova Constituição diante da Constituição anterior:
Quando surge uma nova Constituição, a Constituição anterior pode sofrer três consequências:
a) Revogação
Normalmente, o advento de uma nova Constituição ab-roga (revogação total) a Constituição anterior, pois a Constituição consolida ideias e ideais do Estado em determinado contexto político, histórico e social. Assim, não é crível que existam dois Estados, criados em momentos distintos, coexistindo.
Pode ocorrer ainda a derrogação (revogação parcial) da Constituição anterior, o que consequentemente abre espaço para a desconstitucionalização ou recepção dos dispositivos constitucionais sobreviventes.
b) Recepção
É a admissão da totalidade ou parte da ordem constitucional anterior, mantendo o status de norma constitucional.
Só será cabível quando expressa, pois, como afirmado, a regra é a revogação (ab-rogação).42
A atual Constituição de 1988, por meio do art. 34 do ADCT, recepcionou43 o sistema tributário nacional da Constituição de 1967 por tempo determinado, in litteris: “O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n. 1, de 1969, e pelas posteriores”.
A expressão “mantido” demonstra que a recepção do sistema tributário anterior foi expressa.
Em virtude do art. 34 do ADCT, é certo que a Constituição do Brasil de 1988 derrogou a termo a Constituição de 1967, recepcionando, por tempo determinado, o sistema tributário nacional desta Carta. Sendo assim, o sistema tributário nacional da Constituição de 1988 sofreu vacatio constitutionis de cinco meses.
c) Desconstitucionalização
É a admissão da ordem constitucional anterior como norma infraconstitucional naquilo que for materialmente compatível. Isto é, a Constituição anterior continua valendo, total ou parcialmente, porém com status hierárquico menor, passando a ter hierarquia de lei ordinária.
A ideia seria que as normas materialmente constitucionais, introduzidas na Constituição anterior, seriam revogadas, enquanto as normas formalmente constitucionais continuariam em vigor perante a Constituição posterior, com status inferior, podendo ser revogadas pela legislação ordinária.44
Nascida na França, foi acolhida pelo Direito português.45 Já em solo brasileiro, surgem divergências doutrinárias favoráveis46 e contrárias47 ao instituto.
Em que pese simpatia pelo instituto, na medida em que evitaria o hiato normativo, admitindo a manutenção das conquistas sociais, sem risco de omissões indesejadas pela nova Constituição, é certo que só será verificado este instituto se a nova Constituição expressamente o mencionar, como o art. 290, n. 1, da Constituição Portuguesa.
Este instituto também pode ser constatado em sede de poder constituinte derivado decorrente, como aconteceu com o art. 147 da Constituição do Estado de São Paulo de 1967, que desconstitucionalizou a Constituição do mesmo Estado promulgada em 1947. In verbis: “Consideram-se vigentes, com o caráter de lei ordinária, os artigos da Constituição promulgada em 9 de julho de 1947 que não contrariem esta Constituição”.
Não se pode confundir desconstitucionalização com recepção. Naquela, a norma pré-constitucional é aceita com status infraconstitucional; nesta, a norma anterior à Constituição é admitida, mantendo seu status constitucional.
Desconstitucionalização X Recepção |
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A norma pré-constitucional é aceita com status infraconstitucional. |
A norma anterior à Constituição é admitida, mantendo seu status constitucional. |
• Impacto da nova Constituição sobre as normas infraconstitucionais anteriores:
É cediço que absolutamente todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro possuem fundamento de validade – direto ou indireto – na Constituição da República, por isso as leis que foram criadas sob o manto protetor da ordem constitucional anterior terão que ser reanalisadas, relidas, sob a luz da nova Constituição (realizando filtragem constitucional), abrindo-se duas possibilidades:
a) Recepção48
É a admissão da norma infraconstitucional anterior desde que materialmente compatível com a nova Constituição.
O instituto da recepção só se atém ao aspecto material, isto é, se o assunto disposto na norma infraconstitucional estiver de acordo com os preceitos constitucionais, será aceito para fazer parte do ordenamento jurídico vigente sob novo fundamento de validade (a nova Constituição).
O Brasil não aplica o instituto da recepção formal, posto que altera o fundamento de validade da norma recepcionada. Exemplificando: a Constituição anterior não fez maiores exigências quanto a “leis” que instituam crimes, podendo ser editadas de qualquer forma. Em razão disso, Decreto-Lei criou diversos crimes. Posteriormente, a nova Constituição passa a exigir lei ordinária para estabelecer crime (art. 5.º, XXXIX, CR). Se o fato típico estiver condizente com a nova Constituição – e.g., a previsão de que é crime matar alguém, frente à Constituição que protege a vida –, o diploma pré-constitucional (Decreto-Lei) será recepcionado, porém o Decreto-Lei passará a ter status jurídico de lei ordinária. Foi exatamente o que aconteceu com o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940 com status normativo de lei ordinária).
O Código Tributário Nacional, outro exemplo muito utilizado pelos juristas, é uma lei ordinária que já havia sido recepcionada com status de lei complementar em 1967, mediante o art. 18, § 1.º, da CR/1967.49 A nova Constituição manteve esse status.
Para que fique claro, mesmo que a norma anterior tenha sido editada de forma (por órgão ou quorum) diferente do que exige a nova Constituição, a norma será aceita se o assunto disposto estiver de acordo, pois se aplica o critério do tempus regit actum.
Porém, há uma exceção a esta regra. Quando houver modificação de competência, passando a um órgão de maior extensão territorial, não poderá haver recepção, por força da segurança jurídica e princípio do pacto federativo. Em outros termos, não poderá haver federalização de lei estadual ou municipal, nem estadualização de lei municipal; v.g., se a Constituição pretérita previa competência do Estado para legislar sobre determinada matéria, que, com a publicação da nova Constituição, passa para a União, não poderá a lei estadual ser recepcionada, pois serão 27 (26 Estados e o Distrito federal) leis diferentes dispondo do mesmo assunto. O STF não pode escolher a “melhor lei” para ser recepcionada (se várias delas forem constitucionais), sob pena de ofensa à separação dos poderes e sob o risco de causar insegurança jurídica.
É bom notar que, pelo instituto puro da recepção, a admissão da lei estadual anterior seria possível, bastava alterar o fundamento de validade; porém, são diversas leis, várias concordes com a nova Constituição. Se o STF escolher a melhor norma, estará se transformando em legislador positivo, o que é inadmissível em razão do pacto federativo.
Para completar o raciocínio, é bom esclarecer que, quando a competência é passada do ente maior para o menor, a recepção é possível, como a estadualização de lei federal ou a municipalização de lei federal ou estadual. Nesta hipótese, deve ser recepcionada a lei federal quando a competência se torna estadual ou municipal, não havendo empecilho ao princípio da continuidade do ordenamento jurídico.50
Outro ponto que deve ser observado para possibilitar a recepção é a constitucionalidade da norma anterior diante da Constituição que foi criada, isto é, se houver vício de inconstitucionalidade formal ou material da lei pré-constitucional diante da Constituição anterior, não poderá haver recepção, pois a inconstitucionalidade não pode ser sanada. É o chamado princípio da contemporaneidade, ou seja, a lei só é constitucional. E, portanto, será recepcionada se obedecer aos preceitos legais da Constituição sob a qual foi produzida.
Este tipo de não recepção não pode ser confundido com inconstitucionalidade superveniente, pois, como o próprio Supremo Tribunal Federal afirmou na ADI 7, as normas anteriores serão não recepcionadas.
No Brasil, a inconstitucionalidade superveniente existe, porém será reconhecida em outra situação, conforme será visto nesta obra em tópico específico constante na parte geral de controle de constitucionalidade.
Em resumo, para que exista a recepção, é necessário cumprir três exigências:
I – a norma esteja em vigor no momento do advento da nova Constituição;
II – tenha compatibilidade formal e material frente à Constituição antiga;
III – tenha compatibilidade somente material diante da nova Constituição,51 salvo na hipótese de federalização de leis estaduais ou municipais e estadualização de lei municipal, hipóteses em que não é admitida a recepção.
b) Não recepção (revogação por ausência de recepção)
As normas materialmente incompatíveis com a nova Constituição não serão por esta recepcionadas.
É bom frisar que o STF, por vezes, utiliza o termo “revogação”,52 mas sob fundamento de não recepção; por isso, apesar de revogação ter efeito diferente da não recepção e atuarem em planos distintos, não está errado falar em “revogação por ausência de recepção”, termo acolhido pelo Pretório Excelso em alguns julgados.53 Curioso que, em outras decisões, o STF é claro ao utilizar o termo “não recepção”.54
O que importa é saber que, em se tratando de revogação, o conflito da norma infraconstitucional frente a Constituição é resolvido no campo da vigência. Dessa forma, não é necessário nenhum quórum especial para afastar a incidência da norma.55
O meio de controle abstrato das normas anteriores à Constituição é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), por previsão expressa do art. 1.º, parágrafo único, I, da Lei 9.882/1999, ocasião na qual o STF recepcionará ou não as normas anteriores à nova Constituição.56
Normalmente, a doutrina57 designa ao poder constituinte originário a característica de ilimitado, tendo inclusive jurisprudência do STF no sentido de impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma produzida pelo poder constituinte originário,58 o que indica sua ilimitação.
Contudo, o próprio criador da teoria do poder constituinte, Emmanuel Sièyes, como grande parte dos doutrinadores,59 indica a limitação do poder constituinte originário.
Este conflito doutrinário é apenas aparente, pois, sob o ponto de vista do direito positivo, o poder constituinte originário é realmente ilimitado. Entretanto, esse poder encontra uma série de barreiras fáticas de ordem social, política, econômica e espiritual. Essas limitações recebem o nome de supralegalidades autogenerativas.60
Primorosamente, Luís Roberto Barroso61 esclarece que “o poder constituinte estará sempre condicionado pelos valores sociais e políticos que levaram a sua deflagração e pela ideia de direito que traz em si (omissis) é limitado pela cosmovisão da sociedade”.
Meireles Teixeira, por sua vez, sintetiza que o termo ilimitação significa que o “poder constituinte originário não está preso a normas jurídicas anteriores, não significa, porém, e nem poderia significar, que o Poder constituinte pode ser arbitrário, absoluto, que não conheça quaisquer limitações (…) ele é limitado pelos grandes princípios do bem comum, direito natural, moral e razão.”62
Seguindo orientação doutrinária,63 os limites poderiam ser diferenciados em:
a) Limites transcendentes – São os advindos do direito natural, baseados em valores éticos e consciência jurídica. Os adeptos do jusnaturalismo designam este poder como autônomo,64 e não como ilimitado, em razão da sujeição imposta pelo limite transcendente.
Importante notar que está ínsito a este limite o princípio da vedação ao retrocesso (efeito cliquet, princípio da não reversibilidade, vedação da contrarrevolução social ou proibição da evolução reacionária65), segundo o qual as conquistas sociais da sociedade e consolidadas no texto constitucional não podem ser mais retiradas, como o direito ao voto das mulheres, direito à educação e a proibição de escravidão.
b) Limites imanentes – São os impostos ao poder constituinte formal. Como explanado, o poder constituinte material traça a nova conformação ao Estado (forma e sistema de governo, forma de estado, tipo de soberania etc.), e cabe ao poder constituinte formal formalizá-lo. Desta sorte, não pode o poder formal configurar o Estado de estrutura diferente do que é esperado pelo poder constituinte material.
c) Limites heterônomos – São os limites gerados em razão da conjugação com outros ordenamentos jurídicos. Este se dá em razão da globalização e da preocupação com a proteção dos direitos humanos.66
Esta última limitação pode, a priori, parecer ofensiva à soberania do país, pois a Constituição tem que obedecer às normas de direito internacional. Contudo, se voltarmos ao momento histórico em que esta posição começou a ganhar adeptos fervorosos, será mais fácil entender seu real significado.
Essa teoria de limitação ao poder constituinte originário ganhou força no segundo pós-guerra, com o alemão Otto Bachof,67 que publicou um livro intitulado “Normas constitucionais inconstitucionais?”,68 buscando, dentre outros objetivos, desconstituir as ideias impostas por Adolf Hitler na Constituição e leis alemãs.
Ainda no segundo pós-guerra, amedrontados com o que o mundo acabara de presenciar,69 diversos países assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Neste pacto, passou-se a reconhecer direitos humanos como um patamar mínimo a ser observado por todos os Estados na organização do poder e nas suas relações com seus cidadãos.70 Por isso, nenhum absurdo nos parece exigir que o constituinte originário observe normas internacionais sobre direitos humanos. Ao revés, é mais uma garantia ao Estado Democrático de Direito.
Este poder é incondicionado porque não encontra previsão em lugar algum quanto à forma de sua exteriorização.
Somente à guisa de exemplo, a convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte para elaborar a Constituição de 1988 ocorreu por Emenda Constitucional à Constituição de 1967 (EC 26/198571).
Em razão da convocação por emenda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho72 sustenta que “a ordem constitucional vigente no País é, portanto, resultado de reforma da Constituição anterior”, concluindo que a Constituição de 1988, atualmente vigente, é fruto do poder constituinte derivado.
Ousamos discordar do renomado jurista. Como afirmado anteriormente, a incondicionalidade deste poder está exatamente na ausência de previsão quanto a sua exteriorização. A convocação poderá vir por qualquer espécie normativa.
Não foi Emenda Constitucional que criou a nova Constituição. Essa Emenda convocou um órgão (Assembleia Nacional Constituinte) para, de forma “livre e soberana” (como afirma o art. 1.º da EC 26/1985), criar uma nova Constituição.
De início, cumpre alertar que esta espécie acumula diversos sinônimos, sendo também conhecido como poder constituinte limitado, poder constituinte de segundo grau, poder constituinte secundário, poder constituinte instituído, poder constituinte constituído e poder reconstituinte.
Esta espécie de poder, como afirmado, se subdivide em outras três:
a) poder constituinte derivado de reforma;
b) poder constituinte derivado difuso;
c) poder constituinte decorrente.
Por isso, veremos cada uma destas subespécies.
É o poder que permite a alteração da Constituição da República, evitando sua fossilização.
O termo “alteração” utilizado no conceito deve ser entendido como gênero, do qual se extraem a possibilidade de acréscimo, modificação ou supressão de partes do texto magno.
É notório que a sociedade é mutante, e não permitir a alteração do texto constitucional seria condená-lo a uma rápida defasagem social.
Esse poder é dotado de natureza normogenética, já que possui o poder de produzir outras normas.73
Quem exerce este poder, de regra, é o Poder Legislativo. No entanto, em razão da importância de sua atuação, quando atuam na alteração do texto constitucional, são considerados legisladores constitucionais, isto é, constituintes.
Assim é que, quando elaboram leis em geral, os membros do legislativo são denominados legisladores ordinários; quando prescrevem e discutem normas que alteram a Constituição, esses legisladores são investidos de função constituinte, por isso são designados legisladores constituintes.
Apesar de doutrina majoritária admitir esta espécie de poder, não se pode omitir que alguns autores rechaçam a denominação “poder constituinte” desta modalidade de poder, pois é um “poder” limitado exercido pelo Congresso Nacional. Ademais, se é exercido pelo poder constituído (legislativo), não é, por imposição lógica, constituinte.74
As principais características do poder constituinte derivado de reforma são três:
Este poder retira seu fundamento de validade na Constituição da República (arts. 60 da CR e 3.º do ADCT); por isso, é um poder secundário, derivando da Lei Maior.
Quanto à existência de direito adquirido ante a emenda constitucional, cumpre esclarecer que, apesar de divergência doutrinária sobre o assunto,75 o STF não admite a prevalência de direito adquirido ante a Constituição, seja perante o poder constituinte originário,76 seja perante o poder constituinte derivado; e.g., emenda constitucional.77
Melhor explicando: em que pese doutrina que sustente a possibilidade de invocar direito adquirido frente à Constituição,78 sob o argumento de que direito adquirido é direito fundamental, logo, cláusula pétrea, a posição majoritária,79 seguida pelo STF, é a de que essa garantia só é invocável diante do legislador ordinário, não do constituinte.
O STF80 explicou muito bem as hipóteses de retroatividade:
a) Retroatividade máxima ou restitutória – lei que atinge fatos consumados, como ocorre com a lei penal benéfica.
b) Retroatividade média – lei atinge os efeitos pendentes de atos praticados no passado. Como exemplo, a lei que muda taxa de juros, atingindo prestações vencidas e ainda não cumpridas.
c) Retroatividade mínima, temperada ou mitigada – ataca prestações futuras de negócios firmados antes dela.
Pois bem, para o STF, a emenda constitucional possui retroatividade mínima, podendo o poder constituinte originário impor retroatividade máxima ou média.81
Por ser limitado, é possível afirmar que existirão normas constitucionais inconstitucionais sempre que o poder constituinte derivado ofender as limitações impostas ao poder de reforma.
O poder de reforma sofre restrições de ordem formal (circunstancial, procedimental e temporal) e de ordem material. Nesse passo, o poder de reforma constitucional se submete a limites circunstanciais, procedimentais e materiais.
a) Limites circunstanciais (art. 60, § 1.º, CR)
Desde a Constituição de 1934, é comum estabelecer limitação circunstancial à Constituição.82
Em alguns momentos de instabilidade política, a Constituição não poderá ser alterada.
Assim, durante o estado de sítio, estado de defesa e a intervenção federal – os denominados estados de legalidade extraordinária (estados de exceção ou sistema constitucional das crises) –, a Constituição ficará totalmente pétrea, imutável.
Esta é uma medida para evitar golpes políticos em momentos de fragilidade da democracia.
b) Limites procedimentais (art. 60, I, II, III, §§ 2.º, 3.º e 5.º, CR)
A formalidade exigida para alterar a Constituição é o que lhe concede rigidez e, segundo doutrina,83 a hierarquia diante de outras normas.
Caso a emenda constitucional não seja aprovada de acordo com as formalidades exigidas pelo texto constitucional, a norma constitucional (emenda à Constituição) será inconstitucional.
Assim, exige-se:
Iniciativa (limitação formal subjetiva) – Presidente da República, 1/3 da Câmara dos Deputados, 1/3 do Senado Federal ou mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da federação, isto é, 14 Assembleias, sendo que cada uma destas tem que se manifestar por maioria simples (maioria relativa).
Os dois primeiros legitimados apresentam a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) à Câmara dos Deputados, e os dois últimos oferecem-na ao Senado Federal (art. 212 do RISF).
Ressalte-se que a posição majoritária da doutrina concebe o rol como taxativo; porém, José Afonso da Silva acredita que, em razão do estado democrático de direito (art. 1.º, parágrafo único), o povo também poderia propor PEC, utilizando o quorum para iniciativa popular (art. 61, § 2.º).84
Deliberação (limitação formal objetiva) – A PEC terá que ter aprovação de 3/5 dos membros de cada casa e em dois turnos, ou seja, após dois turnos de votação na casa onde a PEC foi apresentada, a proposta segue para a próxima casa legislativa (e constituinte) para igual procedimento.
Caso a proposta não conquiste o quorum de 3/5 dos legisladores constituintes ou seja prejudicada, não poderá ser reapresentada (posta em votação novamente) na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5.º).
Somente com o fim de esclarecer o leitor, se a PEC for rejeitada ou tida por prejudicada, só poderá ser discutida novamente a partir de 02 de fevereiro do ano posterior ao fato que a rechaçou.
Promulgação – A promulgação ocorrerá pela mesa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em sessão conjunta (arts. 369 do RISF e 85 do RC).
Ressalte-se que, em provas objetivas, é comum a afirmação de que a promulgação ocorrerá pela mesa do Congresso Nacional, o que não é correto. A mesa do Congresso é uma espécie de fusão das duas mesas (art. 57, § 5.º). Em se tratando de PEC, as duas casas se unirão, com o respectivo número de ordem, para a promulgação.
c) Limite temporal
Este limite impede qualquer alteração da Constituição durante certo período
de tempo, como ocorreu com a Constituição de 1824, na qual o art. 174 daquela Carta dispunha: “Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles” (redação original).
Em que pese consagrada posição doutrinária que sustenta a inexistência de limite temporal na atual Constituição,85 ousamos discordar.
O art. 60, § 1.º, da CR/1988 prevê que em caso de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio não haverá modificação da Constituição. Logo, durante a vigência de qualquer destes estados de exceção, a Constituição permanecerá totalmente imutável pelo tempo que perdurar a medida excepcional, seja um ou dez anos, sendo possível, nestas hipóteses, se falar em limite temporal.
Não há que se falar em limite temporal no caso do art. 3.º do ADCT (que não permite revisão constitucional por cinco anos, mas não cria impedimento a emendas) nem no caso do art. 60, § 5.º, da CR (que impede nova votação de PEC rejeitada ou prejudicada, mas não impede a votação e aprovação de proposta de emendas sobre outros assuntos).
d) Limite material
O limite mais famoso (mais frequente nos tribunais e nas questões de prova) é o que restringe a atuação do constituinte derivado no que concerne à matéria.
Os limites materiais ganharam força pós-Segunda Guerra, dedicando maior cuidado na alteração de alguns assuntos inerentes à identidade básica da Constituição, que sempre deverão ser preservados.86
Estes limites materiais se subdividem em:
I – Limitações materiais explícitas (cláusulas pétreas ou cláusulas de perpetuidade)
Estas estão expressas na Constituição no rol do art. 60, § 4.º, que afirma: “Não será objeto de deliberação, proposta de emenda tendente a abolir”.
Primeiro ponto que chama atenção neste dispositivo é o termo “deliberação”, isto é, não poder discutir PEC ofensiva a determinados assuntos. Isso significa dizer que basta a tramitação da PEC para ela ser considerada inconstitucional.87
E a ação adequada para impugnar a tramitação será o mandado de segurança impetrado pelo congressista que participa da Casa onde está tramitando a PEC.
O segundo ponto de análise é o termo “abolir”, que significa acabar com, extinguir, suprimir.88
Por óbvio, uma pergunta parece inevitável: é possível restringir direitos considerados pétreos?
Para responder a esta questão, deve-se ter em mente que as cláusulas pétreas não têm por fim proteger a redação constitucional, e sim os princípios neles insculpidos.89 Nesse passo, é possível restrição de direitos desde que preservado o núcleo essencial dos bens constitucionais resguardados como cláusulas pétreas.90
Assim, as alterações de menor intensidade ou densidade são permitidas, desde que preservados os princípios e valores emanados pelos bens pétreos.
Pois bem, esclarecidos estes pontos, passamos a enumerar as cláusulas pétreas em espécie.
I.I – forma federativa de Estado
A estrutura federativa deve ser preservada. Assim, a PEC não pode, e.g., abolir o Senado Federal (visto que é requisito essencial à existência do federalismo).91
Inconstitucional seria também a Emenda à Constituição que retire dos entes autônomos (União, Estado, Distrito Federal ou Município) a capacidade de auto-organização, autogoverno, autolegislação ou auto-administração, vez que inerentes à federação.
I.II – voto direto, secreto, universal e periódico
Da mesma forma, a Emenda Constitucional não pode retirar do povo o direito de escolher seus representantes, de forma equânime e com segurança.
O voto secreto previsto no art. 55, § 2.º, segundo o qual o poder legislativo cassará ou não o mandato do congressista (v.g., ímprobo ou criminoso por voto secreto), não é cláusula pétrea, podendo ser retirado do texto constitucional.
Como não há previsão vedatória, o voto obrigatório poderá ser abolido e instituído voto facultativo no Brasil, até porque as medidas restritivas devem ser interpretadas restritivamente.
I.III – Separação dos poderes
Segundo o art. 2.º, são poderes independentes o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
A independência dos poderes é relativa, posto que se admitem interferências expressas de um poder em outro, o que é chamado de sistema de freios e contrapesos (check and balances).
Emenda Constitucional que crie alguma forma de interferência entre os poderes não ofende cláusula pétrea, vez que é considerada alteração de menor intensidade, isto é, não ofende separação dos poderes, posto que só cria mais uma hipótese de exercício de um sistema (de freios e contrapesos) já previsto na Constituição.
Contudo, conceder a qualquer dos poderes atribuições que a Constituição só outorga a outro gera ofensa à cláusula pétrea da separação dos poderes.92
I.IV – direitos e garantias fundamentais
De pronto, deve-se elucidar que, apesar de o art. 60, § 4.º, IV, estabelecer que são protegidos como núcleo imutável os direitos e garantias individuais, colocamos direitos e garantias fundamentais em razão de larga jurisprudência do STF neste sentido,93 ampliando a proteção inclusive aos direitos sociais.
Aproveitando o ensejo, é bom esclarecer que direitos criados pelo poder constituinte derivado não serão protegidos pelo manto da petricidade, isto é, se uma Emenda Constitucional criar direito novo, esse direito não se tornará pétreo, pois o poder constituinte de reforma não pode limitar a si próprio.94
Para explicar melhor, é imprescindível entender que os direitos fundamentais básicos são vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade conforme previsão do art. 5.º, caput. Assim, direitos inovados por emenda, para não gozar de petricidade, não podem corresponder a nenhum dos cinco direitos elencados.
Caso a emenda crie algum direito que aluda aos direitos fundamentais básicos, estes “novos” direitos serão pétreos, pois não são inovações, e sim explicitação de direitos já concebidos pelo constituinte originário. Por exemplo, o direito à razoável duração do processo e à celeridade processual (art. 5.º, LXXVIII), criado pela EC 45/2004, é pétreo, pois ramifica o princípio da segurança jurídica. Da mesma forma, o direito à alimentação (art. 6.º), criado pela EC 64/2010, é pétreo, pois é derivação ao direito à vida e assim por diante.
II – Limitações materiais implícitas
As matérias que não podem ser retiradas da Constituição não estão taxativamente expostas no art. 60, § 4.º. Algumas outras normas não podem ser abolidas, apesar de não haver previsão expressa nesse sentido. São as matérias em que há limitação implícita.
Em outros termos, o sistema constitucional permite interpretações de imutabilidade, sem a qual fragilizaria o arcabouço constitucional.
Existem vários exemplos de limites implícitos, dentre os quais podemos citar a titularidade do poder constituinte (art. 1.º, parágrafo único), o procedimento de emenda constitucional (art. 60, I, II, III, §§ 2.º, 3.º e 5.º), a forma republicana e o sistema presidencialista de governo (na medida em que o povo referendou a escolha dos representantes – art. 2.º do ADCT) e o art. 60, § 4.º.
Quanto a este último exemplo, é bom notar que limite material explícito é a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias fundamentais. Não há previsão garantindo a petricidade do próprio § 4.º do art. 60. Assim, em uma interpretação estritamente positivista, poderia este dispositivo ser revogado por emenda, o que acabaria com as cláusulas pétreas, possibilitando ao constituinte abolir todos os direitos fundamentais em uma próxima emenda, por exemplo.
E é exatamente isso que se quer evitar. A dupla reforma é uma espécie de fraude e, por isso, não pode ser admitida. Para isso, temos que estender a petricidade ao art. 60, § 4.º, mesmo sem previsão expressa.
Aproveitando o ensejo, é bom que se diga que o STF se mostra avesso a todos os artifícios que busquem suavizar a ampla produção dos efeitos das normas constitucionais, prática que recebe o nome de “atalhamento da Constituição” ou “desvio do poder constituinte”.95
Esta espécie de poder constituinte derivado é condicionada, na medida em que a Constituição da República prevê meios para sua modificação, condicionando o poder reformador àquelas formas e hipóteses.
São dois os meios formais de alteração da Constituição: Emenda Constitucional e Revisão Constitucional.
Desde logo é bom esclarecer que o plebiscito contido no art. 2.º do ADCT não é meio formal de alteração da Constituição porque este instrumento de consulta popular não altera o texto constitucional, somente escolhe qual a forma e o sistema de governo que pretende ver vigentes no País.
Após o plebiscito, a revisão constitucional modificaria diversos artigos constitucionais para incluir a vontade do povo na Constituição.
Os tratados internacionais sobre direitos humanos votados como emendas constitucionais (art. 5.º, § 3.º) também não são meios formais porque não alteram o texto da Constituição. Esses tratados, uma vez internalizados de acordo com as exigências, têm hierarquia de norma constitucional, mas não são incluídos no texto da Constituição.
Dito isso, é bom traçar distinções básicas entre Emenda Constitucional e Revisão Constitucional.
Espécie Normativa |
Emenda Constitucional |
Revisão Constitucional |
Base normativa |
Art. 60, CR |
Art. 3º do ADCT |
Natureza jurídica |
Norma constitucional |
Norma constitucional |
Quorum para aprovação |
Maioria qualificada (3/5) |
Maioria absoluta |
Número de turnos de votação |
2 turnos na Câmara dos Deputados e 2 turnos no Senado Federal |
1 turno no Congresso Nacional |
Prisma material |
Dispõe sobre assuntos específicos (uma Emenda para cada assunto) |
Dispõe sobre diversas matérias (uma Revisão pode dispor sobre diversos assuntos) |
O quadro acima está considerando o confronto entre os artigos constitucionais (art. 60 da CR x art. 3.º do ADCT); contudo, o procedimento da revisão, que foi disciplinado na Resolução n. 1-RCF do Congresso Nacional de 18.11.1993 (depois alterada pelas Res. 2/1993 e 1/1994 – RCF), trouxe novidades.
Ficou convencionado que a revisão constitucional também se submeteria a limitações impostas quanto às cláusulas pétreas (art. 4.º, § 3.º, da Res. 1).
A iniciativa, insculpida no art. 4.º, I e II, §§ 4.º e 5.º, da Res. 1/1993 concedia este poder a:
a) qualquer congressista;
b) por representação partidária com assento no Congresso Nacional, por meio de líder;
c) Assembleia Legislativa de três ou mais unidades da federação, manifestando-se cada uma delas por maioria de membros;
d) iniciativa popular com 15 mil ou mais eleitores.
Curiosamente, o art. 13 da Resolução estabeleceu votação das matérias em dois turnos.
Como é de conhecimento geral, a Revisão Constitucional foi exercida uma única vez em 1993, por cumprimento ao disposto no art. 3.º do ADCT.
Em que pese doutrina que sustenta a possibilidade de Emenda Constitucional alterar o citado art. 3.º para convocar nova revisão, sob o fundamento de que não há limitação expressa a essa prática, melhor entendimento é que Emenda Constitucional não poderia convocar nova Revisão, posto que já se buscou incluir a expressão “uma única vez” no texto do art. 3.º do ADCT (Destaque 59 à Emenda 1.763). Naquela oportunidade, os constituintes consideraram desnecessária a inclusão, por já estar ínsito no texto que a revisão só ocorreria uma vez.96
Em resumo:
Pode constituinte originário |
Poder constituinte derivado |
Inicialidade |
Ilimitação |
Incondicionamento |
Derivação |
Limitação |
Condicionamento |
No tópico imediatamente anterior, foram analisados os meios formais de alteração da Constituição (Emenda e Revisão Constitucional). Esses meios são derivados da própria Constituição e por ela condicionados. Já o poder difuso é um meio informal de alteração da Constituição, porque não deriva explicitamente da Constituição, mas é um poder de fato que se exterioriza pela mutação constitucional (também chamada de vicissitudes constitucionais,98 transições constitucionais, mudança constitucional ou processo de fato).99
Na realidade, “mutação” significa mudança, o que pode ser formal ou informal. No entanto, a doutrina convencionou dividir os meios de alteração da Constituição em mutação constitucional (meio informal) e reforma constitucional (meio formal de onde derivam Emenda e Revisão Constitucional).
Assim como a Emenda Constitucional e a Revisão, a mutação também busca manter a Constituição atualizada, sem que, para isso, haja um procedimento solene de alteração, como nas duas primeiras hipóteses.
O dinamismo das relações sociais, por vezes, exige rapidez nas reinterpretações da Constituição, e nesse sentido a mutação se mostra um instrumento útil de modernização da Carta Política.
Na verdade, tanto a sociedade vive a Constituição, tendo que obedecer às suas normas, quanto a Constituição vive a sociedade, tendo que retratá-la com a dinâmica dos avanços sociais.100
Por vezes constatamos o que Ivo Dantas designou como hiato constitucional,101 isto é, um descompasso entre o texto rígido constitucional e a realidade social. Por vezes, a readaptação do texto constitucional pode ser resolvida por mera reinterpretação do texto (mutação constitucional); outras vezes, é necessário realizar uma reforma constitucional para readaptá-lo aos anseios da sociedade (Emenda Constitucional e, no passado, Revisão Constitucional).
Como ensina Luís Roberto Barroso, a mutação constitucional deve ser realizada “no ponto de equilíbrio entre dois conceitos essenciais à teoria constitucional, mas que guardam tensão entre si: a rigidez constitucional e a plasticidade de suas normas. A rigidez confere estabilidade à ordem constitucional e à segurança jurídica, ao passo que a plasticidade procura adaptá-la aos novos tempos e às novas demandas”.102
A mutação constitucional ocorre quando, sem alterar o texto constitucional, há mudança no sentido e alcance do dispositivo da Constituição para atender às novas exigências sociais.
Na verdade, aparentemente nada acontece, o que muda é a interpretação (significado) de determinado dispositivo.
Esta espécie de poder constituinte é denominada difusa porque não há um órgão encarregado desta função. A mutação é usualmente atribuída ao Poder Judiciário, porém tanto a sociedade quanto os demais órgãos estatais também podem exercer esta função.
Existem dois fatos geradores de mutação constitucional:
a) nova interpretação de órgãos estatais em geral;
b) usos e costumes.
Na primeira hipótese, o fato gerador da mutação é a própria interpretação, e no segundo caso é a prática de uma ação ou omissão determinada que força nova interpretação, ou seja, antes da nova interpretação existe um pressuposto, que é nova conduta praticada pela sociedade ou pelo Estado.
Quanto à possibilidade de mutação constitucional por meio da interpretação dos órgãos estatais em geral, deve ser explicado que todos os órgãos constitucionais devem ser obedientes à Constituição; logo, todos devem interpretá-la para poder cumprir seus preceitos. Sabendo disso, é possível que qualquer dos órgãos intérpretes da Constituição mude o entendimento que possui da norma constitucional.
Por óbvio, o Poder Judiciário é o órgão que mais pratica a mutação constitucional, em especial o Supremo Tribunal Federal, vez que é o órgão que tem a função de interpretar os dispositivos constitucionais para toda a sociedade.
Normalmente, o fator que mais gera mutação constitucional no Pretório Excelso é a mudança de composição da Corte, mas novas circunstâncias fáticas ou nova hermenêutica também são importantes fatores que levam à mutação.
Mesmo que o STF declare determinada norma (lei ou ato normativo) constitucional, pode mudar de ideia mediante alteração na interpretação da norma parâmetro (mutação constitucional). Sendo assim, pode, quando provocado novamente, declarar a mesma norma (lei ou ato normativo) inconstitucional.
Quanto ao Poder Legislativo, a mutação poderá ocorrer não só quando este órgão interpreta a Constituição para cumpri-la, mas também quando a reinterpreta para editar lei (lato sensu) que altere o sentido que tenha sido dado a alguma norma constitucional.103 Isto é, após consolidado um determinado entendimento (seja pelo Judiciário, Legislativo, Executivo, sociedade etc.), lei editada pelo Legislativo muda o que havia sido interpretado como certo.
Note que, apesar da elaboração da nova lei, esta não se constitui alteração formal, pois existiu um elemento subjetivo (reinterpretação do que se entendia como certo) que gerou a nova lei. Na verdade, nova lei é a concretização de uma mutação que ocorreu anteriormente; v.g., antes de revogar o artigo penal que criminalizava o adultério, o legislador teve que entender que adultério não era mais crime (mutação), para, só depois, fazer uma lei revogando o crime.
Quanto à possibilidade de mutação constitucional por meio dos usos ou costumes, merece atenção o fato de existirem costumes integrativos (praeter legem), interpretativos (secundum legem) e derrogatórios (contra legem ou contra constitutionis).104
Por óbvio, o costume que contrarie a lei (contra legem) ou a Constituição (contra constitutionis) gera mutação inconstitucional; v.g., diversas reedições de medidas provisórias, prática comum desde 1988, mas que se tornou inconstitucional com o advento da EC 32/2001.105
Um dos fatores de parâmetro de controle da mutação constitucional, independentemente do fato gerador, é a democracia, ou seja, todas as mutações realizadas, por quem quer que seja, têm que se pautar por um lastro democrático, em um processo de reflexão social.106
As mutações inconstitucionais são mais fáceis de ocorrer no tocante aos costumes, mas, por óbvio, podem ser praticadas por todos que, ao interpretarem os dispositivos constitucionais, contrariem ou alterem a finalidade da norma constitucional.107
Ademais, a existência das cláusulas pétreas implícitas e explícitas constituem também limites à mutação constitucional.108
É cediço que os Estados e o Distrito Federal possuem autonomia, o que importa em investir estes entes de poderes como auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração.
A auto-organização – como atributo da autonomia – é o poder concedido ao ente federado para editar sua própria Constituição, para melhor organizar sua área territorial, adaptando à sua realidade as normas impostas pela Constituição.
Por isso, o art. 25, caput, estabelece: “Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. E o art. 32 prevê: “O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição”.
Dois entes federados são organizados por Leis Orgânicas: Distrito Federal e Municípios. Enquanto a Lei Orgânica municipal possui natureza jurídica de lei ordinária, a Lei Orgânica distrital é considerada Constituição, plena manifestação do poder constituinte derivado institucionalizador.
E a razão é simples. Segundo o art. 8.º, I, n, da Lei 11.697/2008, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ/DF) deverá processar e julgar “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face de sua Lei Orgânica”. Ora, se cabe controle de constitucionalidade tendo a Lei Orgânica como parâmetro, não há como negar que este diploma é uma Constituição; caso contrário, o controle seria de legalidade.
O STF, por intermédio do então Ministro Carlos Ayres,109 constatou que o Distrito Federal está mais próximo da estrutura do Estado do que do Município.
Já o Município seria uma espécie de um poder de terceiro grau.110
Sabendo que os Estados-membros e o Distrito Federal têm que elaborar seus diplomas auto-organizatórios, a pergunta que vem à mente é: como? De acordo com que parâmetros? Por óbvio o parâmetro é a Constituição, mas esta resposta não satisfaz, posto ser simples e evasiva.
Melhor importarmos a doutrina de Thomas M. Cooley,111 segundo a qual “toda Constituição estadual deve esperar-se que contenha: 1) uma descrição do sistema de governo; 2) os requisitos gerais para direito a sufrágio; 3) os freios e os equilíbrios do governo republicano, reconhecendo três departamentos governamentais separados; 4) algum reconhecimento de autogoverno local; 5) uma declaração de direitos protetores dos indivíduos e das minorias”.
Esta espécie de poder constituinte é dotada das seguintes características:
Este poder retira seu fundamento de validade da Constituição da República, seja diretamente do art. 25 da CRFB/1988, que afirma que os Estados-membros serão regidos pelas Constituições que adotarem, seja pelas demais normas do texto constitucional, que, a todo momento, concede poderes a estes Estados, como o art. 96, I, da CRFB/1988, que autoriza, em outros termos, que a Constituição estadual outorgue determinadas atribuições aos Tribunais de Justiça locais.
Por óbvio, mais que o poder derivado reformador, o poder derivado decorrente sofre uma diversidade de restrições, que, em razão do poder de autonomia, devem ser interpretadas restritivamente.
Anna Cândida da Cunha Ferraz112 lembra que as limitações impostas às Constituições estaduais são tanto de ordem negativa quanto positiva. Enquanto aquela impõe às Constituições estaduais a proibição de contrariar a Constituição Federal, estas (limitações positivas) importam no dever da Constituição estadual em concretizar no seu território os preceitos, espírito e os fins da Constituição da República.
Mais especificamente, alguns princípios constitucionais devem ser obrigatoriamente observados. São os denominados princípios centrais,113 que se subdividem em:
a) Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, CRFB/1988) – Estes princípios constituem limites ao poder decorrente por simples interpretação literal, na medida em que o art. 34, caput, e VII, da CRFB/1988, afirma que a União poderá intervir nos Estados e Distrito Federal quando o ente federado ofender a “forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública, direta e indireta; aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde”.114
Nesse sentido, caso o Estado-membro ou o Distrito Federal não observe estes preceitos, faz surgir a necessidade de propositura de ação direta interventiva pelo Procurador-Geral da República. Sendo assim, se o Supremo Tribunal Federal julgar a ação procedente, permite a expedição de Decreto para cessar a lesão que, caso não ocorra, legitimará a expedição de Decreto interventivo.
b) Princípios constitucionais extensíveis – São normas que estruturam a federação, organizando o Estado. Por isso, devem obrigatoriamente ser repetidas nos textos estaduais, observada a simetria. Poderiam ser citados como exemplo os arts. 27, 28, 37, 58, § 3.º,115 75, 77, 93, V, 95, 96, 150 e 165 da CRFB/1988, dentre outros.
As normas constantes neste princípio que preveem regras e princípios necessários para organizar o Estado-membro são conhecidas como normas de preordenação,116 v.g., arts. 27, 28, 37, 95. E a explicação é simples: elas foram criadas na Constituição da República antes de sua previsão na Constituição do Estado-membro, por isso preordena o ente federado.
c) Princípios constitucionais estabelecidos – Não existe um rol taxativo destes princípios, que estão espalhados por todo o texto constitucional. Para identificá-los é necessário interpretação sistemática da Constituição, isto é, interpretação do texto constitucional no seu conjunto. Eles dividem-se em:
c.I) Limites expressos – Por óbvio, estão explícitos no texto constitucional, podendo ter natureza vedatória (explícitos vedatórios) – quando proíbem os Estados de praticar determinados atos ou procedimentos; v.g., arts. 19, 35, 145, § 2.º, 150, 152 etc. – ou natureza mandatória (explícitos mandatórios), quando obrigam a observância de determinados princípios e preceitos pelas Constituições estaduais, limitando a organização do ente federado; e.g., arts. 18, § 4.º, 29, 31, § 1.º, 37 a 41, 42, § 1.º, 93 a 100, 125, 127 a 130, 132 a 135, 144, IV e V, §§ 4.º ao 7.º etc.
c.II) Limites implícitos (inerentes ou tácitos) – Embora não estejam expressamente no texto da Constituição, algumas vedações podem ser deduzidas, como os arts. 21, 22, 30 e 153.
Esses limites também possuem viés mandatório, quando obriga determinada conduta (ex.: arts. 27 e 28),117 e vedatório, quando impede determinado comportamento (ex.: arts. 21 e 22).
c.III) Limites decorrentes – São gerados pelo sistema constitucional adotado, como princípio republicano, princípio federativo, estado democrático de direito, dignidade da pessoa humana, igualdade formal e material, legalidade genérica, e assim por diante.
Uma observação é necessária: é possível um artigo da Constituição da República se enquadrar em mais de uma limitação (subdivisões dos princípios centrais). Isto só concede mais garantias ao poder soberano e, por consequência, consolida as bases do Estado Republicano/Federal brasileiro.
Como exposto, quando tratamos de poder constituinte originário, há ainda limitações denominadas supralegalidades autogenerativas,118 que são as decorrentes de questões fáticas, e não de dispositivos jurídicos. Essas questões podem ser de ordem social, política e econômica.
O que não falta é jurisprudência do Supremo Tribunal declarando inconstitucionalidade de artigos de Constituições estaduais por ofensa às limitações supraexpostas.119
É bom frisar que, além das normas de reprodução obrigatória, existem as normas de reprodução facultativa (normas de imitação), as quais podem ou não constar no texto da Constituição estadual; v.g., a possibilidade de os governadores dos Estados-membros adotarem medida provisória depende de previsão nas Constituições dos Estados.120
A Constituição da República condicionou o exercício do poder constituinte decorrente institucionalizador, exigindo que cada Assembleia Legislativa elaborasse a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios analisados (art. 11 do ADCT).
Somente a título de curiosidade, exatamente um ano após a promulgação da Constituição da República, várias Constituições estaduais foram promulgadas, como as Constituições do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pará, dentre outras, que foram publicadas no último dia de prazo concedido pelo art. 11 do ADCT (05 de outubro de 1989).
É o poder concedido aos Estados-membros e ao Distrito Federal de alterarem suas Constituições.
As mesmas características que afetam o poder institucionalizador atingem o poder de reforma.
O poder de reforma estadual está previsto na própria Constituição do Estado, por óbvio, para garantir a durabilidade da Constituição estadual, pois, se assim não fosse, a petricidade das normas constitucionais estaduais acarretariam rápida defasagem e, por consequência, a necessidade de sua revogação por outra Constituição.
Em estudo criterioso, Guilherme Peña de Moraes121 elencou os artigos de algumas Constituições Estaduais que preveem o procedimento de sua alteração, tais como: art. 53, caput, §§ 2.º ao 4.º, da CE/AC; art. 85, caput, §§ 2.º ao 4.º, da CE/AL e art. 2.º do ADCT/AL; art. 32, caput, §§ 2.º ao 4.º, da CE/AM; art. 74, caput, §§ 2.º ao § 4.º, da CE/BA e art. 65 do ADCT/BA; art. 62, caput, §§ 2.º e 4.º, da CE/ES e art. 25 do ADCT/ES; art. 64, caput, §§ 3.º ao 5.º, da CE/MG e art. 3.º ADCT/MG; art. 85, caput, §§ 2.º, 3.º e 5.º, da CE/MS e art. 2.º do ADCT/MS; art. 64, caput, §§ 2.º ao 5.º, da CE/PR e art. 2.º do ADCT/PR; art. 111, caput, §§ 1.º, 2.º e 4.º, da CE/RJ e art. 35 do ADCT/RJ; art. 22, caput, §§ 2.º ao 4.º, da CE/SP e art. 3.º do ADCT/SP e assim por diante.
Apesar de derivar da Constituição estadual, não é cabível controle de constitucionalidade de emenda à Constituição do Estado quando esta ofende a Constituição estadual, eis que as duas (emenda e Constituição estadual) são frutos do mesmo poder constituinte derivado decorrente,122 não havendo a hierarquia necessária para o controle de constitucionalidade.
O poder de reforma estadual encontra limites na Constituição da República e na Constituição estadual.
Todas as limitações supra-analisadas, impostas ao poder constituinte derivado de reforma,123 assim como ao poder institucionalizador, são também aplicadas a esta espécie de poder.
Assim, por óbvio, não poderá emenda à Constituição do Estado-membro ofender direitos fundamentais (art. 60, § 4.º, IV, CR) nem alterar o tempo de mandato do governador (art. 28 da CR).
Por fim, o condicionamento importa na observância de se alterar a Constituição do Estado como esta determinar – Emenda Constitucional e Revisão Constitucional.
Todas as Constituições dos Estados brasileiros, observando a simetria, exigem para emenda às Constituições do Estado a iniciativa de, no mínimo, 1/3 dos Deputados Estaduais, metade das Câmaras Municipais ou Governador do Estado, sendo que algumas Constituições, como a do Estado do Amapá, admitem ainda iniciativa popular subscrita por um por cento dos eleitores daquele Estado (art. 103, IV, CE/AP). A proposta será estudada e votada nas Assembleias Legislativas, exigindo quorum de 3/5 em dois turnos para sua aprovação. A emenda será promulgada pela mesa da Assembleia Legislativa com o respectivo número de ordem. Ademais, proposta de emenda estadual rejeitada ou tida por prejudicada só poderá ser objeto de nova votação na outra sessão legislativa.
Seguindo o mesmo raciocínio, as Constituições estaduais preveem revisão constitucional realizada mediante aprovação de maioria absoluta da Assembleia Legislativa, após a revisão da Constituição da República.
1. (Magistratura/MS – FCC/2010) É INCORRETO afirmar que o poder constituinte:
A) Instituído manifesta-se quando tratado internacional sobre direitos humanos é aprovado pelo Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.
B) Decorrente é próprio das descentralizações eventualmente havidas em Estados unitários.
C) Originário é inicial (porque funda a ordem jurídica), materialmente ilimitado e formalmente incondicionado.
D) Instituído é derivado do poder constituinte originário, que também o limita materialmente e o condiciona a certas formalidades.
E) De revisão é espécie de poder constituinte instituído.
2. (MP/GO – 2010) Leia as afirmativas abaixo e, em seguida, assinale a alternativa correta:
I – Segundo o conceito material, a Constituição é o arcabouço de normas que tratam da organização do poder, da forma de governo, da distribuição da competência, dos direitos da pessoa humana, considerados os sociais e individuais, do exercício da autoridade, ou seja, trata da composição e do funcionamento da ordem política.
II – Constituição semiflexível é aquela em que, para algumas matérias, as regras para sua alteração exigem quorum qualificado, mais dificultoso que as leis infraconstitucionais, enquanto para outras matérias, não exige essa formalidade.
III – Classificam-se as constituições escritas como codificadas ou legais. A Constituição Federal de 1988 é considerada uma constituição legal.
IV – O poder constituinte originário é aquele que faz a Constituição, instala uma ordem jurídica nova e rompe com a ordem jurídica anterior. O poder constituinte derivado está inserido na constituição e, do mesmo modo que o poder constituinte originário, não tem limites para realizar as alterações na ordem constitucional vigente.
A) As afirmativas I e II são falsas.
B) As afirmativas II e IV são falsas.
C) As afirmativas III e IV são falsas.
D) Todas as afirmativas são falsas.
3. (Delegado da Polícia Federal – CESPE/2013) No que se refere à CF e ao poder constituinte originário, julgue o item subsequente:
A CF contempla hipótese configuradora do denominado fenômeno da recepção material das normas constitucionais, que consiste na possibilidade de a norma de uma constituição anterior ser recepcionada pela nova constituição, com status de norma constitucional.
4. (Delegado de Polícia/GO – UEG/2013) A partir da ideia da existência de um poder constituinte, enquanto poder destinado à criação do Estado e à alteração das normas que constituem uma sociedade política, foram elaboradas teorias que apresentam classificações desse poder. Conhece-se assim a distinção entre:
A) poder decorrente, enquanto autonomia das unidades da federação, e poder derivado, encarregado da elaboração das normas constitucionais originárias e reforma da Constituição Federal.
B) poder de reforma e poder constituinte decorrente, subespécies do poder derivado, em que o primeiro compreende a emenda e a revisão, e o segundo reporta-se à autonomia das unidades da federação.
C) poder de reforma constitucional e poder derivado, em que o primeiro compreende a emenda e o segundo a elaboração de normas constitucionais originárias.
D) poder originário e poder decorrente, em que o primeiro compreende as normas constitucionais originárias e perenes e o segundo, decorrente do primeiro, compreende a reforma constitucional pela emenda e revisão da Constituição Federal.
5. (Juiz substituto/SP – VUNESP/2013) O exercício do Poder Constituinte Derivado, nos termos expressos da Constituição Federal de 1988:
A) pode revelar-se por meio de projeto de iniciativa popular, nos termos expressamente previstos na Constituição Federal, exercido pela apresentação de projeto à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
B) permite a reforma da Constituição, desde que a Proposta de Emenda à Constituição seja votada e aprovada, em dois turnos, se obtiver, em cada casa do Congresso, dois terços dos votos dos respectivos membros.
C) pode revelar-se nas Emendas à Constituição, iniciadas por proposta de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
D) permite a reforma da Constituição, desde que a Proposta de Emenda à Constituição seja votada e aprovada em sessão unicameral, em dois turnos, por dois terços de Deputados e Senadores.
6. (MP/SE – CESPE/2010) Assinale a opção correta a respeito dos conceitos de mutação constitucional, revisão constitucional e poder constituinte:
A) Tratando-se de mutação constitucional, o texto da constituição permanece inalterado, e alteram-se apenas o significado e o sentido interpretativo de determinada norma constitucional.
B) A revisão constitucional prevista no ADCT da CF, que foi realizada pelo voto da maioria simples dos membros do Congresso Nacional, gerou seis emendas constitucionais de revisão que detêm o status de normas constitucionais originárias.
C) Previsto pelo constituinte originário, o poder constituinte derivado decorrente encontra limitações apenas nas cláusulas pétreas.
D) Sendo poder de índole democrática, autônomo e juridicamente ilimitado, o poder constituinte originário tem como forma única de expressão a assembleia nacional constituinte.
E) É expressamente previsto na CF que os Poderes Legislativos dos estados, do DF e dos municípios devem elaborar suas constituições e leis orgânicas mediante manifestação do poder constituinte derivado decorrente.
7. (JUIZ SUBSTITUTO/CE – CESPE/2012) Com relação ao poder constituinte, assinale a opção correta.
A) Embora o STF não admita o controle concentrado de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário, reconhece o controle difuso, considerando sua eficácia apenas para o caso concreto.
B) Quando uma nova constituição é criada pelo poder constituinte originário, a jurisprudência reconhece a legitimidade da invocação de direitos adquiridos contrários à constituição em vigor.
C) O poder constituinte derivado pode alterar os procedimentos de reforma da constituição.
D) O poder constituinte derivado reformador submete-se tanto a limitações expressas na CF quanto a limitações implícitas.
E) Segundo o STF, as regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte originário não decorrem do exercício de um poder de fato ou suprapositivo, razão pela qual sua eficácia está sujeita a limitação normativa.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.
___________
1MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 355 e ss.
2MIRANDA, Jorge. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (Coord. científica); PINTO FILHO, Francisco Bilac; RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz (Coord. editorial). Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. LIX.
3MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 190.
4BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional cit. p. 120/121.
5ELSTER, Jon. Ulysses and the sirens, 1979, revista em Ulysses unbound, 2000.
6ACKERMAN, Bruce. We the people: fondations, 1995.
7BARROSO, Luis Roberto. Direito Constitucional cit. p. 121.
8BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional cit., p. 141.
9FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 21.
10Sieyès entendia a nação como o conjunto de pessoas representado pelos mesmos legisladores e, por isso, vivendo sob as mesmas leis (SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa: que é o terceiro Estado? Rio de Janeiro: Liber Juris, 1986. p. 69). Porém, no Brasil, nos dias atuais, nação não se apoia na existência de vínculos jurídicos. O termo é utilizado para indicar origem comum ou comunidade de nascimento (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado cit., p. 96), que seria o conjunto de pessoas ligadas por laços históricos e culturais (REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins, 1960. p. 158.); constatado, assim, que um Estado pode ter duas nações – como no Canadá, onde Quebec adota cultura franco-canadiana e todo o restante do território adota costumes e língua inglesa –, pois o conceito de titularidade deste poder passou ao povo, que é o conjunto de cidadãos do estado (DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado cit., p. 100), ou seja, pessoas que possuem vínculo jurídico-político com o país.
11BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional cit., p. 145.
12Idem, p. 142.
13BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo cit., p. 105.
14Idem, p. 105.
15MORAES, Guilherme Peña. Op cit. p. 13.
16“We the People of the United States, in Order to form a more perfect Union, establish Justice, insure domestic Tranquility, provide for the common defense, promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselves and our Posterity, do ordain and establish this Constitution for the United States of America.” Grifo do original (Preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos da América – 1787).
17Constituição do Império de 1824. Art. 12. “Todos estes Poderes no Império do Brazil são delegações da Nação.”
18CR/1891. “Art. 15. São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si.”
19CR/1934. “Art. 2.º Todos os poderes emanam do povo e em nome dele são exercidos.”
20CR/1937. “Art. 1.º O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade.”
21CR/1946. “Art. 1.º Os Estados Unidos do Brasil mantêm, sob o regime representativo, a Federação e a República. Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.”
22CR/1967. “Art. 1.º, § 1.º Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido.”
23“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil – 1988).
24Art. 1.º, parágrafo único, CRFB/1988: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
25MORAES, Guilherme Peña de. Direito constitucional. Teoria da Constituição cit., p. 14.
26FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 18.
27FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional cit., p. 23.
28BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 25.
29BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional cit., p. 147.
30MORAES, Guilherme Peña de. Direito constitucional. Teoria da Constituição cit., p. 59.
31CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: teoria do Estado e da Constituição. Direito Constitucional positivo. 13. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 277.
32CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 81.
33SALDANHA, Nelson. O poder constituinte. São Paulo: RT, 1986. p. 80.
34MIRANDA, Jorge. Comentários à Constituição Federal de 1988 cit., p. LX.
35BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional cit., p. 150.
36MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 191.
37PAULO, Vicente et al. Direito constitucional descomplicado cit., p. 77.
38MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 192.
39MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 192.
40Os “plebiscitos” napoleônicos, que foram claramente manipulados, aprovaram as Constituições de 1799, 1802, 1804.
41Ampliação de poderes de Hitler ocorreu por consultas populares.
42MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 196.
43Nesse sentido, o STF nos Embargos de Declaração no Agravo Regimental, nos Embargos de Divergência, nos Embargos de Declaração, no Agravo Regimental, no Agravo de Instrumento 386.820-1/RS, rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.02.2005, segundo o qual “nada sobrevive ao novo Texto Magno”, dada a impossibilidade de convívio entre duas ordens constitucionais originárias (cada qual representando uma ideia própria de Direito e refletindo uma particular concepção político-ideológica de mundo), exceto se a nova Constituição, mediante processo de recepção material (que muito mais traduz verdadeira novação de caráter jurídico-normativo), conferir vigência parcial e eficácia temporal limitada a determinados preceitos constitucionais inscritos na Lei Fundamental revogada, à semelhança do que fez o art. 34, caput, do ADCT/1988” (grifo do autor).
44ESMEIN, Adhémar. Éléments de droit Constitutionnel Français et Compare. 6. ed. Paris: Librarie de la Société du Recueil Sirey, 1914, p. 582.
45Art. 290, n. 1, da Constituição da República Portuguesa de 1976: “As leis constitucionais posteriores a 25 de Abril de 1974 não ressalvadas neste capítulo são consideradas leis ordinárias, sem prejuízo do disposto no número seguinte” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República portuguesa – Lei do Tribunal Constitucional. 8. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 2008. p. 182).
46PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. 1. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936. v. 2, p. 560-561.
47SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 222.
48Teoria desenvolvida por Hans Kelsen (Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 171).
49Art. 18, § 1.º, CR/1967. “Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar.”
50MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 196.
51LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado cit., p. 95.
52Nesse mesmo sentido, BARROSO, Luís Roberto. A Constituição e o conflito de normas no tempo: direito constitucional intertemporal. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, n. 3, p. 213, 1995.
53Em que pese o purismo do termo “não recepção”, o Supremo Tribunal Federal possui diversos julgados utilizando o termo “revogação”, sob o fundamento de que a norma foi revogada por ausência de recepção, in verbis: “Ação direta de inconstitucionalidade – Impugnação de ato estatal editado anteriormente à vigência da CF/1988 – Inconstitucionalidade superveniente – Inocorrência – Hipótese de revogação do ato hierarquicamente inferior por ausência de recepção – Impossibilidade de instauração do controle normativo abstrato – Ação direta não conhecida (omissis)” (Questão de ordem em ADI 7/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.09.1992) (grifo do autor).
54“Não recepção em bloco da Lei 5.250 pela nova ordem constitucional” (ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, DJ 06.11.2009).
55BRANCO, Paulo. Op. cit. p. 280.
56“(Omissis) 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. A ADPF, fórmula processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de norma pré-constitucional. Situação de concreta ambiência jurisdicional timbrada por decisões conflitantes. Atendimento das condições da ação (omissis). 10. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI 5.250 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL...” (ADPF 130/DF, rel. Min. Carlos Britto, DJ 06.11.2009).
57LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado cit., p. 85.
58“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Parágrafos 1.º e 2.º do artigo 45 da Constituição Federal. A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias, dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. Na atual Carta Magna, ‘compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição’ (art. 102, caput), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido” (ADI 815/DF, rel. Min. Moreira Alves, DJ 10.05.1996).
59Por todos: NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. São Paulo: Método, 2009. p. 73-4; AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional cit., p. 14.
60CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2010. p. 81.
61BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo cit., p. 114.
62TEIXEIRA. J. H. Meirelles. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense. 1991. p. 213.
63NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional cit., p. 74.
64FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional cit., p. 27.
65CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 336.
66Por todos: MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000. t. II, p. 110-111.
67“Otto Bachof, relembre-se, foi habilitado em 1950 como docente, em Heidelburg, sendo assistente de Walter Jellinek. Em seguida, foi professor de direito público e, por duas vezes, Reitor da Universidade de Tübingen. Além disso, exerceu a magistratura, tendo sido juiz dos Tribunais Administrativos e do Tribunal Constitucional de Württemberg-Baden. Trata-se de um dos mais notáveis jusconstitucionalistas da Alemanha do pós-guerra, um dos pensadores que mais contribuíram para a reconstrução moral, jurídica e política daquele grande país depois da insânia nazista” (VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 209-210).
68BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.
69O temor do ocorrido ficou estampado nos considerandos da citada declaração: “Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum”.
70BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional cit., p. 114-115.
71“Art. 1.º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1.º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional. Art. 2.º O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a Assembleia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do seu Presidente. Art. 3.º A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos Membros da Assembleia Nacional Constituinte.”
72FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional cit., p. 32.
73AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional cit., p. 15.
74Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional cit., p. 45.
75Firmando a existência de direito adquirido ante a emenda constitucional. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O direito adquirido e o direito administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, n. 24, p. 60, 1998. Defendendo a impossibilidade de direito adquirido perante a emenda constitucional: MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 431.
76Cf. RE 140.894, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 09.08.1996.
77Cf. RE 94.414, rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 114/237. Entretanto, em um julgado específico, em que julgava o direito aos proventos de aposentadoria aos membros aposentados do STF, a Corte Suprema decidiu que seus Ministros aposentados possuíam direito adquirido a receber acima do teto constitucional instituído pela EC 41/2003 (MS 24.875/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 06.10.2006), mas, em razão da especificidade do julgado, não podemos afirmar que foi uma mudança de entendimento.
78Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Poder constituinte e direito adquirido. Revista de Direito Administrativo, n. 210, 1997, p. 9), José Afonso da Silva (Reforma constitucional e direito adquirido. Revista de Direito Administrativo, n. 213, 1998, p. 131), Celso Antonio Bandeira de Mello (O Direito adquirido e o direito administrativo. Revista Trimestral de Direito Público, n. 24, 1998, p. 60).
79BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 191. v. II.
80ADI 493/DF, Min. Moreira Alves, DJ. 04.09.1992.
81“A Constituição tem eficácia imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Para alcançar, porém, hipótese em que, no passado, não havia foro especial que só foi outorgado quando o réu não mais era Prefeito – hipótese que configura retroatividade média, por estar tramitando o processo penal –, seria mister que a Constituição o determinasse expressamente, o que não ocorre no caso” (RE 168.618/PR, Rel. Min. Moreira Alves. DJ 09.06.1995).
82SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo cit., p. 66.
83Por todos, SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo cit., p. 45, in verbis: “A rigidez decorre da maior dificuldade para sua modificação do que a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial consequência, o princípio da supremacia da constituição”.
84SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo cit., p. 64.
85MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 205; MORAES, Guilherme Peña de. Direito constitucional. Teoria da Constituição cit., p. 36; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo cit., p. 66, dentre outros.
86MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 206.
87“Mandado de segurança contra ato da mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional, que a impetração alega ser tendente à abolição da República. Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (como no caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a constituição não quer – em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas – que sequer se chegue a deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a constituição. Inexistência, no caso, da pretendida inconstitucionalidade, uma vez que a prorrogação de mandato de dois para quatro anos, tendo em vista a conveniência da coincidência de mandatos nos vários níveis da federação, não implica introdução do princípio de que os mandatos não mais são temporários, nem envolve, indiretamente, sua adoção de fato. Mandado de segurança” (MS 20.257/DF, rel. Min. Décio Miranda, DJU 27.02.1981) (grifo do autor).
88FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio. 6. ed. Curitiba: Positivo. p. 82.
89MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Ed. Coimbra, 1988. p. 155.
90Nesse sentido, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 357 e STF in verbis: “I – Ação direta de inconstitucionalidade: seu cabimento – sedimentado na jurisprudência do Tribunal – para questionar a compatibilidade de emenda constitucional com os limites formais ou materiais impostos pela Constituição ao poder constituinte derivado: precedentes. II – Previdência social (CF, art. 40, § 13, cf. EC 20/1998): submissão dos ocupantes exclusivamente de cargos em comissão, assim como os de outro cargo temporário ou de emprego público ao regime geral da previdência social: arguição de inconstitucionalidade do preceito por tendente a abolir a ‘forma federativa do Estado’ (CF, art. 60, § 4.º, I): improcedência. 1. A ‘forma federativa de Estado’ – elevado a princípio intangível por todas as Constituições da República – não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição; de resto, as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4.º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege...” (ADI 2.024, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 22.06.2007) (grifo do autor).
91Por todos, PILATTI, Adriano. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (Coord. científica); PINTO FILHO, Francisco Bilac; RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz (Coord. editorial). Comentários à Constituição de 1988 cit., p. 883, in litteris: “Desse modo, se é possível objetar, contra os defensores do unicameralismo, que a preservação de uma casa de representação federativa é condição essencial para subsistência da própria forma Federativa de Estado (art. 60, § 4.º, I)”.
92SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo cit., p. 67.
93MS 24.875/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06.10.2006; ADI 939/DF, rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.03.1994; ADI 3.685/DF, rel. Min. Ellen Gracie, DJU 10.08.2006, dentre outros.
94MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional cit., p. 215.
95LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado cit., 2011, p. 294-295.
96ADI 981 MC/PR, rel. Min. Néri da Silveira, DJU 15.08.1994.
97Termo utilizado por BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo cit., p. 127.
98MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Ed. Coimbra, 2000. t. II, p. 131.
99AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional cit., p. 21.
100 DAU-LIN, Hsu. Mutación de la Constitución. Trad. Pablo Lucas Verdú e Christian Forster. Oñati: Instituto Vasco de Administración Pública, 1998. p. 63.
101 DANTAS, Ivo. Poder constituinte e revolução: breve introdução à teoria sociológica do direito constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1978. Cap. IV, apud LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado cit., 2011, p. 172.
102 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo cit., p. 127.
103 Idem, p. 134.
104 BULLOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 175-176.
105 O art. 62, § 10, da CR, com a redação dada pela EC 32/2001, dispõe: “É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso do prazo”.
106 Cf. CONTINENTINO, Marcelo Casseb. In: BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura (Coord. científica); PINTO FILHO, Francisco Bilac; RODRIGUES JÚNIOR, Otávio Luiz (Coord. Editorial). Comentários à Constituição de 1988 cit., p. 46 e ss.
107 A nosso entender, um exemplo de mutação inconstitucional praticado pelo STF é a reinterpretação do art. 52, X, da CR, em que “o Min. Eros Grau, em voto-vista, julgou procedente a reclamação, acompanhando o voto do relator, no sentido de que, pelo art. 52, X, da CF, ao Senado Federal, no quadro de uma verdadeira mutação constitucional, está atribuída competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, haja vista que essa decisão contém força normativa bastante para suspender a execução da lei” (Rcl 4.335/AC, DJU 19.04.2007). Ora, se no texto do art. 52, X, está escrito “suspender a execução de lei”, não poderiam os Ministros reinterpretar para entender “dar publicidade à decisão do Supremo”. Isso é transformar o Judiciário em legislador. Ademais, a Súmula Vinculante possibilita que as decisões do Supremo, proferidas em controle difuso, produzam efeitos erga omnes, como ressaltou o Ministro Joaquim Barbosa, em voto divergente, no mesmo julgado citado.
108 AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional cit., p. 22.
109 “Afirmou-se que o Distrito Federal não se traduziria nem em Estado-membro nem em Município, mas estaria bem mais próximo da estruturação do primeiro, o que estaria demonstrado em diversos dispositivos da Constituição Federal (artigos 24; 32, § 3.º; 34; 92, VII; 103, IV)…” (ADI 3.756/DF, rel. Min. Carlos Britto, 21.06.2007).
110 PORTO, Noemia. Temas relevantes de Direito Constitucional – Poder Constituinte. Brasília: Fortium, 2005. p. 54/5.
111 COOLEY, Thomas M. Princípios gerais de direito constitucional nos Estados Unidos da América. Trad. Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2002. p. 338.
112 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder constituinte do Estado-membro. São Paulo: RT, 1979. p. 130.
113 HORTA, Raul Machado. A autonomia do Estado-membro no direito constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Graf. Santa Maria, 1964. p. 67.
114 Redação do art. 34, VII, CRFB/1988.
115 “... A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estendese aos membros das assembleias legislativas estaduais – garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais...” (ADI 3.619/SP, rel. Min. Eros Grau, DJ 20.04.2007).
116 HORTA, Raul Machado. Op. cit., p. 225.
117 “Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado de Sergipe contra diversos dispositivos da Constituição estadual. Declarou-se a inconstitucionalidade da expressão ‘realizado antes da sua eleição’, constante do inc. V do art. 14, que estabelece a perda do mandato do Prefeito ou do Vice-Prefeito que assumir outro cargo na Administração Pública, ressalvada a hipótese de posse em virtude de aprovação em concurso público realizado antes de sua eleição. Entendeu-se que a expressão impugnada não constaria do disposto no parágrafo único do art. 28 da CF (‘Perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, I, IV e V.’), de observância obrigatória pelos Estados-membros...” (ADI 336/SE, rel. Min. Eros Grau, j. 10.02.2010).
118 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 117.
119 Dentre outras cito ADI 2.931, rel. Min. Eros Grau, DJU 29.09.2006; ADI 2.997, rel. Min. Cezar Peluso, DJU 06.11.2003; ADI 1.348, rel. Min. Cármen Lúcia, DJU 07.03.2008; ADI 230/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 01.02.2010.
120 “... No julgamento da ADI 425, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19.12.2003, o Plenário desta Corte já havia reconhecido, por ampla maioria, a constitucionalidade da instituição de medida provisória estadual, desde que, primeiro, esse instrumento esteja expressamente previsto na Constituição do Estado e, segundo, sejam observados os princípios e as limitações impostas pelo modelo adotado pela Constituição Federal, tendo em vista a necessidade da observância simétrica do processo legislativo federal. Outros precedentes: ADI 691, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.06.1992; ADI 812-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 14.05.1993” (ADI 2.391/SC, rel. Min. Helen Gracie, DJ 16.03.2007).
121 MORAES, Guilherme Peña de. Direito constitucional. Teoria da Constituição cit., p. 58.
122 Nesse sentido, MORAES, Guilherme Peña de. Direito constitucional. Teoria da Constituição cit., p. 56; TJRJ. Proc. 1999.007.00024, rel. Des. Sylvio Capanema de Souza, DORJ 28.09.1999; TJRJ. Proc. 1999.007.00045, rel. Des. Martinho Campos, DORJ 23.09.1999.
123 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder constituinte do Estado-membro cit., p. 249, 251, passim.